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A TRÍPLICE FRONTEIRA BRASIL-PERU-BOLÍVIA: ESPACIALIDADES E PERSPECTIVAS NO MERCOSUL
LA TRIPLE FRONTERA BRASIL-PERÚ-BOLIVIA: ESPECIALIDADES Y PERSPECTIVAS EN EL MERCOSUR
Ana Karoline da Silva Gomes1
Gleys Ially Ramos2
Resumo: A Tríplice Fronteira localizada nas dimensões limítrofes entre Brasil, Peru e Bolívia traz uma configuração espacial com uma série de processos complexos de caráter identitário, migratório, conflituoso, de desenvolvimento e de integração. Esse cenário demanda, para além das perspectivas territoriais, práticas cooperativas entre os três países que devem postular políticas públicas capazes de gerir os sistemas, as relações e os conflitos ali vigentes e inerentes. Com base nessa complexa relação atrelando fronteiras, territórios e integração, a Tríplice Fronteira influencia parte do direcionamento do Mercosul, já que o bloco econômico agrega os países da Bolívia e do Peru como membros associados e o Brasil não só como membro efetivo, mas também como potência regional sul-americana e latino-americana. Diante do exposto, a presente pesquisa objetiva caracterizar as diversas fronteiras existentes nos limites entre a Bolívia, o Brasil e Peru. Consequentemente alguns objetivos específicos se delinearam, dentre eles analisar os aspectos que caracterizam a fronteira a partir do(s) território(s), bem como as temáticas presentes na região que se projetam de interesse e no contexto de direcionamento do Mercosul, utilizando-se como referências autoras e autores que já desenvolveram estudos sobre o assunto e pesquisas de caráter documental. Também está previsto dois trabalhos de campo, além de entrevistas locais e de um mapeamento para entender as dinâmicas sociais locais e regionais. Como primeiro resultado da pesquisa, apontamos a organização de um arcabouço teórico e metodológico, sistematizadas em três campos principais – Relações Internacionais, Geografia (Política, Regional e da Amazônia) e História Econômica, além da possibilidade de entender as divergências e convergências analíticas das três áreas e suas respectivas autorias. Palavras-chave: Tríplice Fronteira; Território; Povos Indígenas
Resumen:
La Triple Frontera ubicada en las dimensiones fronterizas entre Brasil, Perú y Bolivia trae una configuración espacial con una serie de complejos procesos de identidad, migración, conflicto, desarrollo y integración. Este escenario exige, más allá de las perspectivas territoriales, prácticas cooperativas entre los tres países que deben postular políticas públicas capaces de gestionar los sistemas, las relaciones y los conflictos existentes e inherentes a ellos. En base a esta compleja relación que une fronteras, territorios e integración, la Triple Frontera influye en parte de la dirección del Mercosur, ya que el bloque económico agrega a los países de Bolivia y Perú como miembros asociados y Brasil no solo como miembro de pleno derecho, sino también como membro de poder regional sudamericano y latinoamericano. Dado lo anterior, esta investigación tiene como objetivo caracterizar las diversas fronteras que existen en los límites entre Bolivia, Brasil y Perú. En consecuencia, se delinearon algunos objetivos específicos, entre ellos el análisis de los aspectos que caracterizan la frontera del(de
los) territorio(s), así como los temas presentes en la región que se proyectan de interés y en el contexto de la dirección del Mercosur, utilizando como referencias autores que ya han desarrollado estudios sobre el tema e investigación documental. También se planean dos trabajos de campo, así como entrevistas locales y mapeo para comprender la dinámica social local y regional. Como primer resultado de la investigación, señalamos la organización de un marco teórico y metodológico, sistematizado en tres campos principales: relaciones internacionales, geografía (política, regional y amazónica) e historia económica, además de la posibilidad de comprender las divergencias y las convergencias analíticas de los tres. áreas y sus respectivas autorías. Palabras clave: Triple Frontera; Territorio; Pueblos Indígenas
1. Introdução
O Brasil possui aproximadamente nove tríplices fronteiras, enquanto o Peru
possui quatro e a Bolívia cinco3. Posto isto, o objeto de estudo do presente artigo
centralizará na análise da Tríplice Fronteira entre o Brasil, o Peru e a Bolívia.
