51
Afro-Ásia, 46 (2012), 9-59 9 FAMÍLIA, PARENTESCO ESPIRITUAL E ESTABILIDADE FAMILIAR ENTRE CATIVOS PERTENCENTES A GRANDES POSSES DE MINAS GERAIS – SÉCULO XIX * Jonis Freire ** herança africana, sem dúvida, fez parte da experiência que os cativos tiveram em sua condição escrava. Trazidos de “suas terras” de origem, compartilhando o mesmo navio negreiro que os levaria até a sua nova morada, começavam ali, senão anteriormente, a serem delineados os traços culturais que iriam levar grupos, até então “dispersos” entre si, a compor as bases da comunidade africana e afro- brasileira. 1 Mantendo seus padrões culturais ou reelaborando em terras brasileiras os traços que lhes permitiam pertencer a uma identidade afri- cana, não há dúvidas que a experiência dos cativos africanos, bem como seu legado cultural, influenciou fortemente as comunidades escravas. Seja no interior das fazendas e dos sítios, na área rural ou urbana, no nordeste ou no sudeste brasileiro. Os traços da herança africana, cons- A * Este artigo faz parte de um dos capítulos de minha tese de doutorado defendida em 2009 na Universidade Estadual de Campinas: “Escravidão e família escrava na Zona da Mata Mineira oitocentista”. ** Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira- Universo. 1 Para uma análise acerca da herança africana e uma crítica sobre o grau de distanciamento dos grupos etnolinguísticos centro-africanos, conferir: Robert Slenes, “Malungu, Ngoma vem!: África encoberta e descoberta no Brasil”, Revista USP, n. 12 (1991-92), pp. 48-67.

AA 46 JFreire

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Escravidão em Minas Gerais

Citation preview

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 9

    FAMLIA, PARENTESCO ESPIRITUALE ESTABILIDADE FAMILIAR ENTRE CATIVOS

    PERTENCENTES A GRANDES POSSES DE MINAS GERAIS SCULO XIX*

    Jonis Freire**

    herana africana, sem dvida, fez parte da experincia que oscativos tiveram em sua condio escrava. Trazidos de suasterras de origem, compartilhando o mesmo navio negreiro que

    os levaria at a sua nova morada, comeavam ali, seno anteriormente,a serem delineados os traos culturais que iriam levar grupos, at entodispersos entre si, a compor as bases da comunidade africana e afro-brasileira.1

    Mantendo seus padres culturais ou reelaborando em terrasbrasileiras os traos que lhes permitiam pertencer a uma identidade afri-cana, no h dvidas que a experincia dos cativos africanos, bem comoseu legado cultural, influenciou fortemente as comunidades escravas.Seja no interior das fazendas e dos stios, na rea rural ou urbana, nonordeste ou no sudeste brasileiro. Os traos da herana africana, cons-

    A

    * Este artigo faz parte de um dos captulos de minha tese de doutorado defendida em 2009 naUniversidade Estadual de Campinas: Escravido e famlia escrava na Zona da Mata Mineiraoitocentista.

    ** Professor do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Salgado de Oliveira-Universo.

    1 Para uma anlise acerca da herana africana e uma crtica sobre o grau de distanciamento dosgrupos etnolingusticos centro-africanos, conferir: Robert Slenes, Malungu, Ngoma vem!:frica encoberta e descoberta no Brasil, Revista USP, n. 12 (1991-92), pp. 48-67.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:519

  • 10 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    tantemente renovados pelo trfico, se fizeram sentir cotidianamente entreos escravos. Isto ocorreu por meio do casamento, das prticas de nome-ao e apadrinhamento de seus filhos, em sua religiosidade, nas lutascontra a opresso senhorial e em tantas outras atitudes tomadas poreles, na busca de um espao de autonomia, mesmo que restrito, dentrodo sistema escravista.

    Robert Slenes, baseando-se nas observaes do antroplogo IgorKopytoff, demonstrou que as razes africanas no eram concebidasnum determinado espao geogrfico, e, sim, em seu grupo de parentes-co, nos ancestrais e em uma memria genealgica, pois os africanoslevam seus ancestrais consigo quando mudam de lugar, no importandoonde esses estejam enterrados. 2 Seu livro procurou demonstrar que osafricanos trazidos ao Brasil, apesar das penosas condies e da separa-o a que foram expostos, teriam buscado na medida do possvel orga-nizar suas vidas de acordo com a gramtica (profunda) da famlia-linhagem.3

    Para o pesquisador, o encontro da cultura africana com a afro-brasileira dos escravos, que foi mediada por suas experincias no cati-veiro, tornou visvel a flor que no teria sido vista, ou entendida,pelos viajantes que estiveram no Brasil do sculo XIX, muito menospor seus leitores, que perpetuaram na historiografia brasileira, at pelomenos a dcada de 1970, o carter anmico de suas relaes familiares.

    A famlia escrava foi de vital importncia para a vida cotidianados cativos, por meio dela eles tiveram a oportunidade de manter eredefinir suas razes africanas. Puderam tambm contar com uma insti-tuio forte que lhes possibilitava auferir ganhos (sociais, econmicose polticos), constituir espaos de sociabilidade e solidariedade. Trata-mos, aqui, de famlias escravas que extrapolam os ncleos primrios;ou seja, da intergeracional e ampliada, baseada no parentescoconsanguneo e no ritual, j que ela se estendia muito alm dos limitesde qualquer unidade domiciliar ou consangunea. Podia atravessar os

    2 Robert Slenes, Na senzala uma flor: esperanas e recordaes na formao da famlia es-crava, Brasil sudeste, sculo XIX, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 147.

    3 Slenes, Na senzala uma flor, p. 147.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5110

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 11

    limites legais da condio de escravo, por meio das relaes oriundasentre cativos e pessoas livres e libertas.4

    O nosso objeto de estudo o distrito de Santo Antonio do Juiz deFora, localizado na Zona da Mata Mineira, e que viria a se constituir emuma das regies mais prsperas, ligada plantation cafeeira, e aquelacom maior contingente de escravos no decorrer do sculo XIX. A pesqui-sa aborda, mais especificamente, trs famlias possuidoras de grande mo-de-obra cativa, encabeadas pelos senhores Antonio Dias Tostes, comen-dador Francisco de Paula e capito Manoel Igncio Barbosa Lage. Desdeo incio do sculo XIX, a localidade contou com uma maioria de cativosde origem africana, talvez at antes, pelo grande afluxo de cativos. Cons-tatao que pode ser observada por meio da anlise das Listas Nominati-vas de Habitantes de 1831,5 que apontam um percentual de 56,8% deescravos procedentes da frica contra 43,2% de nacionais (crioulos, par-dos e cabras). A maioria dos africanos encontrava-se entre jovens e adul-tos, os nacionais estavam em sua maior parte entre as crianas.

    Acreditamos que essa maioria de africanos, seja no total dos es-cravos, seja entre os jovens/adultos, deva ter conformado os padres dacomunidade cativa naquele distrito. A anlise das propriedades das trsfamlias de elite daquele local possibilita o entendimento das prticasculturais africanas em perodos distintos. A maior parte dos cativos da-queles trs proprietrios, com a procedncia conhecida, era provenien-te da frica Central ou Centro-Oeste africano, padro reforado poroutras pesquisas sobre Minas Gerais e o sudeste escravista.6 Isabel Reis

    4 Cabe ressaltar que as experincias, as estratgias e o cotidiano dessas famlias foram mlti-plos e variados, ou seja, questes como as relativas ao matrimnio e ao compadrio, por exem-plo, variaram dependendo das especificidades da poca estudada. A anlise da documentaodemonstra que houve um conjunto diferenciado de possibilidades na histria desses escravi-zados e de suas famlias, que, certamente, no devem ser tratadas como um contexto nico.

    5 Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, Termo da Nobre e MuitoLeal Vila de Barbacena, 1831. Arquivo Pblico Mineiro (Doravante APM). Caixa 9; Docu-mento 4.

    6 Fabio Wilson Amaral Pinheiro, O trfico atlntico de escravos na formao dos plantis mineiros,Zona da Mata (c.1809 c.1830) (Dissertao de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro,2007). Afonso de Alencastro Graa Filho e Fbio Carlos Vieira Pinto, Trfico e famlias escravas emMinas Gerais, in Andra Lisly Gonavles e Valdei Lopes de Arajo (orgs.), Estado, regio esociedade: contribuies sobre histria social e poltica (Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008).Marcos Ferreira de Andrade, Elites regionais e a formao do Estado imperial brasileiro MinasGerais Campanha da Princesa (1799-1850), Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008. Robert

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5111

  • 12 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    concluiu que a proximidade entre os africanos e os crioulos de primeiragerao e, consequentemente, sua herana cultural foi aspecto impor-tante na vida familiar desses indivduos.7

    Slenes est convencido de que gente dessas origens [kongo(bakongo) e mbundu], junto com migrantes de grupos relacionados, for-mava a matriz cultural das senzalas do Sudeste a partir da dcada de1820.8 Ainda de acordo com o historiador, o conhecimento de suas arti-culaes comunitrias, sobretudo por meio dos cultos de aflio, podeajudar na compreenso das questes relativas formao do poder nassenzalas e das estratgias familiares e identitrias dos escravos, no con-texto de seu relacionamento com senhores e outras pessoas livres.9

    O mesmo autor, enfocando o Centro-Sul do Brasil da primeirametade do sculo XIX, em especial as reas rurais do Rio de Janeiro ede So Paulo, constatou que essa regio possua condies favorveispara o surgimento de uma identidade comum entre escravos africanos,no possuindo equivalente em outra parte do Brasil e em nenhum outroperodo.10

    No ano de 1831, o distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora tinha172 cativos descritos como casados e vivos, 20,6% do total de escra-vos, a maioria composta por africanos. A maior parte destes cativosencontrava-se nas faixas de posses de tamanhos mdio e grande, ouseja, propriedades com mais de 20 cativos.

    O recenseador, em geral, caracterizou cada escravo dos fogos deacordo com as variveis discriminadas naquelas Listas e, quase sempre,descreveu primeiro homens e depois mulheres.11 Entretanto, nas Listas

    Slenes, A rvore de Nsanda transplantada: cultos kongo de aflio e identidade escrava noSudeste brasileiro (sculo XIX), in Douglas Cole Libby e Jnia Ferreira Furtado (orgs.),Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, sculos XVII e XIX (So Paulo: Annablume,2006).

    7 Isabel Cristina Ferreira dos Reis, A famlia negra no tempo da escravido: Bahia, 1850-1888 (Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, 2007).

    8 Slenes, A rvore de Nsanda, p. 276.9 Slenes, A rvore de Nsanda, p. 276.10 Slenes, Malungu, Ngoma vem!, p. 55.11 Na confeco da Lista, alm do nmero de fogos e dos nomes dos indivduos residentes, havia

    cinco variveis presentes: Qualidades; Condies; Idades; Estados e Ocupaes. Orecenseador as classificou da seguinte forma: na primeira delas foram listados os indivduosdescritos por ele como brancos(as), africanos(as), crioulos(as), pardos(as), cabras. Na segunda,

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5112

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 13

    Nominativas no existe menes aos nomes dos cnjuges, o que no nospermitiu saber quem eram eles. Esse limite nos impediu de traar consi-deraes sobre as possveis relaes endogmicas e exogmicas daque-les indivduos. 12 Dos cativos casados no distrito de Santo Antonio doParaibuna, no ano de 1831, o homem mais jovem tinha 13 anos e o maisvelho, 62; as mulheres mais jovens 14 anos e a mais velha, 52. Pressupe-se, aqui, que o estado conjugal atribudo pelo recenseador dizia respeito aunies legtimas, sacramentadas perante a Igreja Catlica.

