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11/11/2014 A verdadeira Igreja dos pobres. Artigo de Michael Löwy http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518926-a-verdadeira-igreja-dos-pobres-artigo-de-michael-loewy?tmpl=component&print=1&page= 1/4 Segunda, 01 de abril de 2013 NOTÍCIAS » Notícias A verdadeira Igreja dos pobres. Artigo de Michael Löwy É difícil prever qual será o futuro do cristianismo da libertação na América Latina. O seu enraizamento sociorreligioso lhe permitiu se manter, apesar da oposição ativa dos dois últimos pontífices. A opinião é do sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy , pesquisador emérito do CNRS. Seus livros e artigos são dedicados à atualização do pensamento marxista e à sua relação com o espírito da utopia e do messianismo religioso. Entre suas obras: La Guerre des dieux. Religion et politique en Amérique latine (Ed. du Felin, 1998); Rédemption et utopie. Le judaïsme libertaire em Europe centrale. Une étude d'affinité élective (Ed. du Sandre, 2009); La Cage d'acier. Max Weber et le marxiste wébérien (Ed. Stock). O artigo foi publicado no jornal Le Monde, 31-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto. O primeiro papa latino-americano, Francisco, parece querer se distinguir das ideias e das práticas do seu antecessor, referindo-se a São Francisco de Assis e colocando a pobreza no centro do seu pontificado. Tendo a mesma origem sul-americana, o Papa Francisco é próximo da teologia da libertação ? Podemos duvidar disso... O que é normalmente designado como teologia da libertação – um corpus de textos produzidos desde 1971 por figuras como Gustavo Gutiérrez , Hugo Assmann , Frei Betto , Leonardo Boff , Pablo Richard , Enrique Dussel , Jon Sobrino , Ignacio Ellacuría , para citar apenas os mais conhecidos – nada mais é do que a expressão intelectual e espiritual de um vasto movimento social, nascido ao menos uma década antes, que se manifesta através de uma estreita rede de pastorais populares (da terra, operária, urbana, indígena, da mulher), de comunidades eclesiais de base, de grupos de bairro, de comissões de justiça e paz, de formações da Ação Católica, que assumiram de maneira ativa a opção preferencial pelos pobres. Não na forma tradicional da caridade, mas como solidariedade concreta com a luta dos pobres pela sua libertação. Sem a prática desse movimento social – que poderíamos chamar de cristianismo da libertação – não se pode compreender fenômenos sociopolíticos importantes na história recente da América Latina como o avanço da revolução na América Central Nicarágua, El Salvador –, o surgimento de um novo movimento operário e agrícola no Brasil, ou a sublevação zapatista em Chiapas. Uma religião comunitária de salvação O cristianismo da libertação e, em particular, as comunidades eclesiais de base não se enquadram nem no paradigma de "Igreja", nem no de "seita", mas, ao contrário, do que o sociólogo Max Weber (1864-1920) chamava, em 1915, de uma religião comunitária de salvação, isto é, uma forma de religiosidade fundamentada em uma ética religiosa de fraternidade – cuja fonte é a antiga ética Compartilhar Imprimir Enviar por e-mail Diminuir / Aumentar a letra

A Verdadeira Igreja Dos Pobres

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  • 11/11/2014 A verdadeira Igreja dos pobres. Artigo de Michael Lwy

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    Segunda, 01 de abril de 2013

    NOTCIAS Notcias

    A verdadeira Igreja dos pobres. Artigo de Michael Lwy

    difcil prever qual ser o futuro do cristianismo da libertao na Amrica Latina. O seuenraizamento sociorreligioso lhe permitiu se manter, apesar da oposio ativa dos dois ltimospontfices.

    A opinio do socilogo franco-brasileiro Michael Lwy, pesquisador emrito do CNRS. Seus livrose artigos so dedicados atualizao do pensamento marxista e sua relao com o esprito da utopiae do messianismo religioso. Entre suas obras: La Guerre des dieux. Religion et politique enAmrique latine (Ed. du Felin, 1998); Rdemption et utopie. Le judasme libertaire em Europecentrale. Une tude d'affinit lective (Ed. du Sandre, 2009); La Cage d'acier. Max Weber et lemarxiste wbrien (Ed. Stock).

    O artigo foi publicado no jornal Le Monde, 31-03-2013. A traduo de Moiss Sbardelotto.

    Eis o texto.

    O primeiro papa latino-americano, Francisco, parece querer se distinguir das ideias e das prticas doseu antecessor, referindo-se a So Francisco de Assis e colocando a pobreza no centro do seupontificado. Tendo a mesma origem sul-americana, o Papa Francisco prximo da teologia dalibertao? Podemos duvidar disso...