Estamos compilando analisar o conceito e as dimensões espaciais dessa
fronteira nas suas dimensões políticas, econômicas, sociais-culturais mais
precisamente na região onde se localizam respectivamente as cidades brasileira,
peruana e boliviana de Assis-Brasil, Inapari e Bolpebra.
Para esse fim, além de outros autores, será trabalhado o conhecimento
desenvolvido pelos geógrafos Milton Santos, Maria Adélia e Maria Laura Silveira
no quesito de entendimento acerca de espaço e território. Na visão
internacionalista, o cientista político James Rosenau e o historiador Erick
Hobsbawm discorrem quanto a essas projeções fronteiriças, territoriais e
espaciais.
Um dos objetivos desse trabalho também é propor um diálogo entre as/os
autoras/es e partir de uma revisão teórica, entender as relações presentes na
tríplice fronteira que aqui é objeto de análise, constata-se a frequente abordagem
da insegurança, da multiculturalidade e das práticas econômicas extrativistas,
madeireiras e mineradoras4, interligando-se também à floresta, na qual se
desdobra no contexto teórico da Geografia da Amazônia, com Bertha Becker e
Carlos Walter Porto Gonçalves como importantes propositores dessa temática.
Esse é um espaço cuja característica que mais salta é a diversidade
sociocultural o que possibilitam que também ocorram adversidades étnico-
culturais. A Tríplice Fronteira Brasil-Peru-Bolívia abriga diversos povos,
destacamos aqui, os povos indígenas de origem Manchineri e Jaminawa5, que,
em parte, mantem-se isolados, nômades e em constante atividade de migrações
entre os três países. Essa mobilidade orienta suas atividades de subsistência e
por assim dizer, suas práticas de existências e resistências nos territórios da
fronteira.
Todavia, a falta de políticas públicas e de integração coloca em risco as
condições não apenas dos brasileiros, dos peruanos e dos bolivianos nos quais
vivem na região fronteiriça enquanto pessoas urbanos ou suburbanas, como
também de etnias de povos indígenas existentes na área com condições e
construções identitárias e culturais, que pelo isolamento (cultural e imposto)
desconhecem situações limítrofes das fronteiras políticas estabelecidas pelos
Estados e vivem baseados em suas próprias lógicas de fronteiras, e
constantemente são interceptados por interesses de zonas de poderes advindas
do agronegócio, da mineração, do tráfico e, assim, são alvos diretos de conflitos.
Por isso, conforme o Tratado de Assunção e estudos de vários
internacionalistas, a interação desse Estados no Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) torna-se uma alternativa para o desenvolvimento do bloco e para
a redução dessa barreira presente na América Latina6 que, apesar de territorial,
também é político-econômica e social. Uma realidade que é perceptível em
atividades de campo realizadas pela Universidade Federal do Acre e por outras
instituições de pesquisas do norte brasileiro e dos arredores da fronteira peruana
e boliviana.
Portanto, o presente trabalho objetiva o estudo de como a constituição
territorial da Tríplice Fronteira Brasil-Peru-Bolívia e suas características, incidem
sob os povos indígenas e suas condições de existências, principalmente
naquelas que dizem respeito as diversidades identitárias e territoriais nas quais
se espelham e reproduzem resistências na área tri-fronteiriça. Justifica-se a
investigação a crescente onda de impactos na tríade política, econômica e social,
tanto na tríplice fronteira quanto no desenrolamento do Brasil, do Peru e da
Bolívia.
Este trabalho é baseado e precedido na análise de obras e pesquisas de
caráter teórico, documental e prático de investigadores credenciados a respeito
do tema. Assim sendo, as divergências presentes nos territórios em questão
podem ser sancionadas com a ajuda do MERCOSUL e de políticas públicas
postuladas pelos países nos quais exercem poder na tri-fronteira, o que permite
consolidar o papel democrático e a integração regional.
2. Espaço e Território
À partir disso, tem-se o espaço como a categoria7 e objeto principalda
Geografia. As suas determinações e origens são múltiplas segundo Milton
Santos (1982), pois ele se transforma para se adaptar às necessidades da
sociedade, históricas ou geográficas. É possível atribuí-lo várias características
de acordo com a vertente teórica que será trabalhada.
Sendo assim, o principal pressuposto do espaço situa-se no entendimento de
que ele é o objeto de estudo da geografia. Ratzel (apud MORAES, 1990) propõe
que a Geografia é a ciência que investiga a interação entre o espaço e o homem.