    Os relatos de viajantes que passaram pela Zona da Mata, duranteo sculo XIX, trazem algumas informaes interessantes acerca da vidados escravos, do tipo de trabalhos realizados por eles, de suas habita-es, de seu regime alimentar, alm de traos a respeito da localidade ede seus moradores mais proeminentes.13 Podemos ter uma interessantenoo das observaes daqueles viajantes, por exemplo, com um dilo-go ocorrido, em 1816, entre Saint-Hilaire e um escravo, quando elepassou pelos arredores onde se formaria o municpio estudado.

    Chegando a uma plantao de milho, o viajante avistou uma fu-maa que anunciava uma choa qualquer de negro.14 Dirigindo-sequele lado, encontrou uma barraca, que os pretos da provncia de Mi-nas tinham o costume de levantar quando eram obrigados a dormir nocampo. Ainda sobre os mesquinhos abrigos, o naturalista nos oferece

    cativos(as), libertos(as), forros(as), livres. A terceira e a quarta variveis arrolaram, respecti-vamente, as idades dos habitantes e se eram casados, solteiros ou vivos. Na ltima, encon-tramos meno s ocupaes dos indivduos que habitavam naqueles fogos, tais como rocei-ro, lavrador, administrador, feitor etc.

    12 Baseando-nos na historiografia, consideramos casamentos endogmicos aqueles ocorridosentre cativos iguais, dentro de seu prprio grupo, no que diz respeito origem ou cor,crioulo com crioula, pardo com parda, africano com africana; no caso desses ltimos, consi-deramos tambm relaes endogmicas as ocorridas entre mina e mina, rebolo e rebolo etc.Os casamentos exogmicos so os que ocorreram fora do grupo, entre os desiguais, tam-bm em relao origem e cor, ou seja, africano com crioula, crioulo com parda, no casodos africanos, aquelas relaes ocorridas entre mina e cassange, angola e moambique tam-bm so consideradas exogmicas.

    13 Sobre essa fonte, seus cuidados e possibilidades ver Robert Slenes, Lares negros, olharesbrancos: histrias da famlia escrava no sculo XIX, Revista Brasileira de Histria, v. 8, n.16 (1988), pp. 189-203, reeditado em Antnio Augusto Arantes et alii (orgs.), Colcha deretalhos: estudos sobre a famlia no Brasil (Campinas: Editora da Unicamp, 1993).

    14 Auguste de Saint-Hilaire, Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Geraes,Paris: Grimbert e Dorez, 1830, p. 97.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5113

  • 14 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    uma descrio de sua arquitetura, bem como dos utenslios e do mobili-rio utilizados. Ao se aproximar da choa, Saint-Hilaire se deparou comum negro sentado no cho comendo pedaos de tatu assado sobre car-ves; nesse momento o mesmo ps alguns pedaos numa meia cabaa,acrescentou angu e ofereceu-me a comida de modo gracioso.15 A partirda, o viajante estabeleceu um dilogo com o escravo que, segundo ele,no modifiquei uma nica palavra:16

    Saint-Hilaire Voc naturalmente se aborrece vivendo muito s no meiodo mato?Escravo Nossa casa no muito afastada daqui; alm disso eu traba-lho.Saint-Hilaire Voc da costa da frica; no sente algumas vezes sau-dade de sua terra?Escravo No: isto aqui melhor; no tinha ainda barba quando vimpara c; habituei-me com a vida que passo.Saint-Hilaire Mas aqui voc escravo; no pode jamais fazer o quequer.Escravo - Isso desagradvel, verdade; mas o meu senhor bom, med bastante de comer: ainda no me bateu seis vezes desde que me com-prou, e me deixa tratar da minha roa. Trabalho para mim aos domin-gos; planto milho e mandubis (Arachis), e com isso arranjo algum di-nheiro.Saint-Hilaire casado?Escravo No: mas vou me casar dentro de pouco tempo; quando sefica assim sempre s, o corao no vive satisfeito. Meu senhor meofereceu primeiro uma crioula, mas no a quero mais: as crioulas des-prezam os negros da costa. Vou me casar com outra mulher que a minhasenhora acaba de comprar; essa da minha terra e fala minha lngua.Saint-Hilaire: Tirei uma moeda e dei-a ao negro, e ele fez questo de meoferecer alguns pequenos peixes e um pepino que foi buscar no seucampo de mandubis.17

    Logo a seguir, o naturalista francs fez declaraes, a nosso ver,pouco convincentes a respeito da escravido e da cultura africana, afir-

    15 Saint-Hilaire, Voyage dans les provinces, p. 9816 Saint-Hilaire, Voyage dans les provinces, p. 99.17 Saint-Hilaire, Voyage dans les provinces, pp. 98-9.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5114

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 15

    mando que os negros no so sempre to infelizes como se diz. A escra-vido no para eles o que seria para ns, porque se preocupam poucocom o futuro, e, quando o presente suportvel, no precisam de mais.18Parece que ele levou ao p da letra o que o escravo lhe disse, sem seperguntar se o mesmo estava dizendo (a um branco, amigo dos senho-res) o que realmente pensava. Vale ressaltar que, ao analisarmos o relatodo viajante, no o consideramos como uma descrio ipsis litteris da con-versa e do encontro dele com o escravo. O relato escrito a transcrio deuma dinmica oral, que est permeada pelo olhar de quem escreve.

    Estando em uma zona de contato, o escravo j teria realizadouma interao cultural. Mesmo no conseguindo controlar a culturadominante, apropriou e ressignificou alguns de seus elementos cultu-rais.19 Ao dialogar sobre si com o viajante, o escravo pode ter feito umarepresentao daquilo que ele queria que fosse absorvido pelo estran-geiro. Nesse sentido, interessante pensar-se em que medida os relatosde viajantes, por exemplo, foram moldados pelos no europeus (escra-vos em nosso caso); e at que ponto o que foi dito pelo escravo era aimagem que ele queria que fosse passada, muitas vezes por saber queera a mais adequada e/ou vantajosa naquele momento.

    Voltando ao dilogo entre Saint-Hilaire e o negro, o excerto acimaexposto, alm de explicitar a expectativa do escravo africano com rela-o ao seu casamento, demonstra a sua preferncia por uma relaoendogmica, indicando a possibilidade de escolha por parte do cativo,quando o mesmo renega uma cativa crioula oferecida por seu senhor. Aquesto das escolhas dos cnjuges pode ser bem entendida no livro deSandra Graham, no qual podemos conhecer a histria da cativa Caetana,que lutou to ferozmente contra a escolha de seu consorte e o consequen-te casamento com ele. Pediu a anulao do matrimnio, enfrentando aspresses exercidas pela autoridade de seu dono, e depois pela de seu tio.20

    18 Saint-Hilaire, Voyage dans les provinces, p. 99.19 Fazendo uso de conceitos etnogrficos, Pratt afirmou que, nas regies de zona de contato,

    ocorre o fenmeno da transculturao, quando o grupo subordinado seleciona o que e o modocomo absorver elementos da cultura dominante. Mary Louis Pratt, Os olhos do Imprio:relatos de viagem e transculturao, Bauru: Edusc, 1999.

    20 Sandra Lauderdale Graham, Caetana diz no: histrias de mulheres da sociedade escravistabrasileira, So Paulo: Companhia das Letras, 2005.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5115

  • 16 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    Tendo como base o dilogo acima e o afirmado pela historiogra-fia, deve ser muito provvel que os(as) escravos(as) listados(as) comocasados(as), tenham tido seus cnjuges dentro da prpria posse. Entre-tanto, no nos podemos esquecer de que os cativos podem ter sido casa-dos com outras escravas, agora na condio de ex-escravas, bem comocom outras que habitavam posses diferentes das suas.21 Tambm ne-cessrio relembrar que esses casamentos estavam muito sujeitos ao ta-manho da posse em que se encontravam os escravos. De acordo comSlenes, em estudo sobre Campinas (SP) nos anos de 1870, o casamentoentre escravos de posses diferentes no ocorreu de maneira substancial.Mdias e grandes propriedades, por possurem maior percentual de ca-tivos, propiciaram maior pool aos enlaces matrimoniais entre escravos,sendo as percentagens de homens e mulheres algumas vezes casadosextremamente sensveis razo de sexo.22

    Brenda Stevenson, em trabalho sobre Loudoun, na Virginia, suldos Estados Unidos, localidade que estava perdendo cativos no trficointerno, percebeu que as famlias mais comuns na regio eram as matri-focais. Sua explicao para tal constatao foi a de que havia naquelalocalidade uma maioria de casamentos entre cativos de propriedadesdiferentes (abroad marriages), tanto nas pequenas quanto nas maiores.

    21 Alida Metcalf encontra um percentual de 93% de escravos casados, pertencentes ao mesmosenhor, em Santana do Parnaba (SP). Alida C Metcalf, A famlia escrava no Brasil colonial:um estudo de caso em So Paulo, in Srgio Odilon Nadalin et alii (orgs.), Historia e popula-o: estudos sobre a Amrica Latina (So Paulo: Fundao Sistema Estadual de Anlise deDados, 1990); Iraci Del Nero da Costa, Robert Slenes e Stuart Schwartz, A famlia escravaem Lorena (1801), Estudos Econmicos. Demografia da escravido, v.17, n. 2 (1987); RobertSlenes, Escravido e famlia: padres de casamento e estabilidade familiar numa comunida-de escrava (Campinas, sculo XIX), Estudos Econmicos, v.17, n. 2 (1987).

    22 Slenes, Escravido e famlia, p. 218. De acordo com Bacellar e Scott, Em Itu, os escravoscasados chegavam a compor 37% do total em 1808, mantendo, para o total das trs datasanalisadas [1798, 1808 e 1818], uma mdia de quase 31%. Nas vilas de economia de abaste-cimento, os casados, embora em percentuais um pouco menores, tambm compunham parteconsidervel do conjunto: 22%, em 1798, 32%, em 1808 e 28%, em 1818. Se levados emconta somente os escravos de 7 anos excluindo-se assim a faixa em que no poderia haverindivduos casados as porcentagens elevam-se muito, ultrapassando os 40% em Itu e os35% nas demais vilas. Caso tambm sejam excludos os escravos da faixa etria 8 a 14, oscasados ultrapassariam o ndice de 50% em ambas as reas. Carlos de Almeida Prado Bacellare Ana Silvia Volpi Scott, Sobreviver na senzala: estudo da composio e continuidade dasgrandes escravarias paulistas, 1798-1818, in Srgio Odilon Nadalin et alii (orgs.), Histriae populao, p. 214.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5116

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 17

    Dessa forma, a autora argumentou que as crianas passavam a maiorparte do tempo com suas mes e, ocasionalmente, com seus pais. Toda-via, Stevenson refutou a falta de uma referncia masculina na vida des-ses infantes, j que a sua socializao no se dava apenas no mbito dachamada famlia conjugal, mas tambm e, principalmente, dentro dacomunidade escrava, por meio dos laos de parentesco e amizade.23

    Concluses opostas s de Stevenson foram feitas por Ann PattonMalone em pesquisa sobre trs propriedades na Louisiana. Em uma re-gio que vinha ganhando escravos no trfico interno, Malone percebeuque a maioria das famlias encontradas eram as nucleares e os casamen-tos entre escravarias eram raros, provavelmente pelo equilbrio entre ossexos e pela proibio dessas unies pelos proprietrios.24

    Com essa ressalva e baseados nas j citadas Listas de Habitantesde 1831, nas quais podemos ter uma viso mais adequada sobre as ori-gens25 dos cativos casados e vivos daquela localidade, no incio dosculo XIX, tentaremos, por meio do Grfico I, uma aproximao arespeito dos tipos de relaes matrimoniais que aqueles cativos podemter tido.

