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    A terceira

    7o Congresso da Ecole Freudienne de Paris

    Jacques Lacan - 31/10/1974

    31 de outubro, 1o, 2 e 3 de novembro de 1974 - Roma - Sesso de 31 de outubro de 1974, quinta-feira

    O Congresso aberto s 14 horas pelo Dr. Jacques Lacan.

    J. Lacan - Direi algumas palavras de abertura porque me pediram. Serei breve, espero.

    Convencionou-se chamar de sucesso o brua, isto , o que faz multido. Convencionou-se isso nopblico. Mas para ns, analistas, este sucesso no tem nada a ver com o que nos interessa; e este

    sucesso algo bem diferente do que seria o nosso, quero dizer, aquele ao qual ns nos referimos

    quando falamos daquilo que somos feitos para registrar, ou seja, o fracasso. O fracasso o que

    opomos ao sucesso. Mas o sucesso que assim supomos - somos bem forados a sup-lo, j que o

    que nos caracteriza na maioria das vezes o fracasso e sobre isso sabemos um tanto - este

    sucesso, portanto, que nosso plo suposto na medida em que partimos do fracasso, este

    sucesso nada tem a ver com nenhum sucesso, sucesso assim: um ajuntamento.

    O sucesso, para ns, limita-se ao que eu chamarei de resultado. Devo dizer que sobre isso, sobre

    resultados, aqueles que contam, eu registrei alguns, at mesmo bem recentemente. Aconteceu de

    me enviarem - recebi, no sei se seu autor est presente - um magnfico trabalho sobre a

    escritura e a psicanlise. de um autor que mora no sul da Frana. E, por causa disso, ele s

    consegue ecos do que eu ensino. No pode estar presente todo o tempo quando eu falo. Ento, h

    de certo modo uma coisinha que no tem nada a ver, o que me garante, pois, que o resto bem

    de sua autoria; o que no tem nada a ver a maneira como as citaes que ele faz de mim no

    colam. Mas o que ele fez realmente excelente. Ele est, por assim dizer, na onda; a onda de que

    se trata no tem nada a ver com o fato de que vocs faam de mim um sucesso. Seria

    conveniente, claro, que eu lhes agradecesse, mas afinal de contas por que vocs no

    agradeceriam a vocs mesmos? A funo da mensagem ser recebida sob uma forma invertida, e

    quando se diz a algum "coitadinho" sempre de si que se lamenta. Ento, agradeam a vocs!

    A onda em questo, esta onda que forosamente, devo dizer, no me desagrada, aquela pela

    qual me encontro no momento, graas ao sucesso, um pouco encarregado. Mas, como j lhes

    disse, isso d resultados, resultados positivos quando uma coisa se mantm, como esse texto que

    acabo de citar e que vou me esforar para que seja publicado em algum lugar, em minha revista,

    espero. A onda em questo, sei que sou responsvel por ela. O que aprecio antes de tudo

    naqueles que querem entrar nessa onda o modo como eles a pegam, a autenticidade de sua

    [LA1] Comentrio: Somos feitos pararegistrar o fracasso.

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    navegao. Espero, estou at mesmo certo, por j ter conhecimento, de que vocs terotestemunhos disso aqui.

    Vamos comear hoje pelo que seu objeto, ou seja, este seminrio sobre o real, do qual vocs

    sabem, suponho, ao menos alguns de vocs, que esta uma das categorias s quais me refiro.

    Solange Falad que est aqui e que uma das maiores a saber entrar nessa onda, vai presidir

    esta sesso e lev-la a seu termo.

    A terceira

    Ttulo original: "La Troisime" - Jacques Lacan - Rome 1er novembre 1974 (aprs-midi) - 7e Congrs de l'cole

    Freudienne de Paris - Lettres de l'cole Freudienne de Paris, 1975, n16, pp. 177-203

    A terceira ( o ttulo). A terceira, ela retorna, sempre a primeira, como diz Grard de Nerval.

    Objetaremos que isso faa disco? Por que no, se isso diz (o) qu.

    Ainda preciso, esse "diz (o) qu", escut-lo, por exemplo, como o disco-urso de Roma.

    Se injeto, assim, um pedao a mais de onomatopia n'alngua, no que ela no tenha o direito

    de me retorquir que no h onomatopia que j no se especifique de seu sistema fonemtico

    n'alngua. Vocs sabem que, para o francs, Jakobson o calibrou. grande assim. Em outras

    palavras, por ser do francs que o discours de Rome pode ser escutado disque-ourdrome.

    Atenuo isso observando que "urdroma" um ronrom que admitiriam outras alnguas, se aceito de

    ouvido tal de nossas vizinhas geogrficas, e que isso nos sai naturalmente do jogo da matriz, a de

    Jakobson, que eu especificava h pouco.

    Como no posso falar por muito tempo, dou uma dica para vocs. Isso me d a oportunidade

    simplesmente, esse urdroma, de pr a voz sob a rubrica dos quatro objetos ditos por mim "a", isto

    , de (re)esvazi-la da substncia que poderia haver no rudo que ela faz, ou seja, recoloc-la por

    conta da operao significante, aquela que especifiquei dos efeitos ditos de metonmia. De modo

    que a partir da a voz - se assim posso dizer - a voz est livre, livre para ser outra coisa que

    substncia.

    isso. Mas uma outra delineao que quero apontar ao introduzir minha Terceira. A

    onomatopia que me veio de um modo um pouco pessoal me favorece - batamos na madeira - me

    favorece pois o ronrom , sem dvida alguma, o gozo do gato. Quer passe pela laringe ou por

    outro lugar, no sei. Quando os acaricio, parece ser com todo o corpo, e o que me faz entrar

    naquilo de onde quero partir. Parto da, o que no lhes d forosamente a regra do jogo, mas isso

    vir depois. "Penso logo se goza". Isso rejeita o "logo" usual, aquele que diz "gossou". Fao uma

    brincadeirinha sobre isso. Rejeitar aqui para ser ouvido como o que eu disse da foracluso, que

    [LA2] Comentrio: Ours em francs,urso, traz uma conotao de grosseiro,selvagem. Assim, um disco grosseiro,selvagem.

    [LA3] Comentrio: Diversos sentidosde discours de Rome;Discurso de Roma;

    Disco selvagem (urso) de Roma;Diz o que o selvagem (urso) de Romadizque o urso de Roma;

    Disco-pista originriaDisque-ur-drome

    [LA4] Comentrio: Homfono de Ur(alemo)primrio; drome do grago, pista,curso, (p.ex. cartdromo).Assim, pistaoriginria, curso originrio.

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    rejeitar o "gossou", isso reaparece no real. Isso poderia passar por um desafio na minha idade, naminha idade na qual, h trs anos - como se diz quando se quer jogar isso na cara de algum - h

    trs anos, Scrates j estava morto! Mas mesmo que eu defuntasse em seguida - isso poderia

    muito bem me acontecer, aconteceu com Merleau-Ponty, assim, na tribuna - Descartes nunca

    ouviu dizer a respeito do seu "gossou" que ele gozava da vida. No nada disso. Que sentido tem

    isso, seu "gossou"? Exatamente o do meu sujeito, o "eu" da psicanlise.

    Naturalmente ele no sabia, o pobre, ele no sabia, claro, preciso que eu interprete: um

    sintoma. Com efeito, de que que ele pensa antes de concluir que (segu) - a msica do ser, sem

    dvida? Ele pensa do saber da escola com o qual os jesutas, seus mestres, encheram-lhe os

    ouvidos. Ele constata que fraco. Seria farinha do melhor saco, claro, se ele se desse conta que

    seu saber vai bem mais longe do que cr aps a escola, que tem gua na gasolina, se posso dizer

    assim, pelo fato de que ele fala, pois, ao falar alngua, ele tem um inconsciente, e ele est

    largado, como qualquer um que se respeite; isso que eu chamo um saber impossvel de alcanar

    para o sujeito, enquanto que ele, o sujeito, h somente um significante que o representa junto a

    esse saber; um representante, se posso dizer, de comrcio, com este saber constitudo, para

    Descartes, como era usual na sua poca, de sua insero no discurso em que nasceu, ou seja, o

    discurso que chamo do mestre, o discurso do fidalgote. bem por isso que ele no sai disso com

    seu "penso logo gossou".

    Ainda assim, melhor do que o que diz Parmnides. A opacidade da conjuno do noein e do, ele

    no sai disso, esse pobre Plato; se no fosse ele, o que saberamos de Parmnides? Mas isso no

    impede que ele no saia disso, e que se ele no nos transmitisse a histeria genial de Scrates, o

    que tiraramos dela?