    O que normalmente designado como teologia da libertao um corpus de textos produzidos desde1971 por figuras como Gustavo Gutirrez, Hugo Assmann, Frei Betto, Leonardo Boff, Pablo Richard,Enrique Dussel, Jon Sobrino, Ignacio Ellacura, para citar apenas os mais conhecidos nada mais doque a expresso intelectual e espiritual de um vasto movimento social, nascido ao menos uma dcadaantes, que se manifesta atravs de uma estreita rede de pastorais populares (da terra, operria, urbana,indgena, da mulher), de comunidades eclesiais de base, de grupos de bairro, de comisses de justia epaz, de formaes da Ao Catlica, que assumiram de maneira ativa a opo preferencial pelospobres.

    No na forma tradicional da caridade, mas como solidariedade concreta com a luta dos pobres pelasua libertao. Sem a prtica desse movimento social que poderamos chamar de cristianismo dalibertao no se pode compreender fenmenos sociopolticos importantes na histria recente daAmrica Latina como o avano da revoluo na Amrica Central Nicargua, El Salvador , osurgimento de um novo movimento operrio e agrcola no Brasil, ou a sublevao zapatista emChiapas.

    Uma religio comunitria de salvao

    O cristianismo da libertao e, em particular, as comunidades eclesiais de base no se enquadram nemno paradigma de "Igreja", nem no de "seita", mas, ao contrrio, do que o socilogo Max Weber(1864-1920) chamava, em 1915, de uma religio comunitria de salvao, isto , uma forma dereligiosidade fundamentada em uma tica religiosa de fraternidade cuja fonte a antiga tica

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  • 11/11/2014 A verdadeira Igreja dos pobres. Artigo de Michael Lwy

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    econmica de vizinhana e que pode desembocar, em certos casos, em certos casos, em um"comunismo de amor fraterno".

    Se fosse preciso resumir a ideia central do cristianismo da libertao em uma nica frmula, poder-se-ia referir expresso consagrada pela Conferncia Episcopal Latino-Americana de Puebla (1979):"opo preferencial pelos pobres". Qual a novidade? A Igreja no esteve sempre atentacaritativamente ao sofrimento dos pobres? A diferena capital que, para o cristianismo dalibertao, os pobres no so mais percebidos como simples objetos (de ajuda, de compaixo, decaridade), mas como os sujeitos da sua histria, os atores da sua libertao.

    O papel dos cristos socialmente engajados de participar nessa longa marcha dos oprimidos rumo Terra prometida, a liberdade, dando-lhes a sua contribuio sua auto-organizao eautoemancipao social. A outra diferena com a posio caridosa e a tradio de assistncia da Igreja bem representada pelo novo papa argentino foi formulada h anos pelo cardeal brasileiro DomHelder Cmara: "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porqueeles so pobres, chamam-me de comunista...".

    O principal adversrio da ditadura

    Ao longo dos anos 1960 e 1970, regimes militares se impuseram em muitos pases da AmricaLatina: Brasil, Chile, Argentina etc. Os militantes do cristianismo da libertao participaramativamente da resistncia a essas ditaduras e contriburam muito com o seu declnio a partir dos anos1980. Foram um fator importante, e s vezes at decisivo, da democratizao desses pases. No Brasil,ao longo dos anos 1970, a Igreja dos pobres apareceu, diante dos olhos da sociedade civil e dosprprios militares, como o principal adversrio da ditadura, um inimigo mais poderoso (e radical) doque a oposio parlamentar tolerada (e dcil).

    Ao contrrio do caso brasileiro, na Argentina, a Igreja, historicamente prxima do autoritarismo doExrcito, apoiou majoritariamente a atroz ditadura militar responsvel, ao longo dos anos, de 1976 a1983, por 30 mil mortos ou "desaparecidos".

    Muitos cristos, membros do clero ou leigos, pagaram com a vida pelo seu engajamento na resistnciaaos regimes autoritrios na Amrica Latina, ou simplesmente pela sua denncia das torturas, dosassassinatos e das violaes aos direitos humanos. Isso aconteceu em El Salvador com o arcebispoOscar Romero, morto por paramilitares em maro de 1980, e com Ignacio Ellacura e seus cincocolegas jesutas da Universidade Centro-Americana de El Salvador, assassinados em novembro de1989 pelo Exrcito.

    O Vaticano condenou em 1985, mediante a Congregao para a Doutrina da F (cujo prefeito era ocardeal Joseph Ratzinger, futuro Bento XVI), a teologia da libertao como uma heresia "ainda maisperigosa por estar perto da Verdade"... Para o Vaticano, a regra continua sendo: Roma locuta, causafinita (Roma falou, o caso est encerrado).