    Apesar do alerta que fizemos sobre o conhecimento do tipo derelaes existentes quela poca, arriscamos algumas hipteses acercados casamentos endogmicos e exogmicos, tendo como base o conhe-cimento quantitativo das origens (os casados eram 62 africanos e 36africanas; 15 crioulos e 41 crioulas, mais uma crioula viva; sete par-dos e oito pardas, mais uma parda viva; um cabra).

    Podemos notar que os africanos excederam em nmero suas par-ceiras de mesma origem, situao completamente oposta a dos crioulose dos pardos, em que as mulheres eram maioria. O indivduo descritocomo cabra era um homem, no havendo entre os apresentados comocasados nenhuma cativa com a mesma designao.

    23 Brenda E. Stevenson, Life in Black and White. Family and Community in Slave South, NewYork: Oxford University Press: 1996.

    24 Ann Patton Malone, Sweet Chariot: Slave Family and Household Structure in Nineteenth-Century, Louisiana: Chapel Hill & London, 1992.

    25 Cabe lembrar que o recenseador denominou os escravos como africanos, crioulos, pardos ecabras na varivel qualidade. Portanto, por esse motivo que o grfico vem representadocom o que entendemos hoje como origem e cor dos escravos.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5117

  • 18 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    Pois bem, o conhecimento dos dados expostos no Grfico I permi-te visualizar que os homens africanos, que eram a maioria em relao smulheres de mesma origem, no puderam se casar exclusivamente dentrodo mesmo grupo, realizando, dessa forma, casamentos do tipo exogmico.Em contrapartida, os crioulos e os pardos, que constituam a minoria,ambos em relao s mulheres de mesma origem que a sua, tiveram mai-ores possibilidades de se casar com cativas do mesmo grupo, provavel-mente, se no houve naquelas propriedades muitos casamentos entre es-cravos de posses diferentes, ou com ex-cativos ou livres. Os cativos, prin-cipalmente os africanos, tiveram que contrair matrimnio com cnjugesde um grupo de origem diferente do seu, caracterizando casamentos dotipo exogmico. isso que os dados sugerem, caso dos africanos, doscrioulos, dos pardos e dos cabras que tenham contrado, em sua maioria,casamentos com cnjuges da mesma propriedade. Situao que no deveter sido diferente para o nico cativo casado descrito como cabra.

    Grfico IGrfico IGrfico IGrfico IGrfico IEscravos casados ou vivos das pequenas, mdias e grandes possesEscravos casados ou vivos das pequenas, mdias e grandes possesEscravos casados ou vivos das pequenas, mdias e grandes possesEscravos casados ou vivos das pequenas, mdias e grandes possesEscravos casados ou vivos das pequenas, mdias e grandes posses

    do distrito de Santo Antonio do Juiz de Fdo distrito de Santo Antonio do Juiz de Fdo distrito de Santo Antonio do Juiz de Fdo distrito de Santo Antonio do Juiz de Fdo distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, 1831*ora, 1831*ora, 1831*ora, 1831*ora, 1831*

    Fonte: Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, Termo da Nobre e MuitoLeal Vila de Barbacena, 1831. APM. Caixa 9; Documento 4.* As vivas so uma crioula euma parda.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5118

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 19

    A distribuio dos escravos casados e vivos em faixas etriasdemonstra que a maioria pertencia dos jovens/adultos, com 76 mulhe-res (sendo duas vivas) e 70 homens; seguida pela dos idosos com 14homens e seis mulheres. Temos ainda uma populao bastante jovemque se estava casando, composta por aqueles que se encontravam nafaixa das crianas (114 anos de idade), com quatro mulheres e doishomens. A supremacia das mulheres no casamento pode ser observadapela baixa razo de sexo, encontrada entre os escravos casados nas trsfaixas etrias, exceo feita aos idosos. De maneira geral, houve umarazo bem prxima do equilbrio, chegando a 97,7 homens por grupo de100 mulheres (Tabela I).

    A anlise dos escravos casados ou vivos demonstra que o au-mento do tamanho dos fogos diretamente proporcional ao dos cativoscasados de ambos os sexos, quanto maior o nmero de escravos numdeterminado fogo, maior o percentual de homens e mulheres casados.

    No tocante aos homens e s mulheres acima dos 15 anos quecontraram matrimnio, detectamos para elas o mesmo padro, ou seja,o aumento das faixas de tamanho das posses foi acompanhado pelo dapercentagem do nmero de casadas. Contudo, assim como os cativos,percebemos um aumento entre a primeira e a segunda faixas de tama-

    TTTTTabela Iabela Iabela Iabela Iabela IDistribuio dos escravos segundo faixas etrias, sexoDistribuio dos escravos segundo faixas etrias, sexoDistribuio dos escravos segundo faixas etrias, sexoDistribuio dos escravos segundo faixas etrias, sexoDistribuio dos escravos segundo faixas etrias, sexo

    e estado conjugal, distrito de Santo Antonio do Juiz de Fe estado conjugal, distrito de Santo Antonio do Juiz de Fe estado conjugal, distrito de Santo Antonio do Juiz de Fe estado conjugal, distrito de Santo Antonio do Juiz de Fe estado conjugal, distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, 1831ora, 1831ora, 1831ora, 1831ora, 1831

    Fonte: Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, Termo da Nobre e MuitoLeal Vila de Barbacena, 1831. APM. Caixa 9; Documento 4.

    Faixa etria H % M % H % M % H + M %Crianas (1-1 4)Jovens/adultos (15-40) 70 81,2 74 88,2 - - 2 100 146 84,9 8 9,6

    Idosos (41+ )Total 86 100,0 84 100,0 - - 2 100 172 100 9 7,7

    Sexo e estado conjug al

    - 20 11,6 2 33,3

    6 3,5 5 0,0

    14 16,5 6 7,1 - - -

    - - - -2 2,3 4 4,7

    Casados Vivos Total C+V Razo de sexo dos C+V

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5119

  • 20 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    nho das propriedades, com um ligeiro decrscimo entre mdias e gran-des propriedades. Contudo, de maneira geral, quanto maior a posse,maior a possibilidade de encontrarmos escravos casados (Tabela II).

    Em todas as faixas, foram as mulheres que proporcionalmentemais se casaram. Isso se explica pelo fato de que eram minoria e pude-ram dispor de um contingente de homens acima dos 15 anos; as cativasdevem ter contado com um estoque de possveis cnjuges para con-trair o casamento, o que se reflete nos percentuais abaixo descritos.

    Em sua anlise sobre as posses de escravos no municpio de Cam-pinas em 1872, Slenes apontou que entre as mdias e as grandes posses,respectivamente, 10 a 49, e 50 ou mais cativos, 67% das mulheres aci-ma de 15 anos eram casadas ou vivas. Se nos ativermos ao conheci-mento especfico de cada faixa de fogo/posse, veremos que, nas possesgrandes do distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, foram encontra-das 40,7% das escravas, nessa faixa etria, casadas ou vivas. Aquelasque pertenciam s posses mdias tiveram um percentual um pouco mai-

    TTTTTabela IIabela IIabela IIabela IIabela IIEscravos no distrito de Santo Antonio do Juiz de FEscravos no distrito de Santo Antonio do Juiz de FEscravos no distrito de Santo Antonio do Juiz de FEscravos no distrito de Santo Antonio do Juiz de FEscravos no distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, 1831:ora, 1831:ora, 1831:ora, 1831:ora, 1831:

    distribuio, percentagem de casados ou vivos, com 15 anos ou mais,distribuio, percentagem de casados ou vivos, com 15 anos ou mais,distribuio, percentagem de casados ou vivos, com 15 anos ou mais,distribuio, percentagem de casados ou vivos, com 15 anos ou mais,distribuio, percentagem de casados ou vivos, com 15 anos ou mais,por faixa de tamanho do fogo*por faixa de tamanho do fogo*por faixa de tamanho do fogo*por faixa de tamanho do fogo*por faixa de tamanho do fogo*

    Fonte: Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, Termo da Nobre e MuitoLeal Vila de Barbacena, 1831. APM. Caixa 9; Documento 4. *No esto computados seisescravos, quatro cativas e dois cativos casados. As mulheres possuam 14 anos, sendouma nas pequenas posses; trs na faixa das posses mdias. Os dois homens encontra-vam-se entre as grandes posses, um com 13 e o outro com 14 anos.

    Faixa de tamanho dos fogos

    Nmero de fogos com escravos

    (escravos)H M Total

    Pequena (1-19)Mdia (20-50)Grande (50+)

    Total 67 430 17 8 608 172 100 86 100 86 100

    Total de escravos % de casados e vivos na populao Ambos os sexos* H. M.

    12,8 12 14,054 133 57 190 11,6

    10 153 71 224 80 46,5 39 45,3

    22

    3 144 50 194 35 40,7

    Acima de 15 anos

    41 47,7

    70 40,7 35 40,7

    10

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5120

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 21

    or, 47,7%. Nas pequenas posses, encontramos apenas 11,6% de cativascasadas. As 86 mulheres casadas e vivas acima dos 15 anos, no ano de1831, correspondiam a 48,3% do total de todas as cativas com idadesacima daquela (178), cifra ainda bem menor que a exposta pelo pesqui-sador. J os homens eram 20,0% (Tabela II).

    Utilizando a mesma classificao de Slenes, com relao idadedas cativas casadas ou vivas, cremos que as cifras por ns encontradasso dignas de comparao. O nmero de casadas ou vivas no totaldaquela populao feminina, e que ficaram a parte de nossos clculos,compreendeu apenas quatro mulheres, o que no suficiente para alte-rar demasiadamente nossos argumentos. De maneira geral, nossos da-dos parecem corroborar, mais uma vez, o entendimento que se tem porparte da bibliografia especializada, que as mdias e as grandes possescontavam com os maiores percentuais de homens e mulheres casadosou vivos.

    O tamanho das posses em escravos foi uma varivel que influiusobremaneira nas possibilidades de uma unio formal entre os cativos.Esse aspecto foi abordado por Slenes, que buscou entender a variaonos padres de casamento (religioso), por tamanho de fogo ou posse(pequenas, 1 9 escravos; e mdias e grandes, respectivamente, 10 a 49,e 50 ou mais cativos) em Campinas. Slenes percebeu na proibio,pelos proprietrios, do casamento entre cativos de diferentes posses eentre escravos e libertos um importante inibidor nos ndices de casa-mentos formais nas faixas de tamanho de fogo/posse, no s naquelalocalidade, mas tambm em outras regies.26

    O conhecimento da mdia das idades dos escravos casados umaquesto importante. De maneira geral, os homens casaram-se, pelo me-nos do ponto de vista legal, com idades maiores que a das mulheres por volta dos 32 anos enquanto elas tinham 25,5 anos. A idade mdiados casados e vivos, acima de 15 anos, foi de 28,7 anos (Tabela III).

    Essas tendncias podem ser observadas quando analisamos asmdias em cada faixa de tamanho dos fogos, com os homens com ida-

    26 Slenes, Na senzala uma flor.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5121

  • 22 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    des na casa dos 30 anos e mulheres na dos 20. Cabe, porm, ressaltarque essa fonte abarcou um ano especfico (1831), e no as datas e asidades em que os escravos contraram o sacramento do matrimnio pe-rante a Igreja Catlica. Certamente, essas idades que apresentamos somuito mais altas do que realmente deveriam ser. Embora essa fonte,devido a essas limitaes, no seja a mais adequada para o conhecimen-to preciso das idades mdias, reflete uma tendncia anterior ao ano de1831, o que os registros paroquiais muito provavelmente confirmariam,qual seja a de que as mulheres se casavam com idades inferiores s doshomens em todas as faixas de tamanho dos fogos.

