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A utópica conquista da imortalidade Reprogramar o sistema imunitário, receber um alerta no telemóvel, quando se passa algo de errado no corpo, ou usar uma tatuagem invisível que liberta medicamentos se necessário. Tudo isto poderá fazer parte da rotina daqui a 25 anos. Mas o mundo não estará livre de doenças. Viagem ao futuro da saúde com olhos postos no presente ÍÊZi VÂNIA MAIA 2043 SAÚDE

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A utópicaconquista daimortalidade

Reprogramar o sistema imunitário,receber um alerta no telemóvel, quando

se passa algo de errado no corpo,ou usar uma tatuagem invisível queliberta medicamentos se necessário.

Tudo isto poderá fazer parte da rotinadaqui a 25 anos. Mas o mundo não estará

livre de doenças. Viagem ao futuroda saúde com olhos postos no presente

ÍÊZi VÂNIA MAIA

2043SAÚDE

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A hislória clínica dos seres humanos c cada

mais longa graças aos avanços da medicina.A esperança média de vida deverá aumentarseis a sete anos no próximo quarto de século

Os portugueses passarão a viver, cm media,até aos 90 anos, e chegar aos 100 será a norma

para milhões de pessoas em todo o mundo.A estimativa c do prcsidcnlc do Ccnlro parao Futuro do Envelhecimento do InstitutoMilken, Paul Irving. À VISÃO, o investigadornorte-amencano esclarece que "o mais im-portanlc não serão os anos de vida conquis-tados, mas a qualidade com a qual eles serãovividos". Diabetes, obesidade, hipertensão,doenças neurodegenerativas e cancro É pre-visível que todas estas patologias aumentem,mas várias pequenas e grandes revoluçõesestão em curso no sentido de melhorar a

qualidade de vida dos seres humanos A per-sonalização dos cuidados de saúde é uma das

principais tendências. No futuro, a máxima"cada caso é um caso" terá mesmo um sentidoliteral dentro do hospital.

A diretora-geral da Saiíde, Graça Freitas,alerta para o "desafio demográfico brutal"com o qual o País es Lara confronlado denl.rode 2,S anos: o envelhecimento da população.Estarão os hospitais entupidos de pacientesidosos em 2043? Nada disso A expectativa é

a de que as idas às insliUuçõcs de saúde di-minuam na mesma medida que aumentam a

prevenção e a vigilância. "A grande aposta dasociedade deve ser o que nos torna saudáveis

por antecipação", defende.

O telemóvel será cada vez mais um par-ceiro fundamental na vigilância da saúde e

na monitorização de doenças crónicas. "Os

supercomputadores que temos no bolsopodem estar ligados a várias ferramentasde diagnóstico, mas o facto de o telemóvel

conseguir medir a tensão arterial não querdizer que as pessoas saibam interpretar osresultados. Aí, será a Inteligência Artificial(IA) a fazer a diferença", sublinha o pediatraamericano Joel Selanikio. O médico perdeua conta ao número de pais que o procuramcom (falsas) suspeitas de otites nas crianças.No futuro, bastará tirar com o telemóveluma fotografia ao ouvido e uma aplicaçãodiagnosticará (ou não) a infeção. Dentro dedez anos, este será o tipo de reconhecimentode imagem que a IA conseguirá fazer e queestará disponível para a população em geral.

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Será igualmente desenvolvida tecnologiasensível ao som, capaz de identificar umainfeção respiratória ou uma pneumonia só

através do ritmo da respiração ao telefone.Se uma aplicação telefónica pode diagnosticar,então será que pode prescrever medicamen-tos? "Provavelmente, terá de se encontrar umamaneira de os médicos fazerem a prescriçãode forma eficiente", responde Joel Selanikio.A Inteligência Artificial não irá substituir to-dos os clínicos, mas o investigador confessa

que "ficaria chocado se não houvesse menosmédicos por habitante daqui a 25 anos".

Os radiologistas, por exemplo, irão dimi-nuir enormemente, acredita. A IA será capazde interpretar os raios-X e diagnosticar uniapneumonia e outras doenças. Nos laborató-rios, já é comum os algoritmos alertarem ape-nas para as análises com resultados anormais.O desafio será o de ensinar o algoritmo a terem conta elementos aparentemente difíceisde serem computáveis, como o ar triste do

paciente, mas será possível.

