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José Carlos Veloso Pereira da Silva
A Visão dos Médicos Pesquisadores sobre o TCLE –
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em
Pesquisas com Medicamentos Contra HIV/AIDS.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências da
Coordenadoria de Controle de Doenças da
Secretaria de Estado da Saúde de São
Paulo, para obtenção do Titulo de Mestre
em Ciências.
Área de Concentração: Saúde Coletiva
Orientadora: Profa. Dra. Wilza Vieira
Villela.
SÃO PAULO 2005
“A ética não é como um creme amorfo que às vezes se espalha na torta da ciência. É o lugar privilegiado de uma harmonia entre o homem de hoje e
seu fantasma de amanhã: o regulador de nossos desejos delirantes de ser o que nos tornaremos”.
J. Testart Pesquisador francês.
À minha mãe, Nair (in memorian) onde quer que esteja; tenho a certeza que compartilha comigo este momento de felicidade e realização. A meu pai, Teodoro, que mesmo longe torce para minha sobrevivência e vitória nesta “selva” de pedra. A todas as pessoas vivendo com HIV/AIDS, que sofreram e sofrem com o preconceito, o estigma da Aids e as mazelas da saúde publica neste nosso país.
Agradecimentos
São tantos os agradecimentos que tenho receio de esquecer alguém,
espero que isso não aconteça.
Primeiro gostaria de agradecer minha orientadora, Wilza, que acreditou
em mim e aceitou orientar um ativista querendo navegar pelas águas da
academia.
A meus companheiros (as) do grupo de orientação, que muitas vezes
leram e fizeram comentários sobre os conteúdos deste trabalho com sentido
de contribuição e solidariedade.
Aos professores Paulo Fortes e Elma Zoboli, que tanto contribuíram
com orientações e com material bibliográfico de grande importância para
alcançar os resultados finais deste trabalho.
À professora e companheira de CEP, Elvira Filipe, pela paciência e
discussões envolvendo a prática do dia-a-dia de um comitê de ética em
pesquisa.
Aos Comitês de Ética em Pesquisa do CRT DST AIDS e Instituto de
Saúde, ambos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Aos secretários da Coordenação de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva, Cida, Enaura e Davi, hoje em outro departamento.
Às bibliotecárias da biblioteca do Instituto de Saúde, que sempre
estiveram disponíveis para consultas e empréstimos em outras bibliotecas.
À minha amiga Claudete, companheira de pós-graduação, muito
criteriosa na revisão deste trabalho.
A meu amigo Jorge Beloqui, pelas contribuições dadas no decorrer da
pesquisa e nos resultados finais.
Às instituições escolhidas que trabalham com pesquisas, e seus
pesquisadores, que contribuíram com entrevistas concedidas a mim, para a
realização deste trabalho.
Aos meus grandes amigos (as) e companheiros (as) do GAPA, que
compreenderam minha ausência em momentos importantes de trabalho e
me impulsionaram na continuidade e realização deste mestrado.
Aos meus companheiros de apartamento, Marcelo e Thomas, que
compartilharam comigo inúmeros finais de semana de sol e longas
madrugadas, em que eu permanecia escrevendo este trabalho.
A meu querido Renato, que com sua juventude e disposição me deu
forças para ingressar e aceitar o desafio deste mestrado.
A todas as pessoas que diretamente ou indiretamente colaboraram
para que eu chegasse ao fim de mais uma etapa em minha vida.
Agora, mais do que nunca, acredito que posso vencer meus desafios,
brigando, fazendo e lutando por tudo aquilo em que acredito e quero na vida.
Obrigado!!!
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo investigar a visão dos médicos
pesquisadores que atuam na prática de pesquisas clínicas com
medicamentos contra HIV/AIDS, sobre o TCLE – Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Com o advento da Aids, estudos clínicos voltados ao
controle da epidemia, tratamento e prevenção por meio de medicamentos e
vacinas, têm se tornado cada vez mais relevantes. A urgência na busca do
tratamento e controle do HIV/Aids fez com que o tempo utilizado para o
desenvolvimento de pesquisas nesse campo diminuísse consideravelmente.
No Brasil vários estudos vêm acontecendo desde o inicio da década de 90,
envolvendo principalmente a indústria farmacêutica privada. Com este
cenário, se faz necessário uma atenção especial às questões éticas que
envolvem o sujeito de pesquisa e as práticas médicas como: a visão do
pesquisador sobre a sua relação com o voluntário participante; o quê
significa, para o pesquisador, o termo de consentimento que o voluntário
assina ao ser incluído na pesquisa. Tomamos como pressuposto que um
entendimento semelhante do lugar do pesquisador e do sujeito de pesquisa
no processo de investigação seria o eixo principal para a construção de uma
conduta ética num espaço de múltiplos interesses.
O trabalho de campo compreendeu na realização de entrevistas em
profundidade com 08 pesquisadores, de diferentes centros de pesquisas
clínicas em Aids na cidade de São Paulo. As entrevistas foram transcritas e
analisadas, usando a metodologia do Discurso Sujeito Coletivo. Os
resultados permitiram concluir que, embora os pesquisadores entrevistados
tenham pleno conhecimento do uso do TCLE em pesquisa com seres
humanos e as normas vigentes nos país e no mundo sobre o tema, ainda se
faz necessário uma reflexão ética, com enfoque no processo de consentir do
sujeito voluntário participante de pesquisa.
Palavras-chave: Consentimento Esclarecido/ética, Experimentação
humana, Sujeitos da pesquisa, Síndrome de Imunodeficiência Humana, HIV.
Excluído: .
ABSTRACT
This study's objective is to investigate the vision that medical researchers
have of the FITC – The free informed term of consent. The investigation
focuses hereby on medical researchers that are involved in clinical tests and
researches for anti-HIV/Aids medication. Since the beginning of the Aids
epidemic, clinical studies which focus on how to control the epidemic, on
prevention treatment and medical / vaccination prevention have become
more and more relevant. The time spent on the preparation of researches
has diminished considerably ever since, driven by the urgency to find a
treatment and control-tools for HIV/Aids. Various studies, involving mainly the
pharmaceutical industry, have been undertaken in Brazil since the beginning
of the 1990s. On this background it has become necessary to pay attention
on ethical questions concerning the volunteer test participant and the medical
practices, such as the researcher's vision about his relationship with the
volunteer test participant and what the term of consent, signed by the
selected volunteer test participant, means to the researcher. We presuppose
that both sides should have similar comprehensions about the proceedings of
the research process in order to construct an adequate ethical behavior in
this multi-interest environment.
Profound interviews with eight researchers have been realized for this study.
The researchers work in various clinical Aids research center in the city of
São Paulo. The interviews have been transcripted and analyzed under the
"discourse of the collective subject"-method. The study leads to the
conclusion that all of the interviewed researchers were fully aware of the
usage of the FITC within clinical researches with human beings and of the
existence of national and international norms. But still, the study shows that
an ethical reflection about this issue is absolutely necessary, and it should
focus on how to consent the volunteer test participant.
Key-words: Informed consent/ethics, Human experimentation, Research
subjects, Acquired Immunodeficiency Syndrome, HIV.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids
AIDS - Acquired Immuno Deficiency Syndrome
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Saúde
CAC – Comitê de Acompanhamento Comunitário
CCAP – Centro Comunitário de Acompanhamento de Pesquisa
CCDI – Centro de Controle de Deficiências Imunológicas
CDC – Centers of Disease Control
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
CIOMS – Council for International Organizations of Medical Sciences
CIP – Coordenação dos Institutos de Pesquisa
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CRT – Centro de Referência e Treinamento
DAIDS – Division of Aids
DIMED – Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos
DIPA – Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias
DSC – Discurso do Sujeito Coletivo
DST – Doença Sexualmente Transmissível
GAPA – Grupo de Apoio à Prevenção à Aids
GIV – Grupo de Incentivo à Vida
GLOBAL CAB – Community Advisory Board Global
HIV – Human Immunodeficiency Virus
HPTN – HIV Prevention Trials Network
HTLV – Human T-Leukemia Virus
HVTN – HIV Vaccine Trials Network
HVTU – HIV Vaccine Trials Unit
IAL – Instituto Adolfo Lutz
IAVI – International Aids Vaccine Initiative
IIER – Instituto de Infectologia Emílio Ribas
LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
MS – Ministério da Saúde
NIH – National Institutes of Health
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONG – Organização Não Governamental
PE – Programa Estadual
PELA VIDDA – Pela Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids
ScIELO – Scientific Eletronic Library Online
SES – Secretaria de Estado da Saúde
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNAIDS – Joint United Programme on HIV/AIDS
UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo
USP – Universidade de São Paulo
WHO – World Health Organization
SUMÁRIO
Introdução 15
1. Justificativa 18
2. Objetivo 21
3. Metodologia 21
3.1. Plano de Investigação 21
3.2. Participantes 23
3.3. Recrutamento 24
3.4. Instrumento 24
4. Considerações Éticas 27
Capitulo I: Organizações que desenvolvem pesquisas e a resposta
comunitária
28
1. Algumas instituições na cidade de São Paulo envolvidas em
pesquisas clínicas de medicamentos e vacinas anti-HIV/AIDS
28
1.1. Sobre o Centro de Referência e Treinamento em Doenças
Sexualmente Transmissíveis e AIDS – CRT DST/AIDS
28
1.2. Sobre o Instituto de Infectologia Emilio Ribas 29
1.3. Sobre a Casa da AIDS 30
1.4. Sobre a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 30
2. As pesquisas de vacinas anti-HIV/Aids 31
2.1. Política de pesquisa em vacinas anti-HIV/Aids no Brasil 33
2.2. A experiência com pesquisa de vacinas anti-HIV/AIDS em
parcerias com organismos internacionais – O HVTN
34
2.3. Composição da equipe 36
2.4. Processo de recrutamento de voluntários 36
2.5. A pesquisa de vacinas da UNIFESP 38
2.6. Composição da equipe 39
3. Acesso aos medicamentos anti-retrovirais no Brasil 39
4. A resposta comunitária às pesquisas em HIV/AIDS no Brasil 41
Capitulo II: A conquista da reflexão ética 44
2. Sobre a ética e suas diferentes concepções 44
2.1. Sobre a bioética e seus conceitos 46
2.2. Bioética e pesquisas 47
Capitulo III: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Que
ferramenta é essa?
50
3. Sobre o TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 50
3.1. O TCLE na ética e pesquisa no Brasil 54
3.2. O TCLE na pesquisa de cooperação estrangeira no Brasil 56
3.3. O TCLE e estudos que abordam o processo de consentir e
autonomia
58
Capitulo IV: O Discurso do Sujeito Coletivo em processo de
construção
62
4. Construindo o discurso dos pesquisadores sobre as questões
éticas, a partir do Discurso Sujeito Coletivo (DSC)
62
4.1. O início das discussões éticas no país e na vida profissional
dos entrevistados
63
4.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em
seres humanos
68
4.3 O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais
entrevistados
74
4.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a
dimensão do TCLE, segundo os pesquisadores
80
4.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura? 86
4.6. Percepção dos pesquisadores quanto a seus direitos e
obrigações
89
4.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de
voluntários em pesquisas
96
4.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e dos voluntários 100
4.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres
humanos
106
4.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona 110
4.11. O TCLE é um instrumento necessário? 114
4.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces 116
4.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores 121
Capitulo V: O pesquisador falando 127
5. A voz dos pesquisadores no Discurso do Sujeito Coletivo 127
5.1. O início das discussões éticas no país e na vida profissional
dos entrevistados
127
5.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em
seres humanos
128
5.3 O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais
entrevistados
128
5.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a
dimensão do TCLE, segundo os pesquisadores
129
5.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura? 130
5.6. Percepção dos pesquisadores quanto a seus direitos e
obrigações
131
5.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de
voluntários em pesquisas
131
5.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e dos voluntários 132
5.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres
humanos
133
5.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona 134
5.11. O TCLE é um instrumento necessário? 134
5.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces 134
5.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores 135
Capitulo VI – Resultados 137
Capitulo VII - Comentários Finais 146
Referências Bibliográficas 147
Anexo A I
Apresentação
Este trabalho teve seu inicio a partir da motivação do autor por
entender como se estabelece a relação entre médico pesquisador e paciente
voluntário, nas pesquisas clínicas com medicamentos e vacinas contra o
HIV/AIDS, tendo como foco o TCLE – Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – terminologia esta que é empregada neste trabalho, conforme a
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde,
respeitando as terminologias usadas por outros autores na bibliografia
nacional e internacional.
Na introdução e justificativa deste trabalho faz-se um breve relato do
início das pesquisas de medicamentos e vacinas no Brasil e no mundo, com
ênfase na importância de investimentos científicos e tecnológicos nesta
área, como também esclarece a participação do autor neste cenário, além
de pontuar inicialmente a importância das reflexões éticas e o uso do TCLE
nas pesquisas envolvendo seres humanos. Em seguida são apresentados
os objetivos e a metodologia usada.
No capitulo l são apresentadas as quatro instituições de saúde e
pesquisa que fizeram parte do trabalho por meio de seus profissionais
pesquisadores: Centro de Referência e Treinamento em Doenças
Sexualmente Transmissíveis e AIDS, Instituto de Infectologia “Emílio Ribas”
(pertencentes à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo), Casa da
AIDS do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Com o relato
sobre as pesquisas de vacinas contra HIV/AIDS no mundo e no Brasil,
apresenta os pontos principais das diretrizes de uma política de vacinas
nacional, bem como a política de acesso a medicamentos no Brasil e
participação comunitária neste cenário.
O capitulo II faz a apresentação da ética em suas diversas concepções,
bioética e conceitos estabelecidos em discussão no mundo, culminando com
a bioética e pesquisa com enfoque na participação e autonomia do
voluntário de pesquisa.
No capítulo III, uma discussão mais aprofundada do TCLE, abrangendo
seu histórico, inserção na pesquisa em seres humanos enquanto ferramenta
de garantia ética e processo de obtenção do consentimento na relação
médico pesquisador e voluntário participante de pesquisa, incluindo as
pesquisas multicêntricas e as com cooperação estrangeira, problematizando
as condutas éticas, múltiplos interesses e motivações. Também neste
capitulo é feita a devida revisão bibliográfica.
O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), metodologia usada para análise
das entrevistas, oito no total, está descrito nos capitulo IV e V. As entrevistas
na íntegra não aparecem neste trabalho, por ser tratar de material
confidencial pactuado entre pesquisador (autor deste trabalho) e
entrevistados (sujeitos da pesquisa).
Nos capítulos VI e VII, respectivamente, estão os resultados e as
considerações finais, onde o autor discorre sobre a importância das
discussões e reflexões éticas sobre pesquisa em seres humanos, com foco
no respeito e na dignidade, implícitos em todos as normas e diretrizes que
norteiam as discussões éticas no mundo.
Segundo Pessini (2003, p.7), a discussão da bioética e dos valores
fundamentais que vislumbram uma utopia de viver com dignidade em uma
sociedade justa e solidária, se colocam numa importância ímpar para o
alcance da saúde como direito no exercício pleno da cidadania.
15
Introdução
Desde que os primeiros casos confirmados de HIV/AIDS começaram a
ser registrados no Brasil, no início da década de 80, os números da infecção
têm-se tornado cada vez maiores.
Em 1986, ainda no início da epidemia, o número de casos notificados
de HIV/AIDS no Brasil ultrapassou o de países como França e Haiti. Desde
então o Brasil vem sendo incluído na lista dos países com maior número de
casos de HIV/AIDS no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS).
De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde
(janeiro a junho 2004), o total de casos notificados de AIDS no Brasil foi
362.364, sendo 251.050 entre homens e 111.314 entre mulheres. Estima-se
que haja hoje no Brasil mais de 600 mil pessoas infectadas.
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS)1
relata que em 2000 existiam 33 milhões de pessoas infectadas com o vírus
da AIDS no planeta. Diante de tal cenário, surgem a necessidade e a
urgência de empenho no combate à epidemia de AIDS pelos cientistas, tanto
na área de assistência destinada às vitimas da doença como na esfera de
pesquisas destinadas a descobrir a cura e a prevenção do HIV. Torna-se
visível o empenho em encontrar uma vacina contra o vírus. Segundo o
diretor do Comitê Mundial de Vacinas, Dr. José Esparza, somente uma
vacina permitirá a populações de países em desenvolvimento resistir à
devastação da AIDS, que cresce na África, na América Latina e na Ásia
numa assustadora progressão geométrica2.
No Brasil, o esforço de pesquisa em vacina para o HIV/AIDS teve início
em 1991, quando a Organização Mundial da Saúde escolheu o país,
juntamente com Ruanda, Tailândia e Uganda, como potencial sítio de
estudos e testes.
1 O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS foi criado em 1996, com objetivo principal de impulsionar as ações mundiais contra a epidemia. Sua missão é guiar, fortalecer e apoiar os esforços entre países para conter o curso do HIV/AIDS. www.un.org/espanish/aboutun/organs/ga/specsess/aids/hojas/fsunaids_sp.htm acessado em 24/02/2005.
16
Em 1992 foi criado o primeiro Comitê Nacional de Vacinas anti
HIV/AIDS, ligado ao Programa Nacional de DST/AIDS. No mesmo ano, o
governo brasileiro assume compromissos e estabelece critérios para
preparação e implementação de pesquisas com vacinas candidatas,
conforme o primeiro plano de vacinas anti HIV/AIDS do Brasil, com apoio
logístico e financiamento da Organização Mundial da Saúde. Desde então
foram estabelecidos três centros de pesquisas anti HIV no país: Belo
Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
A partir do estabelecimento da política para pesquisas de vacinas anti
HIV/AIDS, deu-se início ao debate sobre o desafio ético nos ensaios clínicos
envolvendo seres humanos, de confidencialidade, respeito à autonomia e à
dignidade humanas.
Também na década de 90 surgem no país os primeiros ensaios
clínicos com medicamentos contra o HIV/AIDS, trazendo para a comunidade
organizada um debate ainda maior sobre os desafios já lançados no campo
de pesquisas em vacinas, com o diferencial de que as pessoas envolvidas
nas pesquisas eram portadores do vírus HIV/AIDS, que também portavam a
esperança de vida, nos ensaios clínicos, que na maioria das vezes eram a
única esperança.
A preocupação principal da sociedade civil organizada (ONG/AIDS) em
identificar a responsabilidade dos patrocinadores e pesquisadores no sentido
de consultar e informar à comunidade pesquisada, respeitando as normas já
vigentes no mundo no sentido de proteção dessa comunidade, tem sido foco
de debate no campo da ética, envolvendo patrocinadores, pesquisadores e
sociedade civil.
De acordo com dados do Programa Nacional de DST/AIDS do
Ministério da Saúde, o impacto da terapia anti-retroviral3 tem sido de
resultados positivos, com a diminuição de mais de 61% nas mortes por Aids,
assim como na redução entre 80% a 90% da ocorrência de manifestações
causadas pela doença. Dados como esses mostram a importância do
2 Cadernos Pela Vidda. N. 10, p. 05. São Paulo, dezembro 1993. 3 Impacto da terapia anti-retroviral. Documento disponível na página eletrônica do Programa Nacional de DST/Aids: www.aids.gov.br
17
acesso aos medicamentos pelos usuários, e o quanto este acesso teve
relevância na vida das pessoas que vivem com HIV. Conseqüentemente,
ensaios clínicos que possam gerar novos medicamentos para o controle da
doença em pessoas já infectadas vêm se tornando cada vez mais
necessários e importantes.
No entanto, estamos diante de um conjunto de motivações e interesses
nem sempre confluentes, pois a indústria farmacêutica, os pesquisadores, os
governos, a sociedade civil e os voluntários participantes de pesquisa têm
razões distintas para se envolverem com este tipo de pesquisa.
Assim, se faz necessário entender como se estabelece a relação entre
o pesquisador e o voluntário participante de pesquisas, tendo como base
alguns princípios éticos como: justiça, autonomia, beneficência e respeito
pela dignidade humana.
Cabe ainda esclarecer minha participação enquanto membro do
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Referência e Treinamento
em Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria Estadual de
Saúde de São Paulo (CRT/AIDS), instituição responsável por uma das
pesquisas sobre vacinas em andamento no país, e pelo desenvolvimento de
diversos ensaios clínico, e membro da sociedade civil, representante do
Fórum de ONG Aids do Estado de São Paulo no Comitê de
Acompanhamento Comunitário do HVTN4 - HIV Vaccine Trials Network. Foi
a partir destas inserções que se deu o interesse no tema “Ética em
Pesquisas em Aids”, concretizado neste trabalho.
É nosso propósito, com a realização deste trabalho, fornecer
instrumentos que possam fortalecer as discussões éticas no campo de
pesquisas de vacinas e medicamentos contra HIV, oferecendo subsídios
para o controle social e qualificando a resposta comunitária para pesquisas
em HIV com enfoque nos princípios éticos.
4 Pesquisa de vacina em andamento no CRT/Aids.
18
1. Justificativa
Ainda que as primeiras discussões com objetivo de regulamentar e
acompanhar as pesquisas em seres humanos tenham se iniciado na década
de 40, após a II Guerra Mundial, no Brasil esse debate ganhou visibilidade
na década de 90, com o advento de pesquisas sobre medicamentos para
Aids e testes para vacinas anti HIV/AIDS no país.
Em virtude da velocidade nas pesquisas envolvendo a infecção do HIV,
decorrente do surgimento de vários ensaios clínicos de medicamentos e dos
estudos de vacinas, os movimentos comunitários e a população afetada pela
epidemia começam a se mobilizar e a se capacitar para a discussão dos
aspectos éticos envolvidos nestas investigações.
A necessidade de pesquisas nesse campo é incontestável, tendo em
vista o grande número de pessoas infectadas pelo vírus HIV no país e no
mundo. Do mesmo modo, é visível o interesse da indústria farmacêutica na
produção de drogas anti HIV, tanto pelo aspecto do lucro financeiro quanto
pelo de desenvolvimento tecnológico, sendo significativo o número de
produtos já testados em nosso país nos principais centros de pesquisa5.
No caso das vacinas anti HIV, embora o interesse seja menor, por
questões econômicas, alguns governos de países desenvolvidos, em
parceira com laboratórios farmacêuticos, estão levando avante pesquisas de
candidatas à vacina em vários países, dentre eles o Brasil.
Neste cenário surge a necessidade de um envolvimento maior da
comunidade pesquisada na discussão das questões éticas, incluindo aí o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), instrumento que
norteia a relação pesquisador/voluntário.
Participar de um teste seja de um medicamento ou de uma vacina
candidata, é uma decisão voluntária realizada por uma pessoa autônoma e
capaz, tomada após um processo informativo e deliberativo, visando a
aceitação de um tratamento especifico ou experimentação, sabendo da
natureza, das suas conseqüências e dos seus riscos (Clotet et al, 2000,
19
p.13). Assim, é importante que ambos, pesquisador e voluntário, tenham
consciência do significado desta participação, sem a qual a pesquisa não
poderia se concretizar, entendendo o TCLE como o meio pelo qual se firma
um contrato de parceria e confiança mútua entre as partes, igualmente
necessárias para o êxito da investigação.
No Brasil, a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,
Ministério da Saúde, regulamenta os procedimentos éticos de pesquisa em
seres humanos, dando ênfase ao Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) no capítulo II, definindo o seu uso:
“Consentimento Livre e Esclarecido – anuência do sujeito da pesquisa
e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro),
dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e
pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,
benefícios, potenciais riscos e incômodos que possa acarretar, formulada
em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na
pesquisa6”.
Diante deste cenário, o uso do TCLE como ferramenta que pode ou
não beneficiar não só o voluntário participante, no caso de dano, como
também o pesquisador, em caso de uma eventual acusação, faz-se
necessária uma maior compreensão do uso, utilidade, eficácia e apreensão
do TCLE pelo pesquisador durante todo o processo de pesquisa, desde sua
elaboração até o final do protocolo.
Entender o TCLE para além da sua eventual utilidade como
instrumento jurídico e legal é entende-lo como parte de um processo de
construção da idéia de autonomia e seu exercício, aqui aplicada tanto para o
pesquisador como para o voluntário participante.
Desta forma, é importante clarear a percepção do pesquisador com
relação ao voluntário participante. Qual o seu papel no processo de
obtenção do consentimento? Qual o seu entendimento do processo de
obtenção de consentimento? É um processo contínuo ou é um processo
5 No entanto, não encontramos nenhuma fonte oficial (MS, ANVISA, CONEP) que nos informe oficialmente quantos produtos já foram testados em nosso país desde o início da epidemia.
20
estanque? O TCLE é uma ferramenta utilizada e entendida como
instrumento que garante a participação do voluntário no sentido mais amplo?
Ou é uma ferramenta utilizada e entendida apenas como instrumento de
proteção do pesquisador?
Neste sentido, a interlocução com atores envolvidos no processo de
pesquisa para medicamentos contra HIV/AIDS, neste caso os
pesquisadores, por meio de uma escuta qualitativa, poderá esclarecer a
compreensão de cada um sobre o papel e o significado do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Esta interlocução, em forma de entrevistas, visa trazer à tona a
percepção dos pesquisadores sobre questões que devem estar implícitas no
TCLE, como autonomia, justiça, beneficência - princípios que devem estar
claros e entendidos por ambos, pesquisadores e voluntários.
Pretende-se, com esse estudo, contribuir para a produção de
conhecimento no campo da ética e pesquisas em seres humanos,
fornecendo subsídios para uma reflexão crítica sobre a forma como ocorre o
processo de consentimento do voluntário participante e aprofundando a
reflexão, ainda no campo ético, para o desenvolvimento de novas pesquisas
clínicas medicamentosas e de vacinas contra Aids no país.
6 Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética e Pesquisas; Série Cadernos Técnicos; Normas para pesquisas envolvendo seres humanos; Resolução 196/96 e outras:2000.
21
2. Objetivo
Investigar a visão de pesquisadores que desenvolvem pesquisas
clínicas com vacinas e medicamentos anti HIV/AIDS, sobre o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
3. Metodologia
3.1. Plano de investigação
Este é um estudo qualitativo que pretende investigar, através da fala de
pesquisadores que atuam em pesquisas clínicas de medicamentos contra
HIV/AIDS, seu entendimento do TCLE – Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
O estudo qualitativo foi escolhido por ser o método que mais se
aproxima do objetivo aqui exposto, ao possibilitar a compreensão sobre
como é percebido, por quem o utiliza, um instrumento usado em pesquisas
com seres humanos, para quais já existem normas e códigos
preestabelecidos, que se supõe serem de total conhecimento dos
participantes da pesquisa – pesquisadores e voluntários.
Para tanto, foram acessados pesquisadores nas diferentes instituições
que realizam pesquisas em vacinas ou medicamentos na cidade de São
Paulo. O número de entrevistados foi definido pelo critério da saturação, ou
seja, quando as informações se tornaram repetitivas e sem nenhum
acréscimo qualitativo ao objetivo do estudo proposto, não se acessou mais
nenhum outro pesquisador.
Como o material analisado é oriundo de entrevistas, fazem-se
necessárias algumas considerações sobre interpretação e compreensão,
enquanto parte de uma metodologia que busca significados e percepções
nas análises de discursos.
22
Segundo Foucault7 (1997, p.17) apud Moreno (2001, p.41-42), o
significado que está encerrado na linguagem nem sempre é o manifesto,
existindo falas que subtraem o discurso verbal. Falas que, mesmo não
verbais, são ouvidas e dizem algo.