    Mas os telogos da libertao continuaram, cada um do seu modo, defendendo a sua interpretao docristianismo. Alguns, como Leonardo Boff, preferiram deixar a Igreja para manter a sua liberdade deexpresso; outros, como Gustavo Gutirrez, evitam os conflitos intraeclesisticos, sem, porm,renunciar s suas convices e ao seu compromisso.

    Integrar os desafios do multiculturalismo

    Isso no significa que o seu pensamento no evoluiu. Ao contrrio, ela abriu novos canteiros de obras,analisando a opresso das mulheres, das comunidades negras, dos indgenas, acolheu os desafios domulticulturalismo e da ecologia, do pluralismo religioso e do dilogo interconfessional.

  • 11/11/2014 A verdadeira Igreja dos pobres. Artigo de Michael Lwy

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    E, para comear, submeteu crtica, teolgica e poltica, o neoliberalismo, a nova forma que, naAmrica Latina, esse sistema assumiu, aos seus olhos intrinsecamente perverso, que o capitalismo.

    Nesse contexto, certos telogos desenvolveram uma nova relao com o pensamento de Marx, paracriticar o capitalismo neoliberal como uma falsa religio, fundamentada na idolatria do mercado e dodeus Mammon. Para esses telogos, como Hugo Assmann ou Franz Hinkelammert, os novosdolos capitalistas que so o lucro, o dinheiro, a dvida externa, como aqueles denunciados pelosprofetas do Antigo Testamento, so Molochs que exigem sacrifcios humanos, uma imagem usadapelo prprio Marx em O Capital. A luta do cristianismo da libertao contra a idolatria mercantil ,aos seus olhos, um confronto entre deuses, entre o Deus da vida e os dolos da morte (Jon Sobrino)ou entre o Deus de Jesus Cristo e a multiplicidade dos deuses do Olimpo capitalista (Pablo Richard).

    Novo paradigma civilizatrio

    Ao longo dos ltimos anos, a crtica do capitalismo est cada vez mais associada, para os telogos dalibertao, com a problemtica ecolgica. O pioneiro nesse campo foi Leonardo Boff, h muitotempo preocupado com o ambiente, que aborda, tanto em um esprito de amor mstico e franciscanopela natureza, quanto em uma perspectiva de crtica radical do sistema capitalista. O novo paradigmacivilizatrio dever se fundamentar em uma tica da vida e em uma solidariedade planetria.

    Sem dvida, a influncia da teologia da libertao recuou em muitos pases do continente. Aps anomeao de bispos por Wojtyla (Joo Paulo II) e por Ratzinger (Bento XVI), o episcopado latino-americano se tornou muito mais conservador. Mesmo aqueles que adotam posies progressistas emnvel social compartilham as opes conservadoras do Vaticano contra o direito das mulheres dedispor do seu prprio corpo (divrcio, contracepo, aborto).

    Dito isso, em um pas como o Brasil, o cristianismo da libertao mantm uma presena importante,dentro das comunidades de base, das pastorais populares, dos movimentos leigos ou das redes como oF e Poltica, animado pelo telogo dominicano Frei Betto, que rene milhares de membros em todoo pas.

    Alm disso, os cristos socialmente comprometidos so um dos componentes mais ativos domovimento altermundista dos anos 2000, em particular, mas no s, no Brasil, ou seja, no pas queacolheu as primeiras reunies do Frum Social Mundial. Um dos iniciadores do Frum, ChicoWhitaker, membro da Comisso Justia e Paz da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil,pertence a essa tendncia.

    difcil prever qual ser o futuro do cristianismo da libertao na Amrica Latina. O seuenraizamento sociorreligioso lhe permitiu se manter, apesar da oposio ativa dos dois ltimospontfices. Independentemente da atitude do Papa Francisco com relao a ela, provvel que elecontinue praticando obstinadamente aquele "comunismo do amor fraterno" do qual falava MaxWeber...

    Para ler mais:

    09/01/2013 - A contribuio da Teologia da Libertao. Entrevista com o socilogo marxistaMichael Lwy

    05/12/2006 - Por um socialismo latino-americano no sculo 21. Entrevista com Michael Lwy23/03/2013 - A reconciliao da Igreja com os pobres e os mrtires23/03/2013 - Desafios para uma ''Igreja pobre para os pobres''19/03/2013 - Bergoglio tem sensibilidade em relao aos pobres, mas no foi um Romero, afirma

    Jon Sobrino18/03/2013 - ''Quero uma Igreja pobre para os pobres''

  • 11/11/2014 A verdadeira Igreja dos pobres. Artigo de Michael Lwy

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    18/03/2013 - Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres!01/04/2013 - A mensagem radical confiada simplicidade23/03/2013 - A eterna procura da simplicidade