OS ANJOS DA GUARDAAs videoconsultas também irão generalizar-se- nos EUAjá há preçários para este tipo de

acompanhamento. Jocl Selanikio acredita queter o médico no telefone será especialmenteútil para aumentar o acesso aos cuidados de

saúde nos países em vias de desenvolvimento,ou no Interior do País, pensando à escala de

Portugal. Apesar da distância física, o gestorde produto da Linde, João Pereira, defende

que a telemedicina irá aproximar médicose pacientes. "O contacto pode não ser facea face, mas, se o profissional de saúde esti-ver a telemonitorizar o doente diariamente,o contacto será muito mais regular do quecom consultas presenciais." E acrescenta: "A

geração dos millennials prefere mandar uma

mensagem por WhatsApp ao médico paratirar uma dúvida do que ir a uma consulta."

Os blocos operatórios terão progressiva-mente menos pessoas e mais robôs. O dire-tor-geral da Medtronic Portugal, Luís LopesPereira, avança que a tecnologia permitiráfazer cirurgias à distância daqui a 25 anos."As intervenções continuarão a ser cada vezmenos invasivas, havendo espaço para a in-trodução de mais soluções disruptivas, comoo coração c o pâncreas artificiais"

Marcar uma consulta será, provavelmente,uma tarefa do passado. Teremos sensores nocorpo, e à nossa volta, capazes de alertar parao momento de agir. Uma simples ida à casa de

banho poderá ser sinónimo de um manancialde informação. Em casa, também será normalter dispositivos que avaliem a tensão arterial,a transpiração, a respiração e, até, o padrãode sono. "Seremos mais monitorizados, masa maior parte destes sensores estará fora donosso corpo. Há muitas substâncias que po-

dem ser analisadas fora do corpo", garante o

diretor-geral do Laboratório Ibérico Inter-nacional de Nanotecnologia, Lars Montelius.Até o líquido das lágrimas poderá vir a ser

inspecionado através de nanotecnologia in-serida em lenles de conlaclo. "A maior parledos diagnósticos será baseada nas análises ao

sangue mas, no futuro, poderemos usar ou-tros líquidos com técnicas menos invasivas."

Também a tecnologia que possa ser vestida,os wearobles, como os relógios inteligentes,passará a desempenhar um papel importan-te. Na consulta, a primeira tarefa do médicoserá ver os dados destes dispositivos. Exis-tindo mais monitorização, haverá uma maior

aposta na medicina preventiva. Mas tambéma rotina dos doentes crónicos será facilitada.Uma simples tatuagem eletrónica invisível,

que já existe em laboratório, poderá estarequipada com tecnologia capaz de medir o

açúcar no suor do paciente. Quando for ne-cessário repor os níveis, lança um alerta paraa bomba de insulina inserida no interior do

corpo. Lars Montelius também prevê que nos

próximos cinco anos seja comum usar estas

tatuagens para libertar drogas consoanteas necessidades do doente.

REVOLUÇÃO GENÉTICAA geneticista Marta Amorim acredita que, "em

vez de ser baseada no diagnóstico clínico, amedicina será abordada pelo diagnóstico ge-nético: na prevenção, na subclassificação de

doenças e em terapêuticas personalizadas".Basta pensar que há 15 anos sequenciar umgenoma humano custava milhares de dólares

e, brevemente, passará a custar uns meros100 dólares (€81). "Daqui a 25 anos, pedir a

sequenciação do genoma do paciente será tãobanal como é agora pedir um hemograma."

Atualmente, a sequenciação do genomajá está bastante facilitada e a grande revo-lução da próxima década será a capacidade

NO FUTURO,BASTARA AOSPAIS TIRAR COMO TELEMOVELUMA FOTOGRAFIAAO OUVIDODO SEU FILHOE UMA APLICAÇÃODIAGNOSTICARA(OU NAO) UMAOTITE