Ainda que possamos entender o discurso do outro, estaremos sempre
recebendo a informação dada e processando de acordo com os nossos
entendimentos e valores pré-estabelecidos.
O sistema freudiano, estruturado em pré-consciente e consciente, traz
a possibilidade de decifrar conteúdos, como na arqueologia, que aprofunda
camada por camada em busca do que está encoberto (Moreno, 2001, p.44).
Ao fazer a análise proposta neste trabalho, estaremos lidando com
mensagens verbais, as quais o entrevistado deseja passar ao entrevistador,
e também com mensagens ocultas, que o entrevistado pode não desejar
passar ou não conseguir deixar claro verbalmente.
Ricoeur8 (1978, p.92) apud Moreno (2001, p.44-45), afirma que “(...) a
realidade do inconsciente é construída na e pela hermenêutica, em um
sentido epistemológico e transcendental. (...) não é uma relatividade à
consciência que aqui é afirmada, uma relatividade subjetiva, a relatividade
puramente epistemológica do objeto psíquico descoberto à constelação
hermenêutica formada conjuntamente pelo sintoma, pelo método analítico e
pelos modelos interpretativos”.
Para Ricoeur (1978, p.127) apud Moreno (2001, p.46), a compreensão
como hermenêutica se dá a partir de Freud, Nietzsche e Marx: “(...) procurar
o sentido não é mais soletrar a consciência do sentido, mas decifrar a suas
expressões”. Com isso Ricoeur aponta para a concepção de que algo mais
existe além do que é revelado. Freud define o algo mais como instâncias
que operam em um jogo incessante, com o inconsciente pulsando
constantemente com a consciência. Assim, a interpretação tem como tarefa
principal o deciframento das expressões (Moreno, 2001, p 46).
7 Foucault M. Nietzsche, Freud e Marx: Theatrum Philosoficum. Trad. Jorge Lima Barreto. São Paulo: Principio 1997. 8 Ricoeur P. O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro: Imago, 1978.
23
Seguindo ainda o entendimento de Ricoeur (1976)9 apud Moreno
(2001, p.46) a explicação surge no campo das ciências naturais e a
compreensão no das ciências humanas, onde se possibilita o intercâmbio
entre sujeitos e se expressam os discursos. Segundo o autor, “(...)
explicação e compreensão são pólos de dicotomia que dialogam no
processo dinâmico da leitura interpretativa” (Moreno, 2001, p.46).
Gadamer, citado por Bernstein10 (1991) apud Moreno (2001, p.48)
afirma que “Compreender e interpretar é sempre compreender e interpretar
de maneira diferente...”.Tal afirmação supõe o consenso ser o da utilização
da hermenêutica como método a ser aplicado, como procedimentos com
objetivos de se alcançar os mesmos resultados e compreensão,
compreensão aqui tal como definido por Gadamer: um processo com três
momentos: interpretação, compreensão e aplicação, no que implica no
processo, mas não no resultado (Moreno, 2001, p. 49).
O presente trabalho objetiva analisar o discurso de determinados
sujeitos sobre uma ferramenta utilizada no processo de consentimentos de
outros sujeitos, buscando inferir, a partir da análise, a sua compreensão
sobre esta ferramenta. Convém deixar claro que o entendimento da
ferramenta (TCLE) é a questão chave para o entorno de uma discussão
ética que envolve múltiplos interesses e atores, que poderão ou não
aparecer nos discursos dos entrevistados. Isto posto, podemos pressupor
que entre o discurso do entrevistado e a interpretação do mesmo poderá
haver um vácuo, que deverá ser diminuído o máximo possível e também
interpretado na análise.
3.2. Participantes
Foram realizadas oito entrevistas necessárias para esclarecer o tema,
utilizando-se o critério de saturação, com pesquisadores médicos
participantes de pesquisas clínicas com medicamentos ou vacinas anti-
9 Ricoeur P. Teoria da interpretação, Lisboa: Edições 70;1976. 10 Bernstein RJ. Perfiles Filosoficos. Mexico, DF: Siglo Veintiuno, 1991. ¿ Cúal es la diferencia que marca una diferencia? Gadamer, Habermas y Rorty; p. 72-110.
24
HIV/AIDS, responsáveis pela aplicação dos TCLE junto aos voluntários
participantes. Estes pesquisadores foram acessados pelo sistema de “bola
de neve”, considerando-se, no entanto, nosso interesse em acessar
profissionais de diferentes instituições.
Segundo Turato (2003, p.363), a inclusão dos sujeitos deve ser
amparada nos critérios de homogeneidade ampla11. A amostra é fechada
quando as respostas de novos informantes tornam-se expressamente
repetitivas, na avaliação do pesquisador, dos seus supervisores e dos pares
acadêmicos.
3.3. Recrutamento
Para a realização do trabalho, os pesquisadores foram identificados
nas instituições que desenvolvem pesquisas clínicas de medicamentos anti-
HIV/AIDS, a saber: Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS,
Instituto de Infectologia Emilio Ribas, Casa da Aids (Hospital das Clínicas) e
Universidade Federal de São Paulo. Todos receberam convite prévio para
agendamento de local, dia e horário para entrevistas.
3.4. Instrumento
Entrevistas semi-estruturadas com questões abertas, na tentativa de
apreender o ponto de vista do ator em questão, de ampliar e de aprofundar a
comunicação entre entrevistador e entrevistado. Para garantir a
fidedignidade das informações colhidas, a entrevista foi gravada, com
autorização prévia do entrevistado, e posteriormente transcritas para análise.
A entrevista com os pesquisadores pretendeu identificar qual o seu
envolvimento no processo de construção do TCLE, sua compreensão do
significado jurídico do Termo, sua relevância na pesquisa, como se deu o
processo de obtenção do mesmo junto ao voluntário, como ele pode
11 Situação correspondente a uma soma de características/variáveis em comum a todos os sujeitos que compõem a amostra.
25
beneficiar o pesquisador e em quais circunstâncias o documento pode ser
usado a favor da pesquisa.
A análise das entrevistas teve como objetivo identificar o quê os
pesquisadores entendem sobre o TCLE. Este cumpre com seu propósito de
proteção e apoio ao voluntário participante da pesquisa, com base nos
quatros princípios éticos: autonomia, beneficência, não maleficência e
justiça, conforme proposto no Informe Belmont? O quê facilita ou dificulta
para que haja uma compreensão do comprometimento do pesquisador e do
patrocinador com o voluntário, no sentido de que este possa se sentir
efetivamente autônomo?
O modelo de análise de discurso foi usado para o estudo das
entrevistas. Este modelo foi escolhido porque poderá promover uma reflexão
sobre o discurso do sujeito da pesquisa, criando condições de apreensão do
significado de seu real entendimento no tema exposto. A intenção aqui é
analisar a prática deslocada do objeto teórico na qual o entrevistado pode
estar envolvido.
A metodologia de análise usada foi a de Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC).
O conceito do Sujeito Coletivo é uma proposta de organização e
tabulação de dados qualitativos verbais, obtidos de depoimentos, artigos,
matéria de periódicos, cartas, revistas especializadas, entre outros (Lefrève
& Lefrève, 2003, p.20).
Seguindo o conceito exposto, a proposta é analisar o material oriundo
das entrevistas, extraindo as idéias centrais, as ancoragens e as
expressões-chave, a fim de identificar um ou vários discursos-síntese na
primeira pessoa do singular.
A idéia é de que o Sujeito Coletivo se expresse em um discurso emitido
na primeira pessoa (coletiva) do singular, ou seja, retira-se tudo o que o
sujeito verbaliza sobre um determinado tema ou questão, junta-se o que
mais se assemelha de cada um, permitindo ter uma visão ampla do
pensamento coletivo e vice-versa.
26
Assim temos o pensamento coletivo, que pode ser visto como um
conjunto de discursos sobre determinado tema ou questão. O Discurso do
Sujeito Coletivo objetiva trazer à tona o conjunto de individualidades
semânticas compostas no imaginário social (Lefrève & Lefrève, 2003, p.27).
Na verdade, o Discurso do Sujeito Coletivo é a metodologia usada para
dar expressão à voz de um determinado coletivo por meio do indivíduo.
Segundo Lefrève & Lefrève (2003, p.25), temos algumas figuras
metodológicas para a realização do DSC, descritas a seguir.
As expressões-chave (ECH) são trechos e transcrições literais de
depoimentos e discursos que são separadas pelo pesquisador, ou seja, a
essência da questão em foco, posto no discurso pelo sujeito.
A intenção aqui é identificar no depoimento a integralidade do discurso
com outras afirmativas construídas sob formas de idéias do sujeito
depoente.
As idéias centrais (IC) são os meios pelos quais se identifica de forma
precisa e mais fidedigna possível o sentido do discurso dentro das
expressões-chave, e é o que vai dar forma ao Discurso do Sujeito Coletivo.
A IC não é uma interpretação e sim uma descrição do sentido principal
que aparece no depoimento do sujeito ou nos depoimentos.
A ancoragem, diferentemente da IC, remete à representação social que
um indivíduo tem sob determinado tema; na verdade refere-se a uma crença
ou uma ideologia na qual o depoente se assegura como expressão posta, ou
seja, não depende dele, mas está presente e aparece sempre como pano de
fundo em seu discurso.
A proposta de Análise de Discurso do Sujeito Coletivo é viabilizar a
representação social de um dado fenômeno por meio da reconstrução de
pedaços de discursos individuais.
Importante ressaltar que o DSC, apesar de envolver vários atores e
depoentes, não se trata do discurso do nós mas do coletivo, ou coletivizado
(Lefrève & Lefrève, 2003, p.28).
27
4. Considerações éticas
Por se tratar de uma pesquisa que visa trazer a percepção da
compreensão do próprio TCLE em uma determinada pesquisa, as
considerações éticas estão presentes há todo momento, desde a concepção
do próprio projeto.
Nossos sujeitos da investigação - pesquisadores participantes de
outras pesquisas – foram convidados para uma entrevista, lhes sendo
apresentado, para leitura e assinatura, um TCLE confeccionado única e
exclusivamente para este estudo, que objetivou discutir sobre seu
envolvimento e entendimento no processo de obtenção de consentimento
para pesquisas em que atua. Vale ressaltar que, ao entrevistar
pesquisadores envolvidos em diferentes pesquisas sobre um dos
procedimentos necessários ao bom desenvolvimento do seu trabalho - a
relação com o voluntário, estabelecida por meio do TCLE - não se pretendeu
ignorar as implicações éticas, e sim tê-las como norte do estudo.
Sendo assim, todos o cuidados éticos serão contemplados, de forma
que o pesquisador não seja identificado, além de estar de acordo com a
Resolução 196/96 do MS - CNS/CONEP.
28
Capitulo I: Organizações que desenvolvem pesquisas e a
resposta comunitária.
1. Algumas instituições na cidade de São Paulo envolvidas em
pesquisas clínicas de medicamentos e vacinas anti-HIV/AIDS
Neste capitulo pretende-se mostrar o perfil de quatro instituições na
cidade de São Paulo envolvidas diretamente com assistência às pessoas
vivendo com HIV/AIDS e com pesquisas clínicas com medicamentos e
vacinas, bem como a política de medicamentos no Brasil, diretrizes para
uma política de pesquisas em vacinas anti-HIV/AIDS e a reposta comunitária
às pesquisas em HIV/AIDS no Brasil.
1.1. Sobre o Centro de Referência e Treinamento em Doenças
Sexualmente Transmissíveis e AIDS – CRT DST/AIDS
O Programa de DST/AIDS (PE - DST/AIDS)12 foi criado em 1983, pela
Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, com objetivo de trabalhar a
assistência e prevenção, sendo a primeira resposta governamental no país
para a epidemia da Aids. Inicialmente esteve sediado na Divisão de
Hanseníase e Dermatologia Sanitária do Instituto de Saúde da SES/SP, com
apoio laboratorial dos Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Instituto Adolfo
Lutz (IAL). No ano de 1988 foi criado o Centro de Referência e Treinamento
em AIDS (CRT – AIDS), ligado diretamente ao gabinete da Secretaria de
Estado da Saúde, com metas especificas de capacitar recursos humanos
para ações de prevenção e assistência ao HIV/Aids, gerar normas técnicas,
implementar o processo de descentralização de atendimento no Estado e
monitorar as ações técnicas. Em 1993, o Programa de Doenças
Sexualmente Transmissíveis foi incorporado ao CRT AIDS, tornando-se
assim o CRT – DST/AIDS (Centro de Referência e Treinamento em Doenças
12 http://www.crt.saude.sp.gov.br/historiaprograma. Acessado em 28/10/2004.
29
Sexualmente Transmissíveis e Aids). Em 1995 o CRT DST/AIDS passa a ser
sede oficial do Programa Estadual de DST/AIDS do Estado de São Paulo, e
no ano seguinte é incorporado à Coordenação dos Institutos de Pesquisa
(CIP)13, órgão responsável pela definição e implementação da Política de
Pesquisa na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. O PE –
DST/AIDS atualmente é responsável pela implementação, coordenação e
supervisão das estratégias de assistência e prevenção das DST/AIDS,
vigilância epidemiológica e gerência das ações anti-HIV/Aids no Estado de
São Paulo14.
1.2. Sobre o Instituto de Infectologia Emilio Ribas
O Instituto de Infectologia Emilio Ribas foi criado ainda no século XIX,
datando de 187515. Seu surgimento se deu com a epidemia de varíola que
atingia a cidade de São Paulo na época. Com o nome de Hospital de
Isolamento, a partir de 1880 passa a abrigar todos os casos de doenças
infecciosas.
A partir de 1932 passa a ser chamado Hospital Emilio Ribas em
homenagem ao ex-diretor do serviço sanitário do Estado de São Paulo,
falecido em 1925. Em 1960, quando se conclui a construção do prédio de
nove andares, o hospital passou a ser um dos maiores centros mundiais em
tratamento de doenças infecto-contagiosas. No ano de 1991 passa a ser
Instituto de Infectologia Emilio Ribas, IIER, ligado agora à CIP -
Coordenação dos Institutos de Pesquisas da Secretaria de Estado da Saúde
de São Paulo. O hospital se torna uma instituição de ensino e pesquisa,
além de prestar assistência médica à população. Foi a primeira instituição de
saúde a atender um caso de Aids no Brasil, com um acúmulo de 27.000
casos de HIV/AIDS atendidos nos últimos anos, sendo hoje uma das
13 Atualmente extinta 14 Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. www.crt.saude.sp.gov.br/historiaprogrma, consulta eletrônica em 28/10/2004. 15 http://www.emilioribas.sp.gov.br/institu.htm acessado em 15/02/05
30
unidades da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo a conduzir
pesquisas clínicas medicamentosas em HIV/AIDS, entre outras.
1.3. Sobre a Casa da AIDS
O Núcleo de Extensão e Atendimento ao Paciente HIV/AIDS, mais
conhecido como Casa da AIDS, iniciou o atendimento a portadores de
HIV/AIDS em 1986, como laboratório especializado, vinculado à Divisão de
Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitarias do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP16. A instituição é mantida com recursos
oriundos da Fundação E.J Zerbini e do Hospital das Clínicas.
A Casa da Aids é constituída por uma equipe multidisciplinar composta
por médicos infectologistas, assistentes sociais, enfermeiras, psicólogos e
funcionários administrativos. Além de oferecer assistência multidisciplinar
aos portadores de HIV/AIDS e familiares, a instituição também desenvolve
pesquisas através de aplicação de protocolo em todas as áreas relacionadas
à infecção HIV/AIDS.
1.4. Sobre a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
A Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, foi
fundada no ano de 1933. O departamento de Medicina nasceu junto com a
escola, que desde seu início contava com a Disciplina de Doenças
Infecciosas e Parasitárias (DIPA). Com o nome de Clínica de Doenças
Infecciosas e Tropicais, desenvolveu suas atividades no então Hospital de
Isolamento Emilio Ribas até o ano de 1982, quando foi transferida para a
unidade de internação da DIPA no Hospital São Paulo.
O serviço de interconsulta da DIPA é responsável pelo maior número
de atendimento do Hospital São Paulo, cerca de 12.000 consultas ano.
Destaca-se no serviço o atendimento realizado pelo Centro de Controle
de Deficiências Imunológicas (CCDI) aos pacientes portadores da Síndrome
16 http://www.medicina.fm.usp/departamento/dip/ acessado em 15/02/05
31
da Imunodeficiência Adquirida, com cerca de 1.200 usuários em
acompanhamento.
O CCDI é um ambulatório voltado especificamente ao atendimento a
pacientes infectados com o vírus HIV/AIDS, com atividades voltadas ao
atendimento médico e assistência multiprofissional.17
2. As pesquisas de vacinas anti-HIV/Aids
As primeiras iniciativas de ensaios clínicos de vacinas anti-HIV/AIDS no
mundo ocorreram nos Estados Unidos no ano de 1987. A partir daí, mais de
60 ensaios clínicos envolvendo cerca de 6.000 pessoas (voluntários
participantes) foram e estão sendo desenvolvidos por iniciativas
governamentais e privadas em diferentes países.
Embora as pesquisas tenham início em seus paises de origem - em
sua maioria nos Estados Unidos e Europa - seguindo diretrizes
internacionais, os países em desenvolvimento têm participado efetivamente
dos ensaios clínicos, na Ásia, África, América Latina e Caribe.
Essa participação tem se dado em fases I e II, onde se avaliam a
segurança e as possíveis respostas imunológicas específicas contra o vírus
HIV, e incluem um número relativamente pequeno de voluntários
participantes.
As vacinas são testadas inicialmente em laboratórios, com tecidos
humanos e em pequenos e grandes animais. Caso haja resultados
satisfatórios, com indicação de eficácia e segurança para serem testadas em
seres humanos, passa-se para as etapas clínicas, que compreendem às
fases I e II e posteriormente III e IV, descritas abaixo18.
Fase I: introdução de uma vacina candidata em uma população
humana, para determinar segurança (efeitos adversos e tolerância) e a
imunogenicidade (capacidade de despertar reações imunológicas). Essa
fase pode incluir estudos de doses e formas de administração. Geralmente
17 www.unifesp.br/dmed/dipa/ccdi/ acessado em 15/02/05 18 Informações retiradas do Boletim de Vacinas nº 09. Maio/2003. Publicado por GIV. São Paulo.
32
envolve cerca de 100 voluntários participantes em todos os centros de
pesquisa envolvidos.
Fase II: Objetiva testar a imunogenicidade e examinar a eficácia em um
número limitado, cerca de 200 a 500 voluntários participantes, nos centros
de pesquisas envolvidos.
Fase III. Dedica-se a uma análise mais completa da segurança e
eficácia para prevenção da infecção pelo HIV. Envolve um número maior de
voluntários participantes, cerca de 5.000, com participação de vários centros
de pesquisas em paises diferentes.
Fase IV: Caso o resultado da fase III seja favorável, a vacina é liberada
para uso em determinadas populações. Mesmo depois de liberada, ela
continua sendo acompanhada para observação de efeitos colaterais que
podem não ter sido registrados durante a experimentação.
As fases acima descritas não dizem respeito somente a pesquisas de
vacinas, mas a qualquer teste clinico para novos fármacos.
As pesquisas de vacinas contra HIV se dividem de acordo com
conceitos, desejáveis de esclarecimento neste trabalho19:
a) Vacinas recombinantes - é introduzida no organismo uma
porção de proteína inofensiva do HIV, geralmente de uma porção
externa do HIV (envelope).
b) Virais - Semelhantes às recombinantes, são geradas a partir de
proteínas sinteticamente modificadas.
c) Vacinas à base de vírus atenuado - são amplamente usadas
em doenças virais como a pólio (vacina Sabin); consiste em
enfraquecer o vírus vivo, impedindo-o de causar doença, porém
capaz de infectar células e produzir uma reação imunológica.
Neste caso específico a insegurança de infecção é real e,
portanto, pouco recomendado no caso do HIV. O método com
vetores recombinantes vivos teoricamente proporciona vantagens
sobre os vírus atenuados no que tange à parte de segurança,
esses são criados por meio da engenharia genética.
19 Conceitos retirados do Boletim de Vacinas nº05. Junho/2000. Publicado por GIV. São Paulo.
33
d) Vacinas com DNA (ácido nucléico): usam-se os verdadeiros
genes do HIV para obter uma resposta imunológica.
e) Por último, a combinação de vacinas, que visa o uso
combinado de duas ou mais vacinas candidatas.
A comunidade cientifica vem, ao longo desses anos de pesquisas,
tentando definir o que seria uma resposta ideal de eficácia para uma vacina
contra o HIV. A mais provável seria uma resposta esterilizante, ou seja,
evitar a infecção por meio de uma vacina. Uma outra alternativa seria uma
vacina que diminuísse a carga viral (quantidade de vírus) do indivíduo
infectado, dificultando assim uma possível transmissão e uma melhora no
prognóstico.
2.1. Política de pesquisa em vacinas anti-HIV/Aids no Brasil
O atual Plano Nacional de Vacinas Anti-HIV, do Programa Nacional de
DST/AIDS Ministério da Saúde, data de 199920.
Elaborado por representantes da comunidade científica e de
organizações não governamentais, estabelece diretrizes para uma política
de pesquisa em vacinas anti-HIV no país, e tem como objetivo geral definir
estratégias para o desenvolvimento, avaliação, disseminação de informação,
disponibilização e a produção de vacinas seguras, de acordo com a
resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O plano estabelece
metas de curto e médio prazo para avanços científicos, envolvimento da
sociedade civil e interlocução com organismos internacionais de pesquisas e
de financiamentos.
No campo ético e de envolvimento com a sociedade civil, o plano deixa
claro a controvérsia entre o caráter humanitário da iniciativa de produção de
uma vacina e os interesses comerciais dos grandes produtores mundiais de
medicamentos e vacinas, dando ênfase à reflexão ética e ao
aprofundamento das discussões de mútuos interesses entre pesquisa,
20 Plano Nacional de Vacinas Anti-HIV. Pesquisa, Desenvolvimento e avaliação. Ministério da Saúde 1999 Brasília.
34
produção e disponibilização de uma provável vacina para a população em
geral.
2.2. A experiência com pesquisa de vacinas anti-HIV/AIDS em parcerias
com organismos internacionais – O HVTN.
Desde 2000, o Centro de Referência e Treinamento em Doenças
Sexualmente Transmissíveis e AIDS da Secretaria de Estado da Saúde de
São Paulo vem desenvolvendo parceira com o HTVN (HIV Vaccine Trials
Network), rede internacional de pesquisas em vacinas contra AIDS. O HVTN
é uma colaboração internacional de cientistas formada em 1999 pelo
Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos da
América, e atualmente está sediado no Departamento de Divisão de AIDS
(DAIDS) dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH),
possuindo diversos centros de pesquisas nos Estados Unidos, Caribe,
América Latina, África e Ásia. Com apoio do governo estadunidense e
parcerias com governos que integram a rede e laboratórios farmacêuticos
privados, tem por objetivo desenvolver pesquisas de vacinas contra o
HIV/AIDS, utilizando a proposta de rede. Também com a proposta de manter
estreitas relações com a sociedade civil, o HVTN tem interfaces com as
Nações Unidas, por meio do programa de AIDS (UNAIDS), com a Iniciativa
Internacional de Vacinas para AIDS (IAVI), organização não governamental
com sede nos Estados Unidos, com o Centro de Controle e Prevenção de
Doenças dos Estados Unidos (CDC), e com a Rede de Trabalhos em
Prevenção em HIV (HPTN), também sediada no Instituto Nacional de Saúde
(NIH) (HVTN, 2000).
Ainda com o propósito de estreitar relações com a sociedade civil, o
HVTN possui um programa especifico para traçar ações comunitárias,
envolvendo pesquisa e comunidade. O programa de educação comunitária
tem como objetivos proporcionar as discussões éticas nas pesquisas e
promover o envolvimento da comunidade em todas as etapas das pesquisas
em níveis local, regional e mundial.
35
Para garantir essas ações o HVTN estruturou um comitê denominado
Community Advisory Board Global (GlobalCAB), Comitê Comunitário de
Acompanhamento Global. Este comitê tem por objetivo manter contato,
supervisionar e garantir a existência de comitês locais onde são
desenvolvidas pesquisas em parceria com o HVTN.21
No Brasil existem dois centros ligados ao HVTN, Rio de Janeiro (UFRJ)
e São Paulo (CRT DST/AIDS).
Em São Paulo a pesquisa teve início em 2002, quando o protocolo 050-
V520 Merck 018/HVTN 050 foi apresentado oficialmente à comunidade pelos
pesquisadores do centro de pesquisa local.
A pesquisa de fase I, uma parceria do HVTN e laboratório Merck & Co.,
Inc., pretende avaliar a segurança (efeitos adversos e tolerância) e a
imunogenicidade (capacidade de despertar reações imunológicas) com
voluntários sadios em três centros de pesquisa no Brasil: Projeto Praça
Onze – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Centro de
Referencia e Treinamento em DST AIDS da Secretaria de Estado da Saúde
de São Paulo e Universidade Federal de São Paulo.
Em 2000, quando se iniciou a parceria entre CRT DST/AIDS e HVTN,
formou-se concomitantemente o CAC (Comitê de Acompanhamento
Comunitário), como indicação do Global CAB do HVTN. O CAC/SP é
composto basicamente por representantes da sociedade civil da cidade de
São Paulo, como Fórum de ONG Aids do Estado de São Paulo, ouvidoria do
CRT DST/AIDS, indicação do CEP (Comitê de Ética e Pesquisa) do CRT
DST/AIDS, representantes da área de Direitos Humanos em HIV/AIDS, entre
outros. Este comitê tem por objetivo acompanhar o desenvolvimento das
pesquisas de vacinas para HIV/AIDS no CRT DST/AIDS, promover o
envolvimento da comunidade nas discussões referentes às pesquisas,
acompanhar as questões éticas juntamente com o CEP, além de possibilitar
a interface entre equipe de pesquisa e comunidade na cidade de São Paulo.
21 Ver manual HVTN de setembro de 2000. Esse manual foi desenvolvido para orientações dos Comitês de Acompanhamento Local, com objetivo de visualizar o formato e estrutura do GlobalCab e do próprio HVTN.
36
Os três centros de pesquisa citados acima passaram pelo processo de
divulgação da pesquisa, recrutamento de voluntários e conseqüentemente
aplicação do TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), conforme
códigos internacionais e legislação vigente no país, que estabelecem
normas e critérios éticos para pesquisas clínicas em seres humanos.
2.3. Composição da equipe
A composição da equipe do HVTU Vila Mariana, a unidade de pesquisa
do CRT DST/AIDS, é a seguinte22:
Investigador principal, co-investigador, gerente de dados,
administração e finanças, educação comunitária, coordenação de
laboratório, treinamento e produção de materiais educativos, coordenador de
campo, co-coordenador de campo, coordenação administrativa,
pesquisadores clínicos (02), aconselhadoras (02), enfermeira pesquisadora,
farmacêutico, flebotomista e recepcionista, totalizando 20 profissionais.
Desse total, apenas dois profissionais (pesquisadores clínicos) são
responsáveis pela aplicação direta do TCLE com o voluntário participante.
2.4. Processo de recrutamento de voluntários
O processo de recrutamento de voluntários para a pesquisa é
desenvolvido da seguinte forma: a equipe faz a divulgação da pesquisa em
diversos meios de comunicações incluindo meios de transporte público na
cidade de São Paulo, universidades, unidades de saúde, organizações não
governamentais de diversos segmentos, mídia escrita e falada e eventos
públicos previamente selecionados.