Nesse seguimento, o espaço geográfico é tudo aquilo onde se pode exercer
atividade pelos seres humanos, ou seja, ele é a habitação do homem, moldada
por uma intensa vertente política (CASTRO, 2005). A professora Maria Laura
Silveira (2011, p. 04) compila alguns pressupostos construídos por Milton Santos
para entendermos como se compõe a discussão espacial sobre território:
Um período histórico pode ser reconhecido por uma dada feição do território ou, em outras palavras, pela existência de uma base técnica e de uma organização da vida política, econômica e social. Considerado como sinônimo de território usado (Santos, 1994; Santos e Silveira, 2001), o espaço geográfico pode ser entendido como espaço concreto dos homens, como espaço de todos e como todo o espaço (Santos, 1996). Afastar-se-ia, desse modo, o risco de vê-lo como um conjunto de pontos mensuráveis ou como uma relação matemática entre tempo e distância. As localizações deixam de ser uma mera topologia para ganhar a espessura de um contexto histórico.
Dessa maneira, a partir do espaço, pode-se segmentar outras categorias
para auxiliar o objeto de estudo. A partir do espaço, derivam-se algumas
categorias geográficas importantes sobre o debate da tríplice-fronteira:
paisagem, lugar, território. Sendo a última um dos principais eixos deste artigo,
tem-se o território, apesar de vastas concepções e de novos elementos sendo
incorporados a sua definição.
Logo, o território é intrínseco a sociedade. Haesbsert (1997 in: SPOSITO,
2004) subdivide a dinâmica territorial em três presunções: jurídico-política,
cultural e econômica.
O território jurídico-político dispõe de normas resultante do poder de um
Estado nesse espaço e da delimitação através de regimentos e reconhecimento
externo. Por outro lado, o território cultural se apropria da ocupação de
determinados grupos que compartilham de certos costumes. Por fim, o território
econômico advém da nova conjuntura atual, é o território que abriga a produção,
a luta de classes, o consumo e o capital.
Desse modo, o espaço, juntamente com a interação humana, é a peça
central do estudo da Geografia. Assim, para alcançar um conhecimento mais
brando acerca do espaço geográfico, o espaço se desdobra em outros conceitos.
Um deles é nomeado de território. De acordo com o que foi analisado, o território
é o espaço ocupado por um grupo social, que pode ter uma visão política, cultural
ou econômica dependendo do campo de investigação,
3. Fronteiras e Identidades
A fronteira, por ser pertencente ao território, também denota uma diversidade
de interpretações, bem como expõe Foucher, citado ao longo do texto de Costa
(2008), que as fronteiras podem ser analisadas por diversos pontos de vista, pois
elas são os traços quer seja construções geopolíticas datadas quer seja objetos
de estudo multiescalar e multifuncional, de limite políticos, fiscais, linguísticos e
militares.
Entretanto, para se entender fronteiras, é crucial a compreensão das noções
histórias expressas por Wanderlei Messias da Costa (2008) que se depreendem
entre o velho significado, de matriz imperialista e o novo, de traços unificante,
movente, integrador, flutuante, porém separador e disjuntor.
Como ponto de partida, Ratzel classifica as fronteiras entre 3 principais
grupos: as fronteiras políticas, as fronteiras artificiais e as fronteiras naturais.
Ademais, essa ramificação de fronteira também se distingue:
As fronteiras políticas estão divididas em subtipos,
designadamente: simples – as que não têm contacto com
outra área política; duplas – quando a contiguidade de dois
territórios nacionais implica uma linha de demarcação e
duas zonas de contacto; fechadas – os enclaves dentro de
uma unidade política; descontínuas – partes dos Estados
que estão fora dos seus domínios territoriais; deficientes –
as que por força dos conflitos, possuem uma demarcação
imperfeita; elásticas – em situações de aumento ou
diminuição da sua extensão, por inexistência de cartas
precisas. De igual modo, considerou os seguintes subtipos
para as fronteiras naturais: marcos físicos – o ecúmeno é
delimitado por rios, costas, desertos, florestas, entre
outros; boas – se favorecem a proteção física do Estado
num período de guerra; más – se não favorecem a
proteção física do Estado. No respeitante às fronteiras
artificiais, estas poderiam ser demarcadas, se fossem
delimitadas por tratados, mesmo que apoiadas em marcos
físicos. (SEABRA, 2012, p. 6)
Outrossim, Kejllen, seguidor de Ratzel, expande a ideia acerca de
fronteira e impõe mais outros atributos:
fronteiras históricas – oriundas de tradições seculares;
naturais – quando traçadas sob acidentes geográficos;
planeadas ou de construção – as linhas geodésicas,
astronómicas, ou outras de caráter geométrico; étnicas,
linguísticas, estratégicas ou económicas – de acordo com
o contexto a que pertencessem (Mattos, 1989, p. 37 in:
SEABRA, 2012, p. 7)
O velho significado de fronteiras só deixa então de ser usado quando
Ancel publica “Geographie des Frontières”8. Fundamentado nisso, Ancel introduz
uma visão crítica questionando a eficiência de fronteiras meramente
cartográficas, já que elas também podem ser um efeito de forças, ora de poder
político ora de poder social. Para mais, ele apontou as tipologias de: fronteiras
plásticas, modernas, físicas e humanas.