CronologiaVêm aí avançosrevolucionários

na medicina

2023Tatuagens

tecnológicasTalvez bastem apenas

cinco anos até se tornarcomum o uso

de tatuagens eletrónicasinvisíveis, capazes de

monitorizar parâmetrosdo corpo humano ou

de libertar medicação

2026Biópsias não

irwasii>as0 método generalizado

de deteção precocedo cancro será

a biópsia líquida, queconsegue detetar

células cancerosasem circulação no

sangue antes de haver

expressão por imagemdo tumor

2028A doutora

Inteligência ArtificialPrevê-seque jáseja habitual as

pessoas deixarem--se monitorizar porvárias aplicações

móveis de saúde com

capacidadesde diagnóstico

2043Genes perfeitos

A edição genéticapoderá ser já a norma,

revolucionando a formacomo o ser humano lida

com a doença, tantona prevenção como

no tratamento

2050Cirurgias à distânciaDepois de devidamentedebatidas as questões

legais relativas,

por exemplo, à

privacidade do doentee à responsabilização

dos cirurgiões, a

tecnologia já permitiráteleope rações

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de inlerprelá-la. "As variantes de significadodesconhecido vão diminuir c perceberemosmelhor o que é ou não patogénico [capaz de

provocar doença] ."A investigadora da Facul-dade de Medicina da Universidade de Lisboadestaca a análise do ADN Livre (reslos decélulas que circulam no sangue) como umadas principais áreas de investigação. Já c re-comendado - incluindo em Portugal - queo despiste das trissomias 13, 18 e 21 durantea gravidez seja feito através de uma análise

ao ADN Livre no sangue da mãe, um examemuito mais sensível do que os atuais rastreios

e bem menos invasivo do que a amniocentese.Na área do cancro, a análise do ADN Livre

poderá ser especialmente útil no diagnósticoprecoce, na definição de Lralamenlos perso-nalizados e na deteção do regresso da doença.Conhecendo as mutações genéticas do tumoranterior, esta biopsia líquida consegue de-tetá-las em circulação muito antes de haver

expressão por imagem do Lumor, pólen ciando

as possibilidades de tratamento e de cura. Emmenos de dez anos, esta poderá ser a normano despiste das doenças oncológicas, acreditao investigador do Centro de Doenças Crónicasda Nova Medicai School, José Pereira Leal.

Começam a surgir as primeiras aplicaçõesda edição genética, que permite manipular o

comportamento dos genes humanos. No ano

passado, uma equipa de cientistas conseguiucorrigir, em embriões humanos, uma mutaçãonum gene associado a uma doença cardíaca,deixando entrever este previsível futuro."A prioridade será a cura de doenças genéti-cas, relativamente raras, que se manifestamlogo em criança", antevê a presidente do Ins-tituto de Medicina Molecular (IMM), MariaCarmo-Fonseca. Também o cancro beneficiadesta investigação. A edição genética permiteensinar o sistema imunitário a identificar as

células tumorais e a combatê-las. As célulassão retiradas da medula óssea do doente e,

depois de ediladas genelicamenle, vollam aser lá colocadas e repovoam o sistema. A fi-brosc quística ou os cancros da mama c dosovários (que já se sabe estarem associados a

mutações nos genes BRCA I e BRCA 2) tam-bém estão na mira dos cientistas.

UM NOVO CORPO HUMANOA falta de órgãos para transplante será vimdrama do passado. "Em vez de fazermostransplantes de órgãos doados por outraspessoas, a medicina regenerativa vai per-mitir criar novos órgãos a partir das célulasdo próprio paciente", afirma Maria Carmo-Fonseca. Ao nível da utopia de substituirprogressivamente o corpo humano, já existemmedicamentos com capacidade para regenerarcartilagens ou a córnea ocular. No futuro, o

preço destes medicamentos inovadores estarámuito mais dependente dos seus resultados

Manuel Sobrinho Simões

"Vamosmorrer cada

Sezmenos

e cancro"Serão os médicos a ir ter com osdoentes a casa, acredita o patologista

Aos 70 anos, Manuel Sobrinho Simões,presidente do Instituto de Patologiae Imunologia Molecular da Universidadedo Porto, confessa lidar mal com o futuro,mas a consciência da finitude não lhe

atrapalha os dias sempre preenchidos.Eleito o patologista mais influentedo mundo, em 2015, pela revista britânicaThe Patologist, acredita que a relaçãoentre os profissionais de saúde e osdoentes continuará ser determinante.Só assim será possível tratar o sofrimento

que a doença traz.