    Rmulo Andrade, em seu estudo sobre Juiz de Fora do sculoXIX, encontrou uma exogamia praticada em maior nmero por homensafricanos casados com mulheres crioulas. Segundo o historiador, o queocorreu no foi uma preferncia por parte dos cativos, a demografiadesequilibrada da plantation desfavoreceu o africano, que no encon-trou dentro das posses uma possvel cnjuge da mesma origem. O pes-quisador demonstrou ainda que os africanos tinham idade mais avana-da que as crioulas, praticamente todas j casadas (com os de mesmo

    TTTTTabela IIIabela IIIabela IIIabela IIIabela IIIIdade mdia dos escravos casados e vivosIdade mdia dos escravos casados e vivosIdade mdia dos escravos casados e vivosIdade mdia dos escravos casados e vivosIdade mdia dos escravos casados e vivos

    no distrito de Santo Antonio do Juiz de Fno distrito de Santo Antonio do Juiz de Fno distrito de Santo Antonio do Juiz de Fno distrito de Santo Antonio do Juiz de Fno distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, 1831ora, 1831ora, 1831ora, 1831ora, 1831

    Fonte: Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, Termo da Nobre e MuitoLeal Vila de Barbacena, 1831. APM. Caixa 9; Documento 4.

    Faixa de tamanho dos fogos

    Nmero de fog os com

    casados/vivos(escravos) Ambos os

    sexos H. M.Pequena 9 22 30,7 3 2,9 28,1(1-1 9 )Mdia 9 80 27,2 3 0,4 24,1(20-50)Grande (51+) 3 70 29,8 3 3,3 26,2

    Total 21 172 28,7 32 25,5

    Total de escravos

    casados/vivosIdade mdia dos casados e vivos

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5122

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 23

    grupo, em quase sua totalidade) ou enviuvadas. Outra observao feitapor Andrade para explicar os casamentos entre escravos de origem dife-rente est nas limitaes impostas pelo sistema escravista, que levavaafricanos e crioulos a recorrer s sobras do sexo.27

    O capito Tostes, o mais destacado proprietrio de escravos re-censeado em Juiz de Fora no ano de 1831, possua uma maioria esma-gadora de cativos africanos do sexo masculino e em idade produtiva,entre os 15 e 40 anos de idade. O fato de no contarmos com designa-es menos genricas do termo africano, bem como a ausncia da refe-rncia aos nomes dos casais, no nos permitiu inferir um pouco maisacerca das escolhas no tocante ao casamento, ou seja, sobre a endogamiaou exogamia nos casamentos daquela posse. Entretanto, parece ter ocor-rido a mesma tendncia esboada para a localidade como um todo.

    Grfico IIGrfico IIGrfico IIGrfico IIGrfico IIEscravos casados na posse do capito Antonio Dias TEscravos casados na posse do capito Antonio Dias TEscravos casados na posse do capito Antonio Dias TEscravos casados na posse do capito Antonio Dias TEscravos casados na posse do capito Antonio Dias Tostes, 1831ostes, 1831ostes, 1831ostes, 1831ostes, 1831

    27 Rmulo Andrade, Limites impostos pela escravido comunidade escrava e seus vnculosde parentesco: Zona da Mata de Minas Gerais, sculo XIX (Tese de Doutorado, Universida-de de So Paulo, 1995), p. 276.

    Fonte: Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, Termo da Nobre e MuitoLeal Vila de Barbacena, 1831. APM. Caixa 9; Documento 4.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5123

  • 24 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    O nmero de escravos descritos como casados era 20. A maioriadeles, homens ou mulheres, eram africanos, respectivamente, 15 e 14,seguidos por 5 crioulos e 6 crioulas. Se os descritos como casados na-quele fogo o eram entre si, o mesmo grfico nos d condio de perce-ber a possibilidade de casamentos exogmicos e endogmicos. Caso osafricanos casassem apenas com africanas e o mesmo ocorresse entre oscrioulos, mesmo assim haveria um dficit. Os africanos, tanto homensquanto mulheres, podem ter tido a oportunidade de se casar apenas en-tre eles, contudo, um dos homens teria de recorrer ao casamento comescrava crioula (Grfico II).

    Da mesma forma, pode ter havido a possibilidade de que os cri-oulos tenham se casado apenas com crioulas, porm, como havia uma amais do que o nmero de cativos de mesma origem, certamente, se seucnjuge pertencia quela propriedade era um escravo africano. Talvezaquele africano a que nos referimos acima, caso se tivesse casado nointerior da posse, tenha recorrido a um casamento do tipo exogmico,possivelmente com a crioula em excesso. O nico casal efetivamentedescrito dizia respeito a uma relao do tipo exogmico, entre Roque,escravo africano de cinquenta anos, casado com a crioula liberta Antonia,tambm com cinquenta anos. A endogamia por origem foi bastante co-mum na Bahia, segundo constatou Isabel Reis, e no s nas cerimniassacramentadas pela Igreja. De maneira geral, a pesquisadora detectouque os africanos se uniram, na maior parte das vezes, com cnjuges demesma origem.28

    A partilha de bens de 1837 nos possibilitou conhecer 44 cativosdescritos como casados, 25,7%, um total de 22 casais. Havia, ainda,outros trs homens na condio de casados, entretanto sem meno al-guma a suas esposas, e ainda um escravo vivo. Dos casados, de quemfoi possvel saber a origem, 22 eram africanos e quatro, crioulos. Dosprimeiros, 17 eram da frica Central, nove oriundos de Cabinda, setedo Congo e um de Monjolo. Entre os angola, eram dois de Benguela,havia ainda dois cassange, e um rebolo. Dos trs cativos casados sem anomeao de seu cnjuge, dois eram de origem africana, um de Cabinda

    28 Isabel Reis, A famlia negra no tempo da escravido.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5124

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 25

    e outro de Benguela. Sobre Paulo Caxoeira, outro desses casados sema nomeao de seu cnjuge, no conhecemos a origem.

    Ainda em relao aos casais, notamos um equilbrio entre exog-micos e endogmicos. Quatro deles se casaram com pessoas de mesmaprocedncia, Marcos e Francisca (cabinda); Vicente e Esmeria (congo);Leandro e Izabel (congo) e Leandro e Ignacia (crioulos). Os casais exo-gmicos perfizeram o mesmo nmero com os seguintes casais: Baptista,cabinda, e Maria, cassange, Martina, monjolo e Francelina, cabinda,Fernando, congo e Antonia, cabinda e Elias, cassange e Anna, cabinda.Para os outros casais, no foi possvel saber suas origens. Quando essaaparece, abarca, em sua maioria, os homens de procedncia africana.Na Tabela IV, temos a oportunidade de visualizar o perfil desses 22casais descritos.

    Todavia, com relao aos filhos desses casais, conseguimos sa-ber da existncia de apenas cinco crianas, todas elas contando, nomximo, um ano de vida. So elas: Sebastio, crioulo, filho de JooJos e Thereza; Lourena, filha de Fernando, congo e Antonia, cabinda;Martinho, filho de Elias, cassange e Anna, cabinda; Ludovino filho deMatheus, congo e Marianna; e Herculano, filho de Loureno, rebolo eCatharina. Muito provavelmente esses cativos devem ter tido outrosfilhos que no sobreviveram at o momento dessa partilha.

    TTTTTabela IVabela IVabela IVabela IVabela IVPPPPPerfil dos casais escravos da posseerfil dos casais escravos da posseerfil dos casais escravos da posseerfil dos casais escravos da posseerfil dos casais escravos da posse

    de dona Anna Maria do Sacramento, 1837de dona Anna Maria do Sacramento, 1837de dona Anna Maria do Sacramento, 1837de dona Anna Maria do Sacramento, 1837de dona Anna Maria do Sacramento, 1837

    Fonte: Partilha dos bens de D Anna Maria do Sacramento, 19/08/1837.Arquivo Histrico de Juiz de Fora (Doravante AHJF). (H= homens;M= mulheres; Af. = africanos/as; Cr.= crioulos/as).

    Sexo/Origem H. Af H. Cr Origem do H. no consta

    M. Af 7 - 1

    M. Cr - 1 2Origem da M. no consta 6 1 4

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5125

  • 26 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    De alguns desses casais, no foi possvel conhecer a idade, mas,na maioria deles, observamos que o homem tinha idade superior damulher. A Tabela V demonstra os vnculos familiares presentes naquelaposse no ano de 1837. A princpio, a mesma contou com famlias dotipo nuclear, com e sem filhos.

    Na relao entre sexo e estado conjugal, naquelas comunidadescativas, verificamos que os homens eram, em sua maioria, solteiros,tanto para o ano de 1831, quanto para 1837. As mulheres solteiras che-garam a 30,0% no primeiro perodo e no segundo tiveram uma pequenaqueda, chegando a 26,7%. Diferente do ocorrido com estas, as casadas,que j eram maioria no ano de 1831, elevaram um pouco sua percenta-gem quando da partilha ocorrida no ano de 1837, o que leva a crer queo casamento deve ter sido bastante procurado e, quem sabe, incentiva-do pelos Dias Tostes, mesmo com a aquisio de escravos no trficoatlntico (Tabela VI).

    Entre os Paula Lima, outra famlia pesquisada, havia outros ca-sais com filhos entre os escravos inventariados, assim como registrosde casamentos e de batizados nos livros da parquia de Santo Antoniode Juiz de Fora.29 Nessa posse tambm encontramos maior percenta-

    TTTTTabela Vabela Vabela Vabela Vabela VVnculos familiares dos cativos na posseVnculos familiares dos cativos na posseVnculos familiares dos cativos na posseVnculos familiares dos cativos na posseVnculos familiares dos cativos na posse

    de d. Anna Maria do Sacramento em 1837de d. Anna Maria do Sacramento em 1837de d. Anna Maria do Sacramento em 1837de d. Anna Maria do Sacramento em 1837de d. Anna Maria do Sacramento em 1837

    Fonte: Partilha dos bens de D Anna Maria do Sacramento,19/08/1837. AHJF.

    Vnculos Escravos

    Casais com filhos 5

    -cnjuges 10-filhos 5

    Casais sem fi lhos 17

    -cnjuges 34

    29 Arquivo da Catedral Metropolitana de Juiz de Fora; Cria Metropolitana ArquivoArquidiocesano de Juiz de Fora.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5126

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 27

    gem de mulheres casadas em relao aos homens. Aqui vale a mesmaressalva feita para os cativos de Antonio Dias Tostes. Certamente essascifras representam, tambm, a razo entre o nmero de homens e mu-lheres que se encontravam no interior da propriedade. Estando os pri-meiros em maioria, o pool de mulheres em idade de se casar deve tersido um tanto quanto restrito queles homens (Tabela VII).

    TTTTTabela VIabela VIabela VIabela VIabela VIDistribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,

    segundo sexo e estado conjugal, na posse da famlia Dias Tsegundo sexo e estado conjugal, na posse da famlia Dias Tsegundo sexo e estado conjugal, na posse da famlia Dias Tsegundo sexo e estado conjugal, na posse da famlia Dias Tsegundo sexo e estado conjugal, na posse da famlia Dias Tostes,ostes,ostes,ostes,ostes,1831-18371831-18371831-18371831-18371831-1837

    Fonte: Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, termo de Barbacena, 1831,APM. Partilha dos bens de D. Anna Maria do Sacramento, 19/08/1837, AHJF. *Cabe ressal-tar que no ano de 1831 havia dois escravos casados, respectivamente com 13 e 14 anos eque esto excludos nesta tabela.