    Quanto a mim, eu derreei durante essas pseudofrias com o sofista. Devo ser sofista demais,

    provavelmente, para que isso me interesse. Deve ter a alguma coisa em relao qual eu sou

    tapado. No aprecio. Faltam-nos uns troos para apreciar. Falta-nos saber o que era o sofista

    naquela poca. Falta-nos o peso da coisa.

    Retornemos ao sentido do "gossou". No simples. O que, na gramtica tradicional, se pe a

    ttulo da conjugao de um certo verbo ser - para o latim, ento todo mundo se apercebe disso,

    fui no se soma com sum. Sem contar com o resto do bricabraque. Eu passo. Eu passo adiante

    tudo o que aconteceu quando os selvagens, os gauleses se puseram a ter que se virar com isso.

    Eles deslizaram o est para o lado do stat. Eles no so os nicos por sinal. Na Espanha, eu acho

    que foi a mesma coisa. Enfim, a lingisteria se vira com isso tudo como pode. No vou agora

    repetir o que faz os domingos de nossos estudos clssicos.

    Resta, no entanto, que podemos nos perguntar de que carne esses seres - que so alis seres de

    mito, cujo nome coloquei a: Umdoiseuropeus, eles foram inventados de propsito, so os

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    mitemas - podemos nos perguntar o que eles podem meter na cpula deles (em toda parte salvoem nossas lnguas, simplesmente qualquer coisa que serve de cpula) - enfim, alguma coisa

    como a prefigurao do Verbo encarnado? Diremos isso, aqui!

    Isso me chateia. Acharam que iam me agradar fazendo-me vir a Roma. Eu no sei por qu. H

    locais demais para o Esprito Santo. O que o Ser tem de supremo se no por essa cpula?

    Enfim, eu me diverti em interpor o que se chama de pessoas e toquei num negcio que me

    divertiu: me-s-tu-me; mas-tu-me; isso d para se embrulhar: me amas-tu hum? Na realidade,

    a mesma coisa. a histria da mensagem que cada um recebe sob sua forma invertida. Eu digo

    isso h muito tempo e isso provocou risadas. Na verdade, eu o devo a Claude Lvi-Strauss. Ele se

    virou para uma de minhas excelentes amigas que sua mulher, que Monique, para cham-la

    pelo seu nome e lhe disse, em relao ao que eu expressava, que era isso, que cada um recebia

    sua mensagem sob uma forma invertida. Foi Monique que me contou. Eu no podia encontrar uma

    frmula mais feliz para o que queria dizer naquele momento. Mesmo assim, foi ele quem me deu a

    dica. Vejam vocs, pego o que constitui meu bem onde o encontro.

    Eu passo sobre os outros tempos, sobre a sustentao do imperfeito. Eu era. Ah! O que que

    voc sustenta desse era? E depois o resto. Passemos, porque preciso que eu avance. O

    subjuntivo, ele engraado. Que seja - como por acaso! Descartes no se engana: Deus o dizer.

    Ele v muito bem que Deuzer o que faz ser a verdade, o que dela decide como quer. Basta

    deuzer como eu. a verdade, no h como escapar. Se Deus me engana, azar, a verdade pelodecreto do deuzer, a verdade de ouro. Bom, passemos. Fao aqui, at agora, algumas

    observaes em relao s pessoas que arrastaram consigo a crtica para o outro lado do Reno

    para acabar beijando o traseiro de Hitler. Isso me faz ranger os dentes.

    Ento, o simblico, o imaginrio e o real, isso o nmero um. O incrvel que isso tenha tomado

    sentido; e tomado sentido arrumado assim. Nos dois casos, por minha causa, do que chamo de

    vento do qual sinto que no posso nem mesmo mais prev-lo, o vento com o qual se enfunam as

    velas em nossa poca. Logo, evidente, no incio, o sentido no falta. nisso que consiste o

    pensamento: palavras introduzem no corpo algumas representaes imbecis. Pronto, vocs tm o

    troo, vocs tm a o imaginrio, e que alm do mais bota as tripas pra fora - isso no quer dizer

    que temos o rei na barriga, no, ele desembucha novamente o qu? Como por acaso uma

    verdade, uma verdade a mais. o cmulo. Que o sentido se aloje nele nos d ao mesmo tempo

    os dois outros como sentido. O idealismo, cuja imputao todo mundo repudiou assim, o idealismo

    est por detrs disso. As pessoas s pedem isso, isso as interessa, visto que o pensamento bem

    o que h de mais cretinizante a agitar o guizo do sentido.

    Como tirar da cabea de vocs o emprego filosfico de meus termos, isso quer dizer, o emprego

    sujo, quando, por outro lado, preciso que isso entre, mas seria melhor que isso entrasse em

    [LA5] Comentrio: Em francs as trsexpresses so homfonas com umainverso de letras na ltima. Produz-se umequvoco entre mes (me-s), mais (mas tume) maimes tu (me amas tu hum). Originalem francs: mes-tu -me ; mai s-tu-me ; a

    permet de sembrouiller: maimes-tumm ?

    [LA6] Comentrio: MUITOIMPORTANTE!!

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    outro lugar. Vocs imaginam que o pensamento est nos miolos. No vejo por que os dissuadiriadisso. Quanto a mim, estou certo - estou bem certo, negcio meu - que isso se passa nos

    subcutneos frontais no ser falante, exatamente como no ourio-cacheiro. Adoro os ourios-

    cacheiros. Quando vejo um, coloco-o no meu bolso, no meu leno. Naturalmente, ele mija. At

    que o leve para o gramado na minha casa de campo. E a, adoro ver se produzir esse pregueado

    dos subcutneos frontais. Depois do qu, exatamente como ns, ele se ouria.

    Enfim, se vocs podem pensar com os subcutneos frontais, vocs podem tambm pensar com os

    ps. Pois bem, a que gostaria que isso entrasse, j que afinal de contas o imaginrio, o

    simblico e o real, isso feito para que aqueles desse agrupamento que so os que me seguem,

    para que isso os ajude a trilhar o caminho da anlise.

    Essas rodinhas de barbante que me matei de tanto desenhar para vocs, essas rodinhas debarbante no se trata de faz-las ronronar. Seria preciso que isso servisse a vocs, e que issoservisse justamente errncia da qual lhes falava esse ano, que isso servisse para vocs sedarem conta da topologia.

    Esses termos no so tabu. O que seria preciso que vocs sacassem. Eles esto a muito antes

    daquela que implico em dizer a primeira, a primeira vez que falei em Roma; tirei-os, esses trs,

    depois de ter cogitado bastante, tirei-os bem cedo, muito antes de me ter metido nisso, no meu

    primeiro discurso de Roma.

    Que sejam essas rodinhas do n borromeu, isso no tampouco uma razo para que vocs a

    tropecem. No isso que chamo pensar com os ps. Haveria que deixar a alguma coisa bemdiferente de um membro - falo dos analistas - haveria que deixar a este objeto insensato que

    especifiquei de "a". isso, o que se pega no cerramento do simblico, do imaginrio e do real

    como n. ao peg-lo bem que vocs podem responder ao que sua funo: oferec-lo ao

    analisante como causa do desejo dele. isso que se trata de obter. Mas se vocs ficam com a

    pata presa a tambm no muito bom. O importante que isso se passe s custas de vocs.

    Para dizer as coisas claramente, aps esse repdio do "gossou", eu me divertirei dizendo a vocs

    que esse n, preciso s-lo. Ento, se ainda acrescento o que vocs sabem depois do que eu

    tinha articulado durante um ano sobre os quatro discursos sob o ttulo "O Avesso da Psicanlise",

    resta que do ser, preciso que vocs dele s faam o semblante. Isso forte demais! tanto

    mais forte que no basta ter dele a idia para dele fazer o semblante.

    No imaginem que tive, quanto a mim, a idia disso. Eu escrevi "objeto a". completamente

    diferente. Isso o aparenta lgica, quer dizer que isso o torna operante no real a ttulo do objeto

    do qual precisamente no se tem idia, o que, preciso diz-lo, era um buraco at agora presente

    em toda teoria, seja ela qual for, o objeto do qual no se tem idia. o que justifica minhas

    reservas, as que fiz h pouco a respeito do pr-socratismo de Plato. No que ele no tenha

    [LA7] Comentrio: Objeto a.

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    pressentido isso. O semblante, ele banha nele sem o saber. Isso o obseda, mesmo que ele no osaiba. Isso s quer dizer uma coisa, que ele o sente, mas no sabe por que assim. Donde esse

    insuporte, esse insuportvel que ele propaga.