É fácil antecipar o futuro da medicina?A grande questão é se o homem será maisou menos natureza. As gerações mais

jovens adoram acreditar na robótica, na

Inteligência Artificial e em tudo o quantoé quantificável, mas não estou convencidode que a saúde venha a ter essa evolução.A medicina beneficiará do desenvolvimento

tecnológico, mas terá, sobretudo, de lidar

com multidões de velhinhos com muitas

doenças crónicas. Eu sei que isto não é

gla moroso, mas é a verdade.Como vai a sociedade lidar com essamultidão de velhos?A saúde do século XXI vai depender mu ito

mais de apoio domiciliário e de medidasde apoio social. Aí sim, as tecnologiasserão importantíssimas porque eu possoter uns aparelhos em casa que me meçamo açúcar, o PH da urina, a tensão arterial...Também dependerá muito da educaçãonos primeiros tempos de vida relativamentea hábitos saudáveis.

O que poderá ser especialmentedisruptivo ao nível da investigaçãodo cancro?Não há nada de disruptivo, o que há

é a tentativa de usar o próprio hospedeirapara vencer o cancro. O tratamento nãoé dirigido às células cancerosas, masàs características do hospedeiro quesão capazes de vencer ou controlaro seu próprio cancro. São as terapiasimunológicas e metabólicas. Tambémestamos a melhorar imenso a capacidadede prevenção e de diagnóstico precoce.A principal arma contra o cancro será,então, a deteção precoce.Temos de apostar na deteção precoce de

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uma maneira extraordinária, masé fundamental ter bom senso.Se começarmos a procurar nódulos nas

pessoas idosas, vamos encontrá-los.Deixem as pessoas sossegadas. Devefazer-se um rastreio dirigido às pessoascom história familiar, aos residentesde sítios com chatices conhecidas e aosindivíduos que já tiveram doenças queaumentam o risco de ter cancro.Mas no futuro até conseguiremos detetar

precocemente as células cancerígenasque circulem no sangue.Isso ainda é pior. Todos temos durantea vida imensas situações em que,provavelmente, há células cancerosasem circulação. Apanhar uma célulacom uma mutação indicadora de cancroem circulação não significa que aqueleindivíduo tenha a doença. A probabilidadede essa pessoa vir a ter uma chatice

grande depende, por exemplo, do númerodessas células. Também há situaçõesde inflamação crónica que levam ao

aparecimento de células cancerígenas emcirculação.0 rastreio não é tanto melhor quanto mais

precoce for?

A ênfase deve estar na prevenção e não

no rastreio. A pessoa deve vacinar-se, não

engordar demasiado, ter uma vida com

alguma atividade física, não fumar oubeber em excesso, e não se expor ao sol

nem a tóxicos estúpidos. Com isto, diminui25% a incidência de cancro. E tambémprevine doenças cardiovasculares. É

bom para tudo. 0 rastreio ainda melhoramais esta probabilidade. Agora, tudoisto vai aumentar o exército de velhinhossaudáveis até aos 70 anos, mas quedepois vão ter doenças neuropsiquiátricase pequenos cancros. Dê lá por onde der,

daqui a 50 anos, toda a gente terá, pelomenos, um cancro ao longo da vida.Mas vamos morrer menos de cancro?Vamos morrer cada vez menos de cancro,mas vamos morrer com cancro. 0 que vai

entrar em falência são os sistemasde associação, os vasos, os nervos,as hormonas, os linfócitos... Além da

cabeça. Os outros órgãos fazemos, masa cabeça... Os transplantes e a medicina

regenerativa vão aumentar a nossasobrevivência, mas depois as pessoasvão ter cancro e ficar "parvas".Isso fá-lo questionar se faz sentidocontinuara prolongar indefinidamentea longevidade?Sim, esse é o grande problema.Qual é o limite aceitável? Se pertencera uma sociedade que tem de lidar com

orçamentos, qual é a percentagemde dinheiro que deve ser alocada ao

prolongamento da longevidade, sabendo

que o dinheiro que for para aí vai diminuiro tratamento de pessoas de meia-idade

que precisam de transplantes cardíacos?0 dinheiro não vai chegar para tudo.Toda esta tecnologia só estará disponívelpara uma elite endinheirada?Claro. Os meus filhos talvez ainda me

possam ajudar, mas os filhos desta

geração é pouco provável que ganhemo suficiente para pagarem a um funcionário

que fique com os pais. É horrível.Mas até o Steve Jobs morreu com cancrono pâncreas.Se passarmos afazer pâncreas emlaboratório o problema fica resolvido.Resolveria o problema, mas sempre parauma minoria, seria caríssimo. Não seria

para toda a espécie humana.A genética irá desempenhar um papelcada vez mais importante?

