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unila
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A Unila e o compromisso com a internacionalização solidária
Manolita Correia Lima – ESPM – [email protected] Ricobom – UNILA – [email protected] Martins Torini – ESPM – [email protected]
Claudia Cristiane dos Santos Silva – ESPM – [email protected] Prolo – ESPM – [email protected]
Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPMUniversidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA
Introdução
O trabalho apresentado neste simpósio está em sintonia com o processo de
internacionalização da educação superior, atendo-se particularmente, ao fenômeno da
mobilidade acadêmica internacional. A abordagem proposta se distancia de uma leitura
apologética do fenômeno uma vez que as escolhas teóricas estão alinhadas a autores que
contribuíram para problematizar a globalização, argumentando as possibilidades de se
construir uma outra globalização porque contra-hegemônica (SANTOS, 2005) e autores
que problematizaram a universidade operacional (CHAUÍ, 1999) na busca de resgatar a
universidade necessária (RIBEIRO, 1975) e emancipadora (TRINDADE, 2012), capaz
de equilibrar qualidade acadêmica (qualidade formal) e qualidade política. Por isso
mesmo, a investigação, ainda em andamento, tem como objetivo investigar a
mobilidade acadêmica vivenciada por professores e estudantes internacionais que
buscaram na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) a realização
de um séjour de estudo e trabalho. Para tanto, os pesquisadores se dedicam a resgatar da
vivência dessa experiência de formação, na busca de apreender os significados
impressos pelos atores sociais implicados que permitam fundamentar a construção de
uma rede de significados capaz de articular uma concepção renovada de universidade e
uma experiência de mobilidade acadêmica qualitativa porque transformadora. Para
tanto, faz-se uso dos caminhos abertos pelo método de estudo de caso único, explorando
múltiplos recursos metodológicos (pesquisa bibliográfica, documental e de campo). Na
pesquisa de campo estão sendo combinadas distintas técnicas no processo de coleta
(aplicação de questionários, realização de grupos de foco, desenvolvimento de
entrevistas em profundidade). Na etapa de tratamento dos materiais coletados
combinará análise descritiva dos dados e análise de conteúdo temática, em um processo
de construção do conhecimento em espiral, inspirado pelo conceito de espiral do
conhecimento, proposto por Jerome Bruner (1999). Este texto tem como objetivo
principal analisar alguns dados preliminares do levantamento quantitativo realizado a
partir de um questionário on-line junto aos estudantes internacionais da Unila. Em vez
se se apresentar como uma exegese dos temas propostos, o artigo visa apenas discutir
alguns pontos fundamentais ligados aos perfis dos estudantes da instituição oriundos de
outros países da América Latina e sua coerência com os princípios que guiam o projeto
original de fundação da instituição.
A Unila e a internacionalização solidária
A Unila foi criada em janeiro de 2010 (Lei 12.189) com a “missão de
caracterizar sua atuação nas regiões de fronteira, com vocação para o intercâmbio
acadêmico e a cooperação solidária com países integrantes do Mercosul e com os
demais países da América Latina” (Brasil, 2010). Localizada estrategicamente na cidade
de Foz do Iguaçu/PR, tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai), a instituição faz
parte da rede de 63 universidades que integram o sistema universitário público de
ensino superior brasileiro.
Por se tratar de uma universidade orientada pela e para a promoção da integração
solidária através do conhecimento e da cultura, fundada no reconhecimento mútuo e na
equidade, a experiência da mobilidade acadêmica promovida na Unila parece transitar
na contracorrente do tempo ocorrido nos países de maior capacidade de atração de
estudantes, a exemplo dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova
Zelândia, entre outros (LIMA; CONTEL, 2011). Dentre os indícios que apontam para
essa oposição, podem ser destacados: (Projeto de lei n.2.878-A / 2008, p.2)
1. Em virtude da crise que abala a concepção de universidade que se consagrou
no Ocidente, particularmente entre os países coloniais, a universidade latino-
americana, como filha dessa universidade, precisa se renovar. Nesse sentido, a
Unila pode representar uma possibilidade de futuro, uma instituição com chance
de influir sobre a redução de assimetrias sociais na região, sobre a elaboração de
projetos éticos de desenvolvimento porque capazes de fortalecer sociedades mais
sustentáveis, de conciliar crescimento econômico com equidade e equilíbrio
ambiental.