    H. M. H. M.

    Solteiros 76,2% 30,0% 75,8% 26,7%

    Casados 23,8% 70,0% 23,1% 73,3%

    Vivos - - 1,1% -

    Total 100% 100% 100% 100%

    Estado conjugal Lista de 1831* Partilha de 1837

    TTTTTabela VIIabela VIIabela VIIabela VIIabela VIIDistribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,

    segundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possedo comendador Fdo comendador Fdo comendador Fdo comendador Fdo comendador Francisco de Prancisco de Prancisco de Prancisco de Prancisco de Paula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866

    Fonte: Inventrio post mortem do Comendador Francisco de Paula Lima,16/03/1866, ID: 83; CX. 4, Arquivo Histrico da Universidade Fe-deral de Juiz de Fora (Doravante AHUF JF). Cartrio do 1 OfcioCvel. De um cativo no conseguimos saber o sexo.

    Estado conjugal H. M.Solteiros 67,2% 2 5,5%

    Casados 32,8% 7 4,5%

    Total 100% 100%

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5127

  • 28 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    TTTTTabela VIIIabela VIIIabela VIIIabela VIIIabela VIIIDistribuio da populao escrava segundo vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo vnculos familiares

    do comendador Fdo comendador Fdo comendador Fdo comendador Fdo comendador Francisco de Prancisco de Prancisco de Prancisco de Prancisco de Paula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866

    Vnculos Escravos

    Casais com filhos 11

    -cnjuges 22-filhos 11

    Casais sem fi lhos 27

    -cnjuges 54Mes com fi lhos 3

    Pai com filhos 1

    Fonte: Inventrio post mortem do Comendador Francisco dePaula Lima, 16/03/1866, ID: 83; Cx. 4, AHUFJF. Cartriodo 1

    o Ofcio Cvel.

    Mesmo assim, conseguimos encontrar, listados nessa fonte, 38casais, o que equivalia a 37,2% do total da posse. Eram 87 escravos,entre filhos, pais e mes, 42,1% do total dos cativos, que pertenceram aalgum tipo de famlia. Pudemos localizar ainda trs famlias com mese seus filhos, e uma com o pai e o filho. Com relao aos vnculosfamiliares, essa posse se assemelha dos Dias Tostes no ano de 1837(Tabela VIII).

    Na maioria das vezes, no havia referncia origem dos cnju-ges, e quando essa aparecia apenas um deles era designado. Como podeser visto na Tabela IX, a maioria dos cativos casados, no momento doinventrio, no possua sua origem descrita, totalizando 31.

    A comunidade cativa encontrada na propriedade do capitoManoel Ignacio de Barbosa Lage era composta por 18 casais constitu-indo famlias, que foram descritos como casados, provavelmente reco-nhecidos pela Igreja Catlica, totalizando 36 indivduos, ou seja, 30,5%do total de cativos encontravam-se unidos pelo casamento. Deparamo-nos com trs mes solteiras, com seus filhos sem indicao alguma dos

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5128

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 29

    TTTTTabela IXabela IXabela IXabela IXabela IXPPPPPerfil dos casais cativos, em nmeros absolutos segundo sexo eerfil dos casais cativos, em nmeros absolutos segundo sexo eerfil dos casais cativos, em nmeros absolutos segundo sexo eerfil dos casais cativos, em nmeros absolutos segundo sexo eerfil dos casais cativos, em nmeros absolutos segundo sexo e

    origem, do comendador Forigem, do comendador Forigem, do comendador Forigem, do comendador Forigem, do comendador Francisco de Prancisco de Prancisco de Prancisco de Prancisco de Paula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866aula Lima, 1866Sexo/Origem H. Af H. Cr Origem do H.

    no consta

    M. Af - - 2

    M. Cr - - 2Origem da M. no consta 2 1 31

    TTTTTabela Xabela Xabela Xabela Xabela XDistribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,Distribuio percentual da populao escrava com 15 anos ou mais,

    segundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possesegundo sexo e estado conjugal, na possedo capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868

    Fonte: Inventrio post mortem do Comendador Francisco de Paula Lima,16/03/1866, ID: 83; Cx. 4, AHUFJF. Cartrio do 1 Ofcio Cvel.(H=homens; M=mulheres; Af.=africanos/as; Cr.=crioulos/as).

    Fonte: Inventrio post mortem do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage,28/08/1868, ID: 402, Cx. 43B, AHUFJF. Cartrio do 1 Ofcio Cvel.

    Estado conjugal H. M.

    Solteiros 67 ,3 35,7

    Casados 32 ,7 64,3

    Total 100 100

    nomes dos pais.30 Nessa posse tambm o nmero percentual de mulhe-res casadas excedeu o dos homens (Tabela X).

    Dentre os cativos que contraram o matrimnio catlico, encon-tramos apenas um casal entre os escravos que moravam na cidade, Bo-nifcio, pardo, carpinteiro de 45 anos, casado com Cndida, parda de50 anos, aparentemente sem filhos. Os outros 17 casais encontravam-sena fazenda da Boa Esperana. A Tabela XI nos d um panorama do

    30 Inventrio post mortem do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 28/08/1868, ID: 402; Cx.43B, AHUFJF. Cartrio do 1o Ofcio Cvel.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5129

  • 30 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    TTTTTabela XIabela XIabela XIabela XIabela XIPPPPPerfil dos casais cativos em nmeros absolutos segundo sexo e origemerfil dos casais cativos em nmeros absolutos segundo sexo e origemerfil dos casais cativos em nmeros absolutos segundo sexo e origemerfil dos casais cativos em nmeros absolutos segundo sexo e origemerfil dos casais cativos em nmeros absolutos segundo sexo e origem

    do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868

    Sexo/Origem H. Af H. Cr Origem do H. no consta

    M. Af - - -

    M. Cr 2 1 -Origem da M. no consta 10 4 1

    Fonte: Inventrio post mortem do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage,28/08/1868, ID: 402, Cx. 43B, AHUFJF. Cartrio do 1 Ofcio Cvel.(H= homens; M= mulheres; Af.= africanos/as; Cf= crioulos/as).

    perfil dos casais encontrados naquela propriedade, no tocante vari-vel origem.

    Notamos a um predomnio de casais em que os homens eram,em sua maioria, africanos (de nao) casados com mulheres que, apa-rentemente, no compartilhavam com eles a mesma origem. Em doisdesses casos, podemos ter alguma evidncia sobre a esposa Andr, denao casado com Joanna, crioula, e Silvrio, de nao casado comJulianna. As mulheres designadas como africanas perfizeram um nme-ro pequeno e, aparentemente, no foram desposadas por nenhum doscativos oriundos do continente africano e nem por crioulos. Em todosos casais, o homem, de origem africana ou no, era mais velho que suaesposa, exceo feita escrava Theodora, de 35 anos, casada com Ni-colau crioulo, poca com 26 anos de idade.

    Dos casais listados acima, a maioria tinha, no momento do in-ventrio, filhos designados. Com exceo de Bonifcio e Cndida (par-dos), Andr (de nao) e Joanna (crioula), Calixto (de nao) e Brgida,Seraphim (de nao) e Rita, e Joaquim (de nao) e Luiza que no tive-ram, relacionado na avaliao, nenhum filho, sobre os demais forammencionados 29 filhos no total, entre crianas e jovens. Tivemos aindaa oportunidade de conhecer as relaes familiares de trs escravas, aprincpio mes solteiras. Minelvina, parda, deu luz trs filhos, Rachel,de nao, a outros trs e Joaquina, tambm de nao, a dois; ou seja,havia um total de trinta e sete escravos com alguma referncia imediata

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5130

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 31

    TTTTTabela XIIabela XIIabela XIIabela XIIabela XIIDistribuio da populao escrava segundo alguns vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo alguns vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo alguns vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo alguns vnculos familiaresDistribuio da populao escrava segundo alguns vnculos familiares

    na posse do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868na posse do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868na posse do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868na posse do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868na posse do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, 1868

    31 Foram 62 inocentes batizados por esse senhor entre os anos de 1818 e 1868. A hiptese dereproduo natural nessa posse est detalhada em minha tese de doutorado. Cf.: Jonis Freire,Escravido e famlia escrava.

    Vnculos No de escravos

    Casais com filhos 13

    -cnjuges 26-filhos 29

    Casais sem fi lhos 5

    -cnjuges 10Mes solteiras com filhos 3

    - mes 3- filhos 8

    Fonte: Inventrio post mortem do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage,28/08/1868, ID: 402, Cx. 43B, AHUFJF. Cartrio do 1 Ofcio Cvel.

    forte, com seus pais casados e/ou com as mes. As idades variavamentre os 26 anos de Hilrio, filho de Fidelis, de nao, e Margarida, eum ms, idade de Maria, filha de Antonio, pedreiro, e Prudncia; ape-nas de um desses filhos no foi possvel conhecer a idade. Essa posseteve, ento, famlias do tipo nuclear, casais com ou sem filhos, e gruposmatrifocais mes e seus filhos presentes (Tabela XII).

    A propriedade do capito Manoel Igncio contou com o nasci-mento de cativos para o incremento de sua posse de escravos.31 Se so-marmos os escravos detentores de algum vnculo familiar, podemosconcluir que 76 cativos daquela propriedade, ou seja, 64,4%, dos 118escravos pertencentes a ela, fizeram parte de algum grupo familiar.

    Poucos foram os cativos descritos como portadores de algum tipode ofcio especializado, apenas trs escravos um pedreiro, um carpin-teiro e um tropeiro. Diferentemente de Jos, tropeiro, de 38 anos, osoutros dois possuam laos afetivos e familiares: o carpinteiro Bonifcio,pardo de 45 anos, casado com Cndida, parda de 50 anos, residentes na

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5131

  • 32 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    Grfico IIIGrfico IIIGrfico IIIGrfico IIIGrfico IIIPPPPPercentagem de vnculos familiares cativos nas propriedadesercentagem de vnculos familiares cativos nas propriedadesercentagem de vnculos familiares cativos nas propriedadesercentagem de vnculos familiares cativos nas propriedadesercentagem de vnculos familiares cativos nas propriedadesdos Dias Tdos Dias Tdos Dias Tdos Dias Tdos Dias Tostes, Postes, Postes, Postes, Postes, Paula Lima e Barbosa Lage, em Juiz de Faula Lima e Barbosa Lage, em Juiz de Faula Lima e Barbosa Lage, em Juiz de Faula Lima e Barbosa Lage, em Juiz de Faula Lima e Barbosa Lage, em Juiz de Foraoraoraoraora

    durante o sculo XIXdurante o sculo XIXdurante o sculo XIXdurante o sculo XIXdurante o sculo XIX

    Fonte: Mapas de Populao. Distrito de Santo Antonio do Juiz de Fora, termo de Barbacena, 1831,APM. Partilha dos bens de D. Anna Maria do Sacramento, 19/08/1837, AHJF. Inventrio postmortem do Comendador Francisco de Paula Lima, 16/03/1866, ID: 83; Cx:04, AHUFJF.Cartrio do 1

    o Ofcio Cvel. Inventrio post mortem do Capito Manoel Igncio Barbosa Lage,

    28/08/1868, ID: 402; Cx. 43B, AHUFJF. Cartrio do 1o Ofcio Cvel.

    cidade, e ainda Antonio, pedreiro, casado com Prudncia, esses mora-dores na fazenda da Boa Esperana.

    Acima pudemos ter acesso aos vnculos familiares e aos perfis doscasais nas posses de Antonio Dias Tostes, do comendador Francisco dePaula Lima e do capito Manoel Igncio Barbosa Lage. Isto nos permitiuvislumbrar as possibilidades de laos familiares dos cativos na primeira ena segunda metade do sculo XIX. O Grfico III apresenta o percentualdos escravos com algum tipo de vnculo familiar, segundo o total de cati-vos das propriedades. Podemos notar que o mesmo demonstra uma curvaascendente entre os anos de 1831 e 1868. Ao que parece, medida que osanos se passaram, as possibilidades de algum tipo de lao familiar au-mentaram. Porm, talvez o que esse grfico esteja refletindo sejam asestratgias distintas dos ditos proprietrios.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5132

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 33

    Paula Lima 43,9% de escravos com algum tipo de vnculo familiar. Em1868, na propriedade do capito Manoel Igncio Barbosa Lage, existiaum percentual de 64,9% de escravos com tais laos.