Sim, através da acumulação préviade dados. A doença de cada pessoaseguramente que tem elementos

genéticos herdados e adquiridos, masisso não resolve o problema do doente

que está à sua frente a queixar-se dedores no peito. 0 médico tem de falarcom ele, saber quando dói, se foi sempreassim, se tem um estilo de vida saudável...A genética levanta-lhe preocupaçõeséticas?Acho muitíssimo bem que haja correçãode doenças genéticas graves, hereditárias.0 que me assusta é a ideia de querermosfazer tipos mais bonitos ou mais eficientesatravés da terapia genética. A melhoria

genética assusta-me horrorosamente.No futuro, as pessoas que não tenhamum estilo de vida saudável serãodiscriminadas?Isso já está a acontecer. E haverá castigos.Se não houver fundos suficientes, o tipoque tem um cancro do pulmão e erafumador terá menos dinheiro para setratar do que aquele que tem cancrodo pulmão e não fumava. Os seguros jápenalizam quem tem comportamentosde risco.

Sei que não tem telemóvel, mas estariadisposto a deixar um smartphonemonitorizar a sua saúde e enviaraos dados para o seu médico?Sim, sou muito a favor da telepatologiaedatelemedicina. 0 telemóvel é uminstrumento estupendo para facilitaras consultas à distância, evitando a

deslocação das pessoas, até porqueserão velhinhas. Agora, eu quereria vera cara das pessoas. É essencialhaver uma relação pessoal entre os

profissionais de saúde e os doentes, masnão é preciso entupir as urgências ou oscentros de saúde para isso, essa relaçãopode ser construída a partir do domicílio.Em que medida imagina que seremosuma espécie de ciborgues?Acho que vamos ser um bocadinho maisdo que somos hoje, mas não vai ser essaa grande tendência. Haverá umou outro maluco, mas não faz sentido,será demasiado caro. Haverá transplantesde órgãos e cada vez mais medicina

regenerativa, teremos a capacidadede melhorar muito as nossas capacidadescerebrais, disso não tenho dúvida. Masnão vamos ser ciborgues, continuaremosa ser uns bichos. Os meus netos vão poderdescarregara minha memória, masnão vão facilmente construir consciência,sentimentos... A memória é muito

biológica, mas escrever poemas não.Como lida com o futuro?Lido mal porque vou morrer a curto prazo.Também posso ficar mais velho mas,se calhar, fico "parvo" e isso não tem

graça nenhuma.

ASSUSTA-MEA IDEIA DEQUERERMOSFAZER TIPOSMAIS BONITOSOU MAISEFICIENTESATRAVÉSDA TERAPIAGENÉTICA. "MANUEL SOBRINHO SIMÕES,presidente do Instituto de Patologiae Imunologia Molecular

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efetivos. "É bem provável que não haja dis-ponibilidade para pagar por expectativas, mas

por resultados, já que a eficácia nem sempre é

a esperada", explica o professor da Faculdadede Farmácia da Universidade de Coimbra,Sérgio Simões.

Cada vez mais se ouvirá falar da hipótesede se usar o próprio sistema imunitário dos

pacientes para combater as suas enfermi-dades. As doenças autoimunes c alérgicas,por exemplo, poderão desaparecer atravésda regulação do sistema de defesa para queeste deixe de ter uma ação destrutiva e passea ser LoleranLe. E o mesmo poderá acontecercom outras doenças crónicas. "No limite,poderemos alcançar a cura porque muitossistemas experimentais já provaram serpossível fazer uma espécie de 'reiniciar' dosistema imunitário", garante o investigadordo IMM, Luís Graça. Os doentes hemofílicos(não fazem a coagulação do sangue) poderãoreceber um fator de coagulação que, com a

ajuda da imunoterapia, não será recebidocomo uma agressão pelo sistema imunitário.E ficarão curados.