As fronteiras plásticas, nessa lógica, sofriam choque de poder entre dois
ou mais povos (peculiaridade inteiramente medieval). As fronteiras modernas
são aquelas que foram modificadas, passando de linear para zona. Em
contrapartida, a fronteira física é decorrente dos espaços que possuem barreiras
que podem ser sanadas pelo homem e a fronteira humana é a que a sociedade
origina.
Desse ponto em diante, muitos outros autores disponibilizaram outros
paradigmas atrelados a visão crítica sobre as zonas fronteiriças devido a novas
tendências atuais, conectadas à geopolítica e à globalização. Atualmente, já
existem debates em relação as fronteiras religiosas, linguísticas e tecnológicas.
Outra subdivisão que se sobressai em contextos presentes e que tenha
se perpetuado durante a história é a definição de fronteiras culturais e sociais.
Essas fronteiras, em particular, são tratadas pelos autores Font e Rufi (2006)
como a divisão de áreas homogêneas do ponto de vista étnico, linguístico ou
religioso. Segundo Martinez (idem), a delimitação, a diferença, a distinção e a
identidade são efetivamente simbolizadas espacialmente, e não em termos de
parentesco. No entanto, esse ponto será melhor investigado nos tópicos
subsequentes.
4. A Tríplice Fronteira Brasil-Peru-Bolívia
4.1 Contexto das Fronteiras Sul-Americanas Entre Si
Segundo a lógica de Carmem Lussi9, os primeiros delineamentos
geopolíticos das fronteiras sul-americanas se constituíram durante a era colonial.
Tal fato é entrelaçado a uma contínua onda de confrontos de poder, onde, desde
o princípio, não houve um sentimento de identidade ou nacionalidade, mas sim
de territorialidade.
O povo se reconhecia em razão do espaço ocupado e não devido a um grupo
social. Por isso, os conflitos existentes foram motivados por questões territoriais,
como a Guerra da Cisplatina (1825-1828), a Guerra do Paraguai (1864-1870) e
a Guerra do Pacífico (1879-1883).
Posteriormente, os estados nacionais da América do Sul são criados. Com
essa origem, as fronteiras são demarcadas e influenciadas por Estados
europeus em virtude de interesse políticos e econômicos, sem priorizar o
contexto histórico, as culturas e as necessidades locais.
Dessa forma, grupos identitário ou de característica semelhantes se
dividiram. Em consequência disso, as atividades de migração se intensificaram,
tornando as fronteiras uma região transitória e repleta de costumes pertinentes
aos países que compartilham a fronteira.
Outra realidade das fronteiras sul-americanas mostra o esquecimento por
parte dos governos e atores sociais ativas, ela também é estereotipada devido a
gestão precária e aos crimes lá presentes.
No que tange a fronteira trinacional entre Brasil, Peru e Bolívia, destaca-se a
imposição do termo “fronteira em movimento”10 devido à predominância de
modificações políticas, administrativa e etnográficas.
Baseado nisso, é notório que as fronteiras da América do Sul foram
projetadas no intuito de abastecer as demandas advindas dos colonizadores e,
por isso, não corresponderam as demandas das sociedades locais. Por meio
disso, as zonas fronteiriças ordenam um conjunto de atividades transitórias e
migratórias, pertinente nos países que as ocupam.
