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Abbi glines existence #1 existence

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Existence

Abbi Glinnes

O que acontece quando você é perseguida pela morte?

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Disponibilização: Soryu

Tradução: Carla

Revisão Inicial: Gabi F. Gisleine S, Vivian de

Amesbury, Lanaii, Márcia Antonio, Ana

Mayara

Revisão Final: Silvia Helena

Leitura Final e Formatação: Estephanie

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Sinopse

O que acontece quando você é perseguida pela morte?

Apaixona-se por ela, é obvio. Pagan Moore não foge dela, ao

contrário, apaixona-se.

Aos dezessete anos de idade, ela já tinha visto muitas almas na sua

vida. Uma vez que se percebeu que os estranhos que via caminhar através

das paredes não eram visíveis para qualquer pessoa, começou a ignorá-los.

Se não lhes permitia saber que podia vê-los, deixavam-na em paz. Até que

saiu de seu carro no primeiro dia de escola e viu um rapaz incrivelmente

sexy descansando sobre uma mesa de piquenique, olhando-a com um sorriso

divertido no rosto. O problema é que ela sabia que ele estava morto.

Ele simplesmente não desapareceu quando ela o ignorou, mas fez algo

que nenhum dos outros fez. Falou com ela. Pagan está fascinada por essa

alma. O que ela não sabe é que o momento de sua morte se aproxima e o

espírito perversamente formoso pelo qual está se apaixonando não é uma

alma absolutamente.

Ele é a morte e está a ponto de romper todas as regras.

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Aviso

“A tradução em tela foi efetivada pelo Grupo Pégasus

Lançamentos de forma a propiciar ao leitor o acesso à obra,

incentivando-o à aquisição integral da obra literária física ou

em formato e-book. O grupo tem como meta a seleção,

tradução e disponibilização apenas de livros sem previsão de

publicação no Brasil, ausentes qualquer forma de obtenção

de lucro, direto ou indireto”.

No intuito de preservar os direitos autorais e

contratuais de autores e editoras, o grupo, sem prévio aviso e

quando julgar necessário poderá cancelar o acesso e retirar o

link de download dos livros cuja publicação for veiculada por

editoras brasileiras.

O leitor e usuário fica ciente de que o download da

presente obra destina-se tão somente ao uso pessoal e

privado, e que deverá abster-se da postagem ou hospedagem

do mesmo em qualquer rede social e, bem como abster-se de

tornar público ou noticiar o trabalho de tradução do grupo,

sem a prévia e expressa autorização do mesmo.

O leitor e usuário, ao acessar a obra disponibilizada,

também responderá individualmente pela correta e lícita

utilização da mesma, eximindo o grupo citado no começo de

qualquer parceria, coautoria ou coparticipação em eventual

delito cometido por aquele que, por ato ou omissão, tentar ou

concretamente utilizar da presente obra literária para

obtenção de lucro direto ou indireto, nos termos do art. 184

do código penal e lei 9.610/1998."

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Capitulo Um

Não olhe e ele vai embora. Eu falava comigo mesma, enquanto caminhava

para meu armário. Tive que fazer uma enorme força de vontade para não

olhar por cima do meu ombro.

Não apenas o alertaria, podia ver que era inútil, também seria

estúpido. Os corredores já se encontravam cheios de estudantes. Embora, se

ele tivesse me seguido dentro da escola, eu o teria visto com bastante

facilidade através da multidão de pessoas. Eles se destacavam como sempre o

faziam, sem mover-se e observando.

—Agh! Viu Leif? Quero dizer, honestamente, ele pode ficar mais

quente? Oh sim, ele pode. —Miranda Wouters, minha melhor amiga, desde a

escola primária, gritou, enquanto me agarrava pelo braço.

—Não, eu não o vi. O treinamento de futebol deve ter coincidido com

ele. —Respondi-lhe com um sorriso forçado. Não poderia importar-me

menos quão quente Leif Montgomery se via. Miranda entreabriu os olhos e

abriu o armário junto do meu.

— Sério, Pagan, não entendo como pode ser tão imune a uma pessoa

tão intensamente sexy.

Obtive um sorriso genuíno e deslizei minha bolsa por cima do ombro.

—Sexy? Por favor, me diga que você não disse sexy.

Miranda encolheu os ombros.

—Não sou um poço sem fundo de palavras descritivas, como você.

Atrevi-me a lançar um olhar por cima do ombro. Os corredores se

encontravam cheios de gente normal, gente que viva. Falavam, riam, e liam

seus horários. Tudo era muito real. Deixei escapar um suspiro de alívio. Este

era o primeiro dia de meu último ano. Queria me divertir.

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—Então, qual aula você tem em primeiro lugar? —Perguntei, relaxando

pela primeira vez, desde que vi o rapaz morto do lado de fora, apoiando-se

tranquilamente sobre uma mesa para o almoço e me olhando diretamente.

—Tenho Álgebra II, argh! Desfrutei tanto de Geometria o ano

passado. Odiei Álgebra desde o primeiro ano e já posso sentir as vibrações

negativas saindo de mim.

O estilo dramático que Miranda tinha para a vida em geral nunca

deixava de me fazer rir.

—Eu tenho Literatura Inglesa.

—Bem, todos nós sabemos que você adora. Oh, olha, olha, olha lá está

ele. —Miranda sussurrou em voz baixa, enquanto balançava a cabeça na

direção de onde Leif falava com outros jogadores de futebol.

— Eu odeio não ser capaz de passear e desfrutar de Sua Alteza com

você, mas esta é minha parada.

Miranda olhou para mim, revirou os grandes olhos castanhos, e fez

uma saudação antes de fazer seu caminho para Leif.

As salas vazias eram lugares que usualmente evitava a todo custo.

Considerando o fato de que o sinal não soaria nos próximos cinco

minutos, esta sala, sem dúvida, permaneceria vazia pelos próximos quatro

minutos. Se tivesse ficado no corredor, teria sido arrastada por Miranda onde

Leif estava rodeado de seus escassos escolhidos.

Eu sabia, sem dúvida, que ele não tinha interesse em conversar com

Miranda. Estávamos na escola com Leif desde que tínhamos onze anos.

Desde que tinha se mudado de algum lugar ao norte da cidade costeira de

Breeze, na Florida e nunca reconheceu qualquer um de nós. Não que eu me

importasse. Ele não era meu tipo. Fui até a mesa mais próxima à janela e

coloquei minha mochila no chão.

Um movimento, com o canto dos olhos, fez que os pelos dos meus

braços se arrepiassem. Sabia que não deveria ficar na sala vazia. Mas já estava

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ali agora e sair correndo apenas iria piorar. Virei-me para enfrentara mesma

alma que vi lá fora, sentado em uma cadeira no fundo da sala com seus pés

apoiados sobre a mesa em frente a ele e os braços cruzados casualmente sobre

o peito. Como ele sabia que eu podia vê-lo?

Não dei nenhuma indicação. Normalmente, os fantasmas precisavam

de uma pequena pista minha para perceber que não era tão cega como o resto

do mundo. Alguma coisa era diferente com este. Olhei para baixo e comecei a

me virar. Talvez devesse ir até Miranda e a equipe de hóquei que estava no

corredor. Se agisse como se o tivesse visto e caminhasse de volta para o

corredor, então ele poderia pensar que cometeu um engano e flutuaria ou

caminharia através de uma parede ou algo assim.

—Realmente não quer se juntar à tão inútil companhia, verdade? —

Uma fria e suave voz rompeu o silêncio.

Agarrei a cadeira de plástico a meu lado, com tanta força, que os nós

dos meus dedos ficaram brancos. Lutei para engolir um choro, quase um

grito, que se formou no fundo da minha garganta.

Devo ignorá-lo? Devo responder? Alertá-lo que seu palpite estava

certo e poderia não terminar bem. Mas ignorar tudo isto seria impossível. Ele

podia falar. As almas nunca antes falaram comigo. No momento em que

percebi que eles apareciam com frequência em minha casa vagando pelos

corredores e não eram visíveis a qualquer um, comecei a ignorá-los. Ver

pessoas mortas não era uma coisa nova para mim, mas eles falarem comigo

era definitivamente algo novo e totalmente diferente.

— Eu imaginei que tivesse mais coragem. Vai me decepcionar também?

—Seu tom se suavizou. Havia um toque familiar em sua voz agora.