Ao chegar no CRT DST/AIDS, o candidato a voluntário participante é
recebido por duas aconselhadoras da equipe e é informado sobre os
objetivos e fases da pesquisa, além de receber esclarecimentos sobre os
critérios de inclusão e exclusão do voluntário na pesquisa. Após este
22 Secretaria de Estado da Saúde. www.crt.saude.sp.gov.br/vacinas/equipe. Consulta eletrônica em 28/10/2005.
37
acolhimento, o candidato a voluntário participante é encaminhado ao
profissional responsável pela aplicação do TCLE, onde discute os critérios
de inclusão e exclusão e sua participação na pesquisa. Realizada esta
etapa, o candidato retorna ao aconselhamento, para discussão
comportamental de risco para as DSTs e HIV. Concomitantemente, é
encaminhado aos testes clínicos para avaliação de seu estado de saúde.
Critérios de exclusão relacionados no TCLE23:
o Tem menos de 18 anos ou mais de 50 anos.
o Não pesa o suficiente para doar sangue (você pesa menos
que 50 Kg).
o Sabe que é alérgico a algum ingrediente do produto
candidato à vacina utilizado no estudo ou possui um histórico de
anafilaxia (alergia grave que pode matar).
o Tomou recentemente outras vacinas, recebeu transfusões
de sangue ou recebeu produtos sanguíneos.
o Os exames laboratoriais estão anormais.
o Tem exame positivo para Hepatite B, Hepatite C, HIV ou
HTLV-1 (vírus linfotrópico tipo 1 da célula humana T).
o Tem certos problemas médicos. São permitidos alguns
problemas médicos de menor importância. A equipe de estudo está
preparada para discuti-los com você.
o Sabe ou suspeita que tem algum problema com seu
sistema imunológico (sistema de defesa do organismo).
o Está tomando algum remédio ou suplemento que não é
permitido pelo estudo. Informe os médicos do estudo se está tomando
remédios ou suplementos.
o Está grávida, está amamentando ou planeja engravidar.
o Planeja engravidar alguém ou planeja doar esperma
durante o primeiro ano de estudo.
o Não concorda em discutir com a equipe de estudo suas
atividades sexuais, uso de drogas ilegais inalatórias (pelo nariz) ou na
38
veia e comportamentos que possam aumentar o risco de pegar HIV
ou que possam qualificar você para este estudo.
o Não concorda em ter um comportamento de baixo risco
para adquirir a infecção pelo HIV durante a participação no estudo.
o Participou anteriormente de outro estudo clinico de
produto candidato à vacina contra o HIV.
o Possui um histórico recente (02 anos) de abuso crônico de
álcool.
o Possui qualquer condição que, na opinião do investigador,
pode interferir dos objetivos do estudo.
o Demonstra que não entende este Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
o Podem existir outros motivos pelos quais você não possa
participar. Caso existam, eles serão discutidos com você pela equipe
de estudo.
Os candidatos que estiverem dentro dos critérios de inclusão e
passarem pelos testes clínicos serão distribuídos aleatoriamente em três
grupos de vacinação: dois grupos receberão doses diferentes da vacina e
outro receberá placebo (substância inativa), perfazendo um total de 15
voluntários participantes no estudo. Por se tratar de um estudo duplo cego,
nem o voluntário participante nem a equipe de vacinas saberão em que
grupo está cada voluntário participante.
O voluntário participante deverá passar por 24 visitas clínicas durante
cinco (05) anos de acompanhamento.
2.5. A pesquisa de vacinas da UNIFESP
A Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP) – não está ligada ao HVTN, tendo como patrocinador somente o
laboratório Merck & Co., Inc. No entanto, compartilha do mesmo protocolo
23 TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do protocolo V520 – Merck 018/HVTN 050. Versão 18/03/03. Versão final 10/03/04.
39
de pesquisa, incluindo TCLE e os mesmos critérios de inclusão e exclusão
de voluntários.
O processo de recrutamento de voluntários foi desenvolvido de forma
diferente do CRT DST/AIDS. Embora com o mesmo número de voluntários
participantes, estes foram pré-selecionados via web, ou seja, os candidatos
a voluntários responderam um questionário que foi disponibilizado em uma
pagina eletrônica específica para a pesquisa desenvolvida na UNIFESP.
Logo após o envio do questionário, recebiam o convite para uma entrevista
com o profissional responsável em recepcionar o candidato, onde eram
checadas todas as respostas do questionário, dando prosseguimento ou não
ao processo de recrutamento.
2.6. Composição da equipe
A equipe de pesquisa é composta por 12 profissionais, número menor
que a equipe do CRT (HVTU).
Vale lembrar que tanto o processo de recrutamento de voluntários é
diferente do HVTU, como também a interlocução com a sociedade civil. Por
se tratar de um centro de pesquisa que não está ligado diretamente ao
HVTN, não segue as regras estabelecidas com os centros participantes da
rede mundial, não contando, por exemplo, com um comitê comunitário para
acompanhamento do processo.
A equipe é composta por um Investigador principal (médico), um
coordenador de pesquisa (médico), quatro co-investigadores (médicos), uma
farmacêutica, duas supervisoras de laboratório (biomédicas), duas
enfermeiras e uma assistente administrativa.
3. Acesso aos medicamentos anti-retrovirais no Brasil
As pesquisas de medicamentos anti-HIV não possuem uma política
específica que estabeleça diretrizes de avanços tecnológicos e envolvimento
40
com a sociedade civil, como estabelece o Plano Nacional de Vacinas anti-
HIV.
Para medicamentos, o Brasil tem apenas uma política na área de
assistência, que define o acesso aos medicamentos já disponibilizados no
mercado.
A política de distribuição universal de medicamentos anti-retrovirais no
Brasil teve início na década de 90. Segundo dados do Ministério da Saúde,
Programa Nacional de DST/Aids24, mais de 140 mil pessoas vivendo com
HIV/Aids estão hoje em tratamento com medicamentos na rede pública, com
15 anti-retrovirais distribuídos pelo Sistema Único de Saúde.
Esse acesso se refletiu de imediato na população afetada pelo vírus
HIV, reduzindo a mortalidade e o aparecimento de doenças oportunistas.
Os principais objetivos da terapia anti-retroviral são: retardar a
progressão da imunodeficiência do organismo humano e restaurar a
imunidade das pessoas infectadas pelo vírus, evitando o surgimento de
manifestações clínicas decorrentes do HIV e garantindo uma melhor
qualidade de vida para as pessoas infectadas.
No entanto, existe a possibilidade de falha terapêutica, que é definida
como deterioração clínica do tratamento, ou seja, a terapêutica não
responde mais, causando assim uma queda no sistema imunológico e
aumento da carga virológica 25.
Ao ocorrer tal fato, é necessária a troca de tratamento, e muitas vezes
a pessoa infectada já fez uso de todas as terapias disponíveis na rede
pública, ficando, portanto, sem alternativas de tratamento e na dependência
de novas descobertas.
Como no Brasil existem pessoas com mais de dez anos de tratamento,
torna-se comum o aparecimento de falhas terapêuticas.
Embora a política de distribuição universal de anti-retrovirais responda
às necessidades de tratamento das pessoas vivendo com HIV/Aids, não se
24 Políticas de Tratamento www.aids.gov.br acessado em 14/03/2005. 25 Quando a quantidade de vírus aumenta no organismo, podendo causar o aparecimento de infecções oportunistas.
41
pode garantir a eficácia da terapêutica, que exige a todo o momento o uso
de uma nova droga, mais potente que a usada anteriormente.
Para algumas pessoas infectadas, nesse momento torna-se
indispensável a realização de testes clínicos com novos medicamentos, que
oferece a possibilidade de participação da pessoa como voluntária, o que,
para muitas, representa o único acesso à terapêutica de ponta.
Essa situação cria uma série de motivações distintas, desde a própria
necessidade das pessoas infectadas em manter sua qualidade de vida até
os interesses da indústria sobre a possível disponibilização dos novos
medicamentos no mercado, trazendo chance de grandes lucros, e os da
rede pública de saúde, o que, além de significar também lucro para a
indústria farmacêutica, significa a possibilidade de expandir o benefício das
novas drogas para as pessoas que vivem com HIV.
4 A resposta comunitária às pesquisas em HIV/AIDS no Brasil
No Brasil, a primeira resposta comunitária para o enfrentamento da
epidemia de Aids aconteceu em 1985 na cidade de São Paulo, com a
fundação do GAPA – Grupo de Apoio à Prevenção à Aids.
O GAPA surge em meio a um universo conturbado de desinformação e
verdadeiras avalanches de matérias de cunho preconceituoso na mídia,
onde os homossexuais masculinos, usuários de drogas injetáveis e
profissionais do sexo eram categoricamente rotulados como grupos de risco
e como responsáveis pelo alastramento da epidemia da Aids no país e no
mundo.
Embora já existisse uma resposta governamental para a epidemia em
São Paulo, essa ainda era incipiente para a forte demanda criada pela
sociedade.
A partir do surgimento do GAPA em São Paulo, outras cidades também
criam os seus GAPA’s, com os mesmos objetivos: disseminar a informação,
combater a discriminação e o preconceito em torno do HIV/AIDS e das
42
pessoas infectadas, e dar início a uma política pública de assistência e
prevenção no país.
Concomitantemente, surgem outras organizações trabalhando os
mesmos temas, como a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids)
e o Grupo Pela Vidda (Grupo Pela Valorização, Integração e Dignidade do
Doente de Aids), ambas na cidade do Rio de Janeiro.
Em 1992, o já instaurado Programa Nacional de Aids do Ministério da
Saúde cria o Comitê Nacional de Vacinas anti-HIV/AIDS, onde alguns
ativistas são convidados a participar informalmente. No mesmo ano, no V
Encontro Nacional de ONG/AIDS na cidade de Fortaleza, no Ceará, são
eleitas cinco organizações para compor o comitê, representando o
movimento organizado de luta contra Aids da sociedade civil: GAPA’s Bahia,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, e Grupos
Pela Vidda do Rio de Janeiro e de São Paulo.
No ano de 1994 foi realizada na cidade do Rio de Janeiro a primeira
jornada de vacinas contra HIV, organizada pelas instituições pertencentes ao
Comitê de Vacinas conjuntamente com o Pela Vidda São Paulo e Rio de
Janeiro e ABIA.
Em janeiro de 1995 foi publicado o primeiro Boletim de Vacinas, sob a
responsabilidade das organizações participantes do Comitê de Vacinas do
Programa Nacional de Aids, dando início assim a uma série de publicações
que hoje é de responsabilidade do GIV – Grupo de Incentivo à Vida, membro
atual do Comitê de Vacinas26.
Ainda na década de 90, com a Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, as organizações não
governamentais com trabalhos em Aids começaram a ocupar espaço nos
Comitês de Ética em Pesquisa, CEP, em São Paulo inicialmente no Instituto
de Infectologia Emilio Ribas e no CRT DST/AIDS, ambos da Secretaria de
Estado da Saúde.
Em 1999, quando se realizou a parceria Universidade Federal do Rio
de Janeiro e HVTN, formou-se o Centro Comunitário de Acompanhamento
43
de Pesquisa, CCAP, composto somente por membros representantes da
sociedade civil, com a finalidade de acompanhar pesquisas de vacinas
contra HIV naquela instituição. No ano seguinte, em São Paulo, surge com a
mesma finalidade o denominado Comitê de Acompanhamento Comunitário
de vacinas contra Aids, CAC.
O CAC de São Paulo, com o objetivo de acompanhar a pesquisa, tanto
no sentido ético como na participação da comunidade no desenvolvimento
da pesquisa, surge com uma particularidade diferente do CCAP Rio de
Janeiro, tem sua composição inicial formada unicamente por representantes
do movimento organizado de ONG/AIDS e uma representação direta no
CEP do CRT DST/AIDS.
26 Informações recolhidas do Boletim de Vacinas nº 10. Dezembro/2003. Publicado por GIV. São Paulo.
44
Capitulo II: A conquista da reflexão ética
2. Sobre a ética e suas diferentes concepções
Discussões sobre ética são prementes em diversos setores da
sociedade. Aqui vamos nos ater especificamente à questão da ética na área
de saúde e na pesquisa. Para tanto, necessitamos dialogar com alguns
autores que discutem ética nesse universo.
Inicialmente se faz necessário um esclarecimento a respeito da palavra
ética, que vem do grego (ethos) e se refere aos costumes, à conduta da vida
e às regras de comportamento. Etimologicamente tem o mesmo sentido que
a palavra moral, que vem do latim (mos, mores). Ocorre que para nós, no
mundo ocidental, onde o latim prevaleceu, a palavra moral teve um peso
religioso devido à forte influência do cristianismo em nossa cultura, que a
tornou distante do sentido dado à ética (Durant, 1995, p.9).
A palavra ética tem um valor que não emprega a conotação da moral
religiosa e sim a conotação da moral natural. A ética tem como princípio três
conceitos: a análise e reflexão das normas ou regras de comportamento, a
sistematização dessa reflexão e o impacto na vida cotidiana, e a prática
concreta na realização dos valores27.
Neste trabalho vamos aplicar a discussão da ética tal como vem se
dando na área da saúde, mais especificamente em pesquisas clínicas.
Para alguns autores, a ética está representada por um conjunto de
normas que regulamentam o comportamento de um grupo em particular,
como médicos, psicólogos, psicanalistas etc. É comum que esses grupos
tenham o seu próprio código de ética, normatizando suas ações específicas
(Barton & Barton, 1984) apud Cohen e Segre (1994, p.19-24).
Esta é uma visão e um entendimento deontológico, do grego (déon-
déontos) que significa: dever, obrigação, aquilo que se dever fazer (Durant,
1995, p.14).
27 Durant, G. A bioética: natureza, princípios, objetivos. São Paulo: Paulus, 1995.
45
Esta compreensão de ética não se diferencia da moral, com a ressalva
de que ética serviria de norma para um grupo determinado de pessoas,
enquanto a moral seria mais ampla, representando a cultura de uma nação,
uma religião ou época. A eticidade está na percepção dos conflitos da vida
psíquica (emoção x razão) e na condição que podemos adquirir de nos
posicionar, de forma coerente, face a esses conflitos. Indica então que ética
está fundamentada em três pré-requisitos: 1) percepção dos conflitos
(consciência); 2) autonomia (condição de posicionar-se entre a emoção e a
razão, sendo que essa escolha de posição é ativa e autônoma) e 3)
coerência (Cohen e Segre, 1994, p.20).
Mesmo com a tentativa de pluralizar ao máximo o conceito de ética,
distinguindo-o de moral, não há como estabelece-lo sem amarrá-lo a alguns
valores preestabelecidos. Porém existe a dicotomia entre ética e moral.
Para que a moral funcione, ela deve ser imposta; a ética, para ser atuante,
deve ser apreendida pelo indivíduo, vinda do seu interior, ou seja, a moral é
imposta, a ética é percebida (Cohen e Segre, 1994, p.22).
Existem outros entendimentos sobre o conceito de ética, como ciência
do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, a ciência de
uma forma específica de comportamento humano (Vázquez, 2000, p.23).
No entanto, é evidente que ética não cria a moral. Toda moral supõe
princípios, normas ou regras de comportamento, não é a ética que os
estabelece numa determinada comunidade. A ética se depara com uma
experiência histórico-social no terreno da moral, ou seja, com uma série de
práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência
da moral, sua origem, condições objetivas do ato moral, a natureza e a
função dos juízos morais. Assim, Vázquez (2000, p.22) entende que ética se
ocupa de um objetivo próprio: o setor da realidade humana que chamamos
de moral. Como ciência, a ética parte de um certo tipo de fatos visando
descobrir os princípios gerais.
Enquanto conhecimento cientifico, a ética deve aspirar à racionalidade
e à objetividade mais completa e, ao mesmo tempo, deve proporcionar
46
conhecimentos sistemáticos, metódicos e, no limite do possível,
comprováveis (Vázquez, 2000, p.23).
As diversas discussões e percepções sobre a natureza e princípios da
ética, mostram que esse é um universo dinâmico e pluralista, que de alguma
forma é benéfico para diversas situações e áreas, porém também pode
servir para diversas interpretações que podem levar a interesses próprios de
um determinado grupo ou segmento. Como já dito antes, nesse trabalho
pretende-se focar a discussão no campo da saúde, mais especificamente na
bioética.
2.1. Sobre a bioética e seus conceitos
Segundo o conceito formulado por Warrer Thomas Reich e
apresentado na Enciclopédia, edição norte-americana de bioética, bioética
consiste no “estudo das dimensões morais - incluindo visão moral, decisões,
condutas e políticas – das ciências da vida e dos cuidados da saúde,
empregando uma variedade de metodologias éticas em um ambiente
interdisciplinar” (Reich, 1995) apud Fortes e Zoboli (2003, p.12).
Entende-se bioética como “uma reflexão que analisa, investiga, justifica
racional e imparcialmente escolhas morais, critica, valida ou legitima o
comportamento moral na área das ciências da vida e dos cuidados de
saúde, cujas ações têm alto potencial em interferir com os seres humanos, o
meio ambiente e os outros seres vivos” (Fortes e Zoboli, 2003, p.12).
O termo bioética é usado inicialmente pelo médico oncologista Van
Ressenlear Potter no livro Bioethics: Bridge the future (1971), que objetiva,
ao juntar os conhecimentos da biologia e da ética, “ajudar a humanidade na
direção de uma participação racional, mas cautelosa, no processo da
evolução biológica e cultural” (Fortes e Zoboli, 2003, p 12).
O entendimento de Potter era de que “a bioética seria uma disciplina
necessária para construir uma ponte entre a ciência e as humanidades,
especificamente entre as ciências biológicas e sociais e a ética. Uma ponte
que uniria os valores éticos aos fatos biológicos, uma ponte necessária em
47
virtude das possíveis conseqüências desfavoráveis aportadas pelo
desenvolvimento biotecnológico sobre a espécie humana e o meio ambiente,
(...)” (Fortes e Zoboli, 2003, p 12).
2.2. Bioética e pesquisas
As discussões sobre ética e, conseqüentemente, o surgimento da
bioética, têm trazido inúmeras colaborações no campo da pesquisa. Uma
das principais características éticas é a produção de conhecimento,
favorecendo o aumento de benefícios direta e indiretamente para a
sociedade. Isso pode ocorrer por meio de novas práticas, publicações no
campo de ensino e aperfeiçoamento profissional (Fortes e Spinetti, 2003,
p.115).
A pesquisa clínica na área da saúde busca estudar e solucionar
problemas que atingem a coletividade, com fins a controlar, diminuir ou
erradicar doenças que assolam o planeta, em sua maioria em países pobres
ou em desenvolvimento. Esse seria o ideal sobre o entendimento de
pesquisas clinicas entre outras na área da saúde.
No entanto, reflexões éticas constantes se fazem necessárias, para
impedir que, em nome da ciência ou de um bem maior, se cometam
injustiças ou se promova o desrespeito aos Direitos Humanos.
A realização de ações que garantam a ética na pesquisa promove
conseqüentemente uma melhor interação entre pesquisador, sujeito de
pesquisa e comunidade, proporcionando melhor qualidade na pesquisa
científica (Fortes e Spinetti, 2003, p.113).
A participação do sujeito na pesquisa, que neste trabalho preferimos
chamar de voluntário participante, porque ele participa da pesquisa de forma
voluntária, deve ser rigorosamente revista e acompanhada por membros
externos à pesquisa, a fim de garantir que as populações pesquisadas não
sejam manipuladas de acordo com os interesses do pesquisador, a exemplo
do que ocorre muitas vezes com população confinada (em instituições de
saúde ou presídios), membros das forças armadas, entre outras.
48
Numa pesquisa cientifica envolvendo seres humanos, alguns princípios
devem ser seguidos, para que as referências éticas sejam mantidas. A teoria
principialista é uma das mais adotadas em normas que regem pesquisas em
seres humanos, e consiste na não-maleficência, na beneficência, na
autonomia e na justiça. Destaca-se desta teoria a autonomia, que se refere à
capacidade do indivíduo decidir sobre si mesmo, sobre o que é bom e o que
não é bom, direito de livre escolha, respeitando sua cultura e sua crença
(Beauchamp e Childress, 1979) apud Schramm (2003, p.73).
O principio da não-maleficência tem sua origem na ética médica, de
não causar mal ou danos que sejam intencionais e não estão restritos ao
físico, mas também aos aspectos psíquicos, sociais e morais. A beneficência
diz respeito a fazer o bem, cuidar para melhor saúde, evitar ou minorar os
danos e maximizar os benefícios, sejam eles quais forem. Importante
ressaltar que, embora sejam dois princípios que estejam lado a lado no
entendimento do senso comum, um é completamente oposto ao outro.
Enquanto a não-maleficência deixa claro o que não é desejável, a
beneficência se estende no campo da ação do fazer, quase como
mensurável (Clotet et al, 1995, p.52).
O principio da justiça, além do sentido da própria palavra, é entendido
como valor eqüitativo na estrutura social, como justiça distributiva no campo
social e público. Talvez seja esse o mais complexo dos princípios, uma vez
que trata de alocação e distribuição de recursos públicos. Como existem
entendimentos diferentes a respeito do que é justo, é necessário chegar a
um consenso que garanta o acesso de todas as pessoas a todos os
recursos disponíveis, dentro de uma estrutura de cooperação social.
Rawls, em Theory of Justice (1971, p.64)28 apud Oliveira (2001, p.132),
estabelece dois princípios básicos de justiça:
“Primeiro: Cada pessoa deve ter direito igual ao mais abrangente
sistema de liberdades básicas iguais, que seja compatível com um sistema
semelhante de liberdades para outras”.
28 RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997, p.64.
49
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser
ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo consideradas como
vantajosas para todos dentro dos limites do razoável e vinculadas a posições
e cargos acessíveis a todos”.
Tais princípios podem regular acordos e estabelecer formas de
governo.
A autonomia parte do princípio que o indivíduo pode e deve escolher
de forma clara e livre o caminho e a alternativa que lhes são apresentados,
de acordo com seus valores culturais, necessidades, expectativas e crenças,
sem coerções diretas e indiretas e com a compreensão das conseqüências
que possam advir de suas escolhas (Muñhoz e Fortes, 1998, p. 53).
Ainda assim, a total autonomia é considerada utópica, o entendimento
de que o indivíduo tem total compreensão e conhecimento de seus atos não
é verdadeiro, porém isso não lhe tira a condição de autônomo, uma vez que
se pode ter um determinado grau entre um e outro, cabendo-lhe então o
exercício da autonomia substancial (Zoboli b, 2002, p.17).
A discussão sobre autonomia permeia todo o processo de pesquisa
com seres humanos, uma vez que a maioria das resoluções dentro e fora do
Brasil enfoca a questão da autonomia no respeito às pessoas, à capacidade
de escolha e de autodeterminação, tendo como base a dignidade humana.
Diante do entendimento da importância que a autonomia tem dentro do
processo de pesquisa em seres humanos, podemos entender que o TCLE
deve estar baseado na autonomia dos voluntários participantes de
pesquisas, garantindo a decisão voluntária e concordância sobre as
informações recebidas (Spinetti, 2001, p.60).
O TCLE, ferramenta que pode garantir os direitos de voluntários
participantes e de pesquisadores, também tem o papel de promover a
discussão sobre a autonomia no processo de pesquisas clínicas envolvendo
seres humanos.
50
Capitulo III: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Que ferramenta é essa?
3. Sobre o TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
De forma ampla, o consentimento informado é entendido como um
processo de comunicação e consentimento entre ambas as partes, médico e
paciente. Segundo Fadem (1986a, p.1051-4) “um médico deve informar seu
paciente de forma com que uma pessoa sensata gostaria de saber”.
A primeira citação sobre consentimento se deu em 1767, na Inglaterra,
quando a justiça local condenou dois médicos por provocar danos a um
paciente sem informá-lo do procedimento realizado, ao usar um aparelho de
uso não corrente (Clotet et al, 2000, p.29).
Em 1830, também na Inglaterra, o advogado John William Willcock
publica um livro sobre legislação e exercício médico, onde apresenta a base
jurídica para utilização do consentimento informado em pesquisas com seres
humanos (Clotet et al, 2000, p.30):
“Quando um experimento é realizado com o consentimento da parte
submetida a ele após ter sido informada de que isso era um experimento, o
médico não responde nem pelos danos nem pela originalidade do
procedimento. Mas se o médico realiza um experimento sem ter dado esta
informação e obtido o consentimento é capaz de ter de compensar
quaisquer lesões decorrentes.”
Percebe-se aqui que o foco de preocupação ainda está na proteção do
ato médico; no momento em que o paciente ou voluntário tem conhecimento
da prática que está sendo usada, está automaticamente concordando em
abrir mão de seus direitos a uma possível indenização por danos
decorrentes da pesquisa ou do ato médico.
O primeiro registro do uso do consentimento informado como
documento que estabelece uma relação entre médico e paciente, foi em
1833, nos EUA, pelo médico pesquisador William Beaumont. Neste caso, o
médico se comprometia em fornecer casa, comida e uma quantia em
51
dinheiro por tempo determinado de um ano. O voluntário, que sofria de uma
seqüela em decorrência de um tiro disparado por uma arma de fogo,
acidentalmente, ficaria à disposição do médico pesquisador para observação
e possíveis experiências. (Clotet et al, 2000, p. 31):
“ (...) Servir, residir e continuar com o citado William Beaumont, seja
onde for que ele deva ir ou viajar ou residir em qualquer parte do mundo(...).”
Temos aqui um entendimento muito mais de contrato de trabalho entre
partes do que uma noção de proteção ao paciente voluntário na pesquisa.
Por ser o primeiro documento nesse gênero que se tem noticia, o avanço no
entendimento de compromisso entre partes fica claro, possibilitando assim o
início da discussão de necessidades para consolidação de diretrizes para
pesquisas em seres humanos.
No mesmo ano de 1833, estabeleceu-se o primeiro conjunto de
diretrizes éticas para a relação pesquisador/voluntário participante. Seus três
principais focos eram: a necessidade do consentimento voluntário dos
participantes, adequação metodológica do projeto e liberdade para o
participante abandonar o projeto conforme seu desejo (Faden e Beauchamp,
1986, p.190).
Nota-se nessas diretrizes a preocupação com o voluntário participante,
principalmente no que diz respeito à autonomia do voluntário em abandonar
a pesquisa sem punições decorrentes do ato. Cabe lembrar que essas três
diretrizes ainda se fazem presentes em todos os códigos e normas de ética
em pesquisas mais recentes.
Em maio de 1880 ocorre a primeira condenação judicial por falta do
uso do consentimento informado, em uma pesquisa científica na cidade de
Bergen, Noruega.
Este caso tem como marco a controvérsia da descoberta do bacilo
causador da hanseníase, durante muito tempo conhecida por lepra. Na
época, o Dr. Gerhardt Armauer Hansen publicou um artigo descrevendo o
agente causador da doença, porém não havia conseguido desenvolver a
bactéria in vitro. O pesquisador microbiologista alemão, Albert Neisser, em
visita ao laboratório de Hansen, levou amostras consigo e, com a ajuda de
52
novas técnicas, às quais o pesquisador norueguês ainda não tinha acesso,
conseguiu registrar imagens das bactérias e publicou artigo reivindicando
para si a descoberta da doença.