4.2 Zonas Limítrofes Entre Brasil, Peru e Bolívia e o Mercosul
Os delineamentos limítrofes entre Bolívia-Brasil, Peru-Brasil e Bolívia-Peru
foram alguns dos mais tardios da América do Sul por serem as áreas mais
distantes dos três países. Os atuais limites entre Bolívia e Peru se deram em
1902. Em 1903, o Brasil estabelece uma fronteira definida com a Bolívia e
somente em 1909 o Peru define a sua fronteira com o Brasil.
Com a conclusão dos paradigmas fronteiriços, a tríplice fronteira Brasil-
Peru-Bolívia comporta as seguintes localidades: as cidades de Assis Brasil,
Bolpebra e Inapari, bem como é observado no seguinte mapeamento:
Figura I – Representação da Região Trinacional entre Brasil, Peru e Bolívia
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Acre
Não obstante, como foi analisado, essas definições são resultados de
diversos fatos, tentativas, negociações e acontecimentos que ocorreram aonde
os interesses políticos e econômicos contrapuseram os sociais e culturais.
A região onde atualmente se encontra a fronteira trinacional entre Brasil,
Peru e Bolívia foi habitada, durante muitos milênios antes da chegada dos
europeus, por vários grupos étnicos que formaram suas próprias demarcações
territoriais (ARRUDA, 2009).
As populações originais, nas quais se conhece na atualidade como
Jaminawa e Manchineri, tinham a sua região fronteiriça nas “Terras Altas”, na
qual separa a Cordilheira dos Andes da floresta amazônica. Por esse ângulo,
essa área habitada pelos Jaminawa e Manchineri também interligava os tupis-
guaranis e os povos andinos com rotas comerciais, matrimônios e outros.
A invasão majoritariamente de espanhóis e de portugueses nos territórios
que no momento atual correspondem ao Peru, a Bolívia e ao Brasil se
concentrou predominantemente nas faixas litorâneas devido ao difícil acesso a
selva. Mas, desde o começo das expedições, a Amazônia foi examinada, ora por
missionários e jesuítas ora por indígenas e exilados (BECKER, 1988).
Entretanto, a ascensão da Amazônia é causada posteriormente em
decorrência da descoberta da função da borracha na indústria, por volta do
século XX. A Província do Amazonas se tornou um dos maiores polos
econômicos do mundo e abriu espaço para o extrativismo, para mais da borracha
e atingindo a até então ao cultivo de drogas do sertão.
Várias cidades emergiram (como, por exemplo, Manaus e Belém). Além
disso, houve um fluxo de nordestinos, estrangeiros e indígenas para as
atividades extrativistas. Muitos seringueiros passaram a ocupar o território
boliviano para aumentar a produção. Ademais, com a anexação brasileira na
região boliviana do Acre, o Brasil e a Bolívia assinam o Tratado de Petrópolis
(1903) para atender a essa demanda.
Subsequentemente, o ciclo da borracha acabou, contudo as fronteiras
agrícolas e extrativistas ainda avançavam. A região “trifronteiriça”, demarcada
sobretudo por esse viés econômico, se transformou em um palco repleto de
migrações e problemáticas.
Uma das primeiras consequências decorreu das migrações desordenadas
entre os habitantes dos três municípios internacionais. Muitas famílias foram
divididas e, consequentemente, seus meios de sobrevivência também. Assim,
muitos ainda migram várias vezes ao dia em busca de trabalho e sustento.
Apesar de haverem prescrições que possibilitam esse trajeto, a maior parte das
políticas públicas é destinada às matrizes extrativistas e a efetivação de soluções
sobre temas como segurança e sociedade é deixada em segundo plano.
Apesar das diretrizes preconceituosas que se acentuam no entendimento
acerca de fronteiras políticas amazônicas, a etnografia elaborada por José
Valcuende del Rio e por Lais Cardia (2009) exibem as fronteiras Brasil-Peru-
Bolívia além da vertente tradicional de fronteira separatista. A fronteira trinacional
está relacionada a um componente articulador que une as sociedades
trinacionais.
As sociedades constituídas nas cidades de Assis Brasil, Iñapari e Bolpebra
estão socialmente conectadas embora exista a escala de soberania entre os
países. Assim como os tempos antepassados, tal região ainda se conecta, para
lá de migrações, por meios de uniões matrimoniais. A eclosão da borracha
associou as populações existentes ali e, no fim desse ciclo, as sociedades nas
quais habitam essa tríplice-fronteira tiveram que moldar os seus próprios meios
de sobrevivência que se espelham em comércios locais, no extrativismo e na
criminalidade.