— Você pode falar. —Disse, olhando-o diretamente. Precisava que

soubesse que não me sentia assustada. Lutei antes com almas errantes, gostava

de deixar claro que elas não eram a minha vida. Elas não me assustavam, mas

preferia ignorá-las, desse modo partiriam. Se alguma vez pensassem que

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poderia vê-las, iriam ficar atrás de mim. Ele continuou me observando com

uma expressão divertida em seu rosto. Pude notar que seu sorriso torcido

deixava ver uma covinha, que não parecia se encaixar com sua atitude fria e

arrogante. Tanto quanto sua presença me incomodava, não podia deixar de

admitir que esta alma poderia ser rotulada como ridiculamente lindo.

—Sim, eu falo. Estava esperando que eu fosse mudo?

Apoiei o quadril contra a mesa.

—Sim, você é o primeiro que conversa comigo.

Ele franziu a testa.

—O primeiro?

Parecia genuinamente surpreso de não ser a primeira pessoa morta que

podia ver. Ele era, sem dúvida, a alma mais original que já vi. Ignorar uma

alma que podia falar que seria difícil. No entanto, eu precisava, para superar

sua habilidade e me livrar dele. Conversar com amigos invisíveis poderia

dificultar minha vida social.

Acabaria parecendo uma garota louca que falava sozinha.

—Pagan Moore, este deve ser meu dia de sorte. —Ao escutar meu

nome, virei-me para ver Wyatt Tucker entrar na sala.

Forcei um sorriso como se não estivesse falado para uma sala vazia.

—Acredito que é. — Inclinei minha cabeça para trás, para encontrar

seus olhos.

—Continua crescendo, não é?

—Parece que não consigo parar. — Ele piscou, e, em seguida,

pendurou uma de suas longas pernas sobre a cadeira em frente a minha antes

de sentar-se.

— O que você fez neste verão? Não te vi muito.

Arrisquei uma olhada para trás em direção à alma, para encontrar uma

cadeira vazia. Uma mistura de alívio e decepção tomou conta de mim. Querer

fazer mais perguntas não era exatamente uma boa idéia, mas não podia evitar.

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Queria lhe perguntar muitas coisas, como. Por que você está me seguindo? Ou Por

que eu posso vê-lo? Que sempre permaneciam mudas. Muitas vezes desapareciam

quando começava a fazer perguntas.

Voltando minha atenção para Wyatt, forcei um sorriso antes de

responder.

—Estava na Carolina do Norte durante todo o verão, no haras de

minha tia.

Wyatt se recostou na cadeira e balançou a cabeça.

—Simplesmente não entendo por que ficou fora todo verão, quando

vivemos em uma das mais belas praias do mundo.

Para mim não Foi realmente uma escolha, mas não queria explicar o

motivo para Wyatt ou a qualquer outra pessoa. Mais estudantes começaram a

entrar na sala, seguidos por nosso professor de Literatura Inglesa, o Sr.

Brown.

—Wyatt. Como você está?— Justin Gregory gritou, enquanto se dirigia

para nós. Deixou cair sua bolsa sobre a mesa em frente à Wyatt. Por agora, a

atenção de Wyatt não se dirigia para mim, graças à interrupção de Justin.

Quando me virei para frente da classe, meus olhos se voltaram a

encontrar a alma. Apoiado contra a parede diretamente em diagonal à minha

mesa estava olhando para mim. Olhei para ele; parecia encontrar minha óbvia

antipatia divertida. Sua covinha apareceu e odiei o fato de achá-lo sexy. Ele

não era humano, bem, não mais. Tive que me esforçar para desviar o olhar

dele e concentrar minha atenção no quadro onde o Sr. Brown escrevia nossa

tarefa. Sempre ignorei essas almas brincalhonas antes e elas tinham

desaparecido. Eu apenas tinha que superar o fato de que esta podia falar

comigo. Se não o ignorasse estaria encrencada, com ele me perseguindo.

— Detesto, quero dizer, odeio realmente. —Queixava-se Miranda,

enquanto deixava cair à bandeja do almoço na mesa com um forte estrondo.

— Se tiver que me sentar em álgebra e química durante toda a manhã, pelo

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menos poderia haver uma pequena recompensa para a vista em uma de

minhas aulas. Mas nãoooooo! Tenho a Gretchen com seus incessantes

espirros e o Craig com seus problemas de gases.

Engasguei com meu sanduíche e agarrei minha garrafa de água para

tomar um gole rápido, e poder engolir a comida. Uma vez que me senti segura

de que não iria me afogar até a morte, olhei para o rosto preocupado de

Miranda.

— Você tem que dizer essas coisas quando tenho a boca cheia de

comida? —Perguntei.

Ela encolheu os ombros.

— Desculpe, apenas disse, isso é tudo. Não é minha intenção que se

esqueça de mastigar a comida. —‘ Ela estendeu a mão e apertou meu braço.

— Aí vai sua perfeição agora. Acha que vai sair outra vez com há Kendra este

ano? Quero dizer, eles realmente tiveram uma má separação no ano passado

com todo o engano e essas coisas. Certamente superou.

Dei outra mordida no meu sanduíche, sem querer responder sua

pergunta. Não me importava com quem saísse Leif Montgomery, mas sim,

estava mais que segura de que voltaria com Kendra. Pareciam ser O Casal de

Ouro.

Todos sabiam disso e esperava que acontecesse. Os de seu tipo sempre

procuravam outros à altura de seu nome.

—Coloca a língua para dentro da boca, Miranda. Parece como um cão

que está morrendo de sede. —Wyatt se sentou na nossa frente, soltando uma

risada de sua própria piada, enquanto Miranda fazia uma careta para ele.

— Eu não tenho minha língua de fora, muito obrigada.

Wyatt piscou para mim e encolheu os ombros.

—Parecia que sim. O que você acha Pagan, ela estava babando ou o

que?

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Dei outra mordida no meu sanduíche, sem querer responder sua

pergunta. Não queria estar no meio disto. Wyatt começou a rir quando

mostrei minha boca cheia. Miranda me deu uma cotovelada de lado.

—Não fique do seu lado. Ele sozinho já é malvado.

Com um longo gole de água engoli minha comida, e logo olhei

fixamente para Miranda.

—Vocês podem discutir tudo o que quiserem, mas eu não vou ficar no

meio. Desde que decidiram levar isto um passo além da amizade no ano

passado e tudo veio abaixo, tudo o que querem fazer é trocarem golpes baixos

um com o outro. Não é minha briga. Deixem-me em paz. — Rapidamente dei

outra mordida no meu sanduíche, assim não podia falar mais nada.

Quando ambos percebessem que eram loucos um pelo outro e que

não conseguiam superar a ruptura, tornariam minha vida mais fácil. Mas

então, seria a única solteira, uma vez mais. Meu namorado, Jay Potts, mudou-

se faz meses e não tinha falado com ele, mesmo antes de ver minha tia neste

verão.

—Não se trata disso! Não poderia me importar menos que ele não

conseguia manter a língua fora da garganta de Katie quando eu não estava

olhando. —Disse Miranda com irritação.

—Não tinha minha língua na garganta de ninguém, exceto a sua,

Miranda, mas você não acredita e estou cansado de me defender. —Wyatt se

levantou e pegou sua bandeja de comida intacta antes de sair.

— Imbecil. —Murmurou, olhando como ele trocava de mesa.

Odiava vê-los assim. Nós três tínhamos sido amigos desde a terceira

série. Naquele tempo, Wyatt era todo braços e pernas. Agora, elevava-se por

cima de todos com um corpo comprido e musculoso. Miranda não foi imune

a suas repentinas qualidades no ano passado. Agora, não o suportava.

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—Escute Miranda, estava pensando, talvez se vocês dois conversassem

sobre o que aconteceu sem você o acusando, as coisas poderiam dar certo. —

Eu tinha tentado isso antes e ela sempre me ignorou.

Com certeza, ela começou a balançar a cabeça fazendo com que seus

cachos castanhos saltassem para frente e para trás.

— Eu sei o que aconteceu, Pagan, e não quero conversar sobre isso

com ele. É um grande mentiroso, um traidor. —Deu uma mordida violenta

em sua maçã Granny Smith e continuou olhando em direção a Wyatt. — Olhe

para ele, agindo como se encaixasse mais naquela mesa. Quero dizer,

realmente, quem ele pensa que é?

Segui seu olhar. Wyatt estava recostado em uma cadeira, rindo de algo

que outro jogador de basquete dizia.

Todos pareciam satisfeitos por ter Wyatt em sua presença.

Normalmente, ele sentava-se conosco. Este ano as coisas seriam

diferentes.