A investigação farmacológica tem umdifícil desafio pela frente: as superbactérias.A resistência aos antibióticos é um fenómenonatural inevitável, mas desde que AlexanderFleming descobriu a penicilina, em 1928,o homem tem vindo a contribuir cm largaescala para o seu crescimento. O uso e abu-so dos antibióticos é o principal problema.A sua utilização na indústria agropecuáriae a deposição destes medicamentos no lixonormal agravam a situação. Todos os anosmorrem 700 mil pessoas devido à resistênciaaos antibióticos. Se a ameaça não for com-batida, poderá causar dez milhões de vítimasanualmente, em 2050, de acordo com a pre-visão do economista inglês Jim o'Ncill. Maismortes do que o cancro.

DOENTES ATIVOSAlém da mudança de comportamentos re-lativamente ao consumo de antibióticos, o

especialista do Hospital Beatriz Angelo e do

Grupo Luz Saúde, Carlos Paios, avança comoutra possibilidade de combate do fenómeno:os bacteriófagos, ou seja, vírus que comembactérias. A nanotecnologia poderá ajudar a

ligá-los às bactérias que se queiram destruir.As alterações climáticas terão impacto

na saúde do mundo e dos homens. "O perfilepidemiológico vai mudar", consente o pro-fessor do Instituto de Tecnologia Química c

Biológica, da LTniversidade Nova de Lisboa,Adriano Henriques. "As doenças transmitidas

por ínsetos, como a dengue ou a malária, Lerão

um aumento gradual do número de surtosdevido aos invernos mais quentes."

A diretora geral da Saúde, Graça Freitas,também antecipa que possam surgir novas

"EM VEZ DOSTRANSPLANTESDE ÓRGÃOSDOADOS,A MEDICINAREGENERATIVAVAI PERMITIRCRIAR NOVOSÓRGÃOS A PARTIRDAS CÉLULASDO PRÓPRIOPACIENTE"MARIA CARMO-FONSECA, presidente do Institutode Medicina Molecutar

pandemias e, lembra, a dengue já chegou á

ilha da Madeira. Quanto á malária, já existeuma vacina a ser testada, que deverá chegarao mercado dentro de dois ou três anos. Alémde pandemias desconhecidas que possamsurgir, alerta para as "clássicas", como a gripe,"sempre imprevisível".

Manuel Sobrinho Simões não duvida de

que a relação médico-pacienLe continuaráa ser determinante: "O sofrimento só se re-solve com alguém que converse connosco."

Graça Freitas explica que o doente passará a

ser ator da sua própria doença: "O médico

inquestionável, a quem o doente passa umaprocuração, vai acabar. Os doentes terão mais

poder, passarão a colocar mais perguntas,e farão parte da solução."

E como será gerida a ansiedade dos pacientes perante a possibilidade de se sentiremuma bomba-rclógio? "Sc alguém tem umabaixa probabilidade de ter um cancro damama aumenta-se a vigilância, se tem umaalta probabilidade podemos ponderar intervenções preventivas mais profundas ou mais

drásticas", acredita José Pereira Leal. Já Sobri-nho Simões alerta para o perigo de estimulara ansiedade sem dar alternativa. "As pessoastêm de perceber que quando nós prevemos,se não tivermos nada para oferecer, estamosa ser de uma maldade enorme."

Paul Irving teme que a longevidade seja"um privilégio das classes altas e dos paísesricos". E o isolamento será um dos principaisinimigos da longevidade, "tão perigoso para a

saúde como fumar". Por isso, é fundamentaldividir com alguém os anos de vida somados.E juntar à história clínica uma história de vidafeliz. Hl vfmaia(iÇvisao.pt

OTIMISTA

As terapias genéticaseliminam doenças

hereditárias, crónicase autoimunes

A nanotecnologia tornaos tratamentos mais

personalizadose menos invasivos

As capacidadesde diagnóstico

da Inteligência Artificiallibertam os médicos

para o contacto comos pacientes

0 cancrotransforma-se numadoença crónica com

os tratamentosbaseados na

imunoterapia

As alteraçõesclimáticas provocam

novas pandemias

Doenças infecciosasmais mortais devido

ao aumento das

superbactérias

Sem modelosde financiamento

sustentáveis,aumentam

as desigualdadesde acesso aos cuidados

de saúde

Num sistema baseadona gestão de dadosmédicos, fugas de

informação põem emcausa a privacidade

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