    Analisamos as posses da famlia Tostes no perodo anterior aofim do trfico efetivo de cativos (1850). Apesar de todas as dificulda-des na aquisio de escravos quela poca, como, por exemplo, o au-mento do preo, eles devem ter investido ainda mais na compra de cati-vos. Nesse caso, homens em idade produtiva, dificultando a consecu-o de laos familiares, legtimos ou ilegtimos. Outra hiptese a serlevantada a de que, em 1831, a posse fosse mais nova, constituda porescravos (adultos) comprados, que s depois vieram a ter filhos. Entre-tanto, cabe a ressalva de que, entre 1831 e 1837, houve um aumentodesses vnculos, talvez consequncia de uma nova estratgia na manu-teno/ampliao de sua posse em escravos com o incentivo a relaesfamiliares.

    Essa situao deve ter sido diferente para Francisco de Paula Limae Manoel Igncio Barbosa Lage, que j tinham escravarias mais equili-bradas. Com a impossibilidade de ter uma farta oferta de cativos, pelomenos como as do perodo anterior ao ano de 1850, devem ter, quemsabe, incentivado as relaes entre seus escravos. Isto fica patente nasuperioridade dos vnculos familiares encontrados em suas proprieda-des, quando comparados com os da dos Dias Tostes em 1831 e 1837.

    Provavelmente reduziram o ritmo de compra de novos escravos;com isso o grupo de escravos passou cada vez mais a se aproximar deuma populao normal, com mais casados e/ou vivos e mais crian-as, isto , no necessariamente houve uma mudana de intenes porparte dos senhores embora a hiptese faa sentido.

    As propriedades estudadas possibilitaram aos cativos, at certoponto, um convvio familiar, bem como a constituio de famlia emsuas mltiplas formas. A anlise das relaes de parentesco espiritualnos pode ajudar a conhecer um pouco mais como se estruturaram asredes de solidariedade e reciprocidade daqueles escravos.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5133

  • 34 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    O parentesco espiritual: em busca de solidariedadesO batismo cristo se mostrou, no mbito da sociedade brasileira, umainstituio forte e almejada por todos os estratos da populao. Para oscativos no foi diferente. Aqueles indivduos buscaram esse sacramen-to e estabeleceram com isso relaes de solidariedade e reciprocidade,que se consubstanciaram por meio do compadrio (parentesco espiritu-al). Para alm de seu significado catlico, os laos estabelecidos peloscativos e seus padrinhos extrapolaram o espao da Igreja e mostraram-se presentes em toda a sociedade.32 De acordo com Stuart Schwartz:

    [...] no ato ritual do batismo e no parentesco religiosamente sancionadodo compadrio, que acompanha esse sacramento, temos uma oportuni-dade de ver a definio mais ampla de parentesco no contexto dessasociedade catlica escravocrata e de testemunhar as estratgias de es-cravos e senhores dentro das fronteiras culturais determinadas por esserelacionamento espiritual.33

    Tais laos tambm tinham uma dimenso social fora da estruturada Igreja. Podiam ser utilizados para reforar o parentesco j existente,solidificar relaes com pessoas de classe social semelhante ou estabe-lecer ligaes verticais entre indivduos socialmente desiguais. Cons-trudo na Igreja e projetado para dentro do ambiente social, o compa-drio significava mais que tudo, a consecuo de um lao de aliana queatava, beira da pia batismal, os pais de uma criana e seus padrinhos.34

    Vrios estudos acerca desse tema, embora com mtodos, pergun-

    32 Tnia M. G. N. Kjerfve e Silvia M. J. Brugger, Compadrio: relao social e libertao espi-ritual em sociedades escravistas (Campos, 1754-1766), Estudos Afro-Asiticos, n. 20 (1991).Maria de Ftima das Neves ressalta que o sacramento do batismo interessava muito aos pro-prietrios de escravos, pois, em virtude da instituio do padroado, o Estado portugus dele-gou mquina eclesistica inmeras funes, levando as esferas religiosa e civil da vida daspopulaes a estarem pouco diferenciadas. Dentre essas funes, a que mais interessava aossenhores de escravos dizia respeito declarao, feita no registro de batismo dos inocentes,do nome do seu proprietrio, o que lhes garantia a posse efetiva dos mesmos. Cf.: Maria deFtima das Neves, Ampliando a famlia escrava: o compadrio de escravos em So Paulo nosculo XIX, in Sergio Nadalin et alii (orgs.), Histria e populao.

    33 Stuart Schwartz, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835,So Paulo: Companhia das Letras, 1989.

    34 Jos Roberto Ges, O cativeiro imperfeito: um estudo sobre a escravido no Rio de Janeirona primeira metade do sculo XIX, Vitria: Lineart, 1993, p. 105.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5134

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 35

    tas e inquietaes diferentes, indicam alguns padres que caracteriza-vam o batismo de escravos no Brasil e a formao de laos de parentes-co espiritual (compadrio).35 Os cativos do Brasil, de acordo com a con-dio social a que estavam submetidos, estabeleceram vrias opes decompadrio. Era comum pensar-se, mediante um enfoque funcionalis-ta, que os escravos tenderam a ter como padrinhos ou compadres seusprprios senhores, estratgia clara para a obteno de benefcios ouregalias futuras. Assim, ao invs de gerar laos de solidariedade entreos cativos, o compadrio tinha uma relao meramente utilitria e refor-ava a instituio da escravido.

    Os percentuais de crianas legtimas e naturais eram bastanteequilibrados entre os Dias Tostes e os Paula Lima, j os Barbosa Lagetinham uma maioria de cativos legtimos. As trs famlias senhoriaislevaram ao batismo muitos cativos. Nesse aspecto, sobressaram-se osDias Tostes com 194 escravos batizados, seguidos pelos Paula Lima epelos Barbosa Lage, com quase o mesmo nmero de batizandos a pia,respectivamente, 128 e 126. Em nmeros absolutos, os Dias Tostes e osBarbosa Lage tambm foram os que mais levaram crianas escravaslegtimas, ou seja, filhos de uma unio sancionada pela Igreja, quelesacramento cristo. Os Paula Lima tiveram pouco mais da metade deescravos legtimos em suas posses, totalizando 65 (50,8%).

    O capito Manoel Igncio Barbosa Lage e seus descendentes, aoque parece, continuaram incentivando o nascimento de crianas em suas

    35 Stephan Gudeman e Stuart Schwartz, Purgando o pecado original: compadrio e batismo deescravos na Bahia no sculo XVIII, in Joo Jos Reis (org.), Escravido e inveno daliberdade: estudos sobre o negro no Brasil (So Paulo: Brasiliense, Braslia CNPq, 1988);Roberto Guedes Ferreira, Na pia batismal famlia e compadrio entre escravos na freguesia deSo Jos do Rio de Janeiro (primeira metade do sculo XIX) (Dissertao de Mestrado,Universidade Federal Fluminense, 2000); Tarcsio Rodrigues Botelho, Famlias e escravari-as: demografia e famlia escrava no norte de Minas Gerais no sculo XIX (Dissertao deMestrado, Universidade de So Paulo, 1994); Maria de Ftima das Neves, Ampliando afamlia escrava; Tnia M. G. N. Kjerfve e Silvia M. J. Brugger, Compadrio: relao social;Ana Lugo Rios, Famlia e Transio (Dissertao de Mestrado, Universidade Federal Flu-minense, 1990), pp. 47-63; Ges, O cativeiro imperfeito; Stanley Stein, Grandeza e decadn-cia do caf no Vale do Paraba, com referncia especial ao municpio de Vassouras, SoPaulo: Brasiliense, 1961; Vitria Schettini Andrade, Batismo e apadrinhamento de filhos demes escravas, So Paulo do Muria (1852-1888) (Dissertao de Mestrado, UniversidadeSeverino Sombra, 2006).

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5135

  • 36 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    posses, por conseguinte o casamento legalmente formalizado de seuscativos, o que pode ser percebido pela alta percentagem de legtimos(101), equivalendo a 80,2% dos batizandos. A nica famlia onde amaioria dos escravos foi fruto de relaes ilegtimas, consequentemen-te naturais, foi a dos Dias Tostes que, de acordo com os registros paro-quiais de batismo, contaram durante aquele perodo com 114 cativos,58,8% descritos como naturais (Tabela XIII).

    A famlia Tostes levou ao sacramento do batismo 194 crianas(cativas e livres/libertas). A maioria foi descrita como natural (ilegti-mo), ou seja, fruto de uma relao no sacramentada pela Igreja Catli-ca, o que no quer dizer que os cativos no tinham seus pais presentes,eram 114 crianas (58,8%).36 Os padrinhos e as madrinhas dos escravos

    TTTTTabela XIIIabela XIIIabela XIIIabela XIIIabela XIIIPPPPPercentagem de legtimos e naturais, batizados pelos Dias Tercentagem de legtimos e naturais, batizados pelos Dias Tercentagem de legtimos e naturais, batizados pelos Dias Tercentagem de legtimos e naturais, batizados pelos Dias Tercentagem de legtimos e naturais, batizados pelos Dias Tostes,ostes,ostes,ostes,ostes,

    PPPPPaula Lima e Barbosa Lage, entre fins do sculo XVIII e XIX*aula Lima e Barbosa Lage, entre fins do sculo XVIII e XIX*aula Lima e Barbosa Lage, entre fins do sculo XVIII e XIX*aula Lima e Barbosa Lage, entre fins do sculo XVIII e XIX*aula Lima e Barbosa Lage, entre fins do sculo XVIII e XIX*

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitana de Juiz de Fora. *Estendice contempla todas as crianas batizadas, inclusive as filhas de escravos das ditasfamlias, que, a partir de 1871, eram de condio social livre e tambm algumas libertas napia batismal.

    36 Sobre a ausncia dos pais dos batizandos, Botelho atentou para o seguinte: [...] a possvelausncia do pai escravo deve ser posta em dvida, j que pode estar sendo influenciada peladocumentao utilizada. Apenas os laos conjugais legalmente sancionados eram levados emconsiderao. Assim muitos ncleos familiares que apareciam constitudos apenas de me efilhos poderiam na verdade contar com a presena de um parceiro masculino fixo, que tam-bm dividiria atribuies e encargos. Tarcsio Rodrigues Botelho, Famlias e escravaria;Slenes tambm discutiu esse aspecto e tem hipteses interessantes sobre essa situao em Nasenzala uma flor.

    Famlias

    Legitimidade

    Legtimo 78 40,2 65 50 ,8 10 1 80,2 244 54,5

    Natural 114 58,8 58 45 ,3 2 3 18,3 195 43,5

    No consta 2 1,0 5 3 ,9 2 1,6 9 2,0

    Total 194 100 128 1 00 12 6 100 448 100

    Dias Tostes

    % Paula Lima

    % Barbosa Lag e

    % Total %

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5136

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 37

    da famlia Dias Tostes encontravam-se em todas as camadas da socie-dade daquela poca. Como se pode observar na Tabela XIV, as madri-nhas escravas estiveram, naquele sacramento, na maior parte das vezescom padrinhos de igual condio que a sua, o mesmo acontecendo comos padrinhos 25 (12,9%). Elas tambm estiveram apadrinhando trs cri-anas, porm, nesse caso, no foi possvel conhecer a condio de seusparceiros. Entre aqueles em que se pde detectar o status jurdico, oslivres, com parceiros de condio diversa, perfizeram o segundo maiorcontingente, com os padrinhos participando de 7,7% dos batismos e asmadrinhas, 11,9.