Suspirei, desejando não ter que ser eu a pessoa que falasse o óbvio

para Miranda.

—Ele é o único cara na escola que tem olheiros universitários

assistindo seus jogos de basquete. Isso é quem ele é. Leif pode ser o peixe

grande no campo de futebol, mas não vejo nenhum olheiro universitário

chamando à sua porta. Pode ficar zangada com Wyatt, mas ele pertence àquela

mesa mais que ninguém.

Miranda voltou seu olhar para mim e imediatamente transformou-

se em uma careta.

—Bom, ele pode ir à universidade com uma bolsa de basquete e

enganar todas as líderes de torcida, então. Devo lhes advertir. —Sua voz

adquiriu um tom de derrota enquanto ficava de pé e se dirigia para as latas de

lixo. Olhei-a, desejando poder encontrar uma maneira de consertar isto entre

eles.

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Alguém se sentou a meu lado na cadeira que Miranda estava. Virei-me

na minha cadeira, esperando ver a alma. Imagine minha surpresa quando não

era a alma indesejada, mas sim o atleta arrogante.

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Capitulo Dois

—Olá, Pagan, o Sr. Yorkley disse que eu precisava falar com você. —O

som da voz de Leif conseguiu me tirar do estado de choque em que estava. Se

o senhor Yorkley o enviou, era sinal de que ele precisava de algum tipo de

ajuda acadêmica. No entanto, não me sentia com vontade de ajudá-lo, nem

tinha a intenção de deixar tudo mais fácil. Consegui expressar um Por quê? E

esperei em silêncio. Leif pigarreou e esfregou as mãos sobre os joelhos de sua

calça jeans, como se estivesse realmente nervoso.

—É bem... —Ele começou.— Quero dizer, isso é, preciso de ajuda

para falar em público. Não sou bom nisso e o Sr. Yorkley me disse que

deveria falar com você, para me ajudar. — Ele olhava para frente enquanto

falava. Nem sequer olhou pra mim. Realmente eu não gostava deste tipo.

Finalmente, voltou seu olhar em minha direção. Eu tinha certeza que ele usava

esta expressão lastimosamente esperançosa com todas as mulheres, a fim de

obter o que queria. Meu estômago me traiu e estremeceu, afetado por seus

suplicantes olhos azul bebê. Odiava que ele pudesse fazer meu corpo reagir a

ele em tudo, de outra forma que não fosse para vomitar, é claro.

—Este é o primeiro dia de aula. Como já pode precisar de ajuda? —

Perguntei-lhe com uma voz que esperava soasse irritada. Não era uma menina

boba que podia comover-se com alguns movimentos de seus longos cílios,

mesmo que meu corpo não parecesse concordar. Certamente, estava

imaginando o leve rubor em suas bochechas.

— Hum, sim, eu sei, mas eu, bem, isso é, o Sr. Yorkley e eu sabemos,

mas vou me esforçar. —Disse um pouco na defensiva. Leif sempre foi um

bom aluno. Esteve em algumas aulas com ele.

— Por que vocês pensam que tem que se esforçar? É evidente que não

tem medo de falar na frente de toda a classe.

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Ele balançou a cabeça e olhou para frente novamente.

—Não, não é assim. —Esperei, mas não disse mais nada.

Era interessante, fiquei intrigada.

—Na verdade, só não entendo por que precisa da minha ajuda. É

realmente simples. Você escreve os discursos sobre os temas atribuídos, e, em

seguida os expõe verbalmente. Simples, básico, sem rodeios ou equações

difíceis.

Ele voltou seu olhar para mim com um sorriso triste.

—Não é tão fácil para mim. —Fez uma pausa e agiu como se quisesse

dizer mais, então balançou a cabeça e levantou-se. —Não se preocupe,

esqueça que eu pedi.

Eu o vi passar pela mesa de seu fã clube e sair pelas portas duplas. Por

um momento, senti uma pontada de culpa, por ter sido tão dura com ele. Veio

me pedir ajuda e eu basicamente acabei tirando sarro dele. Peguei minha

bandeja, com raiva de mim mesma por ter agido como uma idiota. Idiota era

parte de sua descrição, não minha.

Minha mochila caiu sobre a mesada cozinha com um baque,

anunciando meu retorno. Fui até a geladeira. O suco de laranja que eu fiz no

dia anterior, tão arduamente, soava bem.

—Pagan, querida, é você? —A voz de minha mãe veio do corredor.

Estava sentada na mesa de seu escritório com uma grande xícara de café,

escrevendo em seu computador. Não tinha que vê-la para saber isto. Minha

mãe é escritora. Vive atrás de seu computador.

—Sim. —Respondi.

Antes que pudesse me servir um copo de suco de laranja, o som de

seus chinelos, contra o piso de madeira me surpreendeu. Foi um estranho

acontecimento. Ela não se afastava de seus escritos quando eu retornava para

casa da escola. Normalmente, era perto do horário do jantar, que ela me

honrava com sua presença.

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—Bem, estou feliz que veio direto para casa. Preciso falar com você, e,

em seguida me arrumar. —Fez um gesto para sua camiseta folgada e velha de

Los Atlanta Braves1. —Vou jantar com Roger, mas não se preocupe, vou

deixar dinheiro para você pedir uma pizza. — Puxou uma Cadeira para sentar-

se e seu rosto amável ficou sério. Não era um bom sinal. Esta seriedade era do

tipo grave, reconhecia, mas raramente o experimentava.

—O que? —Perguntei enquanto colocava meu copo sobre a mesa.

Ela esticou as costas enquanto limpava a garganta. O olhar sério que

lançou, do tipo Estou Decepcionada com você,apareceu, mudando sua expressão

facial. Rapidamente quebrei a cabeça, tentando pensar em algo que poderia ter

feito para incomodá-la, mas nada me veio à mente.

—Recebi uma chamada do Sr. Yorkley, bem no meio do capítulo

quinze. —Oh, ela sabia sobre Leif.

—O senhor Yorkley? —Perguntei, fingindo que não sabia do que se

tratava. Mamãe assentiu com a cabeça e jogou a cabeça para o lado como se

estivesse me observando para ver se acreditava que realmente não tinha idéia

de por que meu professor poderia ligar. Sua cabeça inclinada sempre me

deixava nervosa. Preparei-me.

Estava a ponto de contar e dizer que mudei de idéia. Fui uma

idiota, mas em minha defesa não era como se tivesse feito algum mal.

Zombava do rei governante, não de uma pessoa com baixa autoestima.

—Pelo que parece, há um rapaz que tem uma dificuldade de

aprendizagem e lhe disseram que te buscasse para tutoria. Até onde sei você

se inscreveu para dar aulas este ano, por créditos extras. Minha pergunta é

Pagan, por que não ajudar a um estudante em sua escola que luta com um

problema tão sério como a dislexia? O moço, conforme me disseram, tem a

oportunidade de ganhar uma bolsa por suas habilidades atléticas, mas seu

problema requer receber ajuda extra em certas aulas. Necessita alguém que lhe

1 Os Atlanta Braves é a equipe de beisebol de Atlanta.

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ajude a colocar seus discursos em um papel. Isso não parece pedir muito.

Disse que queria ser tutora este ano. Explique-me por que escolheu lhe dizer

que não a este moço e, já te digo que é bom que sua explicação seja realmente

boa. — Ela inclinou-se para trás e cruzou os braços sobre o peito, em sua

postura de Estou esperando.

Leif sofria de dislexia? Isto era uma brincadeira? Eu fui à escola com

ele a maior parte da minha vida. Garotas, incluindo Miranda, sabiam tudo

sobre ele. Eca! Miranda, até mesmo me contou exatamente onde era sua

marca de nascimento.

Não me importava. Como poderia Leif Montgomery ter dislexia e

ninguém saber?

Lembrei-me de Leif me pedir ajuda no refeitório hoje e a forma como

me comportei. A revelação de que Leif tinha algo parecido com dislexia e

mesmo assim dava um jeito para ter tão boas notas me incomodou. Eu não

sei por que, exatamente, mas o fez.

Eu gostava de pensar nele como um atleta. Alguém que conseguiu sua

popularidade da noite para o dia. Agora tudo o que podia pensar era a maneira

como ele me olhou, quando veio me pedir ajuda. Um nó se formou na boca

de meu estômago.

Eu olhei para minha mãe e balancei a cabeça lentamente.

—Não tinha idéia que ele tinha uma dificuldade de aprendizagem.

Sempre é tão arrogante e seguro de si. Surpreendeu-me que se aproximasse

em busca de ajuda e imediatamente me perguntei por que, ele, de todas as

pessoas, necessitaria ajuda.