2. Levando em conta a especificidade de seu projeto, a Unila pode colaborar
para a integração regional do ponto de vista da educação, da cultura, da ciência e
da tecnologia, discutindo os grandes temas sul-americanos e propondo
alternativas de solução consequentes.
3. Apesar de ser uma universidade pública brasileira, coerente com a sua missão
– “formar recursos humanos aptos a contribuir com a integração latino-
americana, com o desenvolvimento regional e com o intercâmbio cultural,
científico e educacional na América latina, especialmente no Mercosul” (p.2) – a
instituição nasce bilíngue, isto é, todas as atividades curriculares e de interesse
curricular são realizadas em português e espanhol, respectivamente.
4. A Unila assume o compromisso de acolher estudantes e professores
originários dos países da América latina de forma equitativa, orientando-se pela
cooperação e o intercâmbio solidário. Para tanto, “os processos seletivos para
ingresso nos corpos docente e discente da Unila assegurarão a concorrência
isonômica entre cidadãos dos diversos países latino-americanos, sem qualquer
privilégio para brasileiros” (p.21).
5. Compromete-se ainda a oferecer cursos e programas de alto nível acadêmico,
“preferencialmente em áreas de interesse mútuo dos países da América latina,
sobretudo dos membros do Mercosul, com ênfase em temas envolvendo
exploração de recursos naturais e biodiversidades transfronteiriças, estudos
sociais e linguísticos regionais, relações internacionais e demais áreas
consideradas estratégicas para o desenvolvimento e a integração regional” (p.2)
que permitam romper com a estrutura bacharelesca predominante no país.
A arquitetura curricular adotada reflete as exigências da abordagem
transdisciplinar. Por isso mesmo, os cursos são orientados mais por núcleos temáticos
do que por disciplinas. O currículo está organizado em dois ciclos, um ciclo de estudo
formativo em que se aprofundam “sociedade, cultura e integração da América latina” e
“formação metodológica e instrumental”, antes de se introduzir no campo específico de
estudos; e outro profissional, além dos seminários integrados. Nesse contexto, a relação
entre estudantes e professores é mediada pela presença de tutores, numa relação mais
qualitativa e pedagogicamente consequente.
Em 2014, entre estudantes (1600), professores e demais servidores (400), a
Unila reunia aproximadamente 2.000 pessoas. Do total de matrículas efetuadas no
período, aproximadamente metade é de estudantes internacionais. Apesar do
crescimento do número de cursos oferecidos e do necessário investimento em pesquisa e
desenvolvimento de projetos de extensão, o número de professores é modesto e a
proporção de professores internacionais é ainda menor: não ultrapassa 20% do total.
Uma proposta de triangulação
A investigação em curso se aproxima das características de uma pesquisa exploratória.
Primeiramente, porque a mobilidade internacional acadêmica é um campo de estudo
recente, ganhou visibilidade com a institucionalização de programas de intercâmbio
internacional criados pela União Europeia e por isso mesmo ainda não dispõe de teorias
consolidadas, levando os pesquisadores do campo a combinar referenciais originários de
distintas áreas, a exemplo da geografia, engenharia, sociologia, antropologia, relações
internacionais, entre outras. Soma-se a isso o fato de os pesquisadores reconhecerem a
mobilidade como um fenômeno social e isso equivale a afirmar que buscam
compreender as estruturas, os meios, a cultura e a rede de significados envolvidos no
recorte proposto. Caberia ainda lembrar que a mobilidade internacional no âmbito dos
estudantes tem se revelado um fenômeno que se manifesta de forma crescente,
desequilibrada e diversificada e isso contribui para a presença de extenso número de
variáveis subordinadas às dimensões históricas, socioculturais, políticas, econômicas e
acadêmicas, por exemplo (LIMA; CONTEL, 2011), exigindo leituras transversais, de
caráter interpretativo, inspiradas por métodos subordinados à abordagem qualitativa.