    Salta aos olhos o grande nmero de padrinhos e madrinhas queno tiveram suas condies descritas pelos procos responsveis poraquele sacramento, situao que tambm ocorreu com os Barbosa Lagee os Paula Lima. Pela anlise dos nomes, acreditamos que muitos da-queles homens e mulheres encontravam-se distribudos entre indivdu-os de condio escrava ou livre/liberta.

    Os registros apontam vrias pessoas descritas pelo proco comapenas um nome, indicativo, quem sabe, de sua condio cativa, vistoque se fossem livres, mesmo que pobres, possivelmente teriam seu so-

    TTTTTabela XIVabela XIVabela XIVabela XIVabela XIVCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escrava,,,,,

    da famlia Dias Tda famlia Dias Tda famlia Dias Tda famlia Dias Tda famlia Dias Tostes, fins do sculo XVIII e XIXostes, fins do sculo XVIII e XIXostes, fins do sculo XVIII e XIXostes, fins do sculo XVIII e XIXostes, fins do sculo XVIII e XIX

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitana de Juiz de Fora.

    Escrava % Livre % No consta % Total %Escravo 25 12,9 1 0,5 3 1,5 29 14,9

    Forro - - - - 2 1,0 2 1,0

    Livre - - 6 3,1 9 4,6 15 7,7

    No consta 3 1,5 16 8,2 129 66,5 148 76,3

    Total 28 14,4 23 11,9 143 73,7 194 100

    Condio social Madrinhas

    Padr

    inho

    s

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5137

  • 38 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    brenome indicado. Todavia, como sabido, era costume dos libertos - eat mesmo dos livres pobres , devido aos seus laos de dependncia , aadio ao seu nome do sobrenome de seus ex-proprietrios ou senho-res.37 Contudo, nem no caso dos possveis cativos ou dos livres/libertos,houve a possibilidade de designao da condio, o que elevou as cifrasdos padrinhos e das madrinhas com status jurdico desconhecido. Tal-vez esses nmeros possam demonstrar a preferncia, por parte dos paisdaqueles batizandos, para tecer relaes de parentesco social com indi-vduos de condio superior sua. Se essa gama de padrinhos e madri-nhas fosse cativa, certamente sua condio no nos escaparia, pois, jun-to a sua indicao, viria o nome de seu proprietrio. No houve nenhumcaso de apadrinhamento em que o padrinho fosse de origem divina (Nos-sa Senhora etc.), e dos batizandos somente quatro no tiveram padri-nhos, no caso das madrinhas esse nmero sobe para 12.

    Na posse dos Barbosa Lage, apesar do alto percentual dos padri-nhos e das madrinhas, em que foi possvel saber a condio (41,3%), amaioria deles era escrava, 65 (51,6% do total). Acerca da prefernciapor padrinhos e madrinhas escravos, em seu estudo sobre a escravaCaetana e sua luta em no aceitar o casamento que lhe foi imposto porseu senhor, Graham apontou para um aspecto interessante nas relaesde compadrio entre os escravos. De acordo com ela:

    Em vez de competir por padrinhos livres, esses escravos se apadrinha-vam mutuamente. Ao servir de padrinho, o cativo ganhava seus prpri-os dependentes e seguidores fiis, reproduzindo na senzala os padresde clientelismo que, em geral, se pensa que incluam os cativos apenascomo recebedores de favores, no como protetores. Os laos que liga-vam alguns escravos excluam outros, marcando, ainda mais, uma hie-rarquia entre eles. [...] Os escravos no se enganavam ao ver vantagensem padrinhos cativos. Consideremos o significado das relaes de

    37 Com relao incorporao do nome/sobrenome do senhor por parte dos libertos, os autoresse dividem entre aqueles que no vislumbram esta hiptese e entre os que apoiam a hiptesede que eles associem os nomes e os sobrenomes. No primeiro caso, ver Hebe Maria Mattos,Das cores do silncio: os significados da liberdade no sudeste escravista, Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1998. Para o segundo, conferir Jean Hebrard, Esclavage et dnomination:imposition et appropriation dum nom chez ls esclaves de la Bahia au XIXa siecle, Cahiersdu Brsil Contemporain, n. 53/54 (2003).

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5138

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 39

    Caetana. Sem duvida, faltam os laos com padrinhos livres, com os be-nefcios tangveis que poderiam oferecer: interveno protetora ou deapoio junto ao senhor, talvez at a alforria. No obstante, outro escravo,especialmente um da mesma fazenda, podia ser mais acessvel econfivel, algum inclinado a ter em alta considerao o afilhado e ospais e responder com mais rapidez ou generosidade a alguma necessi-dade. Cativos de considerao, como Alexandre e Lusa Jacinta, pode-riam ser mais eficazes do que padrinhos livres, mas pobres, que malconseguiam sobreviver nas margens da sociedade branca respeitvel.38

    Logo a seguir, vm os no consta, que, como tentamos exporacima, podiam ser, e certamente o eram, de condies diversas. Contu-do, no foi possvel saber seu status jurdico. Ao que parece, a comuni-dade cativa daquelas posses se apoiava fortemente em seus iguais, noque diz respeito ao apadrinhamento das crianas, filhas de mulher es-crava. Houve tambm, embora de maneira menos intensa, o apadrinha-mento com indivduos de condio superior a dos pais daquelas crian-as. Nesse caso, percebemos um cativo sendo apadrinhado por umamadrinha forra e um padrinho escravo. Houve ainda o apadrinhamentode uma criana com ambos os padrinhos libertos e outra cujos padri-nhos eram forros (Tabela XV).

    TTTTTabela XVabela XVabela XVabela XVabela XVCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulherCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulherCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulherCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulherCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher

    escrava, da famlia Barbosa Lage, sculo XIXescrava, da famlia Barbosa Lage, sculo XIXescrava, da famlia Barbosa Lage, sculo XIXescrava, da famlia Barbosa Lage, sculo XIXescrava, da famlia Barbosa Lage, sculo XIX

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitana de Juiz de Fora.

    Escrava % Liberta % Forra % No consta

    % Total %

    Escravo 65 51,6 - - 1 0,8 5 4, 0 71 56 ,3

    Liberto - - 1 0,8 - - - - 1 0, 8

    Forro - - - - 1 0,8 - - 1 0, 8

    No consta 1 0,8 - - - - 52 41 ,3 53 42 ,1

    Total 66 52,4 1 0,8 2 1,6 57 45 ,3 126 100 ,0

    Padr

    inho

    s

    Condio social Madrinhas

    38 Graham, Caetana diz no, pp. 73-5.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5139

  • 40 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    O apadrinhamento entre os escravos da Famlia Paula Lima apro-xima-se mais dos padres encontrados para os Dias Tostes. Percebe-se,nesse aspecto, um alto ndice de padrinhos e madrinhas sem indicaode sua condio. Notamos que as madrinhas escravas tiveram comopadrinhos apenas cativos de mesma condio que a sua. J os dessacondio apadrinharam ainda com uma forra e duas no consta. En-tretanto, nessas posses parece que houve maior predileo na busca porpadrinhos de condio social superior dos pais dos batizandos. Nota-mos que 23 madrinhas livres estiveram presentes quele sacramentocom padrinhos de condies diversas, cinco deles livres, havia, ainda,outro padrinho livre com uma madrinha no consta. Como j disse-mos, a nica forra que encontramos teve como parceiro um escravo(Tabela XVI).

    Na Tabela XVII, encontramos os percentuais dos batizandos nas-cidos antes da Lei do Ventre Livre, exclumos, portanto, os filhos demulher escrava, batizados por aquelas famlias a partir de 1871. OsBarbosa Lage, que sempre levaram muitos cativos ao sacramento dobatismo, tinham um percentual de 84,5% de crianas legtimas, corro-borando talvez sua aparente preferncia pelo aumento de suas possesem cativos por meio do nascimento de crianas. Apesar de termos apon-tado que Antonio Dias Tostes utilizou-se do trfico para a manuteno/ampliao de sua posse, parece que, sobretudo a partir da segunda meta-

    TTTTTabela XVIabela XVIabela XVIabela XVIabela XVICondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escravaCondio social dos padrinhos dos batizandos, filhos de mulher escrava,,,,,

    da famlia Pda famlia Pda famlia Pda famlia Pda famlia Paula Lima, sculo XIXaula Lima, sculo XIXaula Lima, sculo XIXaula Lima, sculo XIXaula Lima, sculo XIX

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitana de Juiz de Fora.

    Escrava % Livre % Forra % No consta

    % Total %

    Escravo 14 10,9 - - 1 0,8 3 2, 3 18 14 ,1

    Livre - - 5 3,9 - - 1 0, 8 6 4, 7

    No consta - - 18 14,1 - - 86 67 ,2 104 81 ,3

    Total 14 10,9 23 18,0 1 0,8 90 70 ,3 128 100 ,0

    Condio social Madrinhas

    Padr

    inho

    s

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5140

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 41

    de do sculo XIX, seus herdeiros conseguiram incrementar suas proprie-dades por meio tambm do nascimento de crianas. Foram 64 escravoslegtimos ou 50,8%. Os Paula Lima tiveram um total de 52 crianas leg-timas (50,1%), dos 102 cativos nascidos antes da Lei de 28 de setembrode 1871, levados por aquela famlia ao sacramento do batismo.

    Os percentuais de nascimento de crianas legtimas, fruto de umaunio sacramentada pela Igreja, no so to baixos se comparados comoutras regies.39 Eni de Mesquita Samara destacou que embora predomi-nassem entre os escravos os solteiros, as porcentagens de famlias constitu-das legitimamente ou atravs de unies consensuais so representativas etalvez comparveis aos dados referentes populao livre e pobre.40

    preciso ressaltar que a ilegitimidade foi um fato comum navida brasileira, tanto entre as pessoas de ascendncia africana quanto asde origem europeia. Entretanto, as populaes com ilegitimidade eleva-

    TTTTTabela XVIIabela XVIIabela XVIIabela XVIIabela XVIIndice de legitimidade entre crianas escravas das famliasndice de legitimidade entre crianas escravas das famliasndice de legitimidade entre crianas escravas das famliasndice de legitimidade entre crianas escravas das famliasndice de legitimidade entre crianas escravas das famlias

    Barbosa Lage, Dias TBarbosa Lage, Dias TBarbosa Lage, Dias TBarbosa Lage, Dias TBarbosa Lage, Dias Tostes e Postes e Postes e Postes e Postes e Paula Lima, fins do sculo XVIII e XIXaula Lima, fins do sculo XVIII e XIXaula Lima, fins do sculo XVIII e XIXaula Lima, fins do sculo XVIII e XIXaula Lima, fins do sculo XVIII e XIX

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitanade Juiz de Fora. Esta tabela corresponde s crianas cativas, ouseja, contempla aquelas nascidas antes da Lei do Ventre Livre.

    Famlias N. de crianas % legtimo

    Barbosa Lage 78 84,5

    Dias Tostes 64 50,8

    Paula Lima 52 50,1

    39 Em Vila Rica, em 1804, Ramos constata a presena de 2% de filhos de escravas casadaslegalmente perante a Igreja; na freguesia de So Jos da Cidade do Rio de Janeiro, entre 1802e 1821, Ferreira encontra 6,8%; Brugger analisando So Joo Del-Rey, entre 1730 e 1850,encontra um mximo de 19,72% de crianas escravas legtimas. Donald Ramos, City andCountry: The Family in Minas Gerais, 1804-1838, Journal of Family History, v.3, n.4 (1986);Roberto Guedes Ferreira, Na pia batismal famlia e compadrio; Silvia Maria J. Brugger,Legitimidade, casamento e relaes ditas ilcitas em So Joo Del Rei (1730 - 1850), Dia-mantina: Anais do IX Seminrio sobre Economia Mineira - CEDEPLAR-UFMG, 2000.