O Dr. Hansen, na tentativa de provar sua descoberta anterior, inoculou
os olhos de uma senhora sem a utilização do consentimento informado,
causando danos à sua visão. Foi denunciado e, ao enfrentar os tribunais,
justificou-se alegando que a descoberta poderia ajudar no desenvolvimento
da ciência e na proteção da população da cidade.
Hansen foi condenado a pagar custas judiciais, perdeu sua licença
para clinicar e encerrou sua carreira cientifica (J Intern Méd; 1995;238:513-
529) apud Clotet et al (2000, p.32).
Neste episódio podemos perceber claramente o argumento de
sacrificar alguns em nome do bem coletivo e do desenvolvimento da ciência,
argumento este usado no decorrer dos anos, a exemplo da II Guerra
Mundial, entre outros.
Nos Estados Unidos, em 1900, houve a primeira tentativa de se
estabelecer uma lei regulamentando os procedimentos e experimentos
científicos no Distrito de Columbia, decorrente de uma comissão do Senado
norte-americano que investigou abusos em pesquisas envolvendo seres
humanos. O projeto de lei, que versava sobre a autorização dos
participantes voluntários, interrupção da participação na pesquisa e
preservação dos grupos vulneráveis, não foi aprovado, mas foi o primeiro
documento que buscou regras claras para pesquisas em seres humanos nos
Estados Unidos (Clotet et al, 2000, p.34).
Ainda no início do século XX, mais precisamente em 1914,
impulsionadas por discussões judiciais, a sociedade científica e a Corte
norte-americana começam a ter um outro olhar para as questões éticas e as
boas práticas clínicas. Um dos exemplos foi o caso Schloendorff vs. Society
of New York Hospital, em que um juiz da Corte da cidade de Nova York
sustentou que:
“Todo ser humano de idade adulta e juízo perfeito tem o direito de
determinar o que de fazer com seu próprio corpo e, um cirurgião que realiza
53
uma intervenção sem o consentimento de seu paciente comete uma
agressão, por a qual se pode reclamar legalmente danos” (Clotet, 2000,
p.21).
A discussão mais acirrada teve início logo após a II Guerra Mundial,
tendo como marco importante o julgamento de Nuremberg em 1946, onde
foram julgados médicos e oficiais do 3 º Reich, sob acusação de falta de
ética em experimentos e crimes de atrocidade nos campos de concentração
durante a guerra (Moreno et al, 1998, p.688). Esta discussão deu origem ao
Código de Nuremberg, utilizando a expressão consentimento voluntário do
paciente, e é considerado o primeiro conjunto internacional de regras
destinado a controlar práticas de pesquisas em seres humanos (Faden e
Beauchamp, 1986b) apud Menegon (2003, p.92).
Neste mesmo ano a Associação Médica Americana (AMA) estabelece
três requisitos básicos para práticas em pesquisas com princípios éticos.
(AMA, JAMA 1946:132: p.1090):
1. Consentimento voluntário da pessoa na qual experimento
será realizado;
2. O perigo de cada experimento deve ser previamente
investigado por experimentação animal;
3. O experimento deve ser realizado sob adequada proteção
e gerenciamento médico.
Após o Código de Nuremberg, o consentimento informado voltou a ser
tratado com relevância na década de 60, com a Declaração de Helsinque,
formulada em 1964 pela Associação Médica Mundial e com diversas
reformulações: 1975, Japão; 1983, Itália; 1989, Hong Kong; 1996, África do
Sul; 2000, Escócia (Menegon, 2003, p.159 ).
Cabe aqui uma reflexão sobre os avanços tecnológicos e o debate
sobre ética em pesquisa no mundo. Ao acompanhar as discussões sobre
ética, percebemos que estas sempre acontecem ao mesmo tempo das
grandes polêmicas em torno dos limites dos avanços tecnológicos, haja vista
as diretrizes pós II Guerra Mundial na década de 40, o escândalo da
pesquisa sobre sífilis nos Estados Unidos, o projeto Tuskegee, na década de
54
70, as pesquisas com HIV/AIDS na década de 90 e, por último, as pesquisas
sobre genética humana na virada do século.
A influência dos avanços tecnológicos nas discussões éticas se
constróem dentro de um conjunto de múltiplos interesses, formado por
indústrias farmacêuticas, pesquisadores e sociedade civil. Estes interesses
têm impacto direto na formulação das diretrizes éticas, que podem ser de
maior ou menor proteção ao sujeito de pesquisa, dependendo da co-relação
de forças estabelecidas entre os diversos atores.
O Informe Belmont29, publicado em 1978 nos Estados Unidos, traz na
sua essência o princípio de respeito pelas pessoas, com uso sistemático em
pesquisa com seres humanos. A beneficência e a justiça são partes
integrantes e indissociáveis em experimentos envolvendo participação
voluntária de seres humanos e devem constar de forma clara e objetiva no
consentimento informado, além da informação, compreensão e
voluntariedade (Clotet et al, 2000, p.50).
O Informe Belmont realmente trata o uso do consentimento informado
não apenas como um documento entre partes, médico e paciente,
pesquisador e voluntário, e sim como um entendimento mais amplo do
processo de consentir. Nota-se que o Relatório, em suas entrelinhas, faz
menção à importância do diálogo entre o profissional e o paciente,
pesquisador e voluntário.
3.1. O TCLE na ética e pesquisa no Brasil
No Brasil, a Declaração de Helsinque foi adotada apenas em 1975,
pelo Conselho Federal de Medicina30, como guia para a classe médica, com
enfoque em pesquisas clínicas. A reformulação da Declaração em 1975
também foi adotada tardiamente no Brasil pelo Conselho Federal de
Medicina, no ano de 198331.
29 The Belmont Report: Ethical Guidelines for the Protection of Human Subjects. Washington: DHEW Publications (OS) 78-0012.1078 30 Brasil Conselho Federal de Medicina. Resolução 671/75 31 Brasil Conselho Federal de Medicina. Resolução 1098/83
55
A primeira regulamentação governamental no Brasil que trata de
pesquisa clínica com medicamentos e, conseqüentemente, do
consentimento informado, data de 1981, Divisão de Vigilância Sanitária de
Medicamentos (DIMED) – Ministério da Saúde, portaria 16/81 (Clotet et al,
2000, p.51).
Esta portaria refere-se a Termo de Conhecimento de Risco, numa
perspectiva muito distante das concepções de autonomia e voluntariedade
propostas inicialmente na Declaração de Helsinque e posteriormente, com
maior ênfase, no Relatório Belmont. Nota-se a postura de
desresponsabilização do âmbito governamental no texto da portaria32, como
segue abaixo:
“(...)
e) O médico que aplica esta medicação ou novo método é responsável
e o laboratório produtor é co-responsável pele medicação, estando a União
isenta de responsabilidade por danos que possam ocorrer ao paciente
decorrentes do uso do produto ou método terapêutico aplicado.”
A discussão em nível governamental no Brasil na década de 80 tem
como foco a questão de indenização por danos, mais na perspectiva de
proteção do próprio setor governamental do que do voluntário participante da
pesquisa. Ainda assim, a década de 80 foi marcada pelo início das
discussões éticas envolvendo seres humanos.
Em 1988, o Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde,
estabelece na Resolução 01/8833 o uso do consentimento informado como
prática em pesquisas em seres humanos, com ênfase na informação ao
voluntário e em pesquisas com grupos específicos, como menores de 18
anos de idade (Clotet et al, 2000, p.52).
Oito anos mais tarde, em 1996, o Conselho Nacional de Saúde
estabelece nova diretriz para pesquisas envolvendo seres humanos. No
Brasil, a Resolução 196/9634 foi resultado de trabalho conjunto entre
governo, academia e sociedade civil. Esta última Resolução, vigente
32 Ministério da Saúde. Portaria 16/ 81. DOU 14/12/81 33 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 01/88. DOU 14/06/88 34 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96. DOU 16/10/96
56
atualmente no país, denomina o consentimento informado como Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), ampliando as características em
Resoluções anteriores.
A Resolução 196/96 é um marco nas discussões éticas sobre
pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil, nos colocando par a par
com países desenvolvidos e, em alguns casos, à frente. A formação da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e dos Comitês de Ética
em Pesquisa (CEP), que compõem o sistema CONEP/CEP, permite a
análise e o acompanhamento do desenvolvimento dos projetos pelo CEP
local, por meio de relatórios fornecidos pelos pesquisadores e a participação
efetiva de profissionais multidisciplinares, em conjunto com a representação
da sociedade civil e de usuários. E é com base nessas diretrizes e
entendimentos éticos que se pretende aqui investigar sobre a percepção do
pesquisador, tendo como ponto de partida o TCLE.
O TCLE é tratado no artigo IV da Resolução 196/96 CNS-MS, como
instrumento que garante o respeito à dignidade do voluntário participante de
pesquisa. Toda e qualquer pesquisa que envolva participação de seres
humanos só poderá ter seu inicio após o consentimento livre e esclarecido
do sujeito participante, grupos ou representantes legais. O termo deverá ser
elaborado pelo próprio pesquisador e com linguagem de fácil compreensão
para o voluntário participante e aprovado pelo CEP local; em se tratando de
pesquisa clínica multicêntrica, deverá também ser aprovado pela CONEP
(Spinetti, 2001, p.37).
3.2. O TCLE na pesquisa de cooperação estrangeira no Brasil
Os estudos realizados em diversos centros clínicos ao mesmo tempo
com o mesmo experimento, chamados de estudos multicêntricos, estão cada
vez mais presentes no universo das pesquisas. A necessidade de recrutar
um número suficiente de voluntários que possam participar das pesquisas
em um curto espaço de tempo e que possibilite gerar resultados
57
convincentes se faz necessário no dia-a-dia, devido à grande demanda de
avanços tecnológicos e concorrência entre as indústrias farmacêuticas.
O Brasil tem sido um país muito procurado pelo setor farmacêutico
privado e internacional para a realização deste tipo de estudo. Inúmeras são
as razões: legislação própria especifica e adequada para o setor,
competência profissional e institucional de vários centros espalhados pelo
país, população miscigenada formando um perfil étnico favorável, além de
ser um possível grande mercado de consumo.
Diante deste fértil campo para pesquisas, as questões éticas se tornam
cada vez mais evidentes. Em geral essas questões são abordadas nas
Resoluções 196/96 CNS/MS e 292/99 CNS/MS35, que versam sobre critérios
éticos entre cooperação estrangeira no país, principalmente pesquisas
coordenadas do Exterior.
Ainda assim, alguns temas são de difícil compreensão para o
patrocinador estrangeiro, como a participação do pesquisador local na
elaboração metodológica da pesquisa, incluindo o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE), como também na análise dos dados.
Segundo os professores Willian Saad e Sonia Vieira (2004, p.4), ambos
membros da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, os estudos de
cooperação estrangeira têm que ser desenvolvidos por profissionais com
competência, com capacidade de discutir o desenho do estudo antes mesmo
de inicia-lo, que possam administrar possíveis desvios e interpretar os
resultados obtidos.36 Seguramente existem no país profissionais com esse
perfil. Mas até onde realmente o pesquisador local tem livre arbítrio no
campo de pesquisa, em se tratando de pesquisas de cooperação
estrangeira?
É claro que não se pode deixar de versar sobre as distintas motivações
dos diferentes atores envolvidos no universo de pesquisas científicas na
área da saúde. Se por um lado existe a indústria farmacêutica interessada
em investir em pesquisas no país por conta das vantagens já citadas, por
35 Maiores detalhes podem ser encontrados no Manual Operacional para Comitês de Ética em Pesquisa MS/CNS Brasília 2002. 36 A questão da Cooperação Estrangeira. Cadernos de Ética em Pesquisa N. 9 CNS MS
58
outro lado existe o interesse nacional no repasse de tecnologia e
aperfeiçoamento de nossos profissionais, além do interesse no acesso da
população ao produto final, por parte das autoridades sanitárias do país e
das pessoas vivendo com HIV/Aids.
O fato é que vários interesses podem existir, como também podem ser
atendidos sem que ultrapassem as barreiras da ética e o respeito à
dignidade humana, principalmente a dos sujeitos voluntários participantes de
pesquisas.
3.3. O TCLE e estudos que abordam o processo de consentir e
autonomia
Dos diversos estudos realizados sobre TCLE, destacamos aqui os
utilizados para nosso propósito neste trabalho. Eles foram selecionados por
tratarem especificamente o tema do consentimento informado como
processo de obtenção de consentimento e ferramenta de informação,
focando a autonomia do voluntário participante de pesquisa e em práticas
clínicas na área da saúde. Tais artigos e obras foram acessados por meio
magnético em banco de dados como BIREME, LILACS e SCIELO, além de
levantamentos nas bibliotecas da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo e Instituto de Saúde, da Secretaria de Estado da
São Paulo, como também indicações de especialistas da área.
Lidz et al (1988), em Two Models of Implementig Informed Consent,
explanam sobre o consentimento enquanto evento usado nas práticas de
assistência à saúde de curta duração, onde o paciente decide ou não adotar
a prática oferecida, por meio de um consentimento apresentado a ele, e o
processo de consentimento, onde a participação ativa do paciente ou
voluntário se faz necessária para o estabelecimento de uma relação
amistosa entre médico e paciente/voluntário. Com o mesmo objetivo, Simón
Lorda e Concheiro Carro (1993a), em El consentimiento informado: teoría y
práctica (I), tratam do tema; direito ao consentimento, voluntariedade,
59
competência e conteúdo são tópicos abordados, tendo como pano de fundo
os dois modos de consentimento.
Simón Lorda (1993b), ainda tratando sobre a teoria e prática, em El
consentimiento informado: teoría y práctica (y II), aborda as dificuldades na
formulação dos consentimentos, aplicação e entendimento dos formulários
na prática clínica diária, que podem ser perfeitamente ajustadas às praticas
de pesquisas.
Continuando a discussão, Lorda (1995), em El consentimento
informado y la participación del enfermo em las relaciones sanitárias, faz um
breve histórico sobre a ética, partindo do Grécia hipocrática do século IV AC
até chegar às normas vigentes no mundo na década de 90, tendo como foco
a discussão do termo de consentimento e a relação médico/paciente. Simón
Lorda et al. (1996), no artigo Legibilidad de los formulários escritos de
consentimiento informado, problematizam a legibilidade dos termos de
consentimento usados em diversos procedimentos, utilizando programas da
área da informática para medir o possível grau de compreensão dos termos.
Fortes (1994), em Reflexões sobre a Bioética e o consentimento
esclarecido, faz uma reflexão sobre bioética e consentimento esclarecido,
trazendo à discussão elementos importantes como a autonomia do sujeito
de pesquisa como direito moral do ser humano, destacando pontos cruciais
no termo de consentimento e abordando princípios teóricos na informação,
temporalidade, revogação e situações emergências com profissionais de
saúde com decisões e ações.
Lara e La Fuente (1990), com o artigo Sobre el consentimiento
informado, fazem uma abordagem sobre o conceito de autonomia,
informação e consentimento, com enfoque na relação médico/paciente,
concluindo que não há nenhum argumento sólido que indique uma suposta
incompatibilidade entre medicina cientifica e ética médica.
Em 2002, Hardy et al. publicaram o estudo Consentimento informado
na pesquisa clínica: teoria e prática, com o objetivo de avaliar a
concordância entre a teoria e prática sobre o consentimento informado,
representada pela Resolução 01/88, e a prática de sua obtenção de acordo
60
com o relato de pesquisadores e de mulheres que participaram de suas
pesquisas. O resultado foi um desencontro entre as respostas dos
pesquisadores, quanto às informações fornecidas, e as das mulheres,
quanto às informações recebidas, por ocasião da aplicação do
consentimento.
Zoboli e Massarollo (2002a), em Bioética e consentimento: uma
reflexão para a prática de enfermagem, enfatizam a importância do processo
compartilhado de troca de informações e consenso mútuo na relação
profissional de saúde e usuário de serviço.
Zoboli e Fracolli (2004), no artigo intitulado Vulnerabilidade do sujeito
de pesquisa, destacam a importância que a vulnerabilidade social exerce
sobre as questões éticas e, conseqüentemente, no consentimento
informado, sendo os fatores pobreza e desigualdade social uma barreira
para o exercício da autonomia do sujeito de pesquisa.
O consentimento informado e sua prática na assistência e pesquisa no
Brasil, de Clotet et al (2000), traz uma extensa discussão sobre o uso do
consentimento informado e o seu processo de obtenção. Os autores
enfatizam em sua conclusão que o consentimento informado é um
compromisso moral dos pesquisadores e profissionais de saúde ao respeito
pela dignidade humana.
Sobre bioética, Durant (1995), na obra A bioética: natureza, princípios,
objetivos, explana sobre teorias, princípios e conceitos, abordando a
autonomia, valores morais, e conclui que a preocupação ética deve estar ao
longo da pesquisa, e não se concentrar em intervir depois da descoberta,
como se julgasse sua moralidade ausente do processo.
Em 2002, o Conselho de Organizações Internacionais de Ciências
Médicas publica o International Ethical Guidelines for Biomedical Research
Involving Human Subjects, traduzido no Brasil pelo Centro Universitário São
Camilo em 2004. O trabalho traz todas as diretrizes éticas para pesquisas
em seres humanos no mundo.
61
Fortes e Zoboli (2003), organizadores de Bioética e Saúde Pública,
discutem vários aspectos da ética com interface na saúde pública e enfoque
na teoria e prática.
Oliveira (2001), em Comitê de Ética em Pesquisa no Brasil. Das bases
teóricas à atividade cotidiana: um estudo das Representações Sociais dos
membros dos CEPs, discorre sobre as diversas interpretações que membros
dos comitês de éticas têm sobre o seu papel dentro do CEP e o papel dos
próprios CEPs, a partir de suas práticas cotidianas, sob a luz da Resolução
CNS 196/96.
Na tese de doutorado Entre a linguagem dos clientes e a linguagem
dos riscos: os consentimentos informados na reprodução humana assistida,
Menegon (2003) trabalha com termos de consentimento usados nas práticas
de reprodução assistida, sob a ótica da linguagem dos riscos, destacando o
entendimento do termo na visão de direito legal e abordagem pragmática
dos riscos.
Spinetti (2001), em sua dissertação de mestrado, Análise ética em
artigos científicos que envolvam seres humanos, período de 1990-1996, faz
uma abordagem sobre a história da ética em pesquisa no Brasil e no mundo,
dando ênfase às resoluções e normas estabelecidas até 1996, tomando
como discussão a autonomia e o processo de consentimento do voluntário
sujeito de pesquisa.
A cooperação estrangeira e os múltiplos interesses são abordados por
Hossne e Vieira (2002) em A questão da cooperação estrangeira, que
enfoca o repasse de tecnologia e a participação do pesquisador brasileiro na
metodologia de pesquisa com cooperação internacional. Ainda sobre o
mesmo tema, Hossne (2003) destaca a pesquisa multicêntrica e a
responsabilidade ética dos patrocinadores fora do país.
62
Capitulo IV: O Discurso do Sujeito Coletivo em processo
de construção
4. Construindo o discurso dos pesquisadores sobre as questões éticas,
a partir do Discurso Sujeito Coletivo (DSC)
A coleta de dados ocorreu mediante entrevista semi-estruturada.
Inicialmente, onze questões foram formuladas e posteriormente foram
acrescentadas duas outras, identificadas como de grande importância
durante o processo de coletas de dados. Os sujeitos de pesquisa foram oito
pesquisadores da área de saúde que trabalham com pesquisas clínicas
medicamentosas e de vacinas contra HIV/AIDS. Os discursos das
entrevistas foram registrados por meio de um micro-gravador com fitas
magnéticas de 60 minutos.
Para o tratamento dos dados empregou-se a técnica de análise
temática de discurso. Foram utilizadas quatro figuras metodológicas: idéia
central provisória, expressões-chave, idéia central dos sujeitos e Discurso do
Sujeito Coletivo (DSC).
Com os discursos gravados em fitas, procedeu-se à transcrição literal
dos mesmos. A transcrição e a organização do discurso foram feitas na
mesma ordem em que foram realizadas as entrevistas. Os sujeitos foram
identificados por: sujeito 01, sujeito 02, sujeito 03, e assim por diante.
Na segunda etapa, os discursos já transcritos, selecionaram-se em
cada uma das respostas das entrevistas as partes mais importantes. Estas
partes foram colocadas juntas, formando um novo texto denominado Idéia
Central Provisória, seguida de suas respectivas expressões-chave
provisórias, referentes às entrevistas de cada um dos sujeitos participantes.
Na terceira etapa (próximo capitulo), foram agrupadas idéias centrais
de cada questão, ficando assim uma apenas uma idéia central para cada
questão, denominadas Idéia Central dos Sujeitos. Da mesma forma
procedeu-se com as expressões-chave, fala literal dos sujeitos participantes
63
(em negrito), dando origem assim ao DSC de cada questão por meio das
expressões-chave utilizadas, como segue.
4.1. O início das discussões éticas no país e na vida profissional dos
entrevistados
Idéia Central Provisória - S 01: Para idealização da Resolução 196 de
acordo com as regulamentações internacionais.
Expressão-chave provisória - S 01: O início das discussões no
Brasil se deu na década de 90 e na
realização da Resolução 196, que fez com
que a ética esteja em acordos em
regulamentação internacional. Então acho
que isso tem determinado em uma pressão
da indústria para que as instituições tenham
um comitê de ética mais forte ou mais
acordos a regulamentação internacional.
Isso é mais ou menos o que a grande razão
do que eu conheço sobre o que acontece no
país.
Idéia Central Provisória - S 02: Década de 90 resolução 196 CONEP
e CRM.
Expressão-chave provisória - S 02: Esse é um tema recente.
Somente na década de 90 foi
efetivamente configurado o regimento, o
verdadeiro código de ética que deveria
ser seguido a partir de então pelos
pesquisadores. As primeiras publicações a
respeito dos estudos envolvendo seres
humanos às quais tive acesso são da
CONEP e do CRM. Esse código de ética
64
obrigou os laboratórios a fornecerem aos
pesquisadores uma espécie de manual de
“boas práticas”. Quando os investigadores
são treinados a respeito do estudo, alguém
do laboratório expõe quais seriam essas
“boas práticas” clínicas na pesquisa, ou seja,
o que pode e deve ser feito do ponto de vista
ético.
Idéia Central Provisória - S 03: Resolução 196 e regulamentações
internacionais.
Expressão-chave provisória - S 03: Eu sei a data da última
regulamentação da ANVISA em relação ao
termo de Consentimento que foi em 1996,
mas acho que de uma forma geral a
referência do Brasil em pesquisa é mundial.
De qualquer forma acredito que é nessa
época que as coisas começam a se
estruturar. No começo era muito
complicado mesmo, apesar de haver a
necessidade, não existia a estruturação
das instituições que coordenavam a
pesquisa.
Idéia Central Provisória - S 04: Década de 80, estudos com
contraceptivos em mulheres.
Expressão-chave provisória - S 04: Eu retomaria isso ao início da
década de 80, quando eu trabalhava em
uma ONG. Nos preocupavam, naquela
época, todos os estudos que tinham sido
feitos em relação aos novos
contraceptivos que queriam que fossem
65
testados no Brasil. Nós identificávamos
que esses testes já tinham sido feitos numa
parcela bastante grande, sem que nenhum
dos procedimentos éticos necessários nas
pesquisas tivessem sido tomados. (...).
Nesse momento houve um grande
movimento no sentido de denunciar os
problemas do ponto de vista da ética na
pesquisa. Eu defendia que você só
consegue ter controle ético num estudo se
houver um processo de monitoramento
levado a cabo por pessoas alheias à
pesquisa em si.
Idéia Central Provisória - S 05: Normas vigentes (196) e disciplinas
na universidade.
Expressão-chave provisória - S 05: Na verdade a questão surgiu
antes da minha vida profissional. Durante
a graduação tem uma disciplina de
Medicina Legal que levanta a discussão
de bioética e pesquisas em seres
humanos ainda na graduação. Terminada
a graduação, e mesmo durante, participei de
pesquisas na emergência, tratamento de
choque, por exemplo. Dentro do meu
departamento, de Doenças Infecciosas e
Parasitárias, é um departamento que desde
cedo se inicia com pesquisas. (...). Isso só
durante a fase de especialização que é na
época da residência médica, em que as
pesquisas não interferem na vida da pessoa,
você só observa o que acontece na vida dela
66
(...). Durante o meu trajeto profissional,
mudei o modo de pensar em pesquisa
clínica em uma série de aspectos. Acho que
durante a graduação é importante ter isso.
Acho que deve ser obrigatório ter a
discussão de ética e pesquisas com seres
humanos como base em bioética e medicina
legal. Na verdade, o Termo de
Consentimento, desde que me conheço por
gente existe a resolução que obriga a
existência desse Termo, isso desde a
Segunda Guerra Mundial.
Idéia Central Provisória - S 06: As discussões surgiram com o
advento da Aids.
Expressão-chave provisória - S 06: Bom, no país eu não sei te dizer
há quantos anos, mas quando começaram
as pesquisas começaram a se discutir quais
seriam os direitos... o quê o pesquisador tem
como obrigação e o paciente como direito de
saber, de participar e tal, então isso surgiu
na discussão acho que inicialmente dos
pesquisadores, aí depois... Eu não sei
quanto tempo tem a CONEP, essas datas eu
não tenho isso muito claro, mas na
realidade, pelo menos pra nós
infectologistas, a grande massa de pesquisa
veio com o advento da Aids (...), Eu lembro,
antes da Aids, pesquisa em meningite,
quando nós tivemos a grande epidemia em
74, de drogas novas, mas naquela época
não existia todo esse esquema de, 76, 77,
67
de consentimento, pelo menos dentro da
Infecto o infectologista não tinha isso muito
embasado, foi com o advento da Aids que
a pesquisa tomou mais vulto e o
infectologista entrou mais na área de
pesquisa, especialmente internacional.
Idéia Central provisória - S 07: Surgiram com o inicio das pesquisas
clinicas e a Resolução 196/96
Expressão-chave provisória - S 07: Bom, no Brasil, o conceito de
Comissão de Ética em Pesquisa surgiu
basicamente com o início da pesquisa
clínica, com patrocínio não, a pesquisa
clínica multicêntrica, e fundamentalmente
com a pesquisa clínica, quando você
passa a participar dos trials
internacionais, e aí a preocupação que já
existia nos países desenvolvidos, tipo na
Europa, nos Estados Unidos, eles trazem
junto consigo já uma preocupação, às vezes
uma preocupação até um pouco burocrática,
de você cumprir à risca todos os preceitos
éticos estabelecidos internacionalmente, a
partir da reunião de Helsinki, e vai
progredindo aí todas as instâncias que
passaram a discutir ética (...). Aí
posteriormente então você tem a criação da
CONEP, Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, e a criação da CONEP foi um
passo bastante importante, a criação das leis
propriamente dito, a 196, depois a 252, se
eu não estou enganado, que passam a reger
68
aí todos os trabalhos, e dentro do Hospital
das Clínicas nós temos a divisão da
Comissão de Ética na Comissão de Ética
propriamente dito, e a Comissão de Ética em
Pesquisa.(...). Agora, a questão das
Comissões de Ética em Pesquisa surgiu com
as pesquisas com Aids, basicamente o meu
trabalho com Indinavir, o 028, que nós
iniciamos em 1995, e aí começa, e quando
nós passamos a ter a preocupação, não só a
preocupação burocrática propriamente dito
(...).
Idéia Central Provisória - S 08: Em 1996, quando iniciaram as
pesquisas na vida profissional.