    No h um s discurso onde o semblante no conduza o jogo. No se v por que o ltimo a

    chegar, o discurso analtico, escaparia a isso. Mesmo assim, isso no uma razo para que nesse

    discurso, sob o pretexto de que o ltimo a chegar, vocs no se sintam vontade a ponto de

    fazer dele, segundo o uso no qual se engonam seus colegas da Internacional, um semblante mais

    semblante que o natural, afixado; lembrem-se mesmo assim que o semblante do que fala como

    tal est sempre a em toda espcie de discurso a ocup-lo; mesmo uma segunda natureza.

    Ento relaxem, sejam mais naturais quando vocs recebem algum que vem lhes pedir anlise.

    No se sintam to obrigados a darem uma de importante. Mesmo como bufes, vocs esto

    justificados. S precisam assistir minha televiso. Sou um palhao. Tomem exemplo nisso e no

    me imitem! A seriedade que me anima a srie que vocs constituem. Vocs no podem ao

    mesmo tempo estar nela e s-la.

    O simblico, o imaginrio e o real, isso o enunciado do que efetivamente opera nas suas falas

    quando vocs se situam a partir do discurso analtico, quando analistas vocs so. Mas esses

    termos somente emergem verdadeiramente para e por esse discurso. No tive que colocar

    inteno nisso, s tive que seguir, eu tambm. O que no quer dizer que isso no esclarea os

    outros discursos, mas isso tambm no os invalida. O discurso do mestre, por exemplo, seu fim,

    que as coisas andem no passo de todo mundo. Pois bem, isso no de modo algum a mesma

    coisa que o real, porque o real, justamente, o que no anda, uma pedra no meio do caminho,

    bem mais, o que no cessa de se repetir para entravar essa marcha.

    Eu disse isso inicialmente sob essa forma: o real o que retorna sempre ao mesmo lugar. A

    nfase deve ser dada ao "retorna". o lugar que ele descobre, o lugar do semblante. difcil

    institu-lo s do imaginrio como em princpio a noo de lugar parece implic-lo. Felizmente,

    temos a a topologia matemtica para nos servir de apoio. o que tento fazer.

    Num segundo tempo, ao defini-lo, esse real, foi do impossvel de uma modalidade lgica que

    tentei apont-lo. Suponham, efetivamente, que no haja nada de impossvel no real. Os doutos

    fariam uma cara esquisita, e ns tambm! Mas que caminho foi preciso percorrer para se

    aperceber disso! Durante sculos, acreditou-se que tudo era possvel. Enfim, no sei, talvez

    alguns de vocs tenham lido Leibniz. Ele s escapava dessa pelo "compossvel". Deus fez o que

    pde, era preciso que as coisas fossem possveis juntas. O que h de trama e mesmo de tramia

    por trs de tudo isso no imaginvel. Talvez a anlise nos leve a considerar o mundo como o

    que ele : imaginrio. Isso s pode ser feito ao se reduzir a funo dita de representao, ao

    coloc-la l onde ela est, ou seja, no corpo. Disso se suspeita h muito tempo. mesmo nisso

    [LA8] Comentrio: O discurso domestre e o Real: o primeiro faz as coisasandarem ao passo do mundo; o segundo,entrava. Seriam a norma e o fora da norma?

    [LA9] Comentrio: A funoimaginria est no corpo.

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    que consiste o idealismo filosfico. S que o idealismo filosfico chegou a isso, mas enquanto nohavia cincia isso s podia fech-la, no sem uma sobrinha: resignando-se, eles esperavam os

    signos do alm, do nmeno, como eles chamavam. Foi por essa razo que, mesmo assim, alguns

    bispos entraram na histria, o bispo Berkeley notadamente, que na sua poca era imbatvel, e a

    quem isso convinha muito bem.

    O real no o mundo. No h nenhuma esperana de atingir o real pela representao. No vou

    comear a argir aqui a teoria dos quanta, da onda, do corpsculo. Seria melhor de qualquer

    forma que vocs estivessem por dentro, mesmo que isso no lhes interesse. Mas para ficar por

    dentro, faam isso vocs mesmos, basta abrir alguns livrinhos de cincia.

    O real, da mesma maneira, no universal, o que quer dizer que ele s todo no sentido estrito

    de que cada um de seus elementos seja idntico a si mesmo, mas no podendo se dizer "todos".

    No h "todos os elementos", s h conjuntos a determinar em cada caso. No vale a pena

    acrescentar: tudo. Meu S1 s tem o sentido de pontuar isto a, este significante - letra que

    escrevo S1, significante que s se escreve fazendo isso sem nenhum efeito de sentido. O

    homlogo, em suma, do que acabo de dizer do objeto "a".

    Enfim, quando penso que me diverti um tempo jogando com esse S1 que tinha elevado

    dignidade do significante Um, que joguei com este Um e o "a" enodando-os pelo nmero ureo,

    isso o mximo! o mximo, quero dizer que isso ganha em importncia ao ser escrito. Na

    verdade, era para ilustrar o quanto vo qualquer coito com o mundo, isto , do que se chamouat aqui de conhecimento3. Com efeito, no h nada a mais no mundo que um objeto "a", coc ou

    olhar, voz ou teta que fende o sujeito e o maquia em dejeto, que ele ex-siste ao corpo. Para fazer

    disso o semblante, preciso ter talento. particularmente difcil, mais difcil para uma mulher

    do que para um homem, contrariamente ao que se diz. Que a mulher seja o objeto "a" do homem

    de vez em quando, isso no quer dizer de jeito algum que tenha gosto em s-lo. Mas, enfim, isso

    acontece. Acontece de ela se parecer com ele naturalmente. No h nada que se parea mais com

    um coc de mosca do que Anna Freud. Isso deve lhe servir!

    Vamos falar srio. Voltemos a fazer o que estou tentando. Preciso sustentar esta Terceira a partir

    do real que ela comporta, eis por que lhes coloco a questo da qual vejo que as pessoas que

    falaram comigo, antes de mim, suspeitam um pouco, no somente suspeitavam mas at mesmo

    disseram - o fato de terem dito assinala que suspeitavam disso - a psicanlise um sintoma?

    Vocs sabem que quando fao uma pergunta porque tenho a resposta. Mas, enfim, seria melhor

    que fosse a resposta certa. Chamo de sintoma o que vem do real. Quer dizer que isso se

    apresenta como um peixinho cujo bico voraz s se fecha ao colocar sentido entre os dentes.

    Ento, de duas uma: ou isso o faz proliferar (Crescei e multiplicai-vos, disse o Senhor, o que

    mesmo assim algo um tanto exagerado, que deveria nos fazer torcer o nariz, este emprego do

    [LA10] Comentrio:Na transcrio,aparece o termo consquence

    [conseqncia], mas na alocuo originalouve-se connaissance [conhecimento]. (N.T.).

    [LA11] Comentrio: Psicanlise comosintoma. O sintoma o que vem do Real. O

    Real s se fecha quando coloca sentidoentre os dentes. Interessante que, noautismo, por no haver sentido cientfico,esta ilustrao do peixinho parece se

    repetir. Todos ficam rodeando em torno daquesto que continua sem sentido. Ou o

    sentido faz este peixe proliferar (o autismo,o Real) ou ento ele morre por causa dosentido. Ver pargrafo seguinte. Lacanafirma que o Real do sentoma deveria

    morrer disso.

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    termo de multiplicao: ele, o Senhor, sabe no entanto o que uma multiplicao, no essaabundncia de peixinho), ou ento ele morre disso.

    O que seria melhor, ao que deveramos nos esforar, que o real do sintoma morresse disso e

    a est a questo: como fazer?