Frente ao tema e problemas formulados, a pesquisa em andamento tem buscado a
realização de uma triangulação tanto no nível do método, quanto dos tipos de pesquisa,
das técnicas de coleta e tratamento dos materiais reunidos. Assim sendo, está
explorando os recursos típicos dos métodos survey e do estudo de caso único,
qualitativo e descritivo, das pesquisas bibliográfica, documental e de campo – tanto
extensiva (com a aplicação de questionário), quanto intensiva (com a realização de
focus group e entrevistas em profundidade) .
No caso da população estudantil, inicialmente se aplicou um questionário on-line
com os estudantes internacionais e, em seguida, buscou-se discutir os dados tabulados
em focus group formados também pelos estudantes internacionais. Apesar de na partida
se conhecer a totalidade da população formada por estudantes internacionais em séjour
de estudo na Unila, optou-se por adotar uma amostra não probabilísitca (ou acidental).
Dessa forma, coube ao estudante ponderar sobre a sua disposição em colaborar com a
investigação. Há ciência de que esta escolha limitará os pesquisadores à adoção de
análises descritivas, que impedem exercícios de generalização dos resultados. Mas,
tratando-se de um estudo de caso qualitativo, a adoção do questionário limita-se ao
interesse de dispor de uma visão de conjunto que possa ser exaustivamente discutida
nos grupos de foco e com os demais segmentos envolvidos na investigação por meio de
entrevistas. Assim sendo, o tratamento dos questionários não ultrapassará uma análise
descritiva dos dados tabulados.
Um começo de análise
O instrumento de coleta utilizado foi um questionário on-line aplicado aos
estudantes internacionais da Unila entre novembro de 2014 e fevereiro de 2015. O
questionário era composto por uma questão aberta (dissertativa) e 51 questões fechadas
(de múltipla escolha, matriz de seleção e baterias de percepção/avaliação), distribuídas
em 5 seções: Perfil do respondente; Processo seletivo e preparação para a viagem; Viver
em Foz do Iguaçu; Estudar na Unila e Avaliação e Resultados da Experiência. Serão
tratados a seguir apenas alguns referentes à primeira seção, sobre o perfil dos estudantes
internacionais.
Os 96 respondentes são oriundos de 11 países, com destaque para o Paraguai
(25), Uruguai (15), Colômbia (14), Peru (13), Argentina e Equador (com 7 estudantes
cada). Eles informaram ser originários de 50 cidades diferentes, mas um terço deles (32)
se concentra nas capitais (sobretudo Bogotá, Lima, Assunção, La Paz e Santiago). A
idade dos estudantes que participaram do levantamento variou de 17 a 38 anos, sendo
que 34 testavam na faixa etária dos 21 aos 23 anos.
Apesar de os resultados de pesquisas mundiais apontarem para uma certa
“feminização” da mobilidade acadêmica internacional, entre os respondentes do
levantamento, há o inverso: 51 são homens e 37 mulheres (outros 8 estudantes se
negaram a informar o gênero). Utilizando-se as categorias de cor/raça/etnia empregadas
pelo IBGE, 28 se declararam negros (sendo 21 pardos e 7 pretos), 26 são brancos, 12
indígenas e 1 amarelo. E, apesar de haver uma grande variação de idade, a grande
maioria dos respondentes (91) é composta de solteiros.
Um dado bastante relevante sobre o perfil socioeconômico dos estudantes diz
respeito ao nível de escolaridade da família. Entre os pais, 18 possuem até ensino
fundamental completo, outros 21 o ensino médio completo e 30 possuem ensino
superior completo ou mais. Já entre as mães, esses números eram: 19, 24 e 27,
respectivamente. No que diz respeito, por sua vez, à ocupação dos pais, a despeito de
serem muito variadas, prevalecem as ocupações que não exigem elevado nível de
instrução, tais como agricultor/criador/produtor rural (11), mecânico (7), taxista (5),
autônomo (5), professor (4), eletricista (4), empregado, sem especificação (4). Entre as
mães, prevalecem as ocupações de dona de casa (35),
empresária/autônoma/comerciante (13), professora do Ensino Fundamental (7), auxiliar
de limpeza/cozinheira/empregada/empregada Doméstica (7), operária/operária
Têxtil/costureira (3). Considerando as ocupações informadas, chama atenção que a
renda familiar seja tão modesta: 64 têm renda familiar de até dois salários mínimos
nacionais e 86 têm renda familiar de até cinco salários mínimos. Coerentemente com a
renda familiar dos pais, a grande maioria dos respondentes (71) vem de instituições
públicas de educação. Esses dados apontam que, diferentemente do que mostram os
dados mais comuns referentes à mobilidade internacional, o perfil de estudante
internacional da Unila é mais pobre e com níveis mais baixos de escolaridade na
família, de forma que foi o aproveitamento acadêmico prévio em suas escolas de origem
o principal passaporte para sua seleção e ingresso na universidade.