Mamãe se inclinou para frente na mesa e seu cenho franzido aliviou-se

um pouco.

—Bem, pode ajudá-lo. Criei uma garota mais compreensiva que isso.

Eu balancei a cabeça e estendi a mão para minha mochila.

— Eu sei, sinto muito. Vou corrigir isso.

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Parecia mais calma.

—Eu não gosto de receber ligações da escola sobre você.

Especialmente quando estou escrevendo uma intensa cena de assassinato.

Sorri e coloquei o copo na lava-louça antes de virar-me para ela.

—Desculpe, mas vou tentar me lembrar. Hum, assim, é o segundo

encontro com este Roger?

Ela corou.

—Sim e parece que somos capazes de conversar por horas. Adoro sua

forma de pensar e ele viajou por todo mundo. Minha mente sempre está

girando quando fala de lugares e coisas que nunca vi. —Encolheu os ombros.

— Você me conhece, sempre estou pensando na história por trás de tudo.

Levantei minhas sobrancelhas e me aproximei dela.

—E ele é sexy.

Ela riu o que não era um som normal para minha mãe.

—Oh, agora não é por isso que eu gosto dele. É sua forma de pensar e

sua conversa.

Eu ri alto.

—Claro que é mãe, continue dizendo essa mentira.

— Tudo bem é muito atraente.

—Mãe, ele é sexy e sabe disso. É verdade, é velho, mas ainda assim é

sexy.

—Não é velho. Tem minha idade.

—Exatamente.

Olhei sua intenção de parecer magoada antes te desistir e começar a rir.

—Bem, sou velha. Seu dinheiro estará na mesa quando tiver fome para

pedir uma pizza.

Ficar em casa sozinha não era algo que eu gostava.

Quando estou sozinha via almas vagando sem rumo, o que me

incomodava. Especialmente desde que realmente conversei com uma hoje.

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Era mais fácil ficar lembrando que eles eram inofensivos enquanto estavam

silenciosos. Agora, estava um pouco assustada. Depois que fechei a porta do

meu quarto, peguei o celular do meu bolso e liguei para Miranda.

— Deixe-me ver se entendi bem. —Miranda sentou-se no sofá com um

pedaço de pizza na mão e uma lata de refrigerante entre as pernas, me

olhando. – Leif deixa-me-tão-quente-que-preciso-me-refrescar Montgomery pediu que

o ajudasse com seu discurso e você recusou? Está tão louca como acredito

que está? Quero dizer, de verdade Pagan, pensei que a loucura que tantas

vezes vejo em você, era apenas superficial, e, no fundo, você tinha algum

senso comum.

Joguei um pedaço de pizza no prato na minha frente, por causa da

frustração.

— Vou arrumar isto amanhã. Não é como se tivesse assaltado um

banco. Deixa de fazer um grande problema disto. Eu sei que estava errada.

Ele realmente precisava de ajuda e eu me inscrevi para tutoria. Se quiser o

crédito extra, tenho que ajudar qualquer um que o Sr. Yorkley me enviar.

Miranda revirou os olhos.

— Oh, Deus me perdoe, enviou para você o homem mais quente do

Estado! Quero dizer, pelo amor de Deus, o que você tem?

Era impossível não encontrar diversão no seu drama.

Miranda nunca deixou de me fazer sorrir com as pequenas coisas,

transformando tudo em um grande cenário dramático.

— Eu cometi um erro ao não oferecer minha ajuda. Acho que meu

preconceito contra os atletas se interpuseram. Mas, não vou ajudar porque

você acha que é quente. Só estou ajudando por que ele realmente precisa e me

inscrevi para isso.

Miranda revirou os olhos e ficou imóvel, segurando a pizza no ar entre

o prato e a boca.

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—Espera... ele vai vir a sua casa? Porque, se for assim, quero estar aqui

também. Assim ele me nota e percebe que está perdidamente apaixonado por

mim, e logo podemos sair durante toda a escola secundária e depois da

graduação nos poderíamos nos casar e eu serei a mãe de seus filhos.

A soda escapou da minha boca e cobriu meu prato ainda com pizza.

— O que? —Sorri encolhendo os ombros antes de morder um pedaço

de sua pizza livre de refrigerante.

—Para começar, é necessário terminar a universidade antes de sequer

pensar em casar-se e ter filhos. E não, ele não vai vir aqui. Inclusive se viesse,

não iria deixá-la vir depois desse comentário absurdo. A última coisa que

quero fazer é arrumar algo entre minha amiga e um cara que está fantasiando

sobre casar-se e ter filhos, recém saídos do ensino médio.

Miranda suspirou com a derrota e fez beicinho, zangada, era boa com

isso.

—Não é divertida, Pagan, não tem graça absolutamente.

Peguei outro pedaço de pizza da caixa de papelão que eu tinha

colocado na mesa de café.

—Sério? Então por que me mantém por perto? —Perguntei.

—Porque te amo!

—Também te amo!

Miranda levantou-se.

—Odeio deixar todo o aconchego quente desta conversa, mas

tenho que fazer xixi.

Ela levantou-sedo sofá e seguiu pelo corredor em direção ao

banheiro. Sempre aguentava até o último minuto. Estava acostumada a pensar

que mudaria à medida que fosse crescendo, mas não o fez. Quando decidia

que precisava ir ao banheiro sempre era uma correria louca.

—Interessante a amiga que tem aí. É realmente muito divertida.

Page 24: Abbi glines existence #1 existence

~24~

A pizza que levava a minha boca caiu das mãos no meu colo.

Reprimi um grito em minha garganta. Fiquei surpresa, mas reconheci a

profunda voz com sotaque sulista. A alma falante sentou-se em uma de

minhas cadeiras. Simplesmente genial. O menino morto, realmente sexy e

ainda arrepiante-porque-posso-falar deve ter me seguido até em casa.

— Por que está aqui? —Falei em voz baixa, desejando que me deixasse

em paz de uma vez e fosse vagar pela terra ou a outro lugar. A intensidade de

seu olhar firme fez com que meu pulso acelerasse nervoso, ou talvez uma

melhor descrição fosse... me deu medo.

— Eu não posso te dizer isso. Ainda não é o momento. Mas, posso

assegurar-lhe que por enquanto não vou a nenhum lugar.

Depois de uma olhada rápida para ver se Miranda voltava, olhei

para ele.

— Por quê? Se ignorar os problemas das almas elas sempre se vão.

Franzindo a testa, ele se inclinou para frente e me observou

cuidadosamente.

—O que quer dizer com problemas de almas?

Não me sentia muito segura sentada, olhando para cima, então, tirei

a pizza do meu colo e fiquei de pé para poder estar à altura de seus olhos.

— Você não é especial. Estive vendo fantasmas, almas, espíritos

ou o que sejam por toda a minha vida. Almas estão por toda parte. Na minha

casa, na rua, nas lojas, nas casas dos outros, posso vê-los. Eu simplesmente os

ignoro e eles vão embora.

Ele lentamente se levantou e deu um passo em minha direção. Sua

altura era intimidante, mas sua proximidade me fez querer retroceder,

inclusive se fosse mais baixo.

— Você pode ver as almas?

— Eu posso te ver, não posso?

Ele balançou a cabeça lentamente.

Page 25: Abbi glines existence #1 existence

~25~

—Sim, mas eu sou diferente. Você deveria me ver. É mais fácil dessa

maneira. Mas às outras... não se supõe que as veja.

A porta do banheiro se abriu com um clique. Girei minha cabeça

para ver Miranda voltando com um sorriso no rosto.

— Você estava falando sozinha?

Encolhi os ombros e forcei um sorriso.

—Hum, sim.

Ela riu e voltou a sentar-se no sofá. Eu respirei fundo, e, em seguida

olhei para a alma que retornou à mesma cadeira de vime branca da cozinha, e

me observava. A única maneira de poder terminar esta conversa e conseguir

que fosse embora seria... Enviando Miranda para casa dela. Falar com uma

alma que ela não podia ver, não iria muito bem. Minha capacidade de ver as

almas não era algo que tivesse compartilhado com ela e não tinha intenção de

começar agora.

A alma parecia estar me esperando para tomar uma decisão.

A idéia de ficar sozinha com ele me assustou. Tudo bem que era

sexy, mas era um morto e tinha me seguido até em casa. Arrepiante não era

suficiente para começar a descrevê-lo. Fazer com que Miranda me deixasse,

não era um de meus planos para esta noite. Pus um pouco de distancia entre a

alma e eu caminhando para o sofá para me sentar junto da Miranda.