    Numa poca em que me propagava em servios que no nomearei (embora nas minhas folhas eu

    faa aluso a isso, que ser impresso, preciso pular um pouco), numa poca em que eu tentava

    fazer com que se entendesse nos servios de medicina o que era o sintoma, eu no dizia isso

    exatamente como agora, mas mesmo assim talvez seja um Nachtrag, mesmo assim acho que j

    sabia disso, ainda que no tivesse feito surgir da o imaginrio, o simblico e o real. O sentido do

    sintoma no aquele com o qual ns o alimentamos para sua proliferao ou extino, o sentido

    do sintoma o real, na medida em que ele se atravessa a para impedir que as coisas andem, no

    sentido de que elas do conta de si mesmas de maneira satisfatria - satisfatria ao menos para o

    mestre, o que no quer dizer que o escravo sofra com isso de alguma maneira, longe disso; ele, o

    escravo, nesse caso, est numa boa muito mais do que se cr, ele que goza, contrariamente ao

    que diz Hegel, que deveria ainda assim se dar conta disso, visto que foi por isso mesmo que se

    deixou levar pelo mestre; ento Hegel lhe promete ainda por cima um futuro; ele est plenamente

    satisfeito! Isso tambm um Nachtrag, um Nachtrag mais sublime do que no meu caso, se posso

    dizer assim, porque isso prova que o escravo tinha a felicidade de j ser cristo na poca do

    paganismo. evidente, mas assim mesmo curioso. o maior lucro! Tudo para ser feliz! Nunca

    mais se encontrar isso. Agora que no existem mais escravos, ns estamos reduzidos a raspar o

    tacho, enquanto pudermos, das comdias de Plauto e de Terncio, tudo isso para termos uma

    noo de que eles estavam bem, os escravos.

    Enfim, estou me dispersando. No , no entanto, sem perder o fio do que ela prova, essa

    disperso. O sentido do sintoma depende do futuro do real, logo, como disse imprensa, do xito

    da psicanlise. O que lhe pedimos que ela nos livre tanto do real quanto do sintoma. Se ela

    sucede, tem sucesso neste pedido, podemos esperar tudo - digo isso assim, vejo que h pessoas

    que no estavam nessa entrevista imprensa, para elas que digo isso - ou seja, um retorno da

    verdadeira religio, por exemplo, que como vocs sabem no parece estar definhando. Ela no

    louca, a verdadeira religio, todas esperanas lhe servem, se assim posso dizer; ela as santifica.Ento claro, isso lhe permitido.

    Mas se a psicanlise tem xito, ela se apagar por no ser seno um sintoma esquecido. Ela no

    deve se espantar com isso, o destino da verdade tal qual ela mesma o coloca no princpio. A

    verdade esquecida. Logo, tudo depende de que o real insista. Para isso, preciso que a

    psicanlise fracasse. preciso reconhecer que ela toma esta via e que ela tem, pois, ainda boas

    chances de permanecer um sintoma, de crescer e de se multiplicar. Psicanalistas no mortos,

    [LA12] Comentrio: O sentido dosintoma o real, na medida em que eleimpede que as coisas andem de formasatisfatria, normal (?). Satisfatria para

    o mestre, quem dita as normas

    [LA13] Comentrio: O sentido dosintoma depende do futuro, do porvir doreal, do xito da psicanlise. Esta entrevista

    a imprensa que Lacan se refere estpublicada como O triunfo da religio.

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    segue carta! Mas, de qualquer forma, desconfiem. Talvez seja minha mensagem sob uma formainvertida. Talvez tambm esteja me precipitando. a funo da pressa que coloquei em evidncia

    para vocs.

    No entanto, o que lhes disse pode ter sido mal entendido, o que acabo de lhes dizer, entendido de

    maneira a ser tomado no sentido de saber se a psicanlise um sintoma social. H apenas um

    sintoma social: cada indivduo realmente um proletrio, isto , no tem nenhum discurso com

    que fazer lao social, em outras palavras, semblante. Foi ao que Marx remediou, remediou de uma

    maneira incrvel. Dito e feito. O que ele emitiu implica que no h nada a mudar. bem por isso,

    alis, que tudo continua exatamente como antes.

    Socialmente, a psicanlise tem uma outra consistncia que a dos outros discursos. Ela um lao a

    dois. nisso que ela se encontra no lugar da falta de relao sexual. Isso no basta de modo

    algum para fazer dela um sintoma social j que uma relao sexual falta em todas as formas de

    sociedade. Isso est ligado verdade que estrutura todo discurso. exatamente por isso, alis,

    que no h uma verdadeira sociedade fundada sobre o discurso psicanaltico. H uma escola, que

    justamente no se define por ser uma sociedade. Ela se define pelo fato de que eu nela ensino

    alguma coisa. Por mais engraado que isso possa parecer, quando se fala da cole Freudienne,

    alguma coisa no gnero do que fizeram os esticos, por exemplo. Inclusive, os esticos tinham

    ainda assim algo como o pressentimento do lacanismo. Foram eles que inventaram a distino do

    signans e do signatum. Em contrapartida, devo a eles meu respeito pelo suicdio. Naturalmente,

    no digo isso pelos suicdios fundados numa brincadeira, mas nessa forma de suicdio que, em

    suma, o ato propriamente dito. No se deve malogr-lo, certo. Sem o qu, no um ato.

    Em tudo isso, ento, no h problemas de pensamento. Um psicanalista sabe que o pensamento

    aberrante por natureza, o que no o impede de ser responsvel por um discurso que solda o

    analisante - a qu? Como algum disse muito bem hoje de manh, no ao analista. O que ele

    disse de manh, eu o exprimo de outro modo, estou contente que isso convirja; ele solda o

    analisante ao par analisante-analista. exatamente a mesma coisa que algum disse hoje de

    manh.

    O instigante de tudo isso que seja do real de que depende o analista nos anos que viro e no o

    contrrio. No de forma alguma do analista que depende o advento do real. O analista tem por

    misso det-lo. Apesar de tudo, o real poderia muito bem desembestar, sobretudo desde que ele

    tem o apoio do discurso cientfico.

    Este at mesmo um dos exerccios do que se chama de fico cientfica, que, devo dizer, no

    leio nunca; mas muitas vezes nas anlises me contam do que se trata; inimaginvel! O

    eugenismo, a eutansia, enfim, todo tipo de eubrincadeiras diversas. Mas onde isso se torna

    engraado quando os prprios doutos so tomados no, claro, pela fico cientfica, mas

    [LA14] Comentrio: SINTOMASOCIAL: H apenas um sintoma social:cada indivduo um proletrio, no temnenhum discurso para fazer lao social.

    Ora, se no tem discurso para fazer laosocial, o autismo seria um bom exemplo?

    [LA15] Comentrio: A escolapsicanaltica se define por no ser umasociedade porque admite a ausncia de

    relao sexual.

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    tomados por uma angstia; mesmo assim isso instrutivo. bem o sintoma tpico de todoacontecimento do real. E quando os bilogos, para nome-los, esses doutos, impem a si prprios

    o embargo de um tratamento de bactrias em laboratrio sob o pretexto de que se fossem

    produzidas duras e fortes demais, elas poderiam muito bem escapulir pelo vo da porta e limpar

    pelo menos toda a experincia sexuada, limpando o falasser, isso ainda assim algo de muito

    instigante. Esse acesso de responsabilidade formidavelmente cmico; toda e qualquer vida

    reduzida finalmente infeco que ela realmente , segundo toda verossimilhana, isso o

    cmulo do "ser pensante"! A dificuldade que nem por isso eles percebem que a morte se localiza

    ao mesmo tempo no que n'alngua, tal como a escrevo, faz disso sinal.

    Seja como for, os "eu" sublinhados acima por mim de passagem nos colocariam, enfim, na apatia

    do bem universal e supririam a ausncia de relao que eu disse impossvel para sempre por esta

    conjuno de Kant com Sade, da qual acreditei dever marcar num escrito o futuro que est na

    cara e no se v, ou seja, o mesmo futuro onde a anlise tem de qualquer jeito o seu

    assegurado. "Franceses, mais um esforo, se quereis ser republicanos". Caber a vocs

    responderem a essa objurgao - embora eu fique sem saber se este artigo fez o mnimo efeito

    em vocs. Foi s um fulaninho que se debateu com ele. No deu em muita coisa. Quanto mais eu

    como meu Dasein, como escrevi no fim de um dos meus seminrios, menos sei o tipo de efeito

    que ele causa em vocs.

    Essa terceira, estou lendo, ao passo que talvez vocs possam lembrar que a primeira que aqui

    retorna tinha pensado dever pr nela minha falncia, j que a imprimiram depois, sob o pretexto

    de que vocs todos tinham o texto em mos. Se hoje s fao ourdroma, espero que isso no crie

    obstculo demais para entenderem o que leio. Se ela demais, me desculpo. A primeira, ento, a

    que retorna para que no cesse de se escrever, necessria, a primeira, "Funo e campo...", disse

    nela o que precisava dizer. A interpretao, emiti, no interpretao de sentido, mas jogo com o

    equvoco. Eis por que dei destaque ao significante na lngua. Eu o designei de instncia da letra,

    isso para me fazer entender apesar do pouco de estoicismo de vocs. Disso resulta, acrescentei

    depois sem mais efeito, que d'alngua que se opera a interpretao, o que no impede que o

    inconsciente seja estruturado como uma linguagem, uma dessas linguagens das quais justamente

    o negcio dos lingistas levar a crer que alngua animada. A gramtica, como eles chamam

    geralmente, ou quando Hjelmslev, a forma. Isso no funciona por si s, mesmo que algum que

    me deve a trilha disso tenha dado destaque gramatologia.

    Alngua o que permite que o voeu [voto] (anseio), considera-se que no por acaso que esse

    seja tambm o veut [quer] de querer, 3a pessoa do indicativo, que o non [no] da negao e o

    nom [nome] nomeante tambm no seja por acaso; que d'eux [deles] "d" antes de "eux", que

    designa aqueles dos quais se fala, seja feito do mesmo modo que o nmero deux [dois] no

    puro acaso, nem muito menos arbitrrio, como diz Saussure. O que preciso conceber a o

    [LA16] Comentrio: A angstia osintoma tpico de todo acontecimento do

    real.

    [LA17] Comentrio: PAUSA

    [LA18] Comentrio: Interpretao,alngua e ICSR.

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    depsito, o aluvio, a petrificao que se marca a partir do manejo por um grupo de suaexperincia inconsciente.

    Alngua no para ser dita viva porque est em uso. antes mesmo a morte do signo que ela

    veicula. No porque o inconsciente estruturado como uma linguagem que alngua no tenha

    que jogar contra seu gozar, j que ela se fez desse prprio gozar. O sujeito suposto saber que o

    analista na transferncia no por nada que suposto se ele sabe em que consiste o

    inconsciente, em ser um saber que se articula d'alngua, o corpo que a fala s estando nela

    enodado pelo real do qual ele se goza. Mas o corpo deve ser compreendido no natural como

    desnodado desse real que, para existir a a ttulo de fazer seu gozo, nem por isso lhe fica menos

    opaco. Ele o abismo menos notado do que seja alngua que, esse gozo, o civiliza, se ouso dizer,

    entendo por isso que ela o leva a seu efeito desenvolvido, aquele pelo qual o corpo goza de

    objetos cujo primeiro, aquele que escrevo com "a", o objeto mesmo, como eu dizia, do qual no

    se tem idia, idia como tal, entendo, exceto a quebr-lo, esse objeto, neste caso seus pedaos

    so identificveis corporalmente e, como estilhaos do corpo, identificados. somente pela

    psicanlise, nisso que esse objeto constitui o cerne elaborvel do gozo, mas ele s se sustenta

    da existncia do n, das trs consistncias de toros, de rodinhas de barbantes que os constituem.

    O estranho esse lao que faz com que um gozo, seja ele qual for, o suponha, esse objeto, e que

    assim o mais-gozar, visto que foi assim que acreditei poder designar seu lugar, ou seja, a respeito

    de nenhum gozo, sua condio.

    Fiz um esquema. Se o caso, no que concerne ao gozo do corpo na medida em que gozo davida, a coisa mais surpreendente que esse objeto, o "a", separa esse gozo do corpo do gozo

    flico. Para isso, preciso que vocs vejam como feito o n borromeu.

    [LA19] Comentrio: Alngua.

    [LA20] Comentrio: Corpo e alngua

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    JA = Jouissance de l'Autre (GO = Gozo do Outro) Jf = Jouissance phallique (Gf = Gozo flico)

    Que o gozo flico se torne anmalo ao gozo do corpo, isso algo que j foi percebido mil vezes.

    No sei quantos caras aqui esto um pouco por dentro dessas histrias babacas que nos chegam

    da ndia, kundalini, como eles chamam. H os que designam assim esta coisa trepadeira ao longo

    de toda sua medula, como eles dizem, porque desde ento se fizeram alguns progressos em

    anatomia, enquanto os outros explicam isso de um modo que concerne espinha do corpo, eles

    imaginam que a medula e que isso sobe aos miolos.

    O fora-do-corpo do gozo flico, para ouvi-lo - e ns o ouvimos esta manh, graas ao meu

    prezado Paul Mathis, que igualmente aquele a quem eu fazia um grande cumprimento pelo que li

    dele sobre escritura e psicanlise, ele nos deu um formidvel exemplo disso hoje de manh. Notem muitas luzes, esse Mishima. E para dizer que foi So Sebastio que lhe deu a oportunidade de

    ejacular pela primeira vez, realmente preciso que isso o tenha impressionado, essa ejaculao.

    Vemos isso todos os dias, gente que nos conta que sua primeira masturbao, eles lembraro

    sempre, que isso arrebenta a tela. De fato, compreende-se bem por que isso arrebenta a tela,

    porque isso no vem de dentro da tela. Ele, o corpo, se introduz na economia do gozo (foi da que

    parti) pela imagem do corpo. A relao do homem, do que se chama por esse nome, com seu

    corpo, se h algo que sublinha bem que ela imaginria, o alcance que a toma a imagem e, no

    incio, sublinhei bem isso, que era preciso para tal, mesmo assim, uma razo no real, e que a

    prematurao de Bolk - no minha, de Bolk, eu nunca quis ser original, quis ser lgico - que

    no h, para explic-la, seno a prematurao, essa preferncia pela imagem que vem do fato de

    que ele antecipa sua maturao corporal, com tudo o que isso comporta, claro, a saber, que ele

    no pode ver um s de seus semelhantes sem pensar que esse semelhante toma seu lugar, logo,

    naturalmente, que ele o vomita.

    Por que ele assim, to enfeudado sua imagem? Vocs sabem a trabalheira que me deu numa

    poca - porque naturalmente vocs no se aperceberam - a trabalheira que me deu para explicar

    isso. Quis absolutamente dar a essa imagem no sei qual prottipo num certo nmero de animais,

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    a saber, o momento em que a imagem tem um papel no processo germinal. Logo, fui buscar ogafanhoto peregrino, o peixe-espinho, a pomba ... Na realidade, no era de jeito nenhum algo

    como um preldio, um exerccio. Ou diremos: so petiscos, tudo isso? Que o homem goste tanto

    de olhar sua imagem, a est, basta dizer: assim mesmo.

    Porm o que h de mais espantoso que isso permitiu o deslize do mandamento de Deus. O

    homem ainda assim mais prximo de si mesmo no seu ser do que em sua imagem no espelho.

    Ento, o que essa histria do mandamento "amars o prximo como a ti mesmo" se isso no se

    baseia nessa miragem, que mesmo assim algo engraado, mas como essa miragem

    justamente o que o leva a odiar no o seu prximo mas o seu semelhante, uma coisa que

    passaria um pouco ao largo se no se pensasse que pelo menos Deus deve saber o que diz e que

    h alguma coisa que se ama mais ainda para cada um do que a sua imagem.

    O que impressionante o seguinte: que se h alguma coisa que nos d a idia do "se gozar"

    o animal. No se pode dar nenhuma prova disso, mas enfim isso parece estar bem implicado pelo

    que se chama de corpo animal. A questo vem a ser interessante a partir do momento em que

    ampliada e em que, em nome da vida, nos perguntamos se a planta goza. mesmo assim algo

    que tem um sentido, porque foi mesmo assim a que nos deram o golpe. Deram-nos o golpe do

    lrio dos campos. Eles no tecem nem fiam, acrescentaram. Porm certo que, agora, no

    podemos nos contentar com isso, pela simples razo de que justamente o que fazem tecer e

    fiar. Para ns, que vemos isso no microscpio, no h exemplo mais manifesto de que isso

    fiado. Ento, talvez seja disso que eles gozem, de tecer e de fiar. Mas isso deixa, mesmo assim, o

    conjunto da coisa inteiramente flutuante. Resta decidir se vida implica gozo. E se essa questo

    resta duvidosa para o vegetal, isso s faz valorizar ainda mais que ela no o seja para a fala, que

    alngua onde o gozo se deposita, como j disse, no sem mortific-la, no sem que ela se

    apresente como madeira morta, testemunha mesmo assim de que a vida, cuja linguagem rejeita,

    nos d muito bem a idia que algo da ordem do vegetal.

    preciso observar isso de perto. Houve um lingista que insistiu bastante sobre o fato de que o

    fonema, isso nunca faz sentido. O chato que tambm a palavra no faz sentido, apesar do

    dicionrio. Eu garanto que, numa frase, se possa fazer com que qualquer palavra venha dizer

    qualquer sentido. Ento, se podemos fazer com que qualquer palavra venha dizer qualquersentido, onde parar na frase? Onde encontrar a unidade elemento?

    Visto que estamos em Roma, vou tentar aqui dar-lhes uma idia do que gostaria de dizer sobre o

    que esta unidade do significante a ser buscada.

    H, vocs sabem, as famosas trs virtudes ditas justamente teologais. Aqui as vemos

    apresentarem-se s muralhas exatamente em todo lugar sob a forma de mulheres planturosas. O

    mnimo que se pode dizer que aps isso, a trat-las de sintomas, no se fora a barra, porque

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    definir o sintoma como o fiz, a partir do real, dizer que as mulheres o exprimem tambm muitoe muito bem, o real, visto que justamente insisto a respeito de que as mulheres no so todas.

    Ento, sobre isso, a f, a esperana e a caridade, se eu as significo de "feira", "larga-esper-

    ogne"(lasciate ogni speranza [4] um metamorfema como qualquer outro, j que h pouco vocs

    deixaram passar ourdrome) denomin-los assim e terminar com a rata tpica, a saber,

    "arquirratada" [5], parece-me que uma incidncia mais efetiva para o sintoma dessas trs

    mulheres. Isso parece-me mais pertinente do que - no momento em que se comece a racionalizar

    tudo - formula-se por exemplo como estas trs questes de Kant com as quais eu tive que me

    virar na televiso, a saber: o que posso saber? O que me permitido esperar? ( realmente o

    cmulo!) e o que devo fazer? mesmo muito curioso que ainda estejamos a.

    No que eu considere que a f, a esperana e a caridade sejam os primeiros sintomas a serem

    colocados na berlinda. Estes no so sintomas ruins, mas, enfim, isso mantm perfeitamente a

    neurose universal, quer dizer que no final das contas as coisas no vo to mal assim, e que

    estamos todos submetidos ao princpio da realidade, isto , fantasia. Mas a Igreja est a

    velando, e uma racionalizao delirante como a de Kant pelo menos o que ela tampona.

    Tomei este exemplo para no me atrapalhar no que tinha no incio comeado a dar a vocs como

    jogo, como exemplo do que preciso para tratar um sintoma, quando disse que a interpretao

    deve sempre ser - como se diz, graas a Deus, aqui e ontem ainda, a saber Tostain - o ready-

    made, Marcel Duchamp, que ao menos vocs ouam disso alguma coisa, o essencial que h nojogo de palavras, isso que nossa interpretao deve visar para no ser aquela que alimenta o

    sintoma de sentido.

    E vou confessar-lhes tudo, por que no? Esse troo, esse deslizamento da f, da esperana e da

    caridade para a feira - digo isso porque houve algum na entrevista imprensa que achou que eu

    ia longe demais nesse assunto de f e de feira; um dos meus sonhos, eu tenho decerto o direito,

    tal como Freud, de lhes contar meus sonhos; contrariamente aos de Freud, eles no so

    inspirados pelo desejo de dormir, mais o desejo de despertar que me move. Mas, enfim,

    particular.

    Enfim, este significante-unidade capital. capital, mas o que h de sensvel que sem isso,

    manifesto, o prprio materialismo moderno, podemos estar certos de que ele no teria nascido, se

    h muito tempo isso j no inquietasse os homens, e se nessa inquietao, a nica coisa que se

    mostrasse estar ao seu alcance fosse sempre a letra. Quando Aristteles como qualquer um

    comea a dar uma idia do elemento, preciso sempre uma srie de letras, rsi, exatamente como

    ns. No h alhures nada que d de incio a idia de elemento, no sentido do gro de areia que,

    creio, eu evocava h pouco (talvez esteja tambm num desse troos que pulei, pouco importa) a

    idia do elemento, a idia da qual disse que s se podia contar e nada nos pra nesse gnero; por

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    mais numerosos que sejam os gros de areia - j houve um Arquimedes que o disse - por maisnumerosos que sejam, chegaremos sempre a calibr-los - tudo isso s nos vem a partir de algo

    que no tem melhor suporte seno a letra. Mas isso quer dizer tambm, porque no h letra sem

    alngua, mesmo esse o problema, como que alngua pode precipitar-se na letra? Nunca

    fizemos nada de muito srio sobre a escritura. Mas mesmo assim valeria a pena, porque a est

    exatamente uma juno.

    Ento, que o significante seja posto por mim como representando um sujeito junto a um outro

    significante a funo que se verifica disso, como h pouco algum tambm notou, fazendo de

    alguma forma trilha ao que posso lhes dizer, a funo que s se verifica numa tal decifrao

    que, necessariamente, cifra que retornamos, que esse o nico exorcismo do qual capaz a

    psicnalise, que a decifrao se resume ao que faz a cifra, ao que faz com que o sintoma seja

    algo que antes de tudo no cessa de se escrever do real, e que ir dom-lo at o ponto em que a

    linguagem possa fazer dele equvoco, eis a o meio pelo qual ganho o terreno que separa o

    sintoma do que vou lhes mostrar nos meus desenhozinhos, sem que o sintoma se reduza ao gozo

    flico.

    Meu "se goza" de introduo, o que o testemunho disso para vocs, que o analisante

    presumido de vocs se confirma ser tal pelo fato de que ele retorna; por que, pergunto a vocs,

    por que ele retornaria, haja vista a tarefa em que vocs o colocam, se isso no lhe desse um

    prazer louco? Afora que, ainda por cima, muitas vezes ele acrescenta, a saber, preciso que ele

    ainda faa outras tarefas para satisfazer a anlise de vocs. Ele se goza de alguma coisa, e de

    jeito nenhum se "eugoza", porque tudo indica, tudo deve mesmo indicar que vocs no lhe pedem

    de jeito algum para "daseinar", para estar a, como eu o estou agora, mas antes e muito pelo

    contrrio para pr prova esta liberdade da fico de dizer qualquer coisa que em retorno vai se

    verificar ser impossvel, quer dizer que o que vocs pedem a ele exatamente para deixar essa

    posio que acabei de qualificar de Dasein e que simplesmente aquela com a qual ele se

    contenta; ele se contenta justamente em se queixar disso, isto , em no ser conforme ao ser

    social, a saber, que haja algo que fique atravessado. E, justamente, que algo fique atravessado,

    isso que ele percebe como sintoma, e como tal, sintomtico do real.

    Ento, ainda h a abordagem que ele faz de pens-lo, mas isso o que chamamos de benefciosecundrio em toda neurose.

    Tudo o que digo aqui no obrigatoriamente verdadeiro para a eternidade; alis, isso me

    completamente indiferente. que a prpria estrutura do discurso que vocs s fundam ao

    reformar, at mesmo reformar os outros discursos, enquanto que ao de vocs eles ex-sistem. no

    discurso de vocs que o falasser esgotar esta insistncia que a dele e que nos outros discursos

    fica faltando.

    [LA21] Comentrio: LETRA.

    [LA22] Comentrio: SINTOMA comoalgo que do real no cessa de se escrever.

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    Ento, onde se aloja esse "isso se goza" nos meus registros categricos do imaginrio, dosimblico e do real?

    Para que haja n borromeu, no necessrio que minhas trs consistncias fundamentais sejam

    todas tricas. Como talvez tenha chegado aos seus ouvidos, vocs sabem que uma reta tem a

    possibilidade de se morder o rabo ao infinito. Ento, do imaginrio, do simblico e do real, pode

    haver um dos trs, o real seguramente que se caracteriza justamente pelo que eu disse: por no

    fazer todo, isto , por no se fechar.

    Suponham at que seja a mesma coisa para o simblico. Basta que o imaginrio, a saber, um dos

    meus trs toros, manifeste-se como sendo bem o lugar onde certamente se anda em roda para

    que, com duas retas, isso faa n borromeu. O que vocs vem a talvez no seja por acaso que

    se apresente como o entrecruzamento de dois caracteres da escrita grega. Talvez seja tambm

    algo inteiramente digno de introduzir o n borromeu. Rompam a continuidade da reta assim como

    a continuidade do crculo. O que resta, quer seja uma reta e uma roda, ou quer sejam duas retas,

    inteiramente livre, o que bem a definio do n borromeu.

    Dizendo-lhes tudo isso, tenho a impresso - at mesmo anotei no meu texto - de que a linguagem

    verdadeiramente o que s pode avanar torcendo-se e enrolando-se, contornando-se de uma

    maneira da qual afinal de contas no posso dizer que no dou aqui o exemplo. No se deve

    acreditar que ao aceitar o desafio lanado por ela, ao marcar em tudo o que nos concerne at que

    ponto ns dependemos dela, no se deve acreditar que fao isso assim de bom grado. Acharia

    melhor que isso fosse menos tortuoso.

    O que me parece cmico que simplesmente no se perceba que no h nenhum outro meio de

    pensar e que psiclogos procura do pensamento que no seria falado suporiam de certo modo

    que o pensamento puro, se ouso dizer, seria melhor. No que h pouco avancei de cartesiano, o

    penso logo sou, nomeadamente, existe um erro profundo, que o que o inquieta quando ele

    imagina que o pensamento extenso, se assim se pode dizer. Mas bem o que demonstra que

    no h outro pensamento, se posso dizer, puro, pensamento no submetido s contores da

    linguagem, seno justamente o pensamento da extenso. E, ento, quilo ao qual gostaria de

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    introduzi-los hoje e que, afinal de contas, depois de duas horas, s fracasso, s rastejo, oseguinte: que a extenso que supomos ser o espao, o espao que nos comum, a saber, as

    trs dimenses, por que cargas d'gua isso jamais foi abordado pela via do n?

    Dou uma escapadinha, uma evocao citatria do velho Rimbaud e do seu efeito de barco bbado,

    se posso dizer: "Senti-me libertar dos meus rebocadores".

    No h nenhuma necessidade de rimbarco, nem de poata, nem de Etiopoata, para se levantar a

    questo de saber por que as pessoas que incontestavelmente talhavam pedras - e isso a

    geometria, a geometria de Euclides por que essa gente que tinha ainda assim que ergu-las em

    seguida no alto das pirmides, e no o fazia com cavalos; todos sabem que os cavalos no

    puxavam l grande coisa enquanto no se tinha inventado a coleira, como que, essa gente que

    puxava ela mesma todos esses troos no foi em primeiro lugar a corda e conseqentemente o n

    que veio em primeiro plano na sua geometria? Como que no viram o uso do n e da corda,

    essa coisa na qual a matemtica, mesmo a mais moderna, o caso de se dizer, perde a corda,

    pois no se sabe como formalizar o que tange o n; existe um monte de casos onde se perdem as

    estribeiras; no o caso do n borromeu; o matemtico percebeu que o n borromeu era

    simplesmente uma trana, e o tipo de trana do gnero mais simples.

    evidente, pelo contrrio, que esse n aqui eu o coloquei para vocs no alto (Figura 3) de uma

    maneira tanto mais impressionante que nos permite que nem todas as coisas dependam da

    consistncia trica do que quer que seja, mas ao menos de uma; e essa ao menos uma ela que,se vocs encurtarem indefinidamente, pode lhes dar a idia sensvel do ponto, sensvel pelo fato

    de que se no supomos o n manifestar-se j que o toro imaginrio que coloquei aqui se encurte,

    encurtasse ao infinito, no temos nenhuma idia do ponto, porque as duas retas tal como acabo

    de inscrev-las para vocs, as retas s quais aplico os termos do simblico e do real, elas deslizam

    uma sobre a outra, se posso dizer, a perder de vista. Por que que duas retas sobre uma

    superfcie, sobre um plano, se cruzariam, se interceptariam? Bem que a gente se pergunta! Onde

    que j se viu o que quer que seja que parea com isso? Salvo ao manejar a serra, claro, e

    imaginar que o que faz aresta num volume basta para desenhar uma linha, como que fora deste

    fenmeno do serrar, pode-se imaginar que o encontro de duas retas o que faz um ponto?

    Parece-me que preciso ao menos trs delas.

    Isso, claro, nos leva um pouco mais adiante. Vocs lero este texto que vale o que , mas que ao

    menos divertido.

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    preciso ainda assim que mostre para vocs. Isso certamente designa a maneira como o n

    borromeu, afinal de contas, vai bem ao encontro dessas famosas trs dimenses que imputamos

    ao espao, sem alis nos privarmos de imaginar tantas quantas quisermos e vermos como isso se

    produz. Um n borromeu se produz justamente quando o colocamos nesse espao. Vejam aqui

    uma figura esquerda, e evidentemente fazendo deslizar de uma certa maneira esses trs

    retngulos (Figura 5) que, alis, fazem perfeitamente n por si s, fazendo-os deslizar que se

    obtm a figura de onde sai tudo o que diz respeito ao que lhes mostrei h pouco do que constitui

    um n borromeu, tal como somos obrigados a desenh-lo.

    Ento, esforcemo-nos mesmo assim para ver do que se trata, a saber, que neste real produzem-

    se corpos organizados e que se mantm na sua forma; o que explica que corpos imaginam o

    universo. No entanto, no surpreendente que fora do falasser no tenhamos nenhuma prova de

    que os animais pensam alm de algumas formas s quais supomos que eles sejam sensveis ao

    que eles respondem de maneira privilegiada. Mas a est o que no vemos e que os etologistas,

    coisa muito curiosa, colocam entre parnteses (vocs sabem o que so os etologistas, so pessoas

    que estudam os hbitos e costumes dos animais): no uma razo para que imaginemos que o

    mundo mundo, o mesmo, para todos os animais, se posso dizer assim, enquanto que temos

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    tantas provas de que mesmo que a unidade do nosso corpo nos force a pens-lo como universono evidentemente mundo que ele , ele imundo.

    Mesmo assim, do mal-estar que Freud nota em algum lugar, do mal-estar na civilizao, que

    procede toda nossa experincia. O que h de impressionante que o corpo, para esse mal-estar,

    contribui de um modo que sabemos muito bem animar - animar se posso dizer - animar os

    animais de nosso medo. De que temos medo? Isso no quer dizer simplesmente: a partir de que

    temos medo? De que temos medo? De nosso corpo. o que manisfesta esse fenmeno curioso

    sobre o qual fiz um seminrio um ano todo e que denominei angstia. A angstia justamente

    alguma coisa que se situa alhures em nosso corpo, o sentimento que surge dessa suspeita que

    nos vem de nos reduzirmos ao nosso corpo. Como, mesmo assim, muito curioso que essa

    debilidade do falasser tenha conseguido chegar at a, percebeu-se que a angstia no o medo

    de qualquer coisa da qual o corpo pudesse se motivar. um medo do medo, e que to bem se

    situa em relao ao que hoje gostaria de poder, mesmo assim, dizer-lhes - porque h 66 pginas

    que fiz a estupidez de parir para vocs, naturalmente no vou me meter a falar assim

    indefinidamente - gostaria de pelo menos mostrar-lhes isso: no que imaginei para vocs ao

    identificar cada uma dessas consistncias como sendo a do imaginrio, do simblico e do real, o

    que faz lugar e assento para o gozo flico, esse campo que, ao colocar em plano o n-borromeu,

    especifica-se na interseco que vocs vem aqui

    Essa prpria interseco, tal como as coisas figuram-se do desenho, comporta duas partes, j que

    h uma interveno do terceiro campo que d esse ponto cujo cerramento central define o objeto"a".

    Como lhes disse h pouco, sobre esse lugar do mais-gozar que se liga todo gozo; e ento o que

    externo em cada uma dessas interseces, o que num dos campos externo, em outros termos,

    aqui o gozo flico, o que aqui escrevi do JF, isso que define o que qualifiquei h pouco como

    sendo seu carter fora-do-corpo.

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    A relao a mesma que a do crculo da esquerda, onde jaz o real, em relao ao sentido. nissoque insisto, que insisti, notadamente na entrevista imprensa, que ao nutrir o sintoma, o real,

    de sentido, no se faz outra coisa seno lhe dar continuidade de subsistncia. , ao contrrio,

    enquanto algo no simblico se cerra do que chamei o jogo de palavras, o equvoco, o qual

    comporta a abolio do sentido, que tudo o que concerne ao gozo, e notadamente ao gozo flico,

    pode igualmente se cerrar, pois isso no anda sem que vocs se apercebam do lugar do sintoma

    nesses diferentes campos.

    Eis a tal como ele se apresenta ao se colocar em plano o n borromeu (Figura 7). O sintoma

    irrupo dessa anomalia em que consiste o gozo flico, na medida em que a se mostra, se

    desabrocha essa falta fundamental que qualifico de no-relao sexual. como na interpretao,

    unicamente sobre o significante que porta a interveno analtica que alguma coisa pode recuar

    do campo do sintoma. aqui no simblico, o simblico, na medida em que alngua que o

    suporta, que o saber inscrito d'alngua, que constitui propriamente falando o inconsciente, se

    elabora, ganha sobre o sintoma, isso no impedindo que o crculo marcado a com S no

    corresponda a algo que, desse saber, no ser nunca reduzido, , a saber, o Urverdrngt de

    Freud, o que do inconsciente jamais ser interpretado.

    Em que consiste o que escrevi, em nvel do crculo do real, a palavra "vida"? que,

    incostestavelmente, da vida, depois desse termo vago que consiste em anunciar o gozo da vida,

    da vida no sabemos nada mais, e tudo ao que nos induz a cincia a ver que no h nada de

    mais real, o que quer dizer nada de mais impossvel, do que imaginar como pde dar sua partida

    essa construo qumica que, de elementos repartidos no que quer que seja e que de algum modo

    queiramos qualific-la pelas leis da cincia, comearia de repente a construir uma molcula de

    DNA, ou seja, alguma coisa que para vocs ressaltei que muito curiosamente a que j se v a

    primeira imagem de um n, e que se h algo que deve nos surpreender que se tenha notado to

    tarde que alguma coisa no real - no pouca coisa, a vida mesma - se estrutura de um n. Como

    no se surpreender que, depois disso, no encontremos em lugar algum, nem na anatomia, nem

    nas plantas trepadeiras que pareciam expressamente feitas para isso, nenhuma imagem de n

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    natural? Vou lhes sugerir algo: isso no seria a um certo tipo de recalque, de Unverdrngt? Enfim,mesmo assim, no vamos sonhar demais, temos muito o que fazer com nossos rastos.

    A representao, at e inclusive o pr-consciente de Freud, separa-se ento completamente do

    Gozo do Outro (JA), Gozo do Outro enquanto parassexuado, gozo para o homem da suposta

    mulher, e inversamente para a mulher, que no temos que supor j que a mulher no existe, mas

    para uma mulher, ao contrrio, gozo do homem que, ele, todo, infelizmente, ele mesmo todo

    gozo flico; esse gozo do Outro, parassexuado, no existe, no poderia, no poderia mesmo

    existir seno por intermdio da fala, fala de amor, notadamente que bem a coisa, devo dizer,

    mais paradoxal e mais surpreendente e da qual, evidentemente, completamente sensvel e

    compreensvel que Deus nos aconselhe a no amar seno a seu prximo e no de modo algum a

    limitar-se sua prxima, pois se se fosse a sua prxima ir-se-ia simplesmente ao fracasso ( o

    princpio mesmo do que chamei h pouco de arquirratada crist); esse gozo do Outro, a que se

    produz o que mostra que tanto o gozo flico fora do corpo quanto o gozo do Outro fora da

    linguagem, fora do simblico, pois a partir da, a saber, a partir do momento em que se capta o

    que h - como dizer - de mais vivo ou de mais morto na linguagem, ou seja, a letra, unicamente

    a partir da que temos acesso ao real.

    Esse gozo do Outro, todos sabem a que ponto impossvel, e mesmo contrariamente ao mito que

    Freud evoca, a saber, que o Eros, isso seria fazer um, justamente isso que mata a gente, que

    em nenhum caso dois corpos podem fazer um, por mais que se apertem; no cheguei a ponto de

    coloc-lo no meu texto, mas tudo o que se pode fazer de melhor nesses famosos enlaces dizer

    "me aperte forte !", mas no se aperta to forte que o outro acabe morrendo disso. De forma que

    no h nenhuma espcie de reduo ao um. a mais formidvel piada. Se h algo que faz o um

    mesmo assim o sentido do elemento, o sentido do que tem a ver com a morte.

    Digo tudo isso porque se faz certamente muita confuso por causa de uma certa aura em torno do

    que exponho, se faz certamente muita confuso sobre o sujeito da linguagem: no acho de jeito

    nenhum que a linguagem seja panacia universal; no porque o inconsciente estruturado

    como uma linguagem, quer dizer, que o que h de melhor, que por isso o inconsciente no

    dependa estreitamente d'alngua, quer dizer, do que faz com que toda alngua seja uma lngua

    morta, mesmo que ela esteja ainda em uso. somente a partir do momento em que alguma coisase decape dela que se pode achar um princpio de identidade de si para si, e no alguma coisa

    que se produza no nvel do Outro, mas no nvel da lgica. na medida em que se chega a reduzir

    toda espcie de sentido, que se chega a essa sublime frmula matemtica da identidade de si para

    si, que se escreve: x=x.

    No que concerne ao gozo do Outro, h apenas uma nica maneira de preench-lo e, propriamente

    falando, o campo onde nasce a cincia, onde a cincia nasce na medida em que, bem entendido,

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    como todo mundo sabe, foi unicamente a partir do momento em que Galileu fez umas pequenasrelaes de letra a letra com uma barra no intervalo, quando definiu a velocidade como relao de

    espao e tempo, foi s a partir desse momento, como mostra bem um livrinho que minha filha

    cometeu, que se saiu de toda essa noo de uma certa forma intuitiva e emperrada do esforo,

    que fez com que se pudesse chegar a este primeiro resultado que era a gravitao.

    Fizemos desde ento alguns pequenos progressos, mas no que que isso d, afinal de contas, a

    cincia? Isso nos d alguma coisa para colocar no lugar do que nos falta na relao, na relao do

    conhecimento, como dizia h pouco, nos d nesse lugar, afinal de contas o que, para a maioria

    das pessoas, todos aqueles que aqui esto em particular, se reduz a engenhocas: a televiso, a

    viagem Lua e, ainda assim, a viagem Lua vocs no faro, s existem alguns selecionados.

    Mas vocs vem isso na televiso. isso, a cincia parte da. E por isso que tenho esperana no

    fato de que, passando por baixo de toda representao, chegaremos talvez a ter sobre a vida

    alguns dados mais satisfatrios.

    Ento a o crculo se fecha sobre o que acabo de lhes dizer h pouco: o futuro da psicanlise algo

    que depende do que advir desse real, ou seja, se as engenhocas, por exemplo, ganharo

    verdadeiramente a dianteira, se chegaremos a ser, ns mesmos, verdadeiramente animados pelas

    engenhocas. Devo dizer que isso me parece pouco provvel. No chegaremos a fazer com que a

    engenhoca no seja um sintoma, pois ela o , por enquanto, muito evidentemente. bem certo

    que se tem um automvel como uma falsa mulher, faz-se questo absoluta de que isso seja um

    falo, mas isso no tem relao com o falo seno pelo fato de que o falo que nos impede de ter

    uma relao com alguma coisa que seria nosso respondente sexual. o nosso respondente

    parassexuado, e todos sabem que o "para" consiste em que cada um fique do seu lado, que cada

    um fique ao lado do outro.

    Resumo-lhes o que havia a, nas minhas 66 pginas, com minha boa resoluo inicial que era a de

    ler; fazia isso com uma certa inteno porque, finalmente, aambarcar a leitura era igualmente

    desencarreg-los disso, e talvez fazer com que vocs pudessem, o que espero, ler alguma coisa.

    Se vocs chegarem verdadeiramente a ler o que h nessa colocao em plano do n borromeu,

    penso que isso seria topar algo que lhes pode ser til tanto quanto a simples distino do real, do

    simblico e do imaginrio. Desculpem por ter falado tanto tempo.

    (aplausos entusiasmados)

    (A sesso encerrada s dezoito horas e trinta minutos)

    Agradecemos a J. Lacan a autorizao de reproduzir aqui este texto a ttulo de introduo ao Congresso. Texto

    integral, no revisto pelo autor.

    [LA23] Comentrio: Muito bom!!Discurso capitalista onde os sujeitos soanimados por estas engenhocas.

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    7 Congresso da cole Freudienne de Paris - A Terceira - Roma, 1 de novembro de 1974 - Intervenes de J.Lacan extradas de Lettres de l'cole - Documento de Trabalho da Association Freudienne Internationale -

    Lettres de l'cole nXVI, pp. 178-203.

    Em portugus, traduzir-se-ia "discurso de Roma" e "disco-urdroma". Pode-se escutar tambm rtraum (em

    alemo).

    Na transcrio, aparece o termo consquence [conseqncia], mas na alocuo original ouve-se connaissance

    [conhecimento]. (N. T.).

    O que quer dizer em portugus: larga a toda esperana.

    Em francs, archirat: anagrama de charit (caridade) e onde se l/ouve archi-rat, ou seja, arquirratada. Cf.

    Campos, Augusto de, Rimbaud livre, So Paulo, Perspectiva, 1993, coleo Signos, 2a ed.

    Disponvel em http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_article=jlacan031105_2, acesso dia

    02/05/2007.

    http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_article=jlacan031105_2http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_article=jlacan031105_2http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_article=jlacan031105_2