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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO LIZIÊ HAGEMAISTER A TRADUÇÃO DE ASPECTOS CULTURAIS EM TIRAS DO GARFIELD ENGENHEIRO COELHO 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO

CAMPUS ENGENHEIRO COELHO

LIZIÊ HAGEMAISTER

A TRADUÇÃO DE ASPECTOS CULTURAIS EM TIRAS DO GARFIELD

ENGENHEIRO COELHO

2011

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LIZIÊ HAGEMAISTER

A TRADUÇÃO DE ASPECTOS CULTURAIS EM TIRAS DO GARFIELD

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo do curso de Tradutor e Intérprete, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Maria de Moura Schäffer.

ENGENHEIRO COELHO

2011

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Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São

Paulo, do curso de Tradutor e Intérprete apresentado e aprovado em 22 de

novembro de 2011.

_________________________________________________ Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Maria de Moura Schäffer

_________________________________________________ Segundo Leitor: Prof.° Ms. Edley Matos dos Santos

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Dedico este trabalho à minha mãe,

pelo seu constante apoio durante

todos esses anos e à minha querida

professora Ana Schäffer, pelo apoio

e auxílio, pois sem ela este trabalho

nunca seria o que ele é hoje.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por ter me dado a vida e a oportunidade de

realizar esse trabalho;

À instituição por ter me dado a oportunidade de cursar esses

maravilhosos quatro anos de faculdade;

À minha orientadora, Ana Maria de Moura Schäffer, por ter me auxiliado

grandemente no desenvolvimento e conclusão deste trabalho;

Aos meus professores, por terem me ensinado muitas coisas valiosas

durante esse período de faculdade;

E finalmente aos meus colegas, pelo companheirismo e amizade

durante esses quatro anos.

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RESUMO

O presente estudo promoveu a análise de algumas tirinhas selecionadas do Garfield, personagem criado em 1978, pelo cartunista Jim Davis, cujo propósito foi identificar os mecanismos empregados pelos tradutores para a reprodução do humor nas tirinhas traduzidas. O foco da análise foram tirinhas que trouxessem aspectos culturais e humorísticos próprios da cultura de partida para se discutir se tais aspectos foram contemplados na cultura de chegada. O pressuposto que domina a área é o de que traduzir esse tipo de gênero textual nunca foi tarefa fácil e por isso, exige perspicácia e conhecimentos culturais amplos por parte de quem traduz. A metodologia utilizada foi comparativa, uma vez que se partiu de traduções prontas feitas do inglês para o português brasileiro. Apoiamos teoricamente a pesquisa em teóricos da tradução do humor (ROSAS, 2002); teóricos dos estudos culturais relacionados à tradução (ETTE, 2010); (BUTKZE, 2010), entre outros que tratam do assunto. Percebeu-se que esse tipo de tradução exige mais conhecimento e jogo de cintura do profissional de tradução, já que não bastam conhecimentos linguísticos, mas são imprescindíveis os históricos e culturais das línguas envolvidas nesse processo para se alcançar os leitores da cultura de chegada, devendo a fidelidade ser sempre voltada ao leitor da cultura alvo, para assim garantir a manutenção do efeito de sentido humorístico. Palavras-chave: Tradução; Histórias em Quadrinhos; Aspectos Culturais.

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ABSTRACT

The present study promoted the analysis of some selected comic strips of Garfield, a character created in 1978 by the cartoonist Jim Davis, whose purpose is to identify the mechanisms used by the translators to the reproduction of humor in the translated comic strips. The focuses of the analysis were strips which bring cultural and humor aspects from the source culture to discuss whether these aspects were maintained in the target culture or not. The presupposition that supports the area is that the translation of this kind of genre has never been easy, requiring it extensive cultural knowledge and expertise from those who translates. The methodology used was comparative, since this study came from translations already done from the English to the Brazilian Portuguese. This research is theoretically supported by theorists from humor translation area (ROSAS, 2002), theorists from cultural studies related to the translation (ETTE, 2010; BUTZKE, 2010), among others. It was observed that this type of translation requires more knowledge and ability from the translators to deal with the variations of humor translation, since language skills has not been enough. Moreover, historical and cultural knowledge of both languages involved in the process are essential, considering all the time the fidelity to the target culture reader in order to ensure the maintenance of the humoristic meaning effect. Keywords: Translation; Comic strips; Cultural aspects

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Garfield ........................................................................................................... 17

FIGURA 2 - John ................................................................................................................ 18

FIGURA 3 - Odie ................................................................................................................. 18

FIGURA 4 - Liz .................................................................................................................... 19

FIGURA 5 - Arlene .............................................................................................................. 19

FIGURA 6 - Nermal ............................................................................................................. 20

FIGURA 7 - Pooky .............................................................................................................. 20

FIGURA 8 - Pais de John ................................................................................................... 21

FIGURA 9 - Doc Boy .......................................................................................................... 21

FIGURA 10 - Irma ............................................................................................................... 22

FIGURA 11- Original .......................................................................................................... 26

FIGURA 12 - Garfield Perde os pés................................................................................... 26

FIGURA 13 - Garfield – 2582 tiras ..................................................................................... 27

FIGURA 14 - Original ......................................................................................................... 27