— Quer ver The Vampire Diaries2? Tenho os dois últimos episódios

gravados. —Perguntei, com a esperança de que ele entendesse a indireta e

desaparecesse.

— Oh! Sim, eu perdi na semana passada.

Peguei o controle remoto, selecionando os programas gravados em

minha lista de DVD e com um clique começou a passar. Tinha que deixar de

pensar no tipo morto dentro de casa. Depois de pelo menos dez minutos de

2 The Vampire Diaries é uma série de televisão americana de gênero dramático, criada pelo Kevin Williamson e

apoiada na saga de L. J. Smith.

Page 26: Abbi glines existence #1 existence

~26~

ouvira Miranda suspirar por Damon e queixar-se de Elena, segurei minha

respiração e arrisquei um olhar em sua direção. A cadeira onde esteve sentado

agora estava vazia. Deixei escapar um suspiro de alívio.

Durante toda a manhã fiquei repetindo exatamente o que iria dizer

para Leif. Não me sentia segura sobre lhe dizer que sabia a respeito de sua

dislexia, ou se deveria apenas dizer-lhe que poderia começar tão logo estivesse

pronto e pular a explicação. Eu também me preparei para ele me dizer que já

não precisava da minha ajuda. Se já tivesse conseguido outro tutor então toda

esta confusão teria acabado. Não seria obrigada a ajudar alguém de quem eu

não gostava, mas seria um problema para meu crédito extra. De qualquer

forma, perderia nesta situação.

Isto também não era algo que queria fazer com Miranda a meu

lado, batendo os cílios e rindo quando ele falasse. O tempo seria de extrema

importância. Depois da aula de Química, esperei no corredor ele sair da única

aula que compartilhávamos este semestre. Felizmente, ele saiu sozinho.

— Hum, Leif, eu poderia falar com você um minuto? —Perguntei

assim que saiu pela porta. Olhou para mim e franziu a testa imediatamente.

Parecia estar pensando seriamente em afastar-se e me ignorar quando, em vez

disso, deu meia volta e caminhou para mim parando justo em minha frente.

Apoiado contra a parede cruzou os braços diante de seu peito e esperou. Tive

a sensação de que não seria fácil.

— É a respeito de ontem, sinto muito, fui muito grosseira com o

assunto de te ajudar. Candidatei-me para dar aulas pelos créditos extras e não

deveria ter te tratado daquela maneira. — Eu parei e hesitei, esperando que ele

dissesse alguma coisa. Ele não se mexeu, ou mesmo agiu como se fosse

responder. Respirei fundo e me lembrei de que a culpa era minha. —Se ainda

quiser que seja sua tutora, eu adoraria te ajudar.

Conclui não muito feliz, mas parecia a coisa certa a dizer. Seu olhar

silencioso começou a me deixar nervosa. Parecia aborrecido. Eu pratiquei

Page 27: Abbi glines existence #1 existence

~27~

todo meu autocontrole para não me zangar com ele e ir embora. Lembrei-me

exatamente o quanto fui grosseira com ele ontem e consegui esperar

pacientemente por sua resposta.

Ele endireitou-se e olhou pelo corredor por cima de meu ombro, como

se na realidade não estivesse considerando o que disse. Justo quando pensei

que não queria minha ajuda, concentrou sua expressão aborrecida em mim e

perguntou.

—Você está se oferecendo por causa do Sr. Yorkley? Ele pediu que

fizesse isto?

Pensei nas palavras de minha mãe e me perguntei se ela não

insistisse que fizesse o correto, estaria lhe oferecendo agora minha ajuda? Este

popular, talentoso, e adorado rapaz revelou seu segredo. Eu não gostava.

Inferno, eu não o conhecia, mas por alguma razão queria ajudá-lo.

—Estou aqui porque quero estar. Errei e, sinceramente, nem sequer te

conheço o suficientemente bem para formar uma opinião, aliás, acho que nem

gosto de você. Estou oferecendo minha ajuda porque precisa e porque me

candidatei para isso. E por isso estou aqui.

Parecia estar pensando no que disse por um momento e logo um

pequeno sorriso apareceu em seu rosto.

—Assim... Você não gosta verdade?

Endireitei minha coluna ficando mais reta e aproximei os livros

mais a meu peito em atitude defensiva. Surpreendentemente, era algo difícil

ser a destinatária de um de seus encantadores sorrisos.

Sobre tudo depois de acabar de admitir que não gostava dele. Por

que tinha que ser tão frustrantemente lindo? Balançou levemente a cabeça e

riu entre dentes.

—Bom, acho que temos que trabalhar para mudar sua opinião. —

Acomodou sua mochila mais acima, sobre o ombro e lançou mais um sorriso.

— Verei você mais tarde.

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~28~

Partiu me deixando um pouco nervosa. Lutei contra a urgência de

dar a volta e vê-lo se afasta. Um lento som de aplausos surpreendeu-me e dei

meia volta para me encontrar com a alma apoiada nos armários com esse

maldito sorriso torto.

—Impressionante. Uma mulher com coragem suficiente para admitir

que pode estar errada, pedir desculpas e se oferece para corrigir a situação.

Pus os olhos em branco e suspirei, sabendo que o corredor não se

encontrava completamente vazio, assim que a resposta não seria possível.

—Afaste-se de mim. —Falei de qualquer forma, antes de me voltar e

caminhar em direção à cafeteria.

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~29~

Capitulo Três

Estava de pé em minha sala, frustrada por perder o controle da

situação em meu encontro com Leif. Fui à biblioteca preparada para cumprir

com nossa tutoria programada e inclusive fiz uma nota no livro da mão que o

Sr. Yorkley deu a todos os tutores. Encontrava-me no problema de criar um

programa para usar com Leif, fazendo notas dos dias e horas de nossas

sessões. Escrevi instruções para ele, sobre o que levar e como tomar notas nas

aulas. Tudo parecia tão simples e seco. Mesmo assim, nada saiu como eu

planejava. Não levei em consideração que estudar com Leif no último período

seria impossível dado que todos os jogadores de futebol americano deviam ir

para o campo no último período. Tampouco pensei nos treinos da tarde e no

trabalho na loja de surfe de seu tio ao entardecer. O timbre soou antes que

pudesse ficar mais frustrada por que nada estava como eu tinha planejado.

Não pude mudar minha cara irritada enquanto abria a porta.

Leif me deu um sorriso sincero.

—Realmente eu sinto muito. Sinto-me mal por ter que trabalhar de

acordo a minha agenda. Sei que sete já é tarde e bom, sinto muito.

A indignação que estava sentindo por ter que trabalhar ao redor de

Leif, evaporou-se. Parecia sincero e um pouco nervoso. Esta não era a forma

que eu esperava que ele agisse. Onde estava sua arrogância? Sempre era tão

amável? Certamente não. O tipo saiu com a perversa bruxa da costa sulina por

dois anos. Dei um passo atrás para deixá-lo entrar.

—Está bem. Entre e vamos para a mesa, vou pegar algo para beber.

Você gosta de cerveja sem álcool? —Perguntei, caminhando para a geladeira,

assim não teria que olhar para ele.

—Isso é genial, obrigado.

Tomei meu tempo, pegando as garrafas da geladeira e as abrindo

antes de caminhar de volta para a mesa da cozinha. Esta seria a primeira vez

Page 30: Abbi glines existence #1 existence

~30~

que conversava realmente com Leif além das breves conversas de ontem e

hoje.

—Trouxe o programa de aula e tudo o que se espera neste curso.

Tenho uma semana antes que o primeiro discurso seja feito e precisa ser sobre

algo que me sinta entusiasmado.

Muito bem. Era uma tutora. Podia fazer isto. Ele era só outro

estudante que precisava da minha ajuda.

—Assim, precisamos decidir um tema apaixonado. —Riu entre dentes

e levantei os olhos para ele. — O que? —Perguntei quando vi sua expressão

divertida.

—O que me apaixona?

Rodei meus olhos e sustentei o programa de estudos.

—Já sabe um assunto com o qual se sinta forte. Como seu propósito

ou base.

Assentiu com sua risada divertida ainda em seu lugar.

—Apaixonar, eu gosto disso. Pensemos em algo que me apaixona.

Isto não deveria ser difícil. Algum tema relacionado com o futebol

americano ou problemas no esporte tinha que estar dando voltas em sua

cabeça. Estiquei a mão para abrir o notebook.

— Tem alguma idéia? —Perguntei.