Expressão-chave provisória - S 08: Bom, na minha vida, surgiram em
96; na verdade eu nunca tinha atentado pra
essas questões, mas muito antes até de eu
estar envolvido com pesquisa clínica ou até
concomitantemente com isso aqui, foi mais
ou menos nessa época que a gente
começou aqui no hospital a fazer mais
pesquisa. Sempre foi, a instituição sempre
teve pesquisa, mas nunca como agora ou
como depois de 96, e em 96 surgiu a
Resolução 196 e que estimulava a criação
dos CEP’s nas instituições.
4.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em seres
humanos
69
Idéia Central Provisória - S 01: Livre arbítrio do voluntário para
participação em pesquisa, comitê de ética como órgão assessor.
Expressão-chave provisória - S 01: Tem uma coisa interessante e
essa pergunta é relativamente um pouco do
que imagina o senso popular e do voluntário
que se oferece para entrar em um protocolo
de pesquisa. Ele é considerado como se
fosse uma cobaia. E explico porque,
justamente porque não é uma cobaia. E não
é uma cobaia porque é uma pessoa a qual
se você respeita a vontade, então eu acho
que esse é o ponto chave em ética em
pesquisa com seres humanos. É que você
está contando com pessoas que tem um
livre arbítrio, uma capacidade de decidir. (...).
Agora, existe um outro ponto, que é a parte
do respeito aos direitos coletivos, que é a
parte mais abordadas pelos comitês de
ética, propriamente dito, no sentido de
impedir que sejam violados os direitos
coletivos, aproveitando a ignorância de
indivíduos particulares dentro de uma
sociedade sobre um determinado tema, que
geralmente os temas mais científicos têm
uma divulgação limitada. O fato de você
estar sendo apoiado por um comitê para
poder estar esclarecendo como se tem de
respeitar, não só a vontade individual,
mas a vontade coletiva de uma
sociedade, acho que permite que o
pesquisador estabeleça um laço de
confiança (....). Acho que o comitê de ética,
70
o que tem de fazer é assessorar o
pesquisador nessa interpretação desses
valores sociais e de como explicar ao
indivíduo, mas a responsabilidade ética,
primária, é do pesquisador.
Idéia Central Provisória - S 02: Importantes para experiências com
seres humanos e absolutamente fundamental.
Expressão-chave provisória - S 02: A ética na Medicina é capaz de
afirmar hoje que, por exemplo, as
experiências feitas nos campos de
concentração na Alemanha de Hitler durante
a Segunda Guerra Mundial foram
desumanas. Mesmo que elas tenham
demonstrado grandes progressos científicos,
foram conduzidas de forma imoral e
antiética. Eu acredito que baseado nisso é
que a ética na Medicina começou a ser
discutida. (...). Portanto, considero que a
ética é absolutamente fundamental numa
sociedade como a nossa, que visa o
consumo em troca de popularidade,
poder e dinheiro.
Idéia Central Provisória - S 03: Essencial e imprescindível na
pesquisa, serve para informar e orientar os voluntários sobre possíveis
riscos.
Expressão-chave provisória - S 03: É essencial e imprescindível para
que a pesquisa possa se desenvolver. É um
padrão importante de respeito em relação
à pessoa que está participando, ou seja,
você dá a possibilidade para ela entender
71
o que está acontecendo e impede que
possa existir algo de proporção maior.
Acho essencial que isso esteja normatizado.
É preciso respeitar os direitos e garantir que
não haja nenhum engano com pessoas que
eventualmente participem de pesquisas.
Serve pelo menos para informar e orientar
sobre os possíveis riscos.
Idéia Central Provisória - S 04: Importante para impor os limites na
pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 04:. A ética faz parte de uma série de
marcos, de balizas que vão nortear o
processo de investigação, de tal maneira
que ela aconteça no sentido de garantir aos
voluntários o conhecimento dos limites da
sua participação e a importância da ética
enquanto um instrumento de proteção
desses direitos. A ética impõe também
limites políticos ao investigador porque
que muitas vezes ele, numa situação
limite, vê a ética na pesquisa como um
processo que é capaz de uniformizar, dar
parâmetros, diretrizes que não sejam
passíveis de serem entendidas de formas
diferentes em diferentes contextos.
Idéia Central Provisória - S 05: a ética ainda está em construção, não
é acessível para todos.
Expressão-chave provisória - S 05:Tudo o que eu não gostaria que
acontecesse comigo eu considero antiético
fazer com uma outra pessoa. É um jeito
72
simples pra você imaginar se a coisa é ética.
O que é ético no Brasil pode não ser ético
nos Estados Unidos, depende da cultura e
de uma série de coisas. Eu acredito que a
tendência é ter uma ética mundial (...), então
ainda não há um controle mundial, o que
ainda existe é o pensamento de que, ah eles
não tem nada mesmo então vamos dar um
pouco e comparar com outro, isso para mim
é um lixo. Nós ainda temos no mundo
uma divisão entre cidadãos e não
cidadãos, como na Grécia antiga;
cidadãos são os brancos, não cidadãos
são os pobres, acamados, negros do
Terceiro Mundo. Por enquanto eu ainda
acho que a ética está voltada para os
cidadãos e muita gente ainda está sem a
proteção ética.
Idéia Central Provisória - S 06: Fundamental a existência de normas
para pesquisas.
Expressão-chave provisória - S 06: É fundamental, sem ela não dá
pra fazer nada; eu acho que se você
remontar algum tempo atrás, sobre as
pesquisas que, por exemplo, os americanos
fizeram nos Estados Unidos com os negros,
em termos de sífilis, que é a nossa área aqui
de Infecto, é uma coisa absurda. Quer dizer,
tem que existir ética, tem que existir
normas pra pesquisa.
73
Idéia Central provisória - S 07: A ética é como um compromisso, está
implícita no cotidiano no profissional do pesquisador.
Expressão-chave provisória - S 07: Olha, eu acho que essa questão
da ética ela envolve uma coisa bilateral;
primeiro eu acho que é o compromisso
médico, que tem uma importância muito
grande, porque a formação médica ela é
uma formação voltada para salvar, ela tem,
digamos, esse tipo de comportamento, então
isso, vamos dizer, é... quer dizer, é um
compromisso ético de toda vida,
propriamente dito.(...). Nunca pensei tão
detalhadamente, porque eu acho que essa
questão da ética ela passou a ser implícita,
então quando ela é implícita é que nem
prescrever Novalgina pra febre, ninguém vai
te perguntar por quê que você vai dar
Novalgina, porque tem febre, mas a questão
da ética passou a ficar implícita, e não se
discutia muito isso.
Idéia Central Provisória - S 08: É importante, porque existem
interesses diferentes em pesquisa, discussão ética facilita.
Expressão-chave provisória - S 08: Ah, é fundamental (...) enquanto
pesquisador, porque muitas vezes a visão do
pesquisador é unilateral (...); não que a
gente não queira o bem do paciente ou não
esteja vendo o bem do paciente, mas que
muitas vezes a relação médico/paciente
passa por questões que não são conscientes
ao paciente, e que deveriam ser, e o médico
muitas vezes age de acordo com a sua
74
cabeça, de acordo com o que ele acha que é
o melhor, sem discutir isso (...). Então eu
acho que é essa a importância da ética em
pesquisa, porque a partir do momento em
que o interesse científico do profissional
é um, o paciente, o sujeito de pesquisa, é
outro.
4.3 O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais
entrevistados
Idéia Central Provisória - S 01: É um procedimento que visa garantir
o entendimento do voluntário na pesquisa, e de poder de decisão.
Expressão-chave provisória - S 01: (...). Eu prefiro sempre falar de
procedimento de consentimento a falar
em termo de consentimento, porque o
consentimento não é a assinatura de um
papel. Eu acho que o consentimento é um
procedimento no qual você está
passando informação suficiente para o
indivíduo decidir se gostaria ou não
gostaria de participar disso, sem que isso
signifique que a pesquisa, se ele recusar,
fosse moralmente boa ou, se ele recuse,
fosse moralmente ruim (...). Então não só é
uma forma de ajudar o indivíduo a tomar a
decisão, mas também uma garantia, se ele
for bem aplicado, do sucesso do protocolo,
na medida que a pessoa vai colaborar
mesmo com o sucesso dos objetivos.
75
Idéia Central Provisória - S 02: O TCLE funciona como um
instrumento de fiscalização, uma norma para os médicos pesquisadores.
Expressão-chave provisória - S 02: O Termo de Consentimento é
um instrumento que supervisiona, que
paira sobre a cabeça do médico (...).
Quem é que fiscaliza, que faz auditoria e que
avalia se o médico está se portando bem ou
mal dentro de uma pesquisa? Será que a
CONEP em Brasília consegue fiscalizar o
trabalho científico de um médico? Eu duvido.
Mas existe esse contrato que dá direito ao
profissional de ser supervisionado. O Termo
de Consentimento é o que garante que a
experiência será realizada dentro dos
padrões éticos de pesquisa, esses que
foram determinados na década de 90. (...).
Trata-se de uma relação de normas que
devem ser seguidas. Se alguma parte menor
for desacatada, qualquer dos envolvidos
sabe que está infringindo uma determinada
lei e, portanto, está sujeito a uma
penalidade. Isso é consenso entre o médico,
o assistente, a enfermeira, o paciente, as
instituições, os hospitais. O Termo de
Consentimento é isso, é uma normatização
de relacionamentos internos em uma
pesquisa clínica.
Idéia Central Provisória - S 03: Instrumento que serve para formalizar
um vínculo entre médico e paciente e informar sobre a pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 03: O primeiro objetivo é ser um
vínculo entre o pesquisador e o sujeito da
76
pesquisa. Acho que é uma forma de criar
um vínculo também entre a prestação de
contas e o atendimento, ação que muitas
vezes não existia antes. Esse é o momento
em que o paciente senta, e nós estamos
abertos para discutir. Mais objetivamente,
acho que o termo deve passar as
orientações referentes à pesquisa: quais
são os riscos, benefícios e
compensações que a pessoa pode estar
tendo ao participar do estudo. É um termo
informativo e considero que detalha ao
máximo possível os vários aspectos da
pesquisa.
Idéia Central Provisória - S 04: É apenas um documento que
formaliza uma negociação, não dá conta de tudo que pode acontecer dentro
de uma pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 04: O Termo de Consentimento em si
é um documento, nada mais do que isso.
Acredito que ele serve para documentar
uma negociação entre partes
(pesquisador/voluntário), um documento
que deixa claro do que se trata aquilo.
Temos aí um pacto realizado. Em princípio,
esse contrato deve proteger tanto o
pesquisador quanto o voluntário. Para mim,
o Termo de Consentimento apenas
formaliza, porque ele não dá conta do que
de verdade acontece no campo. Acredito
que o voluntário deve ter outro tipo de
suporte (uma ouvidoria, por exemplo) que dê
77
voz a ele, porque o documento em si é
meramente um documento burocrático.
Idéia Central Provisória - S 05: Ferramenta que possibilita o
entendimento da pesquisa e garante os direitos do voluntário.
Expressão-chave provisória - S 05: O Termo de Consentimento
tem que possibilitar que a pessoa que
deseje ou não participar entenda a
pesquisa, porque ela pode desde achar a
pesquisa inútil ou legal e querer participar,
entender muito bem tudo o que tem de
benefícios, ou se não tem benefício nenhum,
tudo que tem de malefício ou se não tem
malefício nenhum. Entenda muito
claramente que pode ou não participar; não
pode, como eu já vi por aí, a pessoa
participa da pesquisa, usa os serviços da
unidade, e depois que terminou a pesquisa
está de alta do serviço, isso é cobaia
mesmo, então que ela tem direito ao
tratamento, independente de entrar na
pesquisa e sair quando ela quiser. É uma
garantia para a pessoa que está participando
da pesquisa [O TCLE].
Idéia Central Provisória - S 06: Serve como instrumento que vai
balizar a ética para o pesquisador.
Expressão-chave provisória - S 06: Bom, você tem aí dois lados, o
lado que é mais importante, do paciente, que
é onde você vai explicar para ele,
primeiro, quê pesquisa é essa, o quê que
está utilizando, quais são os riscos,
78
benefícios, qual a finalidade da pesquisa,
pra que ele tenha noção exata de qual o
papel dele dentro dessa pesquisa e quais
são os riscos e benefícios dessa pesquisa, e
do lado do profissional, é ter tranqüilidade de
dizer: “Bom...”; essa pesquisa tem que
passar pelo crivo do profissional e dizer:
“Olha...”. Tem que fazer um Consentimento
Livre e Esclarecido que preenche tudo, mas
a ética não permite que você faça aquela
pesquisa, então antes de tudo tem que
passar pelo crivo do profissional, quer dizer:
“Essa pesquisa eu faço porque é ética, essa
pesquisa eu não faço porque eu não acho
ética”, Quer dizer, jamais eu vou fazer uma
pesquisa que eu sei que o paciente vai
entrar porque ele está numa situação que
ele não tem outra alternativa, mas que pra
minha cabeça não é ético, então o primeiro
crivo de ética tem que passar pela
consciência do pesquisador, antes de tudo,
dizer: Não, essa pesquisa é ética, já tem
estudos em fase I, tem ética, não, eu posso
aplicar”, aí então o Consentimento serve pra
eu dizer pro paciente: “Olha, esse estudo
usa isso, pra pacientes assim, assim, assim,
no qual você está incluído; os benefícios,
pelos dados que eu tenho, são esses, esses,
esses e os riscos são esses, esses, esses,
você quer participar?”
79
Idéia Central Provisória -S 07: Instrumento que serve para firmar um
acordo entre médico e paciente.
Expressão-chave provisória - S 07: O Termo de Consentimento, pra
gente, é um momento de você pactuar as
coisas, pra mim o Termo de
Consentimento é um contrato, eu assino
um contrato em que ambas as partes
conhecem os riscos, conhecem os
benefícios, os direitos propriamente dito,
e que eu acho que também é um momento
de você discutir de maneira mais clara aquilo
que você está fazendo, porque isso é uma
coisa que é compreensível, porque o médico
ele acaba tendo um certo poder, porque
primeiro, eu sou médico, eu posso até estar
errando, mas eu tenho certeza absoluta que
eu estou tentando fazer o melhor, posso até
estar errando, chegar o outro, falar: “Olha,
você fez tudo errado”, etc. e tudo mais, mas
o Termo de Consentimento eu acho que é o
momento pra você tentar tirar um pouco
isso. (...) Termo de Consentimento ele é
passível de erro e que ele deve ser
modificado a qualquer momento. Agora, eu
não entendo o Termo de Consentimento
como sendo uma forma de amarrar, não
estou algemando a pessoa, quer dizer, o
livre arbítrio dela continua, tanto quanto o
meu, de decidir até eventualmente parar
tudo, interromper tudo porque eu não estou
sentindo confortável.
80
Idéia Central Provisória - S 08: É uma ferramenta necessária, que
complementa, mas não substitui a relação médico/paciente.
Expressão-chave provisória - S 08: Sei lá se eu poderia classificar
como um mal necessário; eu imagino que
ele foi criado dentro de uma concepção
que não é a nossa, e ele foi
desvirtualizado com o tempo, você vê hoje
estudos multicêntricos internacionais, o
Termo de Consentimento é um documento
cartorial, ele é um documento que procura
isentar as partes de possíveis acusações ou,
num português mais claro, que deveria ser
num inglês mais claro, fugido do processo,
do processo do ato médico, no caso. Então
eu acho que ele é um documento necessário
sim (...), só que em maneira e hipótese
alguma ele substitui a relação
médico/paciente, ele substitui aquele
contrato não firmado e não assinado de
confiança mútua que existe, aquele contrato
subliminar que é criado quando se
estabelece uma relação médico/paciente.
4.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a dimensão do
TCLE, segundo os pesquisadores
Idéia Central Provisória - S 01: Depende do pesquisador aplicar
corretamente o Termo.
Expressão-chave provisória - S 01: Acho que se você faz certo, isso
é verdade. O problema é achar a maneira
de fazer esse procedimento de
consentimento de forma apropriada.(...).
81
Se você não está conseguindo, você está
fazendo errado. Essa é a conclusão. Quais
são os esforços? Eu já vi múltiplas formas de
fazer. Você às vezes tem de fazer não em
uma sessão só, tem de fazer em duas
sessões, utilizar imagens, utilizar
audiovisuais, você tem de fazer o que for
necessário para que o voluntário
compreenda. Ou seja, para mim ainda é
inaceitável que um voluntário simplesmente
assine sem entender de que se está falando.
Não tem que entender o detalhe mínimo, o
laboratório, às vezes nem o próprio colega
entende, mas tem de entender o intuito do
que você está fazendo.
Idéia Centra Provisória - S 02: Não entende, confia no médico e na
instituição.
Expressão-chave provisória - S 02: Na minha opinião, não entende
nem 10%, porque a terminologia é
complexa. O paciente tem problema de
saúde e está psicologicamente
fragilizado. Para ele chegar e ler uma
sentença que seja diferente de sim ou não e,
portanto requer interpretação, é difícil.
Tenho certeza de que a maioria dos
pacientes tem grandes dificuldades de
compreender o que ali está escrito. Que
direitos ele tem? Quais são seus deveres e
quais os riscos? Para o voluntário, o Termo
acaba tendo o mesmo valor do que a
Constituição ou a Bíblia. É cheio de regras e
82
de normas desconhecidas. Algum jurista por
acaso sabe quais são todos os direitos do
cidadão? Creio que não, muito menos o
povão. Mas por causa desse Termo, o
paciente não se sente tão sozinho. Para ele,
existe alguma instituição que supervisiona a
prática para que tudo dê o mais certo
possível.
Idéia Central Provisória - S 03: Não entendem, mas confiam no
médico.
Expressão-chave provisória - S 03: Eu acho que não. Isso entra
numa rotina da pesquisa clínica: apesar de
você ter cada vez mais voluntários
participando de estudos, isso ainda não é
rotina na nossa sociedade. As ações são
baseadas muito mais na confiança, de
uma forma não tão técnica e normatizada.
De uma forma geral, o esforço todo é para
que as pessoas entendam. Por exemplo,
falar de drogas e o mecanismo de ação
diverso e não só discursar tecnicamente
sobre o vírus que está dentro de uma célula.
É muito difícil esclarecer os termos
científicos. Apesar disso eu acho que as
pessoas entendem. Elas não sabem muito
bem a necessidade, elas acham estranho
porque não estão acostumadas com isso.
Idéia Central Provisória - S 04: Depende da equipe, quanto mais
complexa a pesquisa mais difícil vai ser seu entendimento.
83
Expressão-chave provisória - S 4: Depende da complexidade da
pesquisa, depende dos riscos que ela está
envolvida, da capacidade e do interesse da
equipe, depende do nível de entendimento e
autonomia que o voluntário tem em relação
ao estudo dele em si, à instituição da qual o
pesquisador faz parte, as garantias que você
dá para que ele possa desistir ou não. Eu
tenderia a dizer que quão mais complexa
é a pesquisa, mais você terá que estar
investindo, se assegurando e criando
formas alternativas (e externas ao
pesquisador) de avaliação do
entendimento e do consentimento
comum. Eu vejo assim, não existe um
Termo de Consentimento, existe um
processo de consentimento informal.
Existem várias formas, você pode ser
criativo para ter mais segurança em relação
ao que está acontecendo. Na África do Sul
você tem a explicação do que é a pesquisa e
o voluntário explica o processo tal como ele
foi entendido a uma terceira pessoa, que
defende os interesses da comunidade. É
como se fosse uma ouvidoria. Quanto mais
complexo, mais difícil é para o voluntário
ter a real dimensão de onde ele está se
envolvendo.
Idéia Central Provisória - S 05: Não entendem, o paciente confia no
médico.
84
Expressão-chave provisória - S 05: Geralmente, quando o paciente é
meu, ele confia sem questionar, (...). Acho
que depende muito do pesquisador colocar,
porque o Termo de Consentimento tem que
ser no mínimo acessível às pessoas que vão
ler, às vezes a gente na pressa faz um termo
e depois vê olha que coisa mais
incompreensível eu coloquei aqui, aí cabe na
hora, de explicar para o paciente. O mais
importante do Termo não é o papel, é a
assinatura, o mais importante é ela entender
o que ela tá lendo ali. Eu acho que a
maioria em todas essas pesquisas não
entende.
Idéia Central provisória - S 06: Depende do pesquisador explicar.
Expressão-chave provisória - S 06: Se você der o papel pra ele,
não (...), especialmente num país que nem o
nosso, que você tem uma variação de
compreensão muito grande, você tem que...
ele lê, você discute com ele cada ponto, não
é dar papel pra ele (...), não é só dar o papel
pra ele e falar: “Olha, assina aí”, não é isso,
isso não é um consentimento, consentimento
ele tem que ter ampla compreensão de tudo
que está escrito ali e saber que ele pode (...)
assim como ele é livre pra entrar ele é livre
pra sair.
Idéia Centra Provisória - S 07: De forma geral sim, mas não tem a
dimensão da questão ética.
85
Expressão-chave provisória - S 07: Olha, eu acho que, de uma
maneira geral, o Termo ele é razoavelmente
compreendido (...). Eu acho que uma
dificuldade muito grande é que nós
estamos utilizando Termos de
Consentimentos extremamente
burocráticos, cujo objetivo parece mais nos
protegermos (...), agora, eu acho que, de
uma maneira geral, o Termo de
Consentimento ele pode até ser
compreendido pelo voluntário, mas o
voluntário não sente o Termo de
Consentimento, na maioria das vezes, como
um pacto, como um contrato, entendeu?
Idéia Central Provisória - S 08: Não tem, na maioria das vezes
prevalece o vínculo de confiança.
Expressão-chave provisória - S 08: Pois é. Se ele não tem
capacidade de entender o quê está escrito,
tem que ter alguém que explique o quê está
escrito pra ele, então esse problema é
superável, esse problema é plenamente
superável; a dimensão do quê está ele não
tem, eu não acredito que o paciente tenha a
dimensão de entender o quê é aquele
documento, mas na grande maioria das
vezes ele não está interessado nem em
entender e nem saber qual é a dimensão,
porque na minha experiência, do que eu
mais escuto quando eu vou aplicar um
Termo de Consentimento pra um paciente
meu, é ele falar: “Doutor, é isso que o senhor
86
quer, é isso que o senhor acha que tem que
ser feito? Onde é que é pra assinar?
4.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura?
Idéia Central Provisória - S 01: Discute, depende da pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 01: Isso varia muito de protocolo
para protocolo. A discussão mais
freqüente que acontece durante a
execução dos estudos, há possibilidade
de ele se retirar do estudo. Essa é a
discussão, sem dúvida, a mais freqüente que
acontece. Outra discussão que acontece
com alguma freqüência está relacionada
com as amostras de sangue ou outras
amostras que sejam colhidas do voluntário,
no sentido que têm voluntários que às vezes
recusam em seguir dando sangue para a
pesquisa. Isso tem a ver. Outros tipos de
discussões que acontecem com freqüência
são sobre reembolso de compensação dos
gastos que ele tenha – esse tipo de pergunta
acontece com freqüência; eventos adversos
é outra pergunta que acontece (eles
perguntam novamente sobre efeitos
adversos) e, ocasionalmente, têm
voluntários que pedem para o termo, durante
o processo de estudo, seja explicado a outra
pessoa (por exemplo, um familiar, ou entram
em um relacionamento novo e querem trazer
a outra pessoa para que explique). Esses
são, digamos, as coisas mais
87
freqüentemente que acontecem nos estudos
de pesquisa.
Idéia Central Provisória - S 02: Discuti, principalmente quando há
mudanças.
Expressão-chave provisória - S. 02: Sim. Eu já acompanhei vários
tipos de pacientes mais ou menos em
condição de discutir o Termo. Alguns já se
apegaram a certos itens exigindo uma
explicação mais detalhada. O Termo
também é uma coisa que vai mudando ao
longo dos anos da pesquisa. Quando se
descobre um efeito colateral, as informações
são acrescentadas para que todo mundo
tenha ciência disso. O paciente sempre
acaba debatendo as suas dúvidas a respeito
da pesquisa com o médico. A relação de
confiança entre paciente e pesquisador irá
depender da explicação que esse
profissional dará ao voluntário.
Idéia Central Provisória - S 03: Eventualmente, mais quando surge
alguma dúvida durante a pesquisa e por pessoas mais engajadas em
movimentos sociais.
Expressão-chave provisória - S 03: Isso eventualmente acontece,
mas é muito raro. Normalmente as
pessoas acham que está havendo algum
engano e que alguma coisa está sendo
feita de forma errada. Isso tudo depende
muito de como você [médico] leva o estudo
desde o começo, de como são as conversas
com os voluntários. Mas às vezes acontece
88
sim, principalmente com pessoas mais
engajadas, com um conhecimento mais
organizado. Mas quando elas reclamam,
estão exercendo seu direito de cidadão.
Idéia Central Provisória - S 04: Discute quando surge algum
problema que o afeta diretamente.
Expressão-chave provisória - S 04: Acho que de distintas formas
ele traz a questão da ética quando, por
alguma razão impensada, a equipe de
pesquisa comete algum deslize (...). Cabe
à equipe de pesquisa definir os limites
considerados éticos.
Idéia Central Provisória - S 05: Quando surge algum problema ou
queixa.
Expressão-chave provisória - S 05: Não é comum. Eu já tive duas
situações. Em uma situação, é de abrir uma
discussão legal (jurídica) na instituição, no
caso o hospital, com a família da pessoa que
participou da pesquisa (...). Essa pessoa
voltou pedindo que desse os dados da
pesquisa porque apresentou um quadro de
infecção e o voluntário queria entender como
é que acontecia esse tipo de infecção. Em
outro caso eu tenho dúvidas se foi, se era
verdadeiro, pois o paciente tinha surtos
psiquiátricos, e o mesmo disse que o
pesquisador tinha aplicado o TCLE após
início da pesquisa. No caso, foram duas
queixas.
89
Idéia Central Provisória - S 06: Não traz porque talvez ela não tenha
entendido que poderia trazer.
Expressão-chave provisória - S 06: Não, ele normalmente não traz,
que talvez a gente esteja... não tenha tido
uma conversa e dizer: “Olha, você tem que
ler isso (...)”, não sei, não sei, mas é muito
raro que ele volte pra discutir de novo o
Termo de Consentimento. Eu não me
lembro. Não, ele normalmente não traz.
Idéia Central Provisória - S 07: Somente quando surge a discussão
de cunho legal.
Expressão-chave provisória - S 07: Esquece, eu acho que é
relativamente comum, até por essa política
de banalizar um pouco o Termo de
Consentimento, mas eu acho que... pro
voluntário eu acho que a maioria; agora,
muitas vezes o Termo de Consentimento ele
volta dentro da perspectiva do processo.
Idéia Central Provisória - S 08: Nunca teve a experiência.
Expressão Chave provisória - S 08: Nunca (...). Já teve, por exemplo,
do paciente vir discutir com a gente e querer
sair do estudo, e sair do estudo ele lembrava
que era uma possibilidade que ele (...) que
tinha essa possibilidade, mas não se
discutia o Termo de Consentimento,
nunca tive experiência do Termo de
Consentimento voltar, nem fisicamente e
nem na lembrança.
4.6. Percepção dos pesquisadores quanto a seus direitos e obrigações
90
Idéia Central Provisória - S 01: O pesquisador tem diversas
obrigações frente ao voluntário, direito quase nenhum.