    40 Eni de Mesquita Samara, A famlia negra no Brasil: escravos e libertos, Anais do VI Encon-tro Nacional de Estudos Populacionais, Olinda: ABEP, 1988, p. 15.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5141

  • 42 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    da no viviam desprovidas de laos familiares. Por meio dos registrosde batistrio na So Paulo urbana do sculo XIX, Kuznesof encontroua presena de pais e, mais especialmente, de avs, nas cerimnias debebs ilegtimos.41

    Ainda a esse respeito, Eliane Cristina Lopes apontou que os cos-tumes africanos muitas vezes contriburam para a resistncia s uniessacramentadas. Segundo ela, os cativos tinham pontos de vista diferen-tes dos europeus em relao, por exemplo, ao adultrio, ao casamento e bastardia. Para essa pesquisadora, o ilegtimo, ento, no se tornouproblema entre as naes africanas, uma vez que o sangue se transmitiapela me e o papel do pai era pouco solicitado, cabendo ao tio, irmoda me, muitas das tarefas paternas de educao e manuteno dascrianas seus sobrinhos.42

    Sobre essa questo, o estudo de Lamur, para a fazenda Vossenburglocalizada no Suriname, durante o sculo XIX, parece-nos interessante.Este estudioso concluiu que, naquela localidade, havia uma grande va-riedade de unies conjugais que incluam a monogamia, a poligamia,domiclios para homem e mulher e, finalmente, domiclios chefiadospor mulher. Mesmo havendo a poligamia, a promiscuidade atribudaaos escravos no se sustentava, existindo um aspecto diferente, quaissejam os laos sociais e emocionais entre marido e mulher, caracteri-zando muitas famlias. Os escravos, segundo ele, se consideravam ca-sados, apesar de no haverem contrado um casamento legal.43

    Os filhos escravos legtimos, pertencentes famlia Dias Tostes,eram 78, 40,2% do total daquelas crianas. Dois cativos (1,0%) perten-centes quela famlia no tinham indicao sobre sua legitimidade, poiseram escravos adultos. Cabe ressaltar que, de todos os batizados poressa famlia, havia uma maioria escrava, 131 (67,5%), logo em seguida

    41 Elisabeth Anne Kuznesof, Ilegitimidade, raa e laos de famlia no Brasil do sculo XIX:uma anlise da informao de censos e de batismos para So Paulo e Rio de Janeiro, inSrgio Odilon Nadalin et alii (orgs.), Histria e populao, p. 173.

    42 Eliane Cristina Lopes, O revelar do pecado: os filhos ilegtimos na So Paulo do sculoXVIII, So Paulo: Annablume/FAPESP, 1999, p. 205.

    43 H. E. Lamur, A famlia escrava no Suriname colonial do sculo XIX, Estudos Afro-Asiti-cos, n. 29 (1996), p. 109.

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5142

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 43

    vinham os que, em virtude da Lei do Ventre Livre, eram livres, 62(32,0%), e por ltimo um liberto (0,5%).

    Essas 78 crianas legtimas eram filhas de pais que tiveram suasrelaes afetivas sacramentadas pelo rito do casamento catlico. Des-ses casais, 73 (96,0%) eram escravos, ou seja, casais endogmicos, noque diz respeito condio social dos cativos. Outros dois casais (2,6%)eram formados por dois libertos e duas escravas, havia ainda uma cati-va casada com um homem (1,4%), cuja condio no conseguimos sa-ber. Os outros dois enlaces matrimoniais de cativos pertencentes quelafamlia tiveram pais e mes sem a designao de sua condio por partedo proco (Tabela XVIII).

    Entre os Paula Lima, tambm houve uma maioria de casais com acondio social escrava, 60 (96,8%), seguidos por trs sobre os quaisno houve meno ao status jurdico. Pudemos conhecer tambm doiscasais em que a mulher era cativa e o marido no consta. Por ltimo,havia um casal formado por uma mulher de condio livre e um homemescravo (Tabela XIX).

    Nas posses da famlia Barbosa Lage, todos os pais e as mes,com status jurdico conhecido, eram escravos. Parece que os casamen-tos ocorridos entre os cativos daquela famlia foram fortemente con-centrados entre indivduos de mesma condio social. Diferente doscasais de cativos dos Dias Tostes e dos Paula Lima, que sacramentaram

    TTTTTabelaabelaabelaabelaabela XVIIIXVIIIXVIIIXVIIIXVIIICondio social dos pais dos batizandos legtimosCondio social dos pais dos batizandos legtimosCondio social dos pais dos batizandos legtimosCondio social dos pais dos batizandos legtimosCondio social dos pais dos batizandos legtimos

    da famlia Dias Tda famlia Dias Tda famlia Dias Tda famlia Dias Tda famlia Dias Tostes, sculos XVIII e XIXostes, sculos XVIII e XIXostes, sculos XVIII e XIXostes, sculos XVIII e XIXostes, sculos XVIII e XIX

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitana deJuiz de Fora.

    Condio social

    Escrava % No consta

    % Total %

    Escravo 73 96,0 - - 73 93,6

    Liberto 2 2,6 - - 2 2,6

    No consta 1 1,4 2 100 ,0 3 3,8

    Total 76 100,0 2 100 ,0 78 100,0

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5143

  • 44 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    seu matrimnio com libertos e livres. Havia ainda aqueles pais que notiveram essa condio anotada pelo proco, mas cujos filhos eram es-cravos de algum membro daquela famlia. Acreditamos os que no tema condio declarada no eram livres ou libertos, pois, se assim o fosse,provavelmente o proco a descreveria. A hiptese mais provvel, e quetalvez possa valer tambm para as outras duas famlias, que tenhamsido cativos que o cura no descreveu, ou que o mesmo tenha simples-mente feito um registro falho (Tabela XX).

    Sheila de Castro Faria, em estudo sobre Campos dos Goitacazes(RJ), no sculo XVIII, considerou fcil entender o casamento entre ho-

    TTTTTabelaabelaabelaabelaabela XIXXIXXIXXIXXIXCondio social dos pais dos batizandos da famlia PCondio social dos pais dos batizandos da famlia PCondio social dos pais dos batizandos da famlia PCondio social dos pais dos batizandos da famlia PCondio social dos pais dos batizandos da famlia Paula Lima,aula Lima,aula Lima,aula Lima,aula Lima,

    sculo XIXsculo XIXsculo XIXsculo XIXsculo XIX

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitana de Juiz de Fora.

    Condio social

    Escrava % Livre % No consta

    % Total %

    Escravo 60 96,8 1 100 ,0 - - 61 92,4

    Livre - - - - 1 33,3 1 1,5

    No consta 2 3,2 - - 2 66,7 4 6,1

    Total 62 100,0 1 100 ,0 3 100,0 66 100,0

    TTTTTabelaabelaabelaabelaabela XXXXXXXXXXCondio social dos pais dos batizandos da famliaCondio social dos pais dos batizandos da famliaCondio social dos pais dos batizandos da famliaCondio social dos pais dos batizandos da famliaCondio social dos pais dos batizandos da famlia Barbosa Lage,Barbosa Lage,Barbosa Lage,Barbosa Lage,Barbosa Lage,

    sculo XIXsculo XIXsculo XIXsculo XIXsculo XIX

    Fonte: Livros de registro de batismo da Catedral e da Cria Metropolitana deJuiz de Fora.

    Condio social

    Escrava % No consta

    % Total %

    Escravo 95 100,0 - - 95 94,0

    No consta - 6 100 ,0 6 6,0

    Total 95 100,0 6 100 ,0 101 100,0

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5144

  • Afro-sia, 46 (2012), 9-59 45

    mens escravos e mulheres livres, j que o partus sequitur ventrem (oparto segue o ventre), ou seja, os filhos destes seriam livres, j queseguiam a condio social da me. Talvez tenha sido esse o raciocnioempreendido pelos cativos dos Dias Tostes e tambm pelos da famliaPaula Lima. Sobre os relacionamentos de pais livres e mes escravas,era mais difcil de entender, j que, nesse caso, os filhos seriam escra-vos. Sheila Faria apontou algumas hipteses.44

    Os escravos dos Paula Lima contraram npcias em sua maioriacom parceiros pertencentes a esta mesma famlia. Dos 38 casais encon-trados nos registros paroquiais de casamento, 35 deles eram dela oriun-dos, em apenas dois casos houve o casamento com cativos de outrosproprietrios. Houve, ainda, o casamento entre Emilio, africano, livre,e a escrava Ignacia, pertencente Viscondessa de Uberaba e filha deCustdio e Mathildes (Tabela XXI).44 Segundo a pesquisadora: [...] a primeira seria a presena do amor ou de preferncias sexuais

    fortes; a segunda, e talvez a mais provvel para a maioria dos casos seria o interesse de algunshomens, despossudos, em ter acesso a terras dos donos das escravas; uma terceira poderia sera existncia de um mercado matrimonial, com uma menor proporo de mulheres livres/forras e disponveis para o casamento. Sheila Siqueria de Castro Faria, A colnia em movi-mento: fortuna e famlia no cotidiano colonial (sudeste, sculo XIX), Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1998, p. 317. Francisco Vidal Luna e Iraci Del Nero da Costa puderam perceberque em Vila Rica, entre os anos de 1727-1826, houve um nmero significativo desses enlacesmatrimoniais. De um total de 1.591 casamentos, 200 deles envolveram um indivduo livre eoutro escravo o que equivale a 12% do total. Francisco Vidal Luna e Iraci Del Nero da Costa,Vila Rica: nota sobre casamentos de escravos (1727-1826), frica, n. 4 (1981). Em Santanade Parnaba (1775-1820), Metcalf encontrou 20% de casamentos envolvendo escravos e pes-soas livres Alida C. Metcal, Vida familiar dos escravos em So Paulo no sculo XVIII: ocaso de Santana de Parnaba, So Paulo, Estudos Econmicos, v. 17, n. 2 (1987), p. 237.

    TTTTTabelaabelaabelaabelaabela XXIXXIXXIXXIXXIEnlaces matrimonias entre os cativos da famlia PEnlaces matrimonias entre os cativos da famlia PEnlaces matrimonias entre os cativos da famlia PEnlaces matrimonias entre os cativos da famlia PEnlaces matrimonias entre os cativos da famlia Paula Limaaula Limaaula Limaaula Limaaula Lima

    de acordo com a propriedade a que pertenciam os cnjuges escravos ede acordo com a propriedade a que pertenciam os cnjuges escravos ede acordo com a propriedade a que pertenciam os cnjuges escravos ede acordo com a propriedade a que pertenciam os cnjuges escravos ede acordo com a propriedade a que pertenciam os cnjuges escravos ea condio social, sculo XIXa condio social, sculo XIXa condio social, sculo XIXa condio social, sculo XIXa condio social, sculo XIX

    Fonte: Livros de registro de casamento da Catedral e da Cria Metropolitana de Juiz de Fora.

    Casais Escravos da famlia Paula

    Lima

    % Escravos de outros

    proprietrios

    % Livres % Total %

    Escravos da faml ia 35 9 2,1 2 5 ,2 1 2,7 38 100Paula Lima

    jonis2.pmd 29/10/2012, 19:5145

  • 46 Afro-sia, 46 (2012), 9-59

    Localizamos ainda outros cinco casais, segundo as anotaes feitaspelo proco naqueles registros de casamento, eram todos ex-escravosde algum indivduo pertencente quela famlia senhorial. Todos se ca-saram na parquia do Rio Novo, aps a promulgao da Lei urea.Provavelmente