Aparentava estar muito compenetrado em seu pensamento.

Surpreendeu-me um pouco. Quão compenetrado poderia ficar em se tratando

de futebol americano?

—A importância da adoção.

Comecei a escrever sua resposta enquanto suas palavras

lentamente se afundaram em minha cabeça. Adoção? Queria escrever sobre

adoção?

—Muito bem. —Repliquei me perguntando se iria me explicar

com detalhes por que queria discutir isto. Estive completamente de acordo

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~31~

com ele, mas, como podia o Sr. Popular ser apaixonado sobre um tema tão

importante?

Estudava a caneta em sua mão e a deslizava para trás e para frente

entre seus dedos. Podia dizer que decidia como me explicar por que queria

falar sobre adoção. Assim que me preparei para manter minha boca fechada e

esperar. Finalmente me olhou.

—Fui adotado depois de viver em lares de acolhida por cinco

anos. Já não tinha esperança de pertencer a uma família, no momento em que

fiz nove anos porque a maioria das pessoas querem bebês. Mas tive uma

oportunidade com a qual a maioria dos órfãos de nove anos apenas sonham.

Se ele simplesmente me tivesse falado em um fluido chinês não

teria ficado mais surpresa. Adotado? Leif Montgomery? Sério?

—Oh, uau, não tinha idéia. Eu, uh, posso ver por que este seria um

tema importante para você. —Quando eu disse que não conhecia Leif

Montgomery, não percebi quão precisas eram minhas palavras. O rapaz em

um lar de acolhida sem pais e uma dificuldade de aprendizagem não pareciam

se encaixar com o tipo que caminhava pelos corredores do Harbor High

como um rei. As coisas a respeito de Leif que me desagradavam agora

pareciam lucros impressionantes. Era possível que o tivesse etiquetado

incorretamente? Os atletas superficiais não superavam a adversidade nem

obtinham as coisas que Leif conseguiu. Tinha-o catalogado, sem sequer

conhecê-lo. O fato de que as garotas ficavam loucas por ele e que cada rapaz

queria ser ele, não o faziam um idiota. A única idiota e preconceituosa mulher

era eu.

—Escutou a parte onde sou adotado, verdade? —Sua voz interrompeu

meus pensamentos e o olhei confusa. Um sorriso saiu de seus lábios. — Ficou

muito perturbada. Pensei que provavelmente perdeu o final feliz.

—Sinto muito. É só, bom, não esperava isso. Surpreendeu-me

um pouco.

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~32~

Inclinou-se para trás em sua cadeira.

—Parece-me que tem muitas idéias ao meu respeito. Pelo que vejo

pensou muito em alguém pelo qual diz que não gosta muito.

Meu rosto se esquentou e sabia que ruborizava.

—Quem sabe, Pagan? Provavelmente gostará de mim antes que

termine isto.

Levou três noites consecutivas de tutoria para ter seu discurso

preparado. Também levou só três noites para perceber que realmente eu

gostava do senhor estrela de Habor High. Leif Montgomery não era nada

parecido com o que eu sempre pensei dele. Ainda me sentia culpada pelo

estereótipo que desenhei em minha cabeça. Entretanto, embora estivéssemos

passando duas horas juntos a cada entardecer, nada mudou na escola. Apesar

de Leif sorrir e assentir quando cruzávamos no corredor, não tínhamos a fácil

amizade que parecíamos ter durante as tutorias, à vida diária na escola.

—K, assim queeeee, aqui está à coisa, Wyatt e eu estivemos

conversando um pouco e ele me pediu para ir ao Baile de Boas vindas. Isso

significa que terá que procurar um par e vir também. Sei que planejamos ir ao

cinema essa noite, mas bommmmm...

Miranda bateu seu cílios para mim através da mesa.

—Estou feliz de que Wyatt e você voltaram. Odiava que estivessem

brigados.

—Eu também. Era ruim, verdade?— Interveio Wyatt, enquanto

se sentava ao lado de Miranda. Ela se inclinou sobre ele e de repente, senti-me

um pouco deixada de lado.

—E Pagan precisa de um par para o baile. Não podemos ir sem ela. —

Disse Miranda sorrindo para Wyatt.

—Eu tenho certeza de que Pagan pode conseguir um par se quiser um.

—Mordeu seu hambúrguer. Sabia que tentava fazer o possível para frear as

idéias de Miranda. Dei para ele um sorriso agradecido.

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~33~

—Realmente não há ninguém com quem quero ir. —Isto era

uma mentira e sabia. Obriguei-me a não olhar para a mesa de Leif porque se

fizesse isso me delataria imediatamente. Wyatt, entretanto, olhou para a mesa

de Leif e logo para mim com um sorriso zombeteiro. Por sorte, Miranda se

perdeu na sua sutil insinuação e Wyatt decidiu não verbalizar seus

pensamentos. Miranda, inteirando-se de meu interesse por Leif, era a última

coisa que necessitava.

—Mas não será divertido sem você. —Miranda fez um bico.

Tomei outro gole do meu chá. Não queria discutir com ela sobre isto. —

Vamos, Pagan, foram seis meses desde que Jay se foi. Sentimos saudades

também, mas ele se mudou. Precisa ter encontros novamente.

Era a primeira vez que a menção de meu antigo namorado não me

deixava triste. Tinha começado a sair com ele em meu nono ano e ele era um

aluno do décimo primeiro ano. Depois da graduação do ano passado em Maio

ele foi para a Universidade e seus pais se mudaram para outro estado. Ambos

concordamos que uma relação à distância seria muito difícil e rompemos. No

princípio, fiquei perdida. Tinha assumido que deveria ter o coração partido.

Não demorou muito tempo para perceber que sentia saudades da comodidade

da nossa relação. No fundo, tínhamos sido apenas muito bons amigos. Nós

gostávamos das mesmas coisas e nos preocupávamos com o mesmo.

—Não é por Jay. Não conheço ninguém que me interesse.

O sorriso de Wyatt ficou maior enquanto ele dava outra mordida

em seu hambúrguer. Se ele não fosse cuidadoso eu estrangularia esse sorriso

tolo. Miranda fez uma careta de desagrado.

—É uma lástima que passe cada noite com Leif Montgomery e que

nem sequer goste dele. Simplesmente não te entendo.

Wyatt levantou as sobrancelhas para ela e franziu o cenho.

—O que está dizendo, Miranda?

Ela franziu os lábios e tentou parecer séria.

Page 34: Abbi glines existence #1 existence

~34~

—Oh, chega, Wyatt, sabe que te amo. —Ele se agachou e lhe deu um

beijo nos lábios antes de retornar à sua comida. Ela voltou sua atenção para

mim, com um sorriso tolo no rosto e eu quis rir. — Só estou dizendo que se

pudesse ver além de seu desagrado por ele, seria uma grande oportunidade.

Pensei por um minuto a respeito de continuar deixando acreditar

que realmente eu não gostava de Leif. De algum jeito me parecia injusto com

ele. Ele não merecia meu desgosto e não deveria deixar que os outros

acreditassem que eu não gostava dele.

—Não me desagrada Leif. Não é como eu pensava. Errei a respeito

dele. Entretanto, tampouco estou quente por ele. —Olhei para minha bandeja

com um pouco de medo de que Miranda pudesse ler nas entre linhas, mas, em

troca, parecia um cervo acuado pelos faróis. Seu olhar não estava em mim, seu

olhar se concentrava em algo ou alguém atrás de mim.

—Bom, fico feliz de saber que não está quente por mim. Uma

preocupação a menos em minha mente.

Fechei meus olhos com força, esperando só ter imaginado a voz de

Leif. Seu ombro roçou o meu enquanto se sentava a meu lado e lentamente

abri os olhos para ver um muito divertido Wyatt, me olhando. Esclareci a

garganta e forcei um sorriso que não sentia, antes de dar a volta para olhar

para Leif.

—Olá. —Ele me disse simplesmente e começou a rir, empurrando meu

ombro com seu braço.

—Relaxa Pagan, está tudo bem. Entendo que odiava minhas vísceras e

agora teve a revelação dos deuses de que não sou tão mau depois de tudo. É

genial. —Resisti à vontade de suspirar de alívio.

—Assim, o que te traz para as mesas da classe baixa? —Perguntou

Wyatt, sorrindo com seu próprio humor.

Leif o olhou e levantou uma sobrancelha com surpresa.