A pesquisa também indica que as populações locais apresentam laços com
os diferentes lados das fronteiras. Nesse paradoxo, é muito comum que um
homem peruano se relacione com uma mulher boliviana e tenha filhos nascidos
no Brasil. Para mais, o lazer, o comércio na fronteira trinacional é extremamente
facilitado, sem existir uma política fiscalizadora rigorosa, como pode-se observar
na seguinte imagem:
Figura II – Rio Acre em primeiro plano e ao fundo o Rio Yaverija. A desembocadura delimita a tríplice fronteira Brasil, Peru e Bolívia (2008).
Fonte: SÁNCHEZ, 2009
A criação e imposição de regulamentos pelo Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) beneficiou a flexibilidade nas fronteiras sul-americanas de acordo
com Sierra e Alvarato. O Acordo de Residência do MERCOSUL e associados é
a ferramenta que melhor facilita a circulação de pessoas na tríplice fronteira
Brasil-Peru-Bolívia. Portanto, o bloco econômico é crucial no processo de
integração da região e o seu desenvolvimento proviria uma série de benefícios
de desenvolvimento no qual refletiria positivamente na qualidade das condições
de vida daquelas sociedades, tanto indígenas como civilizatórias.
5. Considerações Finais
Esse artigo configura o início de uma revisão teórica e metodológica acerca
dos debates sobre territórios e fronteiras que se é reflexo para uma investigação
mais aprofundada em um Trabalho de Conclusão de Curso.
Com base nos fatos analisados, tem-se um apanhado geral acerca da
conceituação de espaço, território, fronteira e tríplice fronteira Brasil-Peru-
Bolívia. O principal pressuposto espacial geográfico está atrelado à ideia que o
espaço é o destino de estudo central da geografia e o território é a sua
dinamização em relação ao poder. Sendo assim, as fronteiras se caracterizam
como a parte do território que oscila entre dois ou mais poderes e a sua projeção
no ponto de vista cultura e social constitui os processos identitários.
Nesse aspecto, a tríplice fronteira entre o Brasil, o Peru e a Bolívia se
transforma num objeto de investigação incondicional para o entendimento
dessas linhas teoréticas, dado que essa área é uma sequela de confrontos
colonizadores e econômicos onde são anexadas diversidades étnicas e participa
de debates de vários pontos de vista de fronteiras, da fronteira política até a
fronteira das “Amazônias”.
A particularidade dessa região trinacional está relacionada a principal
suposição de que ela foi projetada para o colonizador, logo após aos extratores
e, por último, ao agroexportador. Em contrapartida, outras áreas da região
acumularam demandas, uma delas está vinculada às populações que oscilam
entre esses espaços. Os povos indígenas e a sociedade civil necessitam de
políticas públicas capazes te os interligar nesses espaços. Desse modo, o
Mercosul torna-se uma alternativa complementar essa necessidade.
NOTAS
1 Estudante de graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins 2 Professora adjunta do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins – UFT. 3 LUSSI, Carmen. Espaços Fronteiriços na América do Sul: desafios e oportunidades para a pastoral humana. Disponível em: < https://www.csem.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Espa%C3%A7os_fronteiri%C3%A7os_na_Am%C3%A9rica_do_Sul.pdf>. Acesso em: 20 de julho de 2019 4 CAVALCANTE, M. R. V; CIDREIRA, J. H. A fronteira Brasil-Peru-Bolívia: de periferia a centro do continente sulamericano. Revista Presença Geográfica, vol. IV, num. I, 2017. U 5 ARRUDA, R. S. V. Fronteiras e Identidades: os povos indígenas na tríplice fronteira Brasil-Bolívia-Peru. São Paulo: Projeto História, 2009. Pp. 159-178.
6 SCHVARZER, Jorge. Mercosur: estrategias para el crecimiento y el desarrollo. In: SIERRA, Gerómino de; ALVARADO, M. B. Democracia, Gobernanza y Desarollo en el Mercosur: hacia un projecto proyecto proprio en el siglo XXI. UNESCO, 2004. pp. 25-34. 7 Categorias, segundo o The Dictionary of Human Geography, são um conjunto de conceitos que auxiliam no estudo e na pesquisa de área geográfica. 8 (1938 cit. por Cataia, 2011, p. 13 in: SEABRA, 2012)
Referências
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