FIGURA 15 - Garfield Perde os pés................................................................................... 28

FIGURA 16 - Garfield – 2582 tiras ..................................................................................... 28

FIGURA 17 - Original ......................................................................................................... 28

FIGURA 18 - Garfield Perde os pés................................................................................... 29

FIGURA 19 - Garfield – 2582 tiras ..................................................................................... 29

FIGURA 20 - Original ......................................................................................................... 29

FIGURA 21 - Garfield Perde os pés................................................................................... 30

FIGURA 22 - Garfield – 2582 tiras ..................................................................................... 30

FIGURA 23 - Original ......................................................................................................... 30

FIGURA 24 - Garfield Perde os pés................................................................................... 31

FIGURA 25 - Garfield – 2582 tiras ..................................................................................... 31

FIGURA 26 - Original ......................................................................................................... 32

FIGURA 27 - Garfield Perde os pés................................................................................... 32

FIGURA 28 - Garfield – 2582 tiras ..................................................................................... 32

FIGURA 29 - Original ......................................................................................................... 33

FIGURA 30 - tirinhasdogarfield.blogspot.com ............................................................ 33

FIGURA 31 - Original ......................................................................................................... 34

FIGURA 32 - tirinhasdogarfield.blogspot.com ............................................................ 34

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 METODOLOGIA .................................................................................................... 12

3 A ORIGEM DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS................................................. 13

3.1 Breve histórico das Histórias em Quadrinhos no Brasil ............................... 14

3.2 Garfield: a história em quadrinhos .................................................................. 16

3.2.1 Caracterização das personagens de Garfield .............................................. 17

4 O HUMOR E A CULTURA ..................................................................................... 23

5 ANÁLISE DAS TIRAS DO GARFIELD .................................................................. 26

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 35

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 36

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1 INTRODUÇÃO

Ambas as áreas da tradução e do humor são assuntos que carecem de

estudos teóricos, como afirma Rosas (2002, p. 16, 19), ao se referir a tal

deficiência, como campos considerados “patinhos feios” da academia. A

tradução, no aspecto linguístico até hoje não prosseguiu muito e deixa muito a

desejar quanto ao estudo da semântica, considerando-se que o humor teve sua

primeira teoria apenas na virada do século XX. A percepção dessas carências

nos motivaram a pesquisar sobre o assunto, principalmente se juntarmos

tradução, humor e histórias em quadrinhos, o que representará mais desafios

ainda para quem lida com tradução. Diante disso, objetivamos, por meio deste,

não só aprendermos mais sobre o assunto como futuros tradutores, mas

também deixar este trabalho para que outros profissionais interessados na

tradução de humor e tirinhas encontrem aqui sugestões práticas que os

auxiliem de alguma forma.

Assim, a nossa primeira preocupação foi tentar problematizar as

dificuldades encontradas por tradutores de humor ao traduzir aspectos culturais

em histórias em quadrinhos e a nossa primeira pergunta foi: quais são elas? A

partir disso, formulamos a hipótese de que a consciência, a identificação e o

emprego de estratégias de tradução específicas podem amenizar as tantas

dificuldades mencionadas por teóricos desse gênero textual.

A escolha do tema é uma tentativa de buscar estratégias para facilitar a

tradução de textos humorísticos, já que, de fato, os tradutores de humor

enfrentam desafios, talvez por não terem o preparo necessário para esse tipo

de tradução. A relevância pessoal deste trabalho se justifica pelo nosso

interesse no assunto e por gostarmos de ler tirinhas desde a infância. Além

disso, as especificidades da tradução de tirinhas, como o espaço reduzido e a

linguagem tanto através da escrita como também através de imagens, nos

capturaram a atenção, nos motivando a empreender essa pesquisa para

melhor entender o que profissionais têm feito nas suas práticas. Quanto à

relevância social, consideramos pertinente por ser a área pouco explorada

academicamente, embora tenhamos consciência da riqueza teórica no sentido

de enriquecimento dos estudos da tradução humorística e cultural. Este

trabalho se insere na linha de pesquisa do curso de Tradutor e Intérprete, qual

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seja, estudos de análise contrastiva sob o guarda-chuva da teoria e ensino da

tradução.

O objetivo geral desta pesquisa é entender as dificuldades de tradução

de aspectos culturais em histórias em quadrinhos, discutindo as estratégias de

tradução utilizadas para um corpus selecionado previamente e, eventualmente,

propondo nossa tradução. Nessa direção, os objetivos específicos buscam

analisar a tradução desses fragmentos selecionados de histórias em

quadrinhos do Garfield, visando discutir os aspectos culturais neles presentes e

suas dificuldades de tradução; verificar como estão sendo traduzidos do inglês

para o português os aspectos culturais; sugerir estratégias de tradução para

esse tipo de material, se necessário, a partir de nosso olhar investigador.

Basearemos nossa pesquisa em teóricos do humor como Rosas (2002)

e teóricos de tradução de aspectos culturais como Ette (2010) e Butzke (2010).

Iniciaremos nossa pesquisa mostrando um pouco do contexto histórico das

histórias em quadrinhos de acordo com Jarcem (2007), Santos (2010), Nicolau

(2010) e Silva (2010), juntamente com a história das tirinhas do Garfield e seus

personagens, para em seguida problematizarmos as escolhas adotadas pelos

tradutores, ao traduzirem algumas tiras do Garfield, nos livros “Garfield Perde

os Pés”, da editora Cedibra, e “Garfield – 2.582 tiras”, da editora L&PM e

algumas tiras publicadas no site www.tirinhasdogarfield.blogspot.com. Com

esse trabalho, poderão ser identificadas características comuns e recorrentes

na tradução de humor e suas possíveis alternativas, de maneira a contribuir

com o trabalho dos tradutores de humor.

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2 METODOLOGIA

Esta pesquisa será realizada no UNASP campus Engenheiro Coelho e

visa inicialmente a coleta de histórias em quadrinhos do Garfield, traduzidas e

originais, para a formação de um corpus, seguido de análise. Portanto a

pesquisa será bibliográfica, seguida de análise contrastiva. Esta pesquisa não

contempla casuística. Os materiais utilizados foram livros, computador, papel e

caneta.

Primeiramente, compilaremos um corpus de tiras do Garfield em inglês e

traduzidas para o português do Brasil, depois separaremos o corpus baseado

em aspectos culturais pelos temas expressões populares; músicas; vestuário;

passagens bíblicas; filmes; ditados populares e gastronomia. Finalmente,

buscaremos na pesquisa bibliográfica embasamento teórico para auxiliar a

tradução desses aspectos.

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3 A ORIGEM DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Neste capítulo, traremos um histórico breve do surgimento das histórias

em quadrinhos de modo geral e, mais especificamente, no Brasil. Julgamos

necessário antes de prosseguirmos nesse histórico mencionar os autores nos

quais nos baseamos para o desenvolvimento desta pesquisa. Inicialmente

lemos alguns artigos que tratam da história das Histórias em Quadrinhos, como

o de Jarcem (2007), de Santos (2010), de Nicolau (2010) e a dissertação de

Silva (2010).

A comunicação por meio de imagens teve sua origem nas pinturas

rupestres, mas a origem das histórias em quadrinhos, na verdade, é incerta.

Sabe-se que surgiram no século XIX, porém há muitas divergências quanto às

datas e autores. Segundo Jarcem (2007, p. 2), entre os precursores estão o

suíço Rudolph Töpffer, com “O Sr. Viex-Bois” (1842); o alemão Wilhelm Busch,

com “Max und Moritz” (1865); o brasileiro Angelo Agostini, com “As Aventuras

de Nhô Quim” (1869); o francês Georges Colomb, com “A família Fenoullard”

(1895) e o americano Richard Fenton Outcalt, com “The Yellow Kid” (1895).

Damos especial atenção a Outcalt, já que ele foi essencial para a

formatação assumida pelas tiras de jornal como se apresentam na atualidade.

Segundo Silva (2010, p. 8), “a princípio, as histórias em quadrinhos eram

compostas por imagens e estavam voltadas para o público infantil, mas a obra

“The Yellow Kid” do norte-americano Richard F. Outcault uniu as imagens ao

texto”. Criado em 1895, “The Yellow Kid” foi o primeiro personagem de tiras a

ter continuidade, publicado pelo jornal sensacionalista New York World1.

Nicolau (2010, p. 2) diz que:

Outcault fora o criador da série de desenhos conhecida como Hogan‟s alley, algo como O beco do Hogan, no qual transitava uma série de esquisitos personagens: varredores negros, chineses com tranças, mulheres com laços e, entre eles, um garoto de orelhas largas vestido com uma camisola. Certo dia o garoto apareceu com a camisola pintada de amarelo e foi imediatamente batizado pelos leitores de Yellow Kid, o chinesinho amarelo.

O autor abriu espaço para sua publicação por meio dos jornais, meios

pelo quais são difundidas até hoje. Conforme Silva (2010, p. 8), “como tinha

1 Jornal Publicado em Nova York de 1860 a 1931.

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sido direcionada a um jornal sensacionalista, abriu caminho para que estas

histórias passassem a ter espaço nestes meios de comunicação de massa”.

Outcalt criou os balões, espaços onde são inseridas as falas, dando a

aparência às histórias em quadrinhos como as conhecemos hoje.

As tiras alcançaram o mundo com o surgimento dos Syndicates, como

afirma Silva (2010, p. 8),

As narrativas saíram dos limites dos jornais e passaram a ser distribuídas pelos Syndicates, grandes organizações que tinham o papel de expandir o alcance das histórias em quadrinhos e distribuí-las para outros países.

O primeiro Syndicate era conhecido como King Features Syndicate e foi

fundado por Hearst em 1912. Como mostra Santos (2010), a partir de 1883

estes já exploravam a comercialização de textos para diversos jornais em solo

norte-americano. Os Syndicates são até hoje o meio pelo qual as tiras chegam

aos jornais do mundo inteiro.

3.1 Breve histórico das Histórias em Quadrinhos no Brasil

No Brasil as Histórias em Quadrinhos surgiram com Angelo Agostini,

autor de “As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma viagem à Corte”,

sua primeira história com personagem fixo, criada no semanário “Vida

Fluminense”, em 30 de janeiro de 1869. Santos (2010, p. 3) aponta que “em

1876, Agostini fundou a “Revista Ilustrada”, que dirigiu até 1888, e colaborou

com a introdução da personagem Zé Caipora. Esta personagem, bem como a

revista em que ela se inseria fazia diversas e agudas críticas à sociedade,

principalmente aos costumes da corte no final do século XIX”.

Em 1905 começaram a surgir outras histórias em quadrinhos nacionais

com o lançamento da revista “O Tico-Tico”, que apresentou pela primeira vez o

personagem “Chiquinho”, de Loureiro. Também graças à revista, surgiram

“Lamparina”, de J. Carlos, “Zé Macaco e Faustina”, de Alfredo Storni, “Pára-

Choque e Vira-Lata”, de Max Yantok e Reco-Reco, “Bolão e Azeitona”, de Luis

Sá.

No entanto, devemos destacar Maurício de Souza, que foi e é até hoje, o

maior nome dos quadrinhos nacionais e um dos maiores nomes na América

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Latina. Maurício de Souza criou, no fim dos anos 50, a tira “Bidu”, publicada

pela Folha de São Paulo, jornal que publica até hoje os quadrinhos da “Turma

da Mônica”. Segundo afirma Santos (2010, p. 11), a Turma da Mônica é

sucesso absoluto de vendas e popularidade no Brasil desde 1959 quando seu

criador, Mauricio de Sousa, publicou a primeira tirinha no jornal Folha de São

Paulo. Outros personagens surgiram nos anos seguintes como Cebolinha, em

1960; Cascão em 1961; Magali e Mônica em 1963. O desenhista criou então

uma espécie de Syndicate apenas com suas criações e passou a vendê-las

para mais de 200 jornais em uma década. Como afirma Santos (2010, p. 11),

Sousa percebeu que não poderia concorrer comercialmente com as tiras norte-americanas, vendidas de forma muito barata por meio dos já citados syndicates. Assim, o artista começou a vender a mesma tira para diversos jornais, passando a lucrar não mais com a criação da história, mas sim com sua distribuição pelo maior número de jornais possível. Com este tipo de estratégia, seus personagens ficaram conhecidos do grande público, sendo populares o suficiente para entrar em outro ramo do mesmo negócio, que no final da década de 1960 parecia mais rentável: as revistas em quadrinhos.

As tiras passam também a ser comercializadas na forma de revistas em

quadrinhos, com histórias maiores e mais bem elaboradas, além de uma

tiragem inicial de 200 mil cópias. Seus quadrinhos passaram então a ser os

mais vendidos em território nacional. As revistas em quadrinhos foram

publicadas inicialmente pela editora Abril, porém a partir de janeiro começaram

a ser publicadas pela editora Globo, em conjunto com os estúdios Maurício de

Sousa. Em 2007, todos os títulos da Turma da Mônica passaram para a

multinacional Panini, que detinha, na época, os direitos das publicações da

Marvel e DC Comics2. Em 1968, Maurício de Souza fechou contrato com a

indústria alimentícia Cica, ilustrando o extrato de tomate elefante com seu

personagem, Jotalhão. Em 1992, Maurício inaugurou o Parque da Mônica, um

parque temático localizado até fevereiro de 2010, no Shopping Eldorado, em

São Paulo. Conforme Santos (2010, p. 11):

Atualmente seus personagens, a Turma da Mônica estão presentes em incontáveis produtos licenciados, que vão desde um tipo específico de maçã até alimentos caninos, passando pelos mais diversos tipos de brinquedo e artigos para bebês, como fraldas e chupetas e artigos de decoração e festas.

2 Ambas são editoras de histórias em quadrinhos dos EUA

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Maurício de Souza explorou muito bem seu merchandising, se tornando

referência em histórias em quadrinhos no mundo todo. Hoje, suas criações

chegam a cerca de 30 países. Ele atualmente dirige a “Mauricio de Sousa

Produções Artísticas”, um dos maiores e mais rentáveis licenciamentos do

país. O autor já alcançou mais de 1 bilhão de revistas publicadas; por isso é

considerado o maior formador de leitores do Brasil, sendo o mais famoso e

premiado autor brasileiro de quadrinhos.

Outro nome importante nas histórias em quadrinhos do Brasil é Ziraldo.

O autor tem publicado desde 1954, quando editou pela primeira vez uma

página de humor no jornal “A folha de Minas”. Em 1957, continuou

apresentando seus trabalhos na revista “A Cigarra” e, posteriormente, em “O

Cruzeiro”. Em 1963, começou a colaborar para o "Jornal do Brasil". Trabalhou

também nas revistas “Visão” e “Fairplay”. Como artista gráfico, Ziraldo fez

cartazes para inúmeros filmes do cinema brasileiro. Nos anos de 1960, seus

quadrinhos e charges políticas começaram a aparecer na revista “O Cruzeiro” e

no "Jornal do Brasil". Porém seu personagem mais famoso foi “O menino

maluquinho”, que se transformou no seu maior sucesso editorial e foi adaptado

para o teatro e cinema. Em 1989, começaram a ser publicadas a revista “O

menino maluquinho” e as tirinhas em quadrinhos do mesmo personagem.

3.2 Garfield: a história em quadrinhos

Garfield, personagem de Jim Davis, foi criado em 19 de Junho de 1978.

Jim Davis percebeu que naquela época havia muitas tiras sobre cachorros,

mas nenhuma sobre gatos. Ele, então, resolveu criar uma tira inspirada em um

gato laranja que teve na infância. Em seu primeiro dia de publicação, a tira do

Garfield foi publicada em 41 jornais dos Estados Unidos. Em 1979 a tira já

estava presente em cem jornais. Em 1980 o primeiro livro com as tiras foi

lançado e se tornou Best-seller nos Estados Unidos. Em 1983 Garfield já

estava presente em mais de mil jornais e sete de seus livros eram Best-sellers

nos Estados Unidos. Foi no mesmo ano que estreou o especial para TV Here

Comes Garfield. Em 1983, Garfield aparecia em cerca de 1400 jornais em 22

países do mundo e era traduzido para sete línguas. Em 1983, Garfield foi

nomeada “A tira que cresceu mais rápido em toda a história”. Em 1987,

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Garfield se tornou a primeira tira a ser publicada em mais de 2000 jornais. Em

1991 Garfield lança seu primeiro CD, “Am I cool or what?”. Em 1996 surge o

site oficial do Garfield, www.garfield.com. Em 1998, Garfield entra para a

campanha Got Milk? Em 2002, o Guinness World Records nomeou Garfield

como “a tirinha de syndicate de maior presença em países do mundo”. Em

2004 é lançado seu primeiro longa-metragem, “Garfield, o filme” e em 2006 é

lançado o seu segundo longa-metragem, “A tale of two kitties”. Hoje, Garfield é

lido em 2570 jornais em todo o mundo por cerca de 263 milhões de pessoas.

3.2.1 Caracterização das personagens de Garfield

GARFIELD

Figura 1 – Garfield

Garfield é um gato gordo, preguiçoso, cínico e afetuoso. Ele nasceu na

cozinha do restaurante italiano Mamma Leoni, ele pesava dois quilos e meio

quando nasceu e desde pequeno demonstrou paixão por comida italiana. O

dono do restaurante, tendo que escolher entre Garfield ou fechar as portas por

causa da falta de massa, vendeu Garfield para uma loja de animais. Então

John Arbuckle entrou pela porta e mudou sua vida. Garfield adora lasanha e TV

e odeia passas e segundas-feiras. Garfield foi batizado com o nome do avô de

Jim Davis, James Garfield Davis.

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JOHN

Figura 2 – John

Jonathan Q. Arbuckle é o dono de Garfield, ele é decente, mas

entediante. John possui muitas semelhanças com seu autor, ele é cartunista,

mora em Indiana e é filho de fazendeiros. Ele é completamente azarado, não

se sai muito bem na vida amorosa, e se veste extremamente mal. O nome

John surgiu de um comercial de café e Jim Davis achou que o nome

combinava com o personagem.

ODIE

Figura 3 – Odie

Odie apareceu pela primeira vez em 8 de agosto de 1978, é o segundo

bicho de estimação de John. Ele é adorável, brincalhão, mas é burro como uma

porta e baba muito. Seu nome surgiu de um comercial que Jim Davis fez a uma

empresa de carros que tinha um personagem chamado Odie, o idiota. Jim

Davis achou que o nome era apropriado para o personagem.

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LIZ

Figura 4 – Liz

Liz é a veterinária de Garfield e Odie. Durante muitos anos ela resistiu as

paqueras de John durante suas consultas, mas em 2006 aceitou ser sua

namorada. Ela apareceu pela primeira vez em 26 de junho de 1979.

ARLENE

Figura 5 – Arlene

Arlene é a namorada oficial de Garfield. Apareceu pela primeira vez em

1980. Ela traz um pouco de romance às tiras, mas sua relação é de amor e

ódio, pois ela não aceita Garfield totalmente como ele é.

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NERMAL

Figura 6 - Nermal

O autoproclamado “gato mais fofo do mundo” surgiu em 3 de setembro

de 1979. Ele gosta de lembrar Garfield o quanto ele é jovem e em forma

enquanto Garfield é velho e gordo. Nermal foi apresentado como o gatinho dos

pais de John, mas hoje ele é apenas um vizinho que gosta de aparecer de vez

em quando para atormentar Garfield.

POOKY

Figura 7 – Pooky

Encontrado na gaveta de John e adotado por Garfield, Pooky apareceu

pela primeira vez em 23 de outubro de 1978. É o grande amigo e confidente de

Garfield. E com ele que Garfield compartilha seus pensamentos mais

profundos.

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PAIS DE JOHN

Figura 8 – Pais de John

Os pais de John surgiram pela primeira vez em 13 de fevereiro de 1980.

Por viverem em uma fazenda, eles cuidam de seus animais e seus campos

com muito entusiasmo e paixão e têm muito orgulho de seus filhos John e Doc

Boy. A mãe cozinha muito bem e acredita em qualidade e quantidade. O Pai é

prático e só tem tempo para atividades ao ar livre, como colher, fazer feno,

ordenhar as vacas e olhar as estrelas.

DOC BOY

Figura 9 – Doc Boy

Doc Boy é o único irmão de John e mora na fazenda com os pais. É o

caçula da família e ainda age como um garotinho. Ele odeia ser chamado de

Doc Boy. Apareceu pela primeira vez em 17 de maio de 1983.

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IRMA

Figura 10 – Irma

Irma apareceu pela primeira vez em 9 de junho de 1979. Ela é a dona e

garçonete do restaurante “Irma’s Dinner”, que é visitado ocasionalmente por

John e Garfield. Ela não é exatamente uma garçonete exemplar, pois está

sempre fazendo comentários para John e depilando suas pernas no balcão, a

comida do restaurante também deixa muito a desejar em higiene e sabor, mas

essa é justamente a graça do lugar.

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4 O HUMOR E A CULTURA

O grande desafio da tradução do humor é transferir o aspecto cômico de

uma cultura para outra. Nesse estudo, particularmente, esse desafio ganha

maiores proporções, pois no caso das tiras do Garfield, os gatilhos para causar

o humor são muitas vezes, aspectos da vida cotidiana dos americanos. Daí

parte a pergunta: como fazer algo específico de uma cultura alcançar o riso em

outra cultura completamente diferente? Leibold (apud Rosas, 2002 p. 149)

afirma que a tradução de humor

requer a precisa decodificação de um discurso humorístico em seu contexto original, sua transferência para um ambiente diferente e, muitas vezes, discrepante em termos lingüísticos e culturais e sua reformulação em um novo enunciado que tenha sucesso na recaptura da intenção da mensagem humorística original, suscitando no público-alvo uma reação de prazer e divertimento equivalentes.

A tradução de humor e a tradução cultural estão intimamente ligadas,

pois é impossível falar de tradução de humor sem analisar os aspectos

culturais. Cunha (2004, p. 13) afirma que “o humor está ligado à cultura de um

povo, daí o que é considerado engraçado ser subjetivo.” Quando se traduz algo

de aspecto humorístico de uma cultura para outra, é preciso levar em conta

uma série de aspectos culturais para entender como o humor se dá no texto

específico. Niedzielski (apud Rosas, 2002, p. 52) afirma que:

o senso de humor depende de vários fatores sociais e mesmo individuais. Vez que cada comunidade cultural organiza seu próprio sistema de valores, costumes e comportamentos de modo distinto do de qualquer outra comunidade, as normas e incongruências humorísticas variam de cultura para cultura. Na verdade, a percepção e a expressão do humor são determinadas pela lógica coletiva de uma dada comunidade e pela lógica particular, dela derivada, que possui cada membro da comunidade.

O processo de tradução vai além do entendimento do texto, é preciso

entender também os aspectos culturais. O tradutor como mediador, deve

facilitar a comunicação entre grupos que possuem línguas e culturas diferentes,

para isso ele deve ser até certo ponto, bicultural. Segundo Cunha (2004, p. 16)

“o tradutor precisa entender como a cultura em geral opera a fim de ser capaz

de enquadrar uma dada comunicação dentro de seu contexto de cultura”.

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Existem dois tipos de humor: o universal e o que se produz em contextos

culturais, espaciais e temporais específicos. O primeiro é mais fácil de traduzir,

por seu caráter universal. Já o segundo exige adaptação ao contexto cultural,

espacial ou temporal do texto da língua-fonte. Butkze (2007, p. 44) afirma que

“o humor pode variar de uma cultura para outra, tanto no tempo como no

espaço. Na Idade Média, o riso possuía uma condição pecaminosa, como se

pode verificar no filme “O nome da Rosa”, baseado no romance de Umberto

Eco. No século XX, temos o riso humanista e ácido do nonsense de Monty

Python, na Inglaterra.”

Segundo Silva (2006, p. 13) o humor é passível de tradução, porém

existem condições para que esta tradução ocorra de maneira satisfatória. A

primeira diz respeito ao conhecimento substancial das línguas envolvidas no

processo de tradução, pois, dessa forma, o tradutor terá mais sensibilidade

para perceber o rompimento das regras, lingüísticas e culturais, fator

importante na construção do humor. A segunda diz respeito à capacidade de

compreensão e interpretação da piada. A terceira condição envolve a

capacidade de expressão do tradutor, que deverá estar atento não apenas aos

padrões da língua alvo, mas também às necessidades do seu público.

Para um texto alcançar o humor são necessários dois scripts opostos.

Rosas (2002, p. 31) cita a Semantic Script Theory of Humor de Raskin (1985)

que afirma que “script é um feixe de informações sobre um determinado

assunto ou situação, como rotinas consagradas e modos difundidos de realizar

atividades, consistindo numa estrutura cognitiva internalizada do ser humano

que lhe permite saber como o mundo se organiza e funciona”. A partir desse

conceito O teórico propõe que um texto só pode ser considerado humorístico

se for compatível, integral ou parcialmente, com dois scripts que se oponham

em um sentido especial. Essa oposição de dois scripts deve ser buscada na

tradução, com a ajuda dos recursos da língua de chegada para tentar

reproduzir o efeito humorístico do original.

Há casos em que os tradutores não conseguem traduzir o humor em

determinado enunciado, como afirma Rosas (2002, p. 59): “Não há como negar

que, em alguns casos, as referências culturais e as estruturas lingüísticas do

mundo anglófono não possuem equivalentes no lusófono. E ponto final, que se

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deve fazer?” Quando isso ocorre, que medidas o tradutor deve tomar? Quando

não é possível traduzir o humor, deve-se buscar ao máximo alcançar a mesma

sensação alcançada pelos leitores do original, mesmo que para isso seja

necessário buscar um humor diferente em certos aspectos. Ette (2010, p. 18)

discute que muitas vezes, a maior fidelidade ao original pode constituir em

reescrevê-lo. O autor deve também evitar ao máximo o uso das notas de

rodapé. Ette (2010, p. 19) afirma que “a tradução deve abrir mão de notas de

rodapé e comentários. Seu texto deve falar por si mesmo, autoexplicar-se e

não espalhar o saber do “acompanhante”.

Além dos aspectos mencionados anteriormente, no caso das tiras, a

tradução encontra ainda outra dificuldade, as histórias em quadrinhos possuem

duas linguagens, uma verbal, composta pelo texto escrito e outra não-verbal,

que se refere às imagens. A imagem deve estar de acordo com o que é falado

no quadrinho. Outra peculiaridade das tiras é o espaço reduzido, de apenas

algumas linhas. O tradutor de tirinhas precisa ser capaz de produzir o mesmo

efeito cômico do original, traduzir de acordo com a imagem, e precisa fazer isso

em um espaço reduzido. Isso mostra o quão desafiadora é a tradução de

tirinhas de humor e o quanto esse ramo precisa de mais estudos teóricos. No

próximo capítulo veremos alguns exemplos das dificuldades e especificidades

da tradução de tirinhas do Garfield, visando à tradução de aspectos culturais.

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5 ANÁLISE DAS TIRAS DO GARFIELD

Considerando as especificidades da tradução deste gênero discursivo

mostradas no capítulo anterior, pretendemos investigar os procedimentos

utilizados na tradução de aspectos culturais presentes nas tiras do Garfield,

com base na teoria do humor de Rosas (2002). Além disso, na tentativa de

ilustrar os desafios linguísticos e culturais mencionados, objetivamos discutir as

soluções propostas pelos tradutores. As discussões ocorrerão em torno de oito

tiras previamente selecionadas dos anos de 1983, publicadas nos livros

Garfield Perde os Pés, da editora Cedibra, e Garfield – 2582 tiras, da editora

L&PM, e nas tiras publicadas no site tirinhasdogarfield.blogspot.com. A seleção

do material de análise ocorreu com base no critério de presença de aspectos

culturais no texto fonte e no texto alvo.

Figura 11 – Original

Figura 12 – “Garfield perde os pés”

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Figura 13 – “Garfield – 2582 tiras”

Na tira original a comicidade se dá por causa da comparação entre o

tamanho da cama e um showboat, uma espécie de navio à vapor usado como

teatro flutuante. Showboat é também uma gíria usada para denominar uma

pessoa que gosta de chamar a atenção. Essa ambiguidade se perde no

português, primeiro porque não temos essa espécie de navio no Brasil, e

segundo, porque não temos nenhuma expressão no português que signifique

tanto obeso quanto exibido. Ambos os tradutores decidiram não representar

esse aspecto, colocando apenas as palavras „gigante‟ e „obeso‟. Eles poderiam

ter usado a expressão balsa ou navio, para expressar pelo menos o sentido de

tamanho monumental. Outro aspecto interessante é que o primeiro tradutor fez

uma rima com „tirada esperta‟ e „retirada esperta‟, já que no original ocorre essa

rima entre quick wit e quick reflexes. O segundo tradutor optou por não usar

esse recurso, mudando de certa forma o sentido da frase.

Figura 14 – Original: 18/10/1983

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Figura 15 – “Garfield perde os pés”

Figura 16 – “Garfield – 2582 tiras

No caso dessa tira, Garfield está cantando a música Breaking up is hard

to do de Neil Sedaka. O primeiro tradutor optou por deixar a música em inglês,

porém a piada se perde, pois o personagem está cantando para expressar o

seu estado de espírito. Já o segundo tradutor retirou o aspecto musical e

deixou apenas a expressão „deprê‟, repetida várias vezes. Esse ato não deu a

entender que ele estava cantando uma música, mas sim repetindo a palavra

vez após outra. Uma tradução alternativa que melhor expressasse este aspecto

cultural poderia ser a escolha de uma música em português que abordasse o

mesmo assunto como, por exemplo, a música Deprê, de Rita Lee, que diz

assim: “Estou aqui, meio blasé. Sabe assim, meio deprê. Estou deprê!”.

Figura 17 –Original

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Figura 18 – “Garfield perde os pés”

Figura 19 – “Garfield – 2582 tiras”

Nessa tira o humor está no fato de Garfield usar polainas para se

aquecer, mas como elas foram feitas para humanos ele precisou colocar duas

patas em cada uma. O primeiro tradutor fez uma tradução literal, que não foi

muito bem sucedida, pois existe o equivalente em português. A falta de

conhecimento cultural por parte do primeiro tradutor parece ter sido a causa

dessa tradução equivocada de leg warmers por aquecedores de perna, sendo

que o termo em português é polainas.

Figura 20 – Original

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Figura 21 – “Garfield Perde os Pés”

Figura 22 – “Garfield – 2582 tiras”

O humor dessa tira está na comparação entre o versículo da bíblia e a

disposição para fazer exercícios. Os tradutores traduziram a frase em si sem

analisar como ela foi traduzida na bíblia e por isso, talvez, a tira perdeu um

pouco do seu humor. Na Bíblia, a passagem de Matheus 26: 41 diz assim: “O

espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. Talvez essa fosse uma

tradução mais coerente com o original.

Figura 23 – Original

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Figura 24 – “Garfield perde os pés”

Figura 25 – “Garfield – 2582 tiras”

No caso da tira acima o humor se deu por causa da oposição de scripts,

como cita Rosas (2002), já abordado no capítulo anterior. O humor ocorre

porque o filme Old Yeller, traduzido no Brasil, como “Meu melhor companheiro”

é um filme com um final triste, pois o cachorro, personagem principal do filme,

morre. Como Garfield odeia cachorros, para ele esse filme tem um final feliz. O

primeiro tradutor traduz literalmente de certa forma, para dar um aspecto de

que o filme era de comédia. Porém a questão de tradução que buscamos

propor é quanto ao nome do filme, pois no Brasil esse filme não é muito

famoso. O segundo tradutor traduziu o filme por seu nome oficial no Brasil, mas

o aspecto do humor se perdeu, pois para os leitores que não conhecem esse

filme, o gatilho não ocorre. Uma opção para alcançar esse objetivo poderia ser

talvez trocar o título do filme por algum mais conhecido pelos brasileiros, um

filme como “Marley e eu”, por exemplo, onde o cachorro também morre no final.

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Figura 26 – Original

Figura 27 – “Garfield perde os pés”

Figura 28 – “Garfield – 2582 tiras”

Nessa tira a comicidade se dá pela comparação entre o que John diz e o

ditado popular “doesn‟t put bread on the table”. Ambos os tradutores

conseguiram achar um equivalente no português com o ditado “beleza não põe

mesa”.

As tiras a seguir, tiradas do site tirinhasdogarfield.blogspot.com, têm a

função de mostrar mais alguns exemplos de traduções que foram bem

sucedidas em sua transferência de aspectos culturais para o português do

Brasil.

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Figura 29 – Original

Figura 30 – tirinhasdogarfield.blogspot.com

Os aspectos interessantes dessa tira foram as alternativas encontradas

pelo tradutor para aspectos culturais diferentes da nossa cultura. O tradutor

trocou “ovos com bacon”, alimentos sempre presentes no café da manhã dos

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americanos, por “café com leite”, expressão mais usada pelos brasileiros. Ele

optou também por trocar “manteiga de amendoim e geléia” por “pão e

manteiga”, alternativa também muito bem escolhida para o contexto brasileiro.

Figura 31 – Original

Figura 32 – tirinhasdogarfield.blogspot.com

A tira acima mostra outro caso onde a ambiguidade foi o gatilho para

causar o humor, porém neste caso a ambiguidade ocorre na tradução, mas não

no original. Ao traduzir fish dinner como “filé de pescado”, ocorreu a

ambiguidade na palavra pescado, o que não acontece na palavra fish, que não

faz referência a pescaria em si.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciarmos este trabalho a proposta foi discutir sobre as escolhas

adotadas pelos tradutores de humor na tentativa de identificar dificuldades na

tradução de humor, e mais especificamente, histórias em quadrinhos. Por isso,

partimos do pressuposto de que existem dificuldades para um tradutor de

humor ao traduzir aspectos culturais em histórias em quadrinhos.

Após a leitura e análise das tiras originais e traduzidas para o português,

foi possível identificar algumas dificuldades e os exemplos de traduções

mostram como é possível contornar essas dificuldades. Quando julgamos

necessário, propusemos também algumas traduções, com o objetivo de tentar

auxiliar futuros profissionais da área do humor e histórias em quadrinhos.

Visamos também despertar o interesse de teóricos nesta área, para que nós,

tradutores, possamos encontrar cada vez mais pesquisas nesse campo de

estudo tão fascinante.

Acreditamos que os objetivos desta pesquisa foram alcançados, pois

pudemos identificar algumas dificuldades enfrentadas pelos tradutores de

histórias em quadrinhos ao traduzir aspectos culturais e pudemos também

contribuir com alternativas de traduções quando julgamos que a tradução não

alcançou o humor esperado.

A partir dos exemplos anteriormente apresentados e discutidos,

podemos concluir que a atividade de tradução é complexa e exige não somente

conhecimentos linguísticos, mas históricos e culturais das línguas envolvidas

nesse processo. Embora não existam teorias que consigam apresentar

soluções absolutas para todas as dificuldades de tradução, especialmente de

humor, permitem-nos refletir sobre nossas tomadas de decisões bem como

aprimorá-las enquanto tradutores, principalmente quando a tradução é

permeada por especificidades culturais que desafiam a prática.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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