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~35~

—Oh, esta dizendo que esta mesa é da classe baixa? Não tinha nem

idéia. Tem o atleta estrela que esta sendo procurado pelas universidades. —

Apontou para Wyatt. — Sua namorada. —Apontou para Miranda. — A

rainha do Baile de Boas vindas do ano passado. —Disse, voltando-se para

mim.

Rodei meus olhos.

—Isso foi só por meu encontro e sabe disso.

—Não, não sei.

Sabia que ruborizava e o odiava. Meu olhar se encontrou com o de

Miranda e percebi que absorvia cada palavra. Isto não era bom. Não ia sentir

saudades das minhas bochechas rosadas.

—O que é que você precisa? —Perguntei, tentando não parecer

grosseira.

Sorriu como se pudesse ler minha mente.

—Queria dizer que obtive A em meu discurso.

—Isso é maravilhoso. É um discurso muito bom. Pôs algumas grandes

idéias nele.

—Sim, mas não poderia fazer sem sua ajuda.

Sorri e olhei para minha comida.

Não contei a ninguém, incluindo Miranda, a respeito da dislexia

de Leif ou sua adoção. Essas não eram minhas histórias para contar.

—Vai ao jogo desta noite? —Perguntou e o olhei surpresa pela

pergunta.

—Um, não, provavelmente não. —Franziu o cenho e logo assentiu

com a cabeça e se levantou.

—Bom obrigado novamente te vejo na segunda-feira, então.

—Está bem. Boa sorte esta noite. —Respondi. Tinha ferido seus

sentimentos pelo fato de não ir ao jogo? Girei-me novamente na minha

cadeira e Wyatt negou com a cabeça.

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—O que? —Perguntei.

—O pobre tipo não está acostumado a ser derrubado. —Disse e tomou

um gole de seu leite.

—Derrubado? —Perguntei confusa. Colocou a caixa de leite

novamente em sua bandeja e me olhou com uma expressão séria, uma

expressão estranha de ser ver no rosto de Wyatt.

—Queria que você fosse ao jogo e você disse que não. — Franzi

o cenho, tentando recordar se me pediu que fosse. Tenho certeza de que ele

me perguntou se eu tinha planos de ir. Não me pediu que fosse.

—Não, não pediu.

Wyatt começou a rir e balançou a cabeça.

—Sair com Jay te arruinou. Na maioria das vezes a gente não sai com

alguém exatamente igual a nós. Mas você se entendia com Jay, porque, como

você, ele era direto e sério. Nem todos os rapazes, não, a maioria dos rapazes,

não são assim. —Assentiu com a cabeça na direção de onde Leif conversava

com Kendra. — Estava te convidando, confie em mim. —Wyatt se afastou e

olhei novamente para Leif.

Kendra girava seu comprido cabelo loiro ao redor de um dedo

enquanto sorria para ele. Fazia apenas uma semana, que eu pensava que ele

merecia alguém tão superficial e formosa.

Agora, conhecia-o melhor. Olhou em minha direção e me

surpreendeu olhando para ele. Seus olhos pareciam dizer algo que eu não

entendia, mas antes que pudesse entender eles mudaram e adquiriram uma

expressão normal.

Voltou sua atenção para Kendra. Confusa e um pouco chateada,

agarrei minha bandeja e comecei a me levantar. Comecei a dizer para Miranda

que a veria mais tarde, quando percebi que me olhava com a boca levemente

aberta.

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~37~

—O que? —Perguntei um pouco na defensiva, porque sabia, pela

expressão em sua cara, que ela descobriu.

—Você... gosta... dele. — Disse lentamente, como um sussurro.

Rodei os olhos e comecei a rir.

—Não de tudo. —Agarrei minha bandeja e me dirigi ao lixo, longe dos

olhos de Miranda.

***

—As garotas da sua idade, normalmente, não saem e fazem coisas no

fim de semana? —Desta vez não fui capaz de segurar o grito de susto que saiu

da minha boca. Por sorte minha mãe não estava em casa para me ouvir. Dei a

volta para encontrar a alma falante sentada na minha cama, me olhando.

—Poderia POR FAVOR, deixar de aparecer do nada e me assustar.

Que maldição! E o que está fazendo no meu quarto? Vá embora! —Amassei a

camisa que estava a ponto de pendurar no armário. Isto começava a ficar

chato. Tinha que deixar de me seguir.

Uma de suas escuras sobrancelhas se levantou.

—Normalmente não é tão irritável.

Grunhindo em voz alta, me aproximei da minha janela, abri e logo

me virei para ele.

—Voe para longe, por favor. Saia do meu quarto. Eu poderia estar nua!

Uma risada profunda causou um calor estranho no meu corpo.

Parecia com enjôo.

—Quer que eu voe para longe? Que linda.

Não queria ser linda, mas parecia que já não podia continuar

zangada. Uma estranha letargia se apoderou de mim. Sua risada tinha causado

este calor relaxante em meu corpo?

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~38~

—Não, não exatamente, mas tenho a capacidade de controlar a

ansiedade ou o pânico. Minha risada não teve nada a ver com isso.

Acaba de ler meus pensamentos ou eu disse isso em voz alta?

Parecia me achar divertida, se o sorriso em seu rosto fosse alguma

indicação. Outra razão pela qual deveria ficar furiosa com ele.

Estúpido tipo morto falante.

—Se vale de algo, sinto muito ter te assustado. Não era minha intenção,

mas, se tivesse aparecido na sua frente, de pé dentro do seu armário, isso teria

sido menos aterrorizante?

Pensei nele aparecendo na minha frente e uma pequena risada

escapou de meus lábios. Tinha razão. Provavelmente eu teria desmaiado. Mas

poderia ter batido na porta ou algo assim. Espera, fantasmas podem bater na

porta ou algo assim? Ou seus punhos transpassam tudo?

—Vejo seu ponto. —Respondi e comecei a fechar a janela, logo decidi

não fechar. Eu me sentia mais segura com a janela aberta. — Por que está

aqui? —Perguntei.

—Por que está aqui? —Respondeu. O tipo queria responder minhas

perguntas com outras perguntas?

—Vivo aqui.

Encolheu os ombros.

—Sim, mas é jovem. Tem amigos. É fim de semana. Sei que estão fora,

passeando e bem, por que está aqui?

Genial, agora a alma falante quer ser intrometida.

—Não estou com humor para sair.

—Devido ao jogador de futebol?

O que sabia ele sobre Leif? Aproximei-me e me sentei na cadeira de

felpo que mantinha em um canto do meu quarto para leitura. Ao que parece,

iria ter que conversar com o menino para conseguir que ele fosse embora.

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~39~

—Na realidade não, principalmente é porque não quero ser a terceira

na roda de Miranda e Wyatt.

—Mas ela continua chamando e te convidando para sair com eles. Para

mim parece que te quer ao redor.

Como sabia que ela tinha me chamado? Sentei-me com as costas

reta e coloquei os pés debaixo de mim, tentando entender o porquê do seu

intrometimento, mas não pude.

—Você está me observando? —Perguntei, estudando sua expressão em

busca de qualquer sinal de mentira.

Ele me dedicou um sorriso malicioso, colocou as mãos na nuca e se

inclinou para trás.

—Durante semanas, Pagan, durante semanas.

Semanas? Abri minha boca e logo a fechei sem saber o que dizer.

Será que ele me viu nua? Realmente quero saber se ele viu? Como ele tinha se

escondido de mim? Permanecia no meu quarto enquanto eu dormia? Balancei

a cabeça, tentando esclarecer perguntas correndo em minha mente.

—Verei você mais tarde. Sua mãe está em casa. —Levantei

bruscamente o olhar de minhas mãos, que estive retorcendo em meu colo

com nervosismo, mas minha cama estava vazia.

—PAGAN! Venha me ajudar a entrar com as compras! —Mamãe

chamou da parte inferior das escadas. Suspirei e fiquei de pé, olhando para

trás, uma vez mais, para minha cama vazia, antes de correr escada abaixo para

ajudá-la a descarregar o carro.

***

O sono não veio fácil o resto do fim de semana. Inclusive tinha

dormido com a porta aberta e a luz no armário aceso. Era ridículo que ele me

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~40~

fizesse temer à escuridão. Os círculos escuros debaixo de meus olhos foram

impossíveis de cobrir por completo esta manhã. Com minha bolsa de livros

em meu ombro, andei pelo corredor cheio. Passei por Leif e ele assentiu com

a cabeça educadamente. As outras vezes que o tinha visto, ele nem sequer se

deu ao trabalho de olhar para mim. Por que sua falta de atenção me fez querer

voltar para casa e me esconder na cama, não sei. Mas, talvez só quisesse ir

para a cama porque o sexy tipo morto tirou meu sono e me sentia exausta.