Expressão-chave provisória - S 01: Em relação à ética, eu ainda
acredito que o responsável primário pela
ética num protocolo é o pesquisador, sem
dúvida. E esse papel começa desde a
formulação do protocolo, no sentido de não
estar pedindo coisas irracionais ou não estar
propondo coisas que não levem a nenhuma
conclusão. Isso também é ética. Seguinte
parte que, quando já são convidados seus
voluntários, ele tem de garantir realmente
que a participação seja livre. Durante a
execução do protocolo, ele tem de garantir
que a informação que aconteça e que possa
acontecer que afete o protocolo seja
entregue aos voluntários e que estes
possam reavaliar seu consentimento, se for
necessário. (...). Algumas pesquisas são
realizadas, mas os dados nunca são
publicados. E quando falo publicados, não
estou falando só da publicação científica.
Mas, em alguns casos, a obrigação
deveria se estender à publicação na
comunidade, no sentido que seja
apropriado (...). Esses pontos acho que tem
a ver com a ética; de publicação, de fazer o
acompanhamento posterior do voluntário
quando se encerra o estudo.
Idéia Central Provisória - S 02: Obrigação frente ao paciente.
91
Expressão-chave provisória - S 02: O pesquisador tem a obrigação
de ser médico diante do seu paciente.
Uma coisa é o voluntário que todo o dia
recebe uma dose de whisky para avaliar o
que acontece com o seu fígado em dez
anos. Os americanos fazem isso. Outra
coisa é você fazer um estudo com pessoas
que têm uma doença ou são potencialmente
doentes. Nesse caso, o paciente espera do
pesquisador uma atitude de médico: que
exista na consulta um espaço para
conversar. Um paciente não procura um
estudo para ser voluntário. Ele não vai até lá
para doar órgãos ou seu corpo para a
ciência. Ele aparece como enfermo
procurando uma alternativa para a sua
doença.
Idéia Central Provisória - S 03: Obrigações são muitas para com o
voluntário, direitos na condução da pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 03: Obrigações são várias: ser
responsável pelo que acontece na
pesquisa, garantir que o estudo
transcorra da forma planejada, respeitar o
sigilo profissional, manter o cuidado com
os papéis e informações e prestar
assistência no caso da ocorrência de um
evento mais sério na pesquisa. Quanto
aos direitos, o pesquisador pode adequar
os critérios de inclusão àquilo que o
profissional acha mais real, ou seja, o
92
médico tem como direcionar o estudo da
pesquisa para o que acha melhor.
Idéia Central Provisória - S 04: Obrigações para com o voluntário e
direitos na condução de busca de informações.
Expressão-chave provisória - S 4: (...) me sinto com o dever de, de
alguma forma, essa pesquisa evitar mal
estar, e devo dar suporte à pessoa
voluntária, não necessariamente enquanto
pesquisadora. Se eu não posso dar esse
suporte, que a pessoa tenha em outro lugar.
Que ela tenha claro qual é o momento que
deve falar, (e é sempre um momento de
reflexão para o participante). Que o sujeito
da pesquisa reflita sobre o fato de não ter
tido tempo para pensar sobre essas
questões e que o processo de pesquisa em
si estimule as lembranças que as pessoas
gostariam de manter. Em discussões, por
exemplo, sobre gravidez e AIDS, o sujeito
resolve que por conta dessa discussão eu
não quero mais ter relações sexuais com o
parceiro. Embora eu possa admitir que
exista essa discussão, eu não me considero
com o direito de perguntar isso para o
voluntário. Eu prefiro perder essa
informação. Agora, direitos... eu acho que
eu tenho direitos quando está acordado
na medida em que aquela relação vai
acontecer , eu tenho direitos por exemplo
de buscar informações que eu necessito
da forma que eu acho mais correta,
93
consistente, até o limite que eu tenho que
perceber que é o limite do entrevistado.
Só me ocorre agora isso, eu consigo dizer o
que eu não tenho direito.
Idéia Central Provisória - S 05: Obrigações frente aos voluntários de
informações pré e pós-pesquisa, direito de ter as condições necessárias
para realização da pesquisa dentro da instituição.
Expressão-chave provisória - S 05: Direitos? Engraçado. Na
verdade, dentro de uma universidade, em
termos de direito, ele tem que ter o direito
de condições mínimas para fazer uma
pesquisa ou então o direito de saber que
não tem condições; na verdade, todo
mundo quer que você faça pesquisa, mas na
hora de te dar as condições, ninguém quer.
(...). Em relação a deveres o contrário
também é verdade, se você se propõe a
fazer um trabalho dentro de uma
pesquisa e se compromete com o
paciente e não devolve nada, não publica,
não faz com que aquele conhecimento
chegue até as pessoas que realmente
necessitam. Isso é uma obrigação de
quem faz pesquisa. E que esse estudo seja
bem feito, bem estruturado (...). Têm que
realmente garantir que não tenha nenhum
dano decorrente da pesquisa, e se houver
danos isso tem que estar muito claro e se
responsabilizar por esse dano.
94
Idéia Central Provisória - S 06: O único direito é de exigir que o
voluntário tome a medicação corretamente e o dever de acompanhá-lo na
pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 06: Direitos? Direitos não tem quase
nenhum. Direitos não, ele tem mais
obrigação do que direito, na minha
concepção, ele tem... porque... qual direito?
(...) muito direito. Ele tem o direito de dizer
para cara, que acho que o único direito que
a gente tem, lembrando das pesquisas,
quando você tem um paciente,
principalmente paciente que está falido, se
tem droga nova e você viu os trabalhos
mostrando que está funcionando, direito de
brigar com ele quando ele não está tomando
direito o remédio, certo? E os deveres,
primeiro o dever de explicar pra ele, dever
de entender o protocolo, primeiro de
tudo; segundo, o dever de seguir esse
paciente corretamente, de acompanhar
como é que está evoluindo, o dever de, caso
você tenha efeitos que não estavam escritos
antes, comunicar rapidamente, quer dizer, e
o dever de dar suporte a esse paciente.
Idéia Central Provisória - S 07: Obrigações na condução da pesquisa
e direitos são poucos, no resultado e na decisão de continuidade do paciente
na pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 07: Quais são os direitos e as
obrigações? Quer dizer, da parte da
obrigação, eu acho que é aquilo que está
escrito em toda legislação, quer dizer,
95
primeiro lugar, quer dizer, a informação pro
paciente (...). Uma outra obrigação da parte
do investigador é informar o quê está
acontecendo com essa pesquisa que ele
está participando, eu acho que isso foi um
ganho grande que nós tivemos e uma
obrigação que a gente passou a cumprir (...).
Uma outra obrigação que eu acho que a
gente tem é informar o quê é ruim, não só o
quê é bom, então informar que aconteceu
um óbito, dando a oportunidade pro
voluntário de até sair do estudo, eu acho que
isso foi um ganho qualitativo que nós
trouxemos, porque de uma maneira geral eu
não quero dar má notícia, eu quero dar boa
notícia (...). Direitos do pesquisador? Porque
o pesquisador, quê que ele tem de direito
dentro dessa coisa? Ele tem direito a um
resultado final daquilo que ele está
fazendo, ele tem o direito sobre (...), quer
dizer, ele tem o direito não, ele tem a
possibilidade de decidir a continuação ou
não do voluntário, ou ele tem a possibilidade
de discutir esse tipo de coisa; fora isso, o
investigador não tem direito nenhum.
Idéia Central Provisória - S 08: As obrigações são rotineiras, direitos
só o de cobrar a presença do paciente.
Expressão-chave provisória - S 08: Acho que não tem direito, eu
acho que o pesquisador tem as mesmas
obrigações de sempre, talvez até alguma
obrigação a mais, que é: mais do que nunca
96
ele tem que manter o sujeito atualizado de
tudo quê está acontecendo, de todas as
informações que possam influencia-lo na
decisão de permanecer ou não no estudo,
além de todas as obrigações inerentes à
relação médico/paciente (...). Agora, direito?
Eu acho que a única coisa que ele tem o
direito, não é um direito adicional, é o direito
de cobrar a presença, falar (...). Então não
acho que o âmbito da pesquisa dê direitos
pro pesquisador.
4.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de voluntários
em pesquisas
Idéia Central Provisória - S 01: A discussão ética faz toda a diferença
e facilita a participação do voluntário na pesquisa.
Expressão-chave provisória -S 01: Com certeza. Porque é isso que
faz com que o indivíduo esteja ciente que
ele não é uma cobaia, que está
participando ativamente de uma
pesquisa; isso faz toda a diferença
porque, quando o indivíduo assume, foi
sua decisão participar da pesquisa, está
implicitamente assumindo sua
responsabilidade dentro da pesquisa.
Para os pesquisadores isso é o melhor que
pode acontecer, porque isso significa que ele
vai fazer o protocolo, ele vai colaborar com o
pesquisador em todos os pontos que lhe são
pedidos durante o protocolo. Então, com
certeza, isso é o melhor que pode acontecer.
97
Isso de fato é um objetivo do Termo de
Consentimento.
Idéia Central Provisória - S 02: Pode facilitar ou não, depende do
entendimento do voluntário.
Expressão-chave provisória - S 02: Até certo ponto sim, porque o
voluntário pode se sentir mais protegido,
respeitado e supervisionado. É comum
para o voluntário o sentimento de estar
sendo usado e, por isso, o Termo de
Consentimento se torna o seu documento
oficial, a sua defesa. Por outro lado, talvez
dificulte a vida do paciente porque não é um
contrato “branco”, ou seja, de fácil
compreensão. Têm pessoas que ficam
atemorizadas e vão embora, se
recusando a participar do estudo.
Idéia Central Provisória - S 03: Facilita em todos os sentidos.
Expressão-chave provisória - S 03: A ética é o primeiro ponto do
Termo de Consentimento. É a criação
desse vínculo que o médico estabelece
com a pessoa durante o atendimento
médico. Nessa primeira hora é que você
pauta e coloca como vai ser o
relacionamento com o paciente. Portanto, eu
acho que a ética facilita sim a pesquisa, em
todos os sentidos.
Idéia Central Provisória - S 04: Pode facilitar ou não, depende da
discussão entre pesquisador e voluntário.
98
Expressão-chave provisória - S 4: Se esse processo de discussão é
de fato debatido com o voluntário, pode até
prejudicar, se você pensar em metas de
recrutamento ele pode até prejudicar
essas metas. Mas por outro lado, essas
discussões garantem pelo menos que
você tenha uma pessoa que está sabendo
o que está acontecendo no estudo.
Sabendo que pode haver um desconforto
físico e mental e que, por mais cuidado que
se tome, essa informação pode vazar e pode
trazer algum tipo de problema para o
voluntário. Eu acho que você pode
estabelecer um laço de confiança nesse
processo. Se você entende como processo a
ética na pesquisa, se existe esse
consentimento formado como um
instrumento de formação de um laço de
confiança, eu acho que ele te ajuda.
Idéia Central Provisória - S 05: A discussão facilita, principalmente
com voluntários na área de HIV/Aids.
Expressão-chave provisória - S O5: Sim, porque o voluntário, quando
não entende a importância do estudo, (...).
Acho que em HIV/Aids as coisas já
ficaram muito mais evoluídas, porque
muitos pacientes já participaram de
muitas pesquisas, então às vezes falar
em Termo de Consentimento já é algo
mais fácil, então esse conhecimento
facilita sim.
99
Idéia Central Provisória - S 06: Sim, todas as discussões que tornam
a pesquisas mais claras são importantes.
Expressão-chave provisória - S 06: Olha, eu acho que toda
discussão que esclareça o voluntário vai
ajudar a pesquisa (...), então eu acho que
todas as leis que vieram, todos os
procedimentos que vieram pra
normatizar, pra tornar a pesquisa mais
clara pro voluntário, pro pesquisador, são
bem-vindas, mas burocracia eu acho
complicado, são coisas diferentes.
Idéia Central Provisória - S 07: Sim, ajuda, também a desfazer o
estigma de cobaia.
Expressão-chave provisória - S 07: Com certeza, porque é muito
mais simples, porque à medida que ele
tem uma discussão dessa parte ética,
qual que é o papel dele, qual é o papel do
investigador, qual é o papel das
Comissões de Ética em Pesquisa e tudo
mais, eu acho que isso tira um pouco aquele
caráter também do... “Eu vou ser cobaia”,
não é isso, não é essa palavra que é
utilizada? (...). Então eu acho que à medida
que você tem a discussão ética e vai por aí à
fora, eu acho que você melhora muito e tira
um pouco esse estigma que tem, da
pesquisa, e esse estigma não é só do
voluntário, você tem muito médico que
acaba tendo posicionamento desta forma, de
que você vai virar um cobaia dentro da
coisa.
100
Idéia Central Provisória - S 08: Não facilita muito.
Expressão-chave provisória - S 08: Sabe que eu acho que não?
Acho que não altera, eu acho que não altera,
e eu tenho uma amostra muito viciada,
porque eu não tenho estudos que o paciente
me é novo no momento que ele entra pra
pesquisa, todas as pesquisas que eu faço
são com os pacientes que seguem a gente
(...). Eu acho que muito mais do que
confiar num documento, numa resolução,
num Comitê de Ética que tem por trás
numa instituição, ele está confiando nos
profissionais que já o seguem (...), mas na
prática eu acho que essa facilitação não
ocorre não.
4.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e dos voluntários
Idéia Central Provisória - S 01: Enquanto instrumento legal, não.
Expressão-chave provisória - S 01: Enquanto relação, eu acho que
a proteção, muitos pesquisadores
acreditam que é uma proteção bastante
relativa. No sentido seguinte: você tem de
fazer o termo de consentimento. E isso é
uma obrigação legal. Mas, se você faz uma
coisa diferente do que está escrito no
protocolo que você foi autorizado, você pode
igualmente ser processado por má prática.
Têm alguns pesquisadores que acham que
ter um consentimento assinado numa
patente é para fazer o que eles quiserem. E
101
isso realmente não é assim (...). Acho que
isso não é um papel que dá licença, ou
protege, ou obriga ninguém para nenhuma
das coisas (...). E a obrigação do paciente,
ou do voluntário no caso, é uma obrigação
da qual ele não tem nenhum empecilho legal
nem moral para decidir não cumprir. É
simplesmente para documentar um
procedimento. É uma ferramenta que você
utiliza, como pode utilizar muitas outras, para
poder executar esse procedimento, na
medida em que nesse termo existe
informação para poder passar informações
sobre o protocolo, mas não vejo mais
implicações além disso.
Idéia Central Provisória - S 02: Pode proteger muito mais o
pesquisador.
Expressão-chave provisória - S 02: Do ponto de vista jurídico,
acho que sim. Em uma situação de
acusação perante júri, todo o estudo
clínico pode ser considerado como uma
experiência cujo resultado tenha sido
visível. Por isso que existe a
obrigatoriedade jurídica do Termo de
Consentimento. Por isso que nenhum
laboratório faz testes ou ensaios sem o
documento, que é usado a título de
proteção, como uma defesa. O paciente
morreu, mas ele assinou antes. Ficou mal,
teve um problema, acabou tendo efeitos
colaterais, mas se trata de uma experiência
102
que segue uma norma. Isso foi muito falado
dez anos atrás, quando houve a aplicação
do primeiro coquetel nos Estados Unidos,
por volta de 1994. Todo mundo criticou
porque o coquetel começou a ser aplicado
antes de seis meses em pacientes com
infecção primária de HIV. Dois ou três anos
depois, eu participei de um congresso em
que o caso foi debatido. Além de queimar as
alternativas de tratamento do grupo, houve a
produção de vírus mutantes. Mas o
responsável pela pesquisa se defendeu,
garantindo que cada voluntário havia
assinado o Termo de Consentimento. Para o
paciente, às vezes o documento acaba
sendo um cheque em branco.
Idéia Central Provisória - S 03: Não garante, mas serve como
orientação aos direitos.
Expressão-chave provisória - S 03: Garantir, não garante. O que o
termo faz é orientar sobre os direitos e
tentar o máximo possível fazer com que
eles não sejam atingidos. Teoricamente o
paciente tem o direito de parar a pesquisa,
isso é uma das coisas que o termo garante.
Mas o dever do médico é explicar,
esclarecer e ter uma base, um contrato que
garanta que o estudo não seja quebrado. É
tudo no nível da discussão, mas garantir,
não garante.
103
Idéia Central Provisória - S 04: Sim e não, depende do grau de
autonomia do voluntário.
Expressão-chave provisória - S 04: Sim e não. Acho que sim se
você tiver mecanismos que possam
monitorar a adesão da pessoa ao pacto
que foi estabelecido. Se houver
mecanismo de correção, reajuste de metas e
se houver mecanismos que garantam ao
voluntário eventuais prejuízos ocasionados
por questões previstas ou não previstas, vão
ser dadas, ou seja, se você tem suporte pra
isso; se não, acho que ele passa a ser um
mero... Enfim, eu quero dizer isso, se você
tem realmente suporte para dar ao
voluntário, em qualquer instância prevista ou
não prevista, que haja mecanismo que
possibilite isso. Senão, pode virar um termo
que é assinado e engavetado, a pessoa leva
pra casa. A gente tem uma população
brasileira que, em função de onde está
inserida, tem diferentes graus de autonomia
e de acesso a possibilidades de fazer com
que alguma coisa que tenha acontecido com
você tenha eco, eco político, eco na
instituição. Acho mesmo que ele [TCLE] é
um instrumento que formaliza um pacto.
Idéia Central Provisória - S 05: Para o voluntário garante muito mais.
Expressão-chave provisória - S 05: O direito que o pesquisador tem,
fica estranho, porque o voluntário, no Termo
de Consentimento, fica claro que ele pode
sair da pesquisa, então não pode garantir
104
que ele fique na pesquisa. Se ele quiser sair
você vai ficar com um a menos, mesmo...
Então isso não é um direito do pesquisador
(...). Garante o direito do voluntário na
medida que formaliza e entende os
direitos. Na hora que o pesquisador fizer
o Termo, ele também entende (...). Muitas
vezes o Termo vai e volta do Comitê de
Ética, e não são coisas bobas, são
apontamentos em que vai ao encontro do
interesse do paciente, como frases em que o
paciente não vai entender, esquecimento de
detalhes importante (...). O paciente muitas
vezes não quer saber, mas quer saber
quantos ml vai tirar de sangue.
Idéia Central Provisória - S 06: Depende da elaboração do Termo de
Consentimento.
Expressão-chave provisória - S 06: Depende do consentimento; se
ele é como deve ser feito, sim, se ele segue
as normas (...), se ele segue as normas
que devem ser feitas, quando se coloca
tudo claro, todos os deveres, obrigações,
tudo que diz como deve ser feito, eu acho
que sim. O problema é que nem todo
Consentimento Livre e Esclarecido é feito
de acordo como deve ser feito.
Idéia Central Provisória - S 07: Para o voluntário não garante, a
burocratização garante muito mais os direitos do pesquisador.
Expressão-chave provisória - S 07: Eu acho que nessa tentativa de
garantir cada vez mais de que nessa relação
105
do pesquisador com o voluntário você... me
processe menos, o Termo de
Consentimento foi se burocratizando e se
alongando de uma maneira absurda (...).
Então eu acho que, de uma maneira geral,
ele não garante não, eu acho que ele não
é uma garantia nem pro pesquisador nem
pro... mas eu não conheço nenhuma outra
fórmula melhor (...); eu acho que nós temos
que transformar o Termo de Consentimento
num pacto mais simples, e eu acho que
muito desse negócio do Termo também veio
um pouco dessa indústria do processo, e
muito a idéia americana (...). Agora, nessas
mesmas condições, você está garantindo
algumas coisas, mais, eu acho, do
pesquisador do que do voluntário
propriamente dito (...), então eu acho que o
Termo de Consentimento ele não garante
nada, vira um contrato burocrático, não um
contrato de bilateralidade que seria o ideal
do Termo de Consentimento.
Idéia Central Provisória - S 08: Não garante direitos a nenhum dos
dois, a reflexão ética é muito mais ampla que direitos legais.
Expressão-chave provisória - S 08: Não, porque eu acho que na
essência, nem a 196 é lei, e eu acho
interessante que não seja lei, porque lei e
ética são duas coisas complicadas, são duas
coisas que não são... a ética não é estática,
a ética é muito do momento que está se
vivendo, então... e as leis são negócios
106
muito rígidos e demorados, então (...) eu
acho que ele não garante direito a
nenhum dos dois, porque esses direitos eu
acho que acabam sendo regidos por normas
até superiores, em termos legislativos, do
que a Resolução 196 ou suas
complementares.
4.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres
humanos
Idéia Central Provisória - S 01: É um profissional normal, como
qualquer outro.
Expressão-chave provisória - S 01: Essa é uma pergunta que,
digamos, tem a ver muito com a percepção
pessoal que cada um tem sobre si mesmo.
Eu acho, pessoalmente, que ser
pesquisador é um trabalho tão digno
como qualquer outro e merece respeito
como qualquer outro. Como merece uma
secretária, como merece um porteiro, como
merece uma pessoa que atende o caixa na
loja (...). Eu parto da obrigação normal que
tem um pesquisador. Mas eu não acho que
ser pesquisador seja uma coisa melhor ou
pior do que qualquer outra coisa. É minha
profissão, só. Um trabalho como qualquer
um, que você tem que exercer com
honestidade.
107
Idéia Central Provisória - S 03: Um profissional buscando novos
aprendizados.
Expressão-chave provisória S 03: Isso faz parte da profissão. Você
[médico] precisa de novas informações, de
uma estruturação melhor do que é feito. Da
forma que a medicina é entendida hoje em
dia, não tem como não existir pesquisa.
Acho que isso tem que ser feito com a maior
ética possível. E, é claro, fica muito melhor
atuar de forma estruturada. Em geral, a
pesquisa é muito importante para o
conhecimento e pessoalmente é muito
bom, porque isso faz parte mesmo da
medicina, do sentimento de tentar
melhorar o que você faz. Em algum
momento você vai ter que passar por essa
avaliação das pessoas.
Idéia Central Provisória - S 04: Uma profissional buscando novos
aprendizados e comprometida com os desdobramentos da pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 04: Eu me sinto mais
comprometida com os desdobramentos
da pesquisa. No sentido de, primeiro, de
não deixar as pessoas, após o termino da
pesquisa, sem acesso, que durante
processo de um, dois ou mais anos, tiveram.
Por outro lado, tendo clareza se
adequadamente foi comprometido com o
voluntário, como um processo de
aprendizado tanto para nós pesquisadores
como para os voluntários.
108
Idéia Central Provisória - S 05: Se fizer as coisas corretas, é um
profissional comum.
Expressão-chave provisória - S 05: Eu acho engraçado o tom
formal, porque eu não acho isso
dramático. Eu acho que se você fizer as
coisas da melhor maneira; agora, se é mal
feito, se é induzido, por exemplo: esse
protocolo tem que concluir em seis meses
para inclusão de voluntários, aí é aquela
correria, aquele desespero, se incluiu,
incluiu, se não, tudo bem, (...); concorrência
é pior ainda (...). Você deixa de ser alguém
que está convidando para ser alguém que
quer induzir a pessoa a entrar, nesse
momento participar de pesquisas em seres
humanos é horrível, porque eu já profissional
induzindo (...). Mas isso, dentro da nossa
área [HIV] é mais tranqüilo, até porque a
sociedade esta mais organizada.
Idéia Central Provisória - S 06: Com muita tranqüilidade.
Expressão-chave provisória - S 06: Muito tranqüila, muito tranqüila e
muito feliz, porque eu acho que é uma
chance que você tem de, especialmente na
área que a gente trabalha, que é HIV, e você
sabe que você tem à mão, tem uma vida útil
que é a medicação, então sempre
medicações, que obviamente, que tenham
todo (...) nós estamos falando sempre de
uma coisa correta.
Idéia Central Provisória - S 07: Aprendizado profissional.
109
Expressão-chave provisória - S 07: Eu acho que eu me sinto muito
bem, (...) eu acho que foi um aprendizado
muito grande, foi um avanço muito
significativo, (...) pra mim foi um grande
crescimento, a pesquisa.
Idéia Central Provisória - S 08: Um profissional completo pode
combinar compensação financeira com crescimento profissional.
Expressão-chave provisória - S 08: Ah, eu me sinto super bem, eu
me sinto fazendo o quê eu sempre quis,
então a área de pesquisa pra mim ela é
tão fascinante quanto a da assistência, e
especialmente quando eu consigo associar
as duas coisas, pra mim era o quê eu
sempre quis. É óbvio que tem pesquisa
que te traz mais retorno profissional, e
têm outras que nem tanto, e incrível,
confissão, as que trazem maior retorno
financeiro são as que trazem menor
retorno profissional, porque muitas vezes,
quando a gente faz pesquisa com indústria
farmacêutica, por exemplo, a gente tem
muito pouco acesso à criação do projeto, à
adaptação do projeto (...), então esse tipo de
estudo, que é o mais comum da indústria
farmacêutica, que já traz tudo pronto e divide
todos os resultados, esse estudo traz
menos, apesar de que ele traz maior
compensação financeira, ele traz menos
compensação profissional (...) Mas têm
outros estudos que você passa anos
elaborando o estudo, você passa meses
110
discutindo cada procedimento que vai ser
feito, cada objetivo, e você tem reuniões
periódicas, aonde você vai mostrando os
resultados preliminares pra todo mundo,
você vai discutindo, você vai tendo (...).
4.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona
Idéia Central Provisória - S 01: O papel (TCLE) fisicamente não, mas
os temas contidos nele, sim.
Expressão-chave provisória - S 01: Eu tinha comentado antes que o
termo, o documento físico, eu considero
como uma parte de um procedimento. E
você utiliza muitas coisas para esse
procedimento e informar ao paciente, dentre
outras coisas que você tem que utilizar,
obviamente varia de protocolo para
protocolo. Existem protocolos em que você
vai ver o indivíduo só uma vez (colheu uma
amostra e nada mais). Existem
procedimentos nos quais você tem de
acompanhar o indivíduo ao longo do tempo.
Nesse caso em que você tem de
acompanhar o indivíduo ao longo do tempo,
é sempre interessante estar colocando
novamente todos os pontos mais
importantes em relação ao que significa
participar do protocolo. Então, por exemplo,
participar do protocolo vai significar para
você estar vindo com esta freqüência X ou
Y. Dessa forma, colocando isso outra vez
sobre a mesa, sobre a discussão, o
111
voluntário vai ter a oportunidade de reavaliar
sua posição. Estar no protocolo significa, por
exemplo, que você, a cada vez que toma um
medicamento, eu gostaria que comentasse
comigo. Isso novamente é botar outra vez
sobre a mesa. Isso acontece em todas as
consultas de acompanhamento, ou deveria
estar acontecendo. Então, de alguma
forma, pode ser que o papel fisicamente
do termo não volte à mesa. Mas os temas
do papel sempre estão constantes. E
sempre vão estar constantes até o final
do acompanhamento.
Idéia Central Provisória - S 02: Somente enquanto instrumento
necessário para ingressar na pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 02: As pesquisas clínicas evoluíram
de tal forma que o Termo de Consentimento
é hoje irreversível. Sem ele ninguém
consegue fazer uma pesquisa e compará-la
com outro estudo. Se você aplica um
medicamento, o paciente fica bom em
comparação a outro medicamento que era
anteriormente usado. O Termo de
Consentimento obriga a ter o parâmetro
de comparação com outros estudos
éticos corretos.
Idéia Central Provisória - S 03: Geralmente não, só quando o
voluntário traz.
Expressão-chave provisória - S 03: Isso é normal, principalmente em
relação aos direitos do paciente poder sair
112
quando quiser. O voluntário, por exemplo,
contrai alguma coisa e comenta que não
está se sentindo bem, você acha que ele se
lembra do Termo de Consentimento que ele
assinou? Na prática esse contrato
normalmente não é lembrado. Os problemas
são muitos maiores do que o potencial risco
de quebrar o Termo. Eu geralmente não
retomo assuntos relativos ao Termo, mas
se algum item é lembrado, normalmente é
feito pelo voluntário.
Idéia Central Provisória - S 05: Não é comum.
Expressão-chave provisória - S 5: Não é comum, mas já vi
acontecer. Já vi um médico mudar um termo
porque ele fez um termo que impedia
qualquer pessoa de participar da pesquisa.
Porque o jeito que ele descreveu... Se eu
faço uma pesquisa com um procedimento
intervencionista como uma broncoscopia e
descrevo os detalhes da intervenção,
ninguém vai querer saber, então ele precisou
rever, porque o termo não explicava nada ao
paciente.
Idéia Central Provisória - S 06: Nunca foi necessário.
Expressão-chave provisória - S 06: Depois não. Nós nunca tivemos
situações em que isso tivesse que ser
discutido. Isso não quer dizer que amanhã
não tenha, e eu acho que a gente tem que
estar disponível e pronto pra discutir a
113
qualquer momento de novo o Termo de
Consentimento, quer dizer, (...).
Idéia Central Provisória - S 07: Como ferramenta explicativa da
pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 07: Eu, assim, na verdade eu chego
a utilizar muitas vezes pra explicar o quê
que ele está fazendo na pesquisa, não o
Termo de Consentimento pelo Termo, mas
eu, até por uma particularidade minha, eu
volto à questão daquilo que ele assinou, ou
seja, daquilo que ele fez quando ele passou
a optar a participar da pesquisa, isso é uma
coisa bem importante. Principalmente nos
estudos que você compara o novo com o
quê existe (...,) o Termo de Consentimento
volta, porque foi aquilo, você não lê a
pesquisa, o voluntário não lê a pesquisa, ele
lê o Termo de Consentimento, que é a única
oportunidade que ele tem de entender o quê
que está sendo feito com ele, então... e esse
Termo volta, mais por mim e menos pelo
voluntário.
Idéia Central Provisória - S 08: Não, só quando há mudança na
pesquisa.
Expressão-chave provisória - S 08: Não acontece, discussão (...) é
isso que eu falo, nem o sujeito traz o Termo
de Consentimento nem a gente; quando a
gente vai conversar sobre Termo de
Consentimento é porque houve uma
emenda e é necessário, e o patrocinador
114
exige que seja coletado um novo Termo de
Consentimento e a gente fala.
4.11. O TCLE é um instrumento necessário?
Idéia Central Provisória - S 01: O termo não pode ser encarado
simplesmente como um papel burocrático.
Expressão-chave provisória -S 01: Acho que temos de começar a
entender algumas coisas melhor, sobre o
que é, qual é o significado do TCLE
dentro de um procedimento, de um
consentimento. Às vezes, focar tanto num
papelzinho... é simplesmente uma parte
do procedimento. Eu realmente acho que o
papel é interessante. Inclusive eu acho que
poderia ter outras alternativas. Estou
discutindo agora como se faz um TC virtual.
Como se pode fazer, por exemplo, TC
audiovisuais. Existem outras formas de fazer
isso, que deveria ser factível, mas que a
legislação ainda é muito rígida nesse sentido
de focar muito no papelzinho. Acho que a
legislação deveria ser um pouco mais... mais
do que a legislação, a educação dos
pesquisadores deveria ser mais focada em
entender que o papelzinho é simplesmente
parte de um procedimento. Isso é o que
acontece: quando você foca num
papelzinho, o pesquisador simplesmente
procura a assinatura do cara e nada mais,
esquece o resto, (...).
115
Idéia Central Provisória - S 05: O TCLE pode ser dispensável, mas
tem que ser uma discussão caso a caso.
Expressão-chave provisória - S 05: Em outra pergunta eu falei do
prontuário No Brasil, para ter acesso ao
prontuário tem que ter uma autorização do
paciente, em outros paises não, como na
França, tudo que está em arquivo pode ser
acessado, inclusive o prontuário... Se você
for pensar em termos da pesquisa, não vai
ter influencia nenhuma, são apenas dados
de sexo, idade, raça, etc. Então, talvez eu
não tenha na minha cabeça muito claro,
porque, até se você for pesar no caso do
prontuário, tem situações em que é
complicado pessoas que não são do
serviço ter acesso as certas informações,
eu acho que teria que discutir caso a
caso.
Idéia Central Provisória - S 06: É importante, para assegurar os
direitos do voluntário.
Expressão-chave provisória - S 06: Eu acho que é. Esclarece o
voluntário – eu estou falando sempre de um
consentimento completo – esclarece o
voluntário sobre o quê ele vai participar,
quais são os seus direitos totais, quais são
os prováveis benefícios, quais são os
efeitos, eu já falei, (...) de qualquer forma, eu
acho que tem que ter algum documento
que assegure ao voluntário que,
independente da minha presença ou da
116
presença de quem quer que seja, aquilo vai
ser seguido daquela forma.
Idéia Central Provisória - S 07: Sim, extremamente necessário,
porém a burocracia em torno fez perder o sentido original.
Expressão-chave provisória - S 07: Atualmente eu acho que é
inquestionável a necessidade dele, eu não
sei se é esse Termo de Consentimento que
nós estamos tendo atualmente (...). Então eu
acho que o Termo de Consentimento ele é
fundamental, mas todas essas nuances que
foram sendo acopladas, acopladas,
acopladas, tornaram o Termo de
Consentimento uma bobagem, tornaram um
instrumento não pro fim que ele se
destinava, de ver quais são os meus direitos,
quais são os meus deveres enquanto
voluntário, propriamente dito, e passou a ser
maçante, ruim.
Idéia Central Provisória S 08: É necessário mostra que houve alguma
discussão.
Expressão-chave provisória - S 08: Eu acho que é necessário
justamente por isso, porque ele é, na
menor das hipóteses, na mais primária
hipótese, ele é uma documentação de que
houve alguma discussão entre as partes
sobre o estudo, então isso eu acho que é
indispensável.
4.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces
117
Idéia Central Provisória - S 03: Importante, porque tem acesso a
informações e medicamentos não disponíveis no país.
Expressão-chave provisória - S 03: Existe um interesse grande que é
financeiro e interesses pessoais daqueles
que estão participando. Acredito que é
importante a colaboração de outras fontes.
São dois benefícios principais, um é
financeiro, no sentido de estar sendo
beneficiado por um organismo
internacional e o segundo é o acesso que
você acaba tendo de experiência com
medicamentos que demoram um tempo
para estar na rede. Isso muda seu
entendimento da doença.
Idéia Central provisória - S 04: Depende, existem pesquisas que
realmente há cooperação e troca de experiência, como há pesquisas onde o
pesquisador de fora somente serve como supervisor de campo.
Expressão-chave provisória - S 04: Dependo do estudo, acho que
não são todos iguais, eu não padronizaria
todos não. Tem uma coisa chamada
multicêntrico, que são definidos, que
foram definidos fora do país, como é
linha de estudos da industria
farmacêutica, que é um modelo, onde já
vem tudo definido, e na verdade, quem
está no campo eu não considero
pesquisador, mas como pessoas que são
entrevistadores, ou são supervisores de
campo, que a figura do pesquisador é de
alguém que tem autoria com relação à
pesquisa, alguém que pensa a pesquisa,
118
que pensa a metodologia, que analisa a
pesquisa, isso para mim é pesquisador. A
pesquisa que indústria farmacêutica hoje
nos coloca é na verdade uma contratação
de pessoas para executar o campo.
Existe um outro tipo de pesquisa que aí já
é uma pesquisa multicêntrica, mais na
linha do OMS, onde é uma pesquisa em
que você vai ter um núcleo de pessoas,
um grupo de pessoas que estão
pensando a pesquisa. Outro tipo de
cooperação estrangeira é a cooperação
entre dois pesquisadores mesmo. Eu já
participei de pesquisas em parceria de
cooperação com o governo americano por,
exemplo, que é muito distinto do modelo de
pesquisas para vacinas (HVTN), dos
multicêntricos,ou seja, no HVTN, você está
formando uma rede de pesquisas que
precisam ir a campo concertadamente , com
uma metodologia com os mesmos
procedimentos, para você produzir
informações que são comparáveis.
Idéia Central Provisória - S 05: Depende da maturidade e dos
interesses das instituições envolvidas.
Expressão-chave provisória - S 05: Depende da maturidade da
relação com o órgão estrangeiro ou com a
universidade com outras universidades, ou
com indústria privada não necessariamente
fora do país... Nós começamos com o
HIV/AIDS... Essas pesquisas, a grande
119
maioria vem pronta e a gente não tem
interesse mais nesse tipo de pesquisa,
porque não traz benefícios diretos e muitas
vezes a gente aponta erros. Porque muitas
vezes você aponta erros importantes na
pesquisa e você não tem como mexer. Esse
tipo de pesquisa é de importância? Sim,
numa fase da vida, até pra você ver
estruturações de grandes estudos; muitas
vezes você tá com dinheiro escasso na
universidade e traz recursos, mas depois de
uma fase de amadurecimento isso já não é
mais importante. A não ser novas drogas,
nesse caso não é um beneficio acadêmico
nem de pesquisa, é um beneficio
assistencial. Então essas pesquisas que
vêm de balde não têm conteúdo
acadêmico nenhum, muitas vezes são
apenas marketing para entrar no
mercado.
Idéia Central Provisória - S 06: Depende da origem da pesquisa.
Expressão-chave provisória -S 06: Você tem coisas diferentes, você
tem trabalhos multicêntricos internacionais,
de algumas diferentes origens; se você falar
de laboratório, pesquisa de laboratório
privado, normalmente eles têm uma
equipe que formula essas pesquisas, te
mandam o papel, você lê e fala: Olha, isso
eu faço, isso eu não faço.
120
Idéia Central Provisória - S 07: Deve-se separar o tipo de cooperação
estrangeira, em cada uma delas existem vantagens e desvantagens.
Expressão-chave provisória - S 07: Eu acho que a gente tem que
separar o joio do trigo, eu acho que existem
duas coisas diferentes, eu acho que há...
vamos chamar assim, projetos
patrocinados versus projetos de
investigador; assim, os projetos
patrocinados eles são fundamentalmente
patrocinados pela iniciativa privada, ou
seja, pela indústria farmacêutica; além
disso, nós temos projetos patrocinados, por
exemplo, pelo FDA, a vacina, a pesquisa da
vacina é mais clássica, o HPTN (...). Eu leio
o projeto, concordo ou não concordo com
esse projeto, é factível no meu centro, não é
factível no meu centro, e vou ver o quê vai
dar, então a participação do investigador,
apesar do projeto vir pronto, (...).
Idéia Central Provisória - S 08: Na maioria das vezes é frustrante,
trabalhar em um estudo e não ter acesso ao processo, como mão de obra. O
retorno é muito mais financeiro.
Expressão-chave provisória - S 08: Ah, você sabe disso, você sabe
disso tão bem quanto eu, tem uma série de
estudos da indústria farmacêutica que vem o
pacote fechado (...). E aí o pesquisador
aceita ou não aceita (...). E aí você tem que
pesar prós e contras, e nessa análise de
risco e benefício você vai ver tudo: se é
interessante para o seu paciente ter essa
opção terapêutica, se é interessante pra
121
você fazer isso, na grande maioria das
vezes não é interessante senão pela parte
financeira, já vou adiantando, o altruísmo
muitas vezes não existe nessa situação, e
muitas vezes... Vamos falar, você está
falando de pesquisas com HIV e Aids, certo?
(...). É frustrante, mas está dentro lá do
geral. E às vezes vêm uns estudos que a
gente nem entra, tem proposta indecente, é
óbvio que tem proposta indecente, então eu
acho que, de uma maneira geral, pro cara
que é investigador, esses estudos que vêm
prontos eles são frustrantes, de uma
maneira geral, porque você (...) é muito ruim
às vezes você se sentir mera mão-de-obra
da indústria farmacêutica, sem a
possibilidade de alterar nada do curso
daquela pesquisa.
4.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores
Idéia Central Provisória - S 01: O Brasil precisa se adequar com os
interesses internacionais.
Expressão-chave provisória - S 01: Primeiro, porque a burocracia
do Brasil é absurda. E leva coisas a
alongar tempos que não precisariam ser
alongados. ... Eu vou comentar, por
exemplo, justamente a aprovação ética. Nos
países europeus, por exemplo, eles dizem
se um estudo vai ser realizado em cinco
locais diferentes do país europeu, por falar
na Bélgica, só um comitê precisa aprovar.
122
Os outros quatro não precisariam aprovar. O
que acontece aqui? Aqui você vai fazer uma
pesquisa em cinco locais, os cincos locais
têm que aprovar e ainda têm que esperar a
aprovação da CONEP. (...). E acontece que
no campo da pesquisa internacional, o
Brasil está competindo não contra o
vizinho. O centro de São Paulo não está
competindo contra o centro de Porto Alegre.
O que está competindo é o Brasil, como
país, contra a República Tcheca, contra a
Romênia, contra a Tailândia. E o que
termina acontecendo com isso? Menos
quantidade de recursos de pesquisa vem
para o Brasil, os medicamentos ou vacinas
que estão sendo desenvolvidos terminam
não levando em conta o padrão genético ou
as diferenças na história natural ou nos
micro-organismos, se estamos trabalhando
em um agente infeccioso. Há diferenças
locais que podem estar acontecendo no
Brasil. Em conclusão, o Brasil sai perdendo.
Então é muito mais fácil você ter uma
regulamentação clara, mas simples, ágil, que
permita a proteção, mas que não termine
atrapalhando. Então, por exemplo,
protocolos que têm multicêntricos, isso
tem acontecido. É um absurdo, porque eu
tenho que esperar até que todos os
centros corrijam o erro para que me
aprove o protocolo no meu centro, sendo
que meu centro não tinha o erro.
123
Obviamente isso nunca se envolveu na
opinião pública, inclusive porque são
informações confidenciais da indústria
farmacêutica, como se tomam essas
decisões, mas o que tem perdido o Brasil
tem sido inimaginável.
Idéia Central Provisória - S 03: Interesses existem e temos que
conviver com eles.
Expressão-chave provisória - S 03: Eu acho que em qualquer
situação você está lidando o interesse de
várias partes. Isso é rotina. Não vejo um
complô por trás da indústria. Acho que é o
momento de tentar cada vez mais nos
acostumarmos a isso. O mais importante é o
interesse que está no Termo de
Consentimento, garantindo indiretamente
que a pessoa não sofra nenhum dano, e não
só ela, também a instituição, a indústria e o
próprio pesquisador.
Idéia Central Provisória - S 04: Independente dos interesses, a
autonomia do pesquisador tem que prevalecer.
Expressão-chave provisória -S 4: Eu parto do pressuposto de que
não vale a pena trabalhar em uma
pesquisa em que eu não tenha autonomia
enquanto pesquisadora. É questão de
princípio não trabalhar, por exemplo, junto a
uma indústria farmacêutica onde o resultado
do estudo não pertence a mim enquanto
pesquisadora (pertence no sentido de que
eu possa dar o destino que eu considere
124
melhor). Um assunto delicado e pouco
debatido é o fato de que um dado de
pesquisa pode prejudicar determinados
segmentos da população que já são
discriminados. Se eu participo de um estudo
em que eu estou testando um medicamento
que não deu certo, devo tomar todas as
providências para que seja divulgado e para
que as pessoas prejudicadas com isso
sejam adequadamente indenizadas,
recebendo suporte médico e psicológico se
necessário.
Idéia Central Provisória - S 05: Uma vez que os interesses existem, é
necessário deixa-los claro, para que todos tenham ciência.
Expressão-chave provisória - S 05: Se você deixar claro para todo
mundo porquê cada um está
participando, é melhor maneira; até dentro
da equipe dos pesquisadores tem conflitos,
com relação à autoria do trabalho, quem faz
o quê, isso tem regras muito claras. Quando
tem alguém que pode estar ganhando um
resultado positivo na sua pesquisa, eu acho
que você tem que deixar claro para quem lê
o estudo, para deixar claro que o estudo
pode ter essa influencia (...).
Idéia Central Provisória - S 06: Não existem múltiplos interesses,
somente um, o do paciente.
Expressão-chave provisória - S 06: Não tem múltiplos interesses; o
pesquisador que trabalha seriamente só
existe um interesse, que é o do paciente,
125
ponto, certo? Qualquer outro interesse é
desprezível frente ao interesse do paciente
(...). Se me chega um protocolo de pesquisa,
pra mim a primeira coisa que eu vejo é: isso
é bom pro paciente?
Idéia Central Provisória - S 07: O conflito principal é o financeiro, que
deve ser monitorado pela sociedade civil.
Expressão-chave provisória - S 07: O grande conflito, na verdade,
é salvar uma vida versus ganhar dinheiro,
porque por um lado você tem um
interesse do investigador, em que você
tenha uma melhora da qualidade daquele
voluntário, então é muito gratificante pra um
médico, de uma maneira geral, poder ter
uma situação de melhora significativa, então
eu acho que o conflito aí se estabelece,
digamos, entre o voluntário, a sociedade de
uma maneira geral e o centro de pesquisa,
eles de uma maneira geral eles convergem
pra um mesmo... para uma mesma situação.
(...). O grande conflito que eu enxergo aí é a
questão monetária, esse eu acho que é o
grande conflito; como é que eu enxergo esse
conflito? Por um lado, existe uma coisa
que é óbvia: na hora que eu estou
participando de um projeto de pesquisa em
que a indústria farmacêutica patrocina, é
óbvio que a indústria farmacêutica
patrocina pra ter fins de lucro, lógico, ela
quer que o produto seja aprovado, ela quer
que ele seja comercializado (...). Então aí eu
126
acho que está o grande conflito nosso, eu
não vejo a indústria farmacêutica como
conflito, a sociedade civil só se beneficia,
agora, cabe à sociedade civil agir de todas
as formas pra fazer com que esse lucro
também possa reverter em benefício pra
população de uma maneira geral, isso que o
governo brasileiro fez, isso que a própria
Organização Mundial da Saúde está
fazendo, todas essas coisas que estão
sendo feitas de uma maneira geral.
Idéia Central Provisória - S 08: Interesses sempre vão existir, o
pesquisador vai ter que fazer um balanço entre todos.
Expressão-chave provisória - S 08: Ah, sempre balanceando tudo,
sempre tudo é analisado, sempre, porque
não adianta a indústria farmacêutica querer,
ou a gente querer um estudo pra uma
determinada população, na verdade o
interesse tem que ser de todo mundo, senão
a coisa não sai, porque não se faz pesquisa,
a gente não tem como fazer pesquisa neste
país com recursos próprios, aonde você
possa, por exemplo, excluir os interesses da
indústria farmacêutica, então não tem. É
óbvio que você vai ter os seus interesses e o
interesse dos sujeitos de pesquisa, e você
vai ter que balancear isso tudo, então
sempre a gente vai ter que analisar tudo,
todos esses interesses.
127
Capitulo V: O pesquisador falando
5. A voz dos pesquisadores no Discurso do Sujeito Coletivo
Nossa proposta neste capítulo é mostrar o discurso dos pesquisadores
em forma de Discurso do Sujeito Coletivo, depois de ter realizado as devidas
etapas metodológicas com objetivo de análise, no capítulo seguinte.
5.1. O inicio das discussões ética no país e na vida profissional dos
entrevistados
Idéia Central dos Sujeitos: Surgiram na década de 80, quando já
existiam algumas discussões, porém, com o advento da Aids e
posteriormente com a criação da CONEP, através da Resolução 196/96.
Discurso do Sujeito Coletivo: Foi com o advento da Aids que a
pesquisa tomou mais vulto, mas retomaria isso ao início da década de 80;
naquela época, todos os estudos que tinham sido feitos em relação aos
novos contraceptivos, queriam que fossem testados no Brasil e com a
pesquisa multicêntrica e fundamentalmente com a pesquisa clínica, quando
você passa a participar dos trials internacionais. Para uma regulamentação
formal se deu na década de 90 e na realização da Resolução 196, que fez
com que a ética esteja em acordos com a regulamentação internacional e
que estimulou a criação dos CEPs nas instituições. Somente nesta década
foi efetivamente configurado o regimento, o verdadeiro código de ética que
deveria ser seguido a partir de então pelos pesquisadores. De qualquer
forma é nessa época que as coisas começam a se estruturar. No começo
era muito complicado mesmo, apesar de haver a necessidade, não existia a
estruturação das instituições que coordenavam a pesquisa. Na verdade, a
questão surgiu antes da vida profissional, durante a graduação tem uma
disciplina de Medicina Legal que levanta a discussão de bioética e pesquisas
em seres humanos, ainda na graduação.
128
5.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em seres
humanos
Idéia Central dos Sujeitos: A discussão é fundamental para
pesquisas com seres humanos, serve como limites entre interesses.
Discurso do Sujeito Coletivo: Primeiro é um compromisso médico,
porém o fato de você estar sendo apoiado por um comitê para poder
esclarecer como respeitar, não só a vontade individual, mas a vontade
coletiva de uma sociedade, permite que o pesquisador estabeleça um laço
de confiança, portanto, a ética é absolutamente fundamental numa
sociedade como a nossa, que visa o consumo em troca de popularidade,
poder e dinheiro, ou seja, tem que existir ética, tem que existir normas para
pesquisa. É um padrão importante de respeito em relação à pessoa que está
participando, você dá a possibilidade para ela entender o que está
acontecendo e impede que possa existir algo de proporção maior. A ética
impõe também limites políticos ao investigador, porque que muitas vezes
ele, numa situação limite, vê a ética na pesquisa como um processo que é
capaz de uniformizar, dar parâmetros, diretrizes que não sejam passíveis de
serem entendidas de formas diferentes em diferentes contextos, porque a
partir do momento em que o interesse científico do profissional é um, o do
sujeito de pesquisa pode ser outro. Entretanto, nós ainda temos um mundo
dividido entre cidadãos e não cidadãos, como na Grécia antiga, cidadãos
sãos os brancos, não cidadãos são os pobres, acamados, negros do
Terceiro Mundo. Por enquanto eu ainda acho que a ética está voltada para
os cidadãos, e muita gente ainda tá sem a proteção ética.
5.3. O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais
entrevistados
Idéia Central dos Sujeitos: Ferramenta de formalização e fiscalização
entre pesquisador e voluntário, que serve para informar sobre seus direitos,
129
riscos e benefícios, e permitir que o mesmo entenda a pesquisa para que
possa participar.
Discurso do Sujeito Coletivo: É preferível sempre falar de
procedimento de consentimento a falar em termo de consentimento, porque
o consentimento não é a assinatura de um papel. O termo de consentimento
é um procedimento no qual você está passando informação suficiente para o
indivíduo decidir se gostaria ou não gostaria de participar disso, sem que
isso signifique que a pesquisa, se ele aceitar, fosse moralmente boa ou se
ele recuse fosse moralmente ruim. É o momento de você pactuar as coisas,
o termo é um contrato, em que ambas as partes conhecem os riscos e os
benefícios, os direitos propriamente dito. É um instrumento que supervisiona,
que paira sobre a cabeça do médico, é o que garante que a experiência será
realizada dentro dos padrões éticos, esses que foram determinados na
década de 90. É um vínculo entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa,
entretanto o termo deve passar as orientações referentes à pesquisa: quais
as compensações que a pessoa pode ter ao participar do estudo, é onde
você vai explicar, primeiro, quê pesquisa é essa, o quê que está utilizando,
qual a finalidade da pesquisa, para que tenha noção exata de qual o papel
de voluntário dentro da pesquisa. Serve para documentar uma negociação
entre partes (pesquisador/voluntário), um documento que deixa claro do que
se trata aquilo. Porém poderia ser classificado como um mal necessário, o
termo foi criado dentro de uma concepção que não é a nossa, e ele foi
desvirtualizado com o tempo, o termo de consentimento apenas formaliza,
porque ele não dá conta do que de verdade acontece no campo. Na
verdade, o termo tem que possibilitar que a pessoa que deseje ou não
participar entenda a pesquisa.
5.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a dimensão do
TCLE, segundo os pesquisadores
Idéia Central dos Sujeitos: Grande parte não entende, o termo em
sua maioria é muito complexo, a confiança no médico prevalece.
130
Discurso do Sujeito Coletivo: Se você der o papel pra ele, não; o
problema é achar a maneira de fazer esse procedimento de consentimento
de forma apropriada. Se você não está conseguindo, é porque você está
fazendo errado, uma dificuldade muito grande é que nós estamos utilizando
Termos de Consentimento extremamente burocráticos, então não entende
nem 10%, porque a terminologia é complexa. O paciente tem problema de
saúde e está psicologicamente fragilizado, na maioria das vezes ele não
está interessado nem em entender e nem em saber qual é a dimensão, até
mesmo porque tem grandes dificuldades de compreender o que ali está
escrito. As ações são baseadas muito mais na confiança, de uma forma não
tão técnica e normatizada; quanto mais complexa é a pesquisa, mais você
terá que estar investindo, se assegurando e criando formas alternativas (e
externas ao pesquisador) de avaliação do entendimento e do consentimento
comum. Quanto mais complexo, mais difícil é para o voluntário ter a real
dimensão de onde ele está se envolvendo, e na maioria das vezes não
entende.
5.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura?
Idéia Central dos Sujeitos: Geralmente não, o termo é esquecido;
somente quando surge algum problema relacionado entre ele e a pesquisa.
Discurso do Sujeito Coletivo: Normalmente não traz, esquece; o que
é relativamente comum, a discussão mais freqüente que acontece durante a
execução dos estudos é a possibilidade dele se retirar do estudo, mas não
se discute o Termo de Consentimento. Entretanto, há vários tipos de
pacientes mais ou menos em condição de discutir o termo, normalmente as
pessoas acham que está havendo algum engano e que alguma coisa está
sendo feita de forma errada, isso eventualmente acontece, mas é muito raro,
esta é uma das distintas formas em que ele traz a questão da ética: quando,
por alguma razão impensada, a equipe de pesquisa comete algum deslize,
mas não é comum.
131
5.6. Percepção dos pesquisadores de seus direitos e obrigações
Idéia Central dos Sujeitos: Muitas obrigações éticas com relação ao
voluntário, direitos basicamente de ações que garantam a continuidade da
pesquisa.
Discurso do Sujeito Coletivo: Em relação à ética, o responsável
primário pela ética num protocolo é o pesquisador, sem dúvida; em alguns
casos a obrigação deveria se estender à publicação na comunidade. O
pesquisador também tem a obrigação de ser médico diante do seu paciente,
ser responsável pelo que acontece na pesquisa, garantir que o estudo
transcorra da forma planejada, respeitar o sigilo profissional, manter o
cuidado com os papéis e informações e prestar assistência no caso da
ocorrência de um evento mais sério na pesquisa; o dever de evitar o mal, de
dar suporte à pessoa voluntária, tem o dever de explicar pra ele, dever de
seguir esse paciente corretamente. Se você se propõe a fazer um trabalho
dentro de uma pesquisa e se compromete com o paciente e não devolve
nada, não publica, não faz com que aquele conhecimento chegue até as
pessoas que realmente necessitam, isso também é uma obrigação de quem
faz pesquisa, obrigação, além aquilo que está escrito em toda legislação, ou
seja, o pesquisador tem as mesmas obrigações de sempre.
Quanto aos direitos, o pesquisador pode adequar os critérios de
inclusão àquilo que o profissional acha mais real, ou seja, o médico tem
como direcionar o estudo da pesquisa para o que acha melhor, tem direito
ao resultado final daquilo que ele está fazendo; direitos, por exemplo, de
buscar informações necessárias da forma mais correta, consistente, até o
limite do entrevistado, o direito de cobrar a presença. Também direito de ter
condições mínimas para fazer uma pesquisa ou então o direito de saber que
não tem essas condições.
5.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de voluntários
em pesquisas
132
Idéia Central dos Sujeitos: A discussão ética facilita muito; em casos
como HIV/Aids, onde o voluntário já conhece o pesquisador, a confiança
prevalece.
Discurso do Sujeito Coletivo: Com certeza, porque é muito mais
simples, porque à medida que ele tem uma discussão dessa parte ética, qual
que é o papel dele, qual é o papel do investigador, qual é o papel das
Comissões de Ética em Pesquisa, isso que faz que o indivíduo esteja ciente
que ele não é uma cobaia, que está participando ativamente de uma
pesquisa; isso faz toda a diferença porque quando o indivíduo assume, foi
sua decisão participar da pesquisa, está implicitamente assumindo sua
responsabilidade dentro da pesquisa. Então até certo ponto, sim, porque o
voluntário pode se sentir mais protegido, respeitado e supervisionado. Têm
pessoas que ficam atemorizadas e vão embora, se recusando a participar do
estudo. A ética é o primeiro ponto do Termo de Consentimento, é a criação
desse vínculo que o médico estabelece com a pessoa durante o
atendimento médico. Se você pensar em metas de recrutamento, ele pode
até prejudicar essas metas. Mas, por outro lado, essas discussões garantem
pelo menos que você tenha uma pessoa que está sabendo o que está
acontecendo no estudo; todas as leis que vieram, todos os procedimentos
que vieram para normatizar, para tornar a pesquisa mais clara pro voluntário
e para o pesquisador, são bem-vindas. Em HIV/Aids as coisas já ficaram
muito mais evoluídas, porque muitos pacientes já participaram de muitas
pesquisas, então às vezes falar em Termo de Consentimento, já algo mais
fácil, esse conhecimento facilita, e muito mais do que confiar num
documento, numa resolução, num Comitê de Ética que tem por trás, numa
instituição, ele está confiando nos profissionais que já o seguem, neste caso
essa facilitação não ocorre.
5.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e voluntários
133
Idéia Central dos Sujeitos: Pode proteger do ponto de vista jurídico,
mas na medida em que o termo foi se burocratizando, a proteção perde o
sentido para ambos os lados.
Discurso do Sujeito Coletivo: Enquanto relação há proteção, muitos
pesquisadores acreditam que é uma proteção bastante relativa. Do ponto de
vista jurídico, sim, quando se coloca tudo claro, todos os deveres e
obrigações, diz como deve ser feito, então garante o direito do voluntário na
medida que ele formaliza e entende os seus direitos. Porque em uma
situação de acusação perante júri, todo estudo clínico pode ser considerado
como uma experiência cujo resultado tenha sido visível. O Termo também
orienta sobre os direitos e tenta o máximo possível fazer com que eles não
sejam atingidos. Também como mecanismos que possam monitorar a
adesão da pessoa ao pacto que foi estabelecido. Na hora que o pesquisador
faz o Termo, ele também tem que entender. O problema é que nem todo
Consentimento Livre e Esclarecido é feito de acordo como deve ser feito.
Termo de Consentimento foi se burocratizando e se alongando de uma
maneira absurda, aí então de uma maneira geral ele não garante, ele não é
uma garantia de direito a nenhum dos dois.
5.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres
humanos
Idéia Central dos Sujeitos: É um profissional comum, buscando
novos aprendizados e também retorno financeiro.
Discurso do Sujeito Coletivo: Ser pesquisador é um trabalho tão
digno como qualquer outro e merece respeito como qualquer outro, mas
também é um aprendizado muito grande. Em geral a pesquisa é muito
importante para o conhecimento, e pessoalmente é muito bom porque isso
faz parte mesmo da medicina, do sentimento de tentar melhorar o que você
faz. A área de pesquisa é tão fascinante quanto a da assistência, porque
também tem o comprometimento com os desdobramentos da pesquisa.
Entretanto, tem pesquisa que te traz mais retorno profissional, e têm outras
134
que nem tanto, e as que trazem maior retorno financeiro são as que trazem
menor retorno profissional.
5.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona
Idéia Central dos Sujeitos: Geralmente só quando há mudanças na
pesquisa ou quando se faz necessário explicar novamente a pesquisa, ou
então pelo próprio voluntário.
Discurso do Sujeito Coletivo: De alguma forma, pode ser que o papel
fisicamente do Termo não volte à mesa. Mas, os temas do papel sempre
estão constantes para explicar o quê que ele está fazendo na pesquisa,
esses sempre vão estar constantes até o final do acompanhamento, ou
então porque houve uma emenda e é necessário, então temos que estar
disponíveis e prontos para discutir a qualquer momento de novo o Termo de
Consentimento. O Termo de Consentimento obriga a ter o parâmetro de
comparação com outros estudos éticos corretos, e geralmente assuntos
relativos ao Termo retornam pelo voluntário.
5.11. O TCLE é um instrumento necessário?
Idéia Central dos Sujeitos: A necessidade é inquestionável,
entretanto é necessário discutir seu significado e seu uso caso a caso.
Discurso do Sujeito Coletivo: Atualmente é inquestionável a
necessidade dele, porém temos de começar a entender algumas coisas
melhor, sobre o que é, qual é o significado do TCLE dentro de um
procedimento, de um consentimento. Então se faz necessário, porque ele é,
na menor das hipóteses, na mais primária hipótese, ele é uma
documentação de que houve alguma discussão entre as partes sobre o
estudo, tem que ter algum documento que assegure ao voluntário.
Entretanto, talvez não seja muito claro, teria que discutir caso a caso.
5.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces
135
Idéia Central dos Sujeitos: Importante para acesso às informações e
medicações não disponíveis no país, porém a indústria farmacêutica privada
não possibilita a participação do profissional na elaboração da pesquisa; a
única vantagem na maioria das vezes é o retorno financeiro.
Discurso do Sujeito Coletivo: São dois benefícios principais: um é
financeiro, no sentido de estar sendo beneficiado por um organismo
internacional, e o segundo é o acesso que você acaba tendo de experiência
com medicamentos que demoram um tempo para estar na rede. Se você
falar de laboratório, pesquisa de laboratório privado, normalmente eles têm
uma equipe que formula essas pesquisas, e te mandam o papel. Mas
dependendo do estudo, não são todos iguais, não são todos padronizados,
tem uma coisa chamada multicêntrico, que são definidos fora do país, como
é linha de estudos da indústria farmacêutica, que é esse modelo aonde já
vem tudo definido. Então temos projetos patrocinados versus projetos de
investigador; os projetos patrocinados eles são fundamentalmente
patrocinados pela iniciativa privada, ou seja, pela indústria farmacêutica e na
verdade quem está no campo não é pesquisador, que é mera mão-de-obra
da indústria farmacêutica, sem a possibilidade de alterar nada do curso da
pesquisa, são entrevistadores, ou são supervisores de campo. A figura do
pesquisador é de alguém que tem autoria com relação à pesquisa, alguém
que pensa a pesquisa, que pensa a metodologia, que analisa a pesquisa,
isso é pesquisador. A pesquisa que a indústria farmacêutica hoje nos coloca
é, na verdade, uma contratação de pessoas para executar o campo, e na
grande maioria das vezes não é interessante senão pela parte financeira.
Então essas pesquisas que vêm de balde não têm conteúdo acadêmico
nenhum, muitas vezes são apenas marketing para entrar no mercado. Existe
um outro tipo de pesquisa que também é pesquisa multicêntrica, mais na
linha do OMS, onde é uma pesquisa em que você vai ter um núcleo de
pessoas, um grupo de pessoas que estão pensando a pesquisa.
5.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores
136
Idéia Central dos Sujeitos: Os interesses estão postos, então temos
que direcioná-los, sempre mantendo nossa autonomia.
Discurso do Sujeito Coletivo: A burocracia do Brasil é absurda, e
leva a alongar tempos que não precisariam ser alongados, Então, por
exemplo, protocolos que são multicêntricos, isso tem acontecido, temos que
esperar até que todos os centros corrijam o erro para que aprovem o
protocolo no centro, sendo que em nosso centro não tinha erro; na verdade,
em qualquer situação você está lidando com o interesse de várias partes.
Isso é rotina, mas para o pesquisador que trabalha seriamente só existe um
interesse, que é o do paciente, porém o grande conflito na verdade é salvar
vida versus ganhar dinheiro, porque por um lado você tem um interesse do
investigador, em que tenha uma melhora da qualidade de vida daquele
voluntário, e por um lado, existe uma coisa que é óbvia, a indústria
farmacêutica patrocina para ter fins de lucro, então você vai ter que
balancear isso tudo, agora não vale a pena trabalhar em uma pesquisa em
que não tem autonomia enquanto pesquisador. Por isso você tem que deixar
claro para todo mundo.
137
Capitulo VI - Resultados
Iniciamos este trabalho com objetivo de identificar a visão do
profissional sobre o TCLE que trabalha com pesquisas clínicas
medicamentosas e vacinas.
O Discurso do Sujeito Coletivo foi utilizado como ferramenta
metodológica para este fim.
Passamos agora aos resultados finais, fazendo uma análise sobre
cada um dos Discursos do Sujeito Coletivo, juntamente com o referencial
teórico utilizado neste trabalho.
Na primeira questão, quando questionados sobre o surgimento das
discussões éticas no Brasil e em suas vidas profissionais, todos os
entrevistados, sem exceção, fizeram referências à Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, embora nenhum dos entrevistados tenha feito
referências à regulamentação de 1981, portaria 16/81, Divisão de Vigilância
Sanitária de Medicamentos, Ministério da Saúde, sobre o Termo de
Conhecimento de Risco, já relatada neste trabalho. Podemos entender que a
Resolução 196/96 foi um marco para as discussões éticas no país, e com
um poder de expressão muito forte para os entrevistados e em suas vidas
profissional.
A discussão de ética em pesquisa no Brasil vem sendo ampliada nas
últimas décadas. Em 1985, foram traduzidas as “Diretrizes e Normas
Internacionais Propostas para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos”.
Estas diretrizes foram elaboradas pelo CIOMS/OMS37, em 1981 (Spinetti,
2001, p.33).
A Resolução 196/96 CNS/MS foi o marco na discussão ética no Brasil,
trouxe e incorporou definitivamente as discussões éticas de códigos
internacionais como Nuremberg, Helsinque, guias para pesquisas
biomédicas e epidemiológicas do CIOMS/OMS, além de incorporar também
os códigos e leis já existentes no Brasil, como Códigos Civil e Penal, Lei
37 Concil for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS) World Health Organization (WHO).
138
Orgânica da Saúde 8.080, Estatuto da Criança e do Adolescente, entre
outros de grande importância (Spinetti, 2001, p.36).
Embora haja consenso sobre a importância das discussões éticas,
traduzido nas falas de que a ética impõe limites para o pesquisador, o
discurso não apresenta a idéia de ética enquanto espaço de reflexão
individual do sujeito, o que nos remete ao entendimento de que os
pesquisadores têm a ética como um espaço de respeito a normas e
autocontrole.
Segundo o guia de diretrizes para pesquisas biomédicas do CIOMS
1996, p ix, citado por (Spinetti, 2001, p.29):
“É difícil que a mera formulação de normas éticas para investigações
biomédicas com sujeitos humanos resolva todas as dúvidas morais que
surjam em conseqüência destas investigações”.
Oliveira (2001, p.124), ao explanar sobre a Resolução 196/96, afirma
que a exigência sobre a ética está em primeiro plano, seguida pela ênfase
cientifica. “A ética neste reflete a preocupação com o pesquisador e sua
consciência moral conseqüentes de suas ações. A qualidade moral na
relação entre pesquisador e pesquisado deve ter destaque para obrigações
profissionais do pesquisador, na qual podemos identificar a teoria
deontológica, ou seja, é baseado nos deveres de sua profissão, honra
profissional aceitos pela sociedade”.
Ainda assim, a reflexão sobre a ética em pesquisas em seres humanos
deve objetivar garantir os direitos básicos do voluntário participante,
respeitar e defender valores que impeçam ações maléficas que coloque em
risco os direitos, e a autonomia do voluntário participante deve estar
constantemente na prática reflexiva do pesquisador. Por meio destas ações
práticas é que a ética em pesquisa busca um relacionamento mais interativo
e digno entre pesquisador e voluntário participante, visando a pesquisa de
maior qualidade científica e humana (Spinetti, 2001, p.11).
Na questão sobre o objetivo do TCLE, o discurso é claro no
entendimento de ferramenta de fiscalização e informação para o voluntário
participante. O TCLE como processo de consentimento aparece de forma
139
tímida, o que nos leva a crer que este é pensado, por parte dos
pesquisadores entrevistados, como uma ferramenta necessária no sentido
da obediência às normas existente de informação ao voluntário, no que diz
respeito à pesquisa para qual está sendo oferecida a participação, e não
como um processo estabelecido na relação médico/voluntário.
No entanto, o Termo de Consentimento traduz uma decisão voluntária
e realizada por pessoa autônoma e capaz de decidir, após um processo
informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico
ou experimentação, sabendo a natureza do mesmo, suas conseqüências e
seus riscos (Clotet et al, 2000, p.13).
“O consentimento livre e esclarecido é um processo compartilhado, de
troca de informações e consenso mútuo, que se amálgama ao trabalho de
assistência à saúde e se insere no bojo da relação vincular entre profissional
e usuários do serviço” (Zoboli e Massarollo, 2002, p.66).
Na questão referente ao entendimento do voluntário sobre a dimensão
ética que existe no TCLE, temos o discurso que o voluntário não entende, e
em grande parte é uma relação baseada na confiança. Este discurso leva ao
entendimento, já identificado anteriormente, de que o TCLE é utilizado como
forma de fiscalização e de cumprimento de uma norma para a existência da
pesquisa, mais uma vez não se notando no discurso a questão do processo
de consentir e a autonomia do voluntário para tomada de decisão. Aqui
aparece uma contradição à questão anterior, onde no discurso o TCLE é
colocado como ferramenta de informação para o voluntário e ao mesmo
tempo o discurso de que o mesmo voluntário não entende a dimensão ética
e o teor do documento. Neste caso, o que podemos entender é que o termo,
como já citado, é usado como uma ferramenta necessária para as normas
vigentes, mas não necessariamente tem seu objetivo alcançado.
Esse não entendimento por parte dos voluntários, presente no discurso
dos pesquisadores, pode estar relacionado a vários fatores, como diferença
do nível educacional e social entre ambos, ou então a figura do médico que
expressa a imagem do poder e da detenção do conhecimento (Hardy et al,
2002, p.410).
140
Com relação à confiança, Lara e La Fuente (1990, p.61) entendem que
o paternalismo muitas vezes é justificado pelos pesquisadores para o
alcance de benefícios e resultados que poderão ser obtidos para o paciente;
explanam ainda que muitas pessoas preferem ser tratadas de forma
paternal, “pondo-se nas mãos do médico”, e que, para as mesmas, o
exercício de cidadania é mais uma fonte de frustração e ansiedade que de
satisfação.
Podemos ancorar aqui as condições socioeconômicas, acesso à saúde
e tratamentos específicos, e ao entendimento do senso comum de que o
médico sempre tem o poder do conhecimento e, portanto, sabe o que está
fazendo.
Ainda assim, temos que assinalar com insistência que o consentimento
informado é um processo e não um acontecimento ilhado na relação
pesquisador e usuário. O consentimento informado perfeito é um processo
de encontro e diálogo entre pesquisador e paciente, que abarca desde o
primeiro momento em que o pesquisador entra em contato com o paciente
até o instante final do tratamento ou pesquisa. Neste largo processo, ambos
se transmitem mutuamente informação e ambos decidem os objetivos
terapêuticos e procedimentos aceitáveis para alcançá-los (Lorda, 1995,
p.268).
A retomada do TCLE pelo voluntário também aparece de forma
contraditória; ao mesmo tempo em que o discurso aponta para uma prática
de confiança entre pesquisador e voluntário, nesta questão o discurso de
que o voluntário traz à tona o TCLE quando identifica algum problema que
possa prejudicar-lo, a relação de confiança é rompida, e o documento se
torna uma ferramenta de autoproteção para o voluntário.
Neste caso, há que se considerar que a autonomia não é uma
condição que o individuo exerce ou não exerce, mas existem graus diversos
que permitem ou não exercê-la, total ou parcialmente (Lara e La Fuente,
1990, p.62).
No discurso sobre os direitos e deveres dos pesquisadores, o
entendimento de que os deveres são muitos maiores que os direitos nos
141
leva a acreditar que o próprio pesquisador não entende a figura do
pesquisador como um sujeito passível de direitos dentro da pesquisa, em
nenhum momento aparece a construção da metodologia da pesquisa como
um direito e, portanto, o TCLE também como um processo metodológico e
participativo do pesquisador antes mesmo de chegar ao voluntário. A
condição de mais-valia, no sentido de explorar o conhecimento do
pesquisador sem o devido reconhecimento, parece estar presente no
discurso, porém sem que os mesmo percebam isso.
“Mesmo que os recursos sejam de empresas multinacionais ou
organizações internacionais, os pesquisadores brasileiros têm que participar
da construção da metodologia, delineamento, e participar da análise
entendendo sua interpretação e resultados” (Hossne e Vieira, 2002, p.20).
A discussão da ética como facilitadora na participação aparece no
discurso como ferramenta que pode facilitar, no entanto existem algumas
exceções; quando o voluntário acaba tomando muito conhecimento das
discussões pode influenciar na não participação na pesquisa, e nos casos de
HIV/Aids, onde, segundo o discurso, os voluntários já estão mais
familiarizados com as pesquisas e com seus médicos, a participação é
facilitada, aparecendo mais uma vez a questão da confiança como um fator
decisivo, descartando a autonomia do voluntário.
Aqui vale ressaltar a diferença entre respeito à autonomia e respeito
pela autonomia do voluntário participante. No respeito à autonomia do
voluntário, implica reconhecer que o individuo deve possuir determinados
pontos de vista e que é ele quem deve deliberar e tomar decisões segundo
seu plano de ação, apoiado em valores próprios, ainda que não sejam
valores dominantes. Pressupõe a aceitação do pluralismo social. No respeito
pela autonomia do voluntário participante, deve-se conjugar com o princípio
da dignidade da natureza humana, aceitando o ser humano como um fim em
si mesmo e não somente como um meio de satisfação de terceiros, sejam
pesquisadores, laboratórios, indústrias ou profissionais de saúde (Oliveira,
2001, p.126).
142
Ainda assim, temos que levar em conta vários fatores que estão entre o
voluntário participante e o pesquisador, tais como: analfabetismo,
desinformação, falta de dinheiro para locomoção até o serviço de saúde, a
falta de vagas no serviço. “Os sujeitos de pesquisa em nosso país são em
sua maioria provenientes de classes populares, conscientes de sua falta de
informação e conhecimento” (Oliveira, 2001, p. 65). Seguindo o mesmo
raciocínio, Zoboli e Fracolli (2004, p. 21), alertam para vulnerabilidade social
do sujeito de pesquisa como condição que pode influenciar no poder de
decisão e na autonomia.
O discurso sobre a garantia de direitos é de que o TCLE oferece uma
garantia relativa, uma vez que o mesmo só pode oferecer qualquer garantia
se o voluntário participante da pesquisa entende o TCLE como ferramenta
para este fim. Da mesma forma, segundo o discurso, não garante para o
pesquisador uma vez que o TCLE tem se tornado um documento
burocrático, o valor de proteção tem perdido o sentido. Na verdade, aqui
temos uma confusão de direitos pelos pesquisadores entrevistados, que
entendem direitos como direito legal e não como direito à informação,
cidadania, respeito à dignidade humana e respeito mútuo entre pesquisador
e voluntário participante.
”Se o desejo é de que a compreensão acerca do consentimento
ultrapasse os limites dos entendimentos jurídicos, rumo à responsabilidade
ética, seu verdadeiro marco, é essencial inserir a discussão desse tópico no
âmbito das relações da equipe multiprofissional e do trabalho coletivo de
saúde, de forma que possa garantir o efetivo processo livre e esclarecido, no
qual o maior protagonista é o usuário ou voluntário participante de pesquisa”
(Zoboli e Massarollo, 2002, p.66).
Segundo Beauchamp e Childress (1989), citados por Spinetti (2001,
p.67): ”o processo de consentimento deve ter o objetivo de permitir escolhas
autônomas de voluntários de pesquisa e pacientes, mas também serve para
proteção dos voluntários contra eventuais riscos e o encorajamento dos
pesquisadores para agir responsavelmente em sua interação com pacientes
e sujeitos de pesquisa.”
143
O profissional da área de pesquisa em seres humanos aparece no
discurso, segundo eles mesmos, como um profissional comum em busca de
aprendizagens e retorno financeiro. A reflexão ética não aparece como fator
decisivo na vida profissional, porém não podemos indicar o quanto isto pode
influenciar nas práticas com o voluntário participante de pesquisa e na
obtenção do TCLE.
Engelhardt Jr. (1998, p.351) enfoca que “a busca do lucro individual
pode trazer complicações financeiras ao individuo como também prejuízos à
condição profissional. Embora ganhar dinheiro e prestígio seja apenas um
dos objetivos do profissional de saúde, encontramos uma distinção que
assinala uma profissão douta, a busca de conhecimento pode entrar em
conflito com interesses dos indivíduos que estão sendo tratados.”
Segundo Oliveira (2001, p.65), do ponto de vista deontológico, a
moralidade do pesquisador investe-se de uma importância fundamental, com
destaque para os seus deveres como profissional. Ainda assim, vale
ressaltar que nem sempre o sujeito que detém a técnica detém a ética.
O retorno ao TCLE pelo próprio pesquisador não é hábito comum
dentro da pesquisa, segundo o discurso. Da mesma forma que acontece
quando o TCLE é trazido pelo voluntário participante, se repete na ação do
pesquisador, ou seja, somente quando há alguma mudança no protocolo ou
quando surge algum problema identificado pelo voluntário participante,
reforçando então a idéia de que o TCLE não é entendido como um processo
de consentimento que passa ao longo da pesquisa, nem pelo pesquisador e
nem para o voluntário participante.
Aqui identificamos, mais uma vez, na relação pesquisador versus
voluntário participante, a tutela e dominação entre aquele que detém o
conhecimento e concede o benefício do saber, do progresso e do
desenvolvimento, apresentado como novidade, eficácia e produto importado
de última descoberta. (Oliveira, 2001, p.65).
O discurso da necessidade inquestionável do TCLE em pesquisas com
seres humanos está focado na informação que o voluntário deve receber
como garantia de entendimento da pesquisa. Entretanto, também aparece
144
no discurso a necessidade de se discutir caso a caso a utilização do TCLE, o
que por um lado pode ser uma perda de direitos assegurados do voluntário
participante de pesquisa e, por outro, um ganho na realização de pesquisas,
para o pesquisador e eventuais patrocinadores.
O consentimento informado é condição indispensável na relação
profissional/paciente em pesquisas com seres humanos (Clotet, 2000, p. 13).
Ainda assim, o mesmo autor (Clotet, 1995), citado por Spinetti (2001,
p.66), ressalta que o consentimento pode ser oral ou escrito, sendo a última
forma a mais recomendável.
Seguindo o mesmo raciocínio, Vieira e Hossne (1987 p.134) apud
Spinetti (2001, p.66), ponderam que nem sempre um termo de
consentimento significa que houve respeito à autonomia e dignidade com o
voluntário participante. Ou seja, o ato de aplicar o TCLE não significa que
houve um diálogo e, conseqüentemente, uma relação de respeito mútuo
entre pesquisador e voluntário.
A cooperação estrangeira, principalmente com a indústria farmacêutica,
aparece no discurso como um mal necessário. O fato de se ter acesso a
medicamentos não disponíveis no país por meio dos estudos
disponibilizados pela indústria farmacêutica privada e multinacional,
conjuntamente com o retorno financeiro, coloca a cooperação estrangeira
numa posição de destaque no universo dos pesquisadores. Porém, existe o
entendimento entre os pesquisadores de não participação na metodologia e
conseqüente na elaboração do TCLE usado em campo, que de alguma
forma não é um entendimento suficiente para impedir a participação nas
cooperações estrangeiras.
Para Hossne (2003, p.03), interesses e objetivos podem ser
perfeitamente compreensíveis. Interesses econômicos sejam do pesquisador
ou do patrocinador, são aceitáveis desde que estejam em plena
conformidade ética, aqui entendida como respeito à dignidade humana, a
qual está acima de qualquer objetivo e interesse.
O entendimento de que existem diversos interesses no campo de
pesquisas em seres humanos está presente no discurso, porém isso
145
aparece de forma contraditória, pois ao mesmo tempo em que, no discurso
da cooperação estrangeira, pode significar para o pesquisador que ele é
simples mão-de-obra, o mesmo discurso se refere à autonomia do
pesquisador como imprescindível, o que nos remete a uma situação
conflitante entre os pesquisadores, até porque não existe a garantia de
autonomia do pesquisador, principalmente focando na elaboração do TCLE.
Todavia, a pesquisa no Brasil pode ser desenvolvida por profissionais
que não somente façam ou cumpram ordens, mas sim saibam discutir e
tenham poder de tomada de decisão dentro da pesquisa. (Hossne e Vieira,
2002, p.20).
Ainda assim, os múltiplos interesses emanados por: pesquisadores,
voluntários participantes, patrocinadores (públicos, privados, organismos
internacionais) e sociedade civil devem ser discutidos sempre na ótica da
ética, visando garantir o respeito à dignidade humana.
146
Capitulo VII - Comentários Finais
Ao chegarmos ao final deste trabalho, podemos considerar que o TCLE
usado hoje nas pesquisas clínicas medicamentosas envolvendo HIV/AIDS
ainda está para o profissional pesquisador como ferramenta de fiscalização
e auto regulamentação necessária para nortear suas ações no interior da
pesquisa e na relação com o voluntário participante.
Embora muitos autores e estudiosos da área falem sobre o processo
contínuo de consentimento, a prática nos mostra uma realidade diferente. O
olhar do pesquisador para o TCLE é muito mais do ponto de vista legal e
burocrático do que para o fortalecimento da garantia de um processo
contínuo e autônomo.
A prática medica baseada na confiança que o voluntário ou paciente
tem no seu médico, como coloca grande parte dos profissionais, permeia
toda a relação, o que pode levar a uma substituição da autonomia do
voluntário participante pela confiança estabelecida e pelo paternalismo,
principalmente nos casos de HIV/AIDS, onde voluntários e pesquisadores
estão muito próximos, até mesmo por conta do acompanhamento médico,
que se aplica em muitos casos de pesquisas nesta área.
Isto nos levar a acreditar que tanto a sociedade civil organizada como a
própria classe de médicos pesquisadores necessitam de uma ação mais
rígida, no sentido de promover discussões e ações que impliquem no uso do
TCLE como processo contínuo autônomo, sempre na garantia da reflexão
ética e no respeito à dignidade humana.
Excluído:
147
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