No que diz respeito, por sua vez, à sua recepção e integração cultural quando de
sua chegada a Foz do Iguaçu, 76 indicaram ter participado de atividades promovidas
pela própria Unila que visavam facilitar a integração social dos estudantes e outros 42
de atividades que buscavam a integração social ao município de Foz do Iguaçu. A
despeito de reconhecerem o apoio da instituição, muitos atribuem a colegas, sobretudo
compatriotas, a maior parte da ajuda recebida para se estabelecerem na cidade. O apoio
da Unila, contudo, continua perpassando a vida estudantil não apenas na chegada do
estudante internacional, mas ao longo de boa parte de sua trajetória acadêmica, por meio
da assistência estudantil: metade dos respondentes recebe ajuda para alimentação (49),
transporte (49) e moradia (48) e 21 afirmam receber bolsa de pesquisa. Ainda assim, 18
estudantes dizem trabalhar em período parcial (20 horas semanais), sendo apenas 8
deles registrados formalmente. Para a grande maioria dos que recebem algum tipo de
ajuda financeira (53 estudantes), o apoio vem exclusivamente do governo brasileiro.
Ao menos entre os respondentes deste levantamento exploratório, as principais
razões que justificaram o interesse pela Unila foram a possibilidade de: se dedicar
exclusivamente aos estudos (87); vivenciar uma experiência de estudo em uma
universidade internacional (86); fazer novos amigos de distintas nacionalidades (76) e
aprender a língua portuguesa (72). Além disso, alimentam a expectativa de valorização
social de seu diploma de graduação (72) e de elevação da empregabilidade (72).
Esses e outros dados tabulados a partir das 52 questões do instrumento de coleta
mostram que, ao menos no que diz respeito aos respondentes do levantamento, o perfil
dos estudantes internacionais parece estar totalmente de acordo com os princípios
fundantes da instituição, como resultado da promoção da internacionalização solidária e
de uma universidade contra-hegemônica.
Considerações finais
Enquanto os resultados da pesquisa quantitativa permitiram formar uma visão de
conjunto de uma amostra da população estudantil internacional e ajudaram na
construção de algumas categorias de análise, a pesquisa qualitativa (realizada com base
no método de estudo de caso) ajudará no aprofundamento da investigação tendo como
âncora as categorias de análise descortinadas pelos resultados da pesquisa bibliográfica,
documental e de campo, com a aplicação do questionário. E a este desafio que os
pesquisadores se dedicam atualmente: o de, a partir dos insights fornecidos pelo
levantamento exploratório e da utilização de técnicas qualitativas, conhecer com mais
profundidade os significados atribuídos pelos sujeitos à sua experiência de mobilidade
acadêmica.
Referências
BRASIL. Lei nº 12.189, de 12 de janeiro de 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/L12189.htm . Acesso em 30 de setembro de 2016.
BRUNER, J. Para uma teoria da educação. Lisboa: Relógio d'Água Editores, 1999. BURGEL, G.
CHAUÍ, M. A universidade operacional. Folha de São Paulo, Caderno Mais, 9/5/1999.
LIMA, M. C.; CONTEL, F. B. A internacionalização da educação superior – nações passivas, nações ativas e a geopolítica do conhecimento. São Paulo: Editora Alameda, 2011.
RIBEIRO, D. A universidade necessária. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
SANTOS, B. de S. "A Universidade no Séc. XXI: Para uma Reforma Democrática e Emancipatória da Universidade", Educação, Sociedade & Culturas, 23, 2005, p.137-202
TRINDADE, H. Por um novo projeto universitário: da "Universidade em Ruínas" à "Universidade Emancipatória". In: SOUSA JUNIOR, J.G. Da universidade necessária à universidade emancipatória. Brasília: Unb, 2012, p.89-142.