—Não olhe para ele na próxima vez. Vai deixá-lo louco. —O sotaque

familiar não me assustou. Era quase como se o esperasse. Apesar de que

esteve frustrantemente ausente desde que disse no sábado a tarde, que vinha

me observando durante semanas. É obvio, não havia maneira de que eu

pudesse responder neste momento e ele sabia. Voltei e me dirigi ao meu

armário. — Está tentando se fazer de duro. Demonstra o infantil que é, mas

posso ver que está te incomodando.

—Não estou incomodada. —Disse entre dentes quando abri meu

armário.

—Sim, está. Há uma pequena ruga entre suas sobrancelhas que aparece

e morde seu lábio inferior quando algo te incomoda.

Sabia que não tinha necessidade de olhar para ele, mas não pude

evitar. Virei à cabeça e o enxerguei através do meu cabelo. Apoiado contra o

armário junto ao meu, com os braços cruzados sobre o peito, me observando.

Ninguém nunca prestou suficiente atenção em mim para saber através da

minha expressão quando me sentia incomodada ou chateada. Era

extremamente íntimo.

—Está perdendo a exibição pública de afeto, no corredor, entre seus

dois amigos. É possível que eles precisem de um copo de água gelada jogada

sobre eles. —Mordi o lábio para não rir. Não tinha necessidade de dar à volta

para saber do que ele falava. Miranda e Wyatt podiam ser um pouco

asquerosos, nojentos e bastante grudentos às vezes.

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~41~

—Assim está melhor. Eu gosto quando sorri. Se jogador de futebol

continuar fazendo você franzir o cenho, vou tomar o assunto em minhas

próprias mãos. —Abri a boca para protestar, mas ele se foi.

***

Lancei um olhar para o relógio. Leif chegaria a qualquer momento.

Minha mãe saiu há meia hora, para outro encontro com Roger. Passei um

tempo sozinha caminhando pela casa procurando a alma da qual parecia que

não podia me desfazer. Não estava segura de onde esperava encontrá-lo. Na

realidade não parecia ser o tipo de rapaz que se sentava e não fazia nada.

Se ele estivesse ali, estaria tentando me dizer o que fazer ou me

fazendo perguntas que não eram assunto seu? Mas o busquei de qualquer

forma. Queria conversar sobre o comentário que fez mais cedo. A campainha

interrompeu minha busca e me dirigi à sala para abrir a porta.

—Olá. —Dei um passo atrás e deixei entrar Leif. Ignorei-o resto do

dia. Não tinha certeza se isso foi bom, mas decidi que não queria que Leif

pensasse que me importava se falava comigo ou não.

—Olá. —Respondeu e entrou. Levei-o até a mesa da cozinha e esperei

que colocasse seus livros nela.

—Sexo seguro. —anunciou.

Fiquei imóvel e o olhei fixamente, insegura sem saber se escutei

corretamente. Seu rosto sério se rompeu em um sorriso e logo começou a rir.

—Queria pudesse ver sua cara. —Disse através de seus ataques de

risada.

—Disse sexo seguro, então? —Perguntei, tentando entender o que era

tão engraçado. Ele era quem falava de sexo.

Ele assentiu com a cabeça e levantou seu papel.

—O tema para o discurso desta semana.

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~42~

Ri fracamente.

—Está bem, bom, isso foi uma maneira de anunciar. — Respondi,

enquanto caminhava para a geladeira, buscar as bebidas.

—Espero que esteja informada sobre o tema, porque não tenho

nem idéia.

— O que?—Chiei em resposta

Ele riu novamente e fiquei ali, esperando que se controlasse.

—Sinto muito. —Disse. — É que fica tão bonitinha quando se

surpreende.

Fiquei tensa ao ouvir a palavra bonitinha e desejei que ele não

tivesse falado. Com a esperança de que não notasse minha reação, respirei

profundamente e rezei em silêncio para que meus olhos não me traíssem

quando dei a volta. Não era como se quisesse que Leif me visse diferente, mas

não queria exatamente que pensasse que eu era bonitinha. Talvez atraente ou

bonita inclusive, mas não bonitinha. Embora, ele se referindo a mim como

bonitinha, ajudou a me recordar onde estávamos. Qualquer idéia delirante

que pude ter tido de nós sendo algo mais que amigos, se dissipou.

—Acredito que ter a experiência real não é necessário. Supõe-se que

seja basicamente a respeito de suas crenças sobre o tema ou a importância do

mesmo. —Não me atrevi a olhá-lo nos olhos.

Estendeu o braço e levantou meu queixo assim não teria outra opção.

—Está envergonhada. —Virei os olhos e ele sorriu. — Isso é

bonitinho.

Urgh! Voltamos para mim, sendo bonitinha. Olhei-o de volta.

—Por favor, deixa de dizer que sou bonitinha. É uma espécie de

insulto.

Ele franziu o cenho enquanto deixava cair à mão do meu queixo.

— Como isso é um insulto?

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~43~

Encolhi os ombros, sem querer falar sobre isso e desejando ter

mantido a boca fechada.

—Simplesmente é. Ninguém quer ser bonitinho. Os cachorrinhos são

bonitinhos. —Alcancei seu caderno, mantive os olhos no papel e li sobre o

tema ou ao menos tentei atuar como se estivesse lendo sobre ele.

—Bom definitivamente você não é um cachorrinho. —disse com um

sorriso.

—Bom isso é algo pelo menos. —Precisávamos mudar de assunto e eu

tinha que aprender a controlar minha língua. — Muito bem, então, quais são

as três principais razões pelas quais você acredita que o sexo seguro é um

tema importante? —Talvez agora conseguisse mudar o assunto sobre eu ser

bonitinha. Ele não respondeu e o olhei nos olhos. Olhava-me com uma

expressão séria. —Não tem certeza?

Ele não respondeu.

—Um bem, o que acontece com um adolescente? Esse é um bom

ponto. Ninguém precisa tornar-se pai enquanto ainda é uma criança.

Uma vez mais, ele não respondeu assim eu escrevi.

—Seus sentimentos estão feridos. — Disse em voz baixa. Fiquei

imóvel, mas mantive os olhos no papel. — Não foi minha intenção dizer algo

para ferir seus sentimentos. —Continuou.

Queria negar, mas percebi que aceitar suas desculpas e seguir

adiante seria a melhor maneira de consertar isto.

—Está bem. Vamos trabalhar em seu discurso.

Ficou olhando o papel.

—O fato de ser adolescente é sem dúvida uma das razões. —

Esteve de acordo.

—Está bem, e sobre DSTS? —Sugeri, escrevendo enquanto falava.

—Essa é outra boa.

Comecei a escrever, mas ele se esticou e pegou o caderno.

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~44~

Assustada, balancei a cabeça para ver o que ele estava fazendo.

Ele me deu um sorriso de desculpa.

—Sinto muito, mas não podia pensar em outra maneira de chamar sua

atenção.

Insegura de como responder, sentei-me em silêncio e esperei que

terminasse.

—Não é só bonitinha. Sim, faz caras bonitinhas e faz coisas bonitinhas,

mas não é só bonita. —Escutá-lo explicar fez eu me sentir estúpida por dizer

algo a respeito.

—Está bem. —Consegui balbuciar. Deslizou o caderno de volta para

mim.

—Agora, vamos ver... E o uso de uma camisinha tira o prazer,

deveríamos falar disso?

Engasguei com meu refresco e comecei a tossir incontrolavelmente

enquanto Leif me dava palmadas nas costas. Uma vez que consegui me

controlar, levantei os olhos e o peguei segurando um sorriso.

—Uma vez mais, faz um montão de coisas bonitinhas, mas não é só

bonita.

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~45~

Capitulo Quatro

Leif não apareceu na noite anterior para terminar seu discurso e

deveria vir hoje. Não vir não era comum nele. Quanto mais tarde ficava, sem

um telefonema dele, mais furiosa eu me tornava. No final, terminei o discurso

por minha conta e o imprimi. No fundo, acreditava que teria uma boa

desculpa e deixar que ele tivesse uma nota ruim pareceu cruel. Coloquei a mão

em minha bolsa para pegar seu discurso enquanto caminhava pelo corredor.

Só esperava que quando o encontrasse e lhe entregasse o documento, tivesse

uma desculpa legítima para a última noite. Tinha que admitir a mim mesma

que precisava que ele tivesse uma desculpa, realmente boa, não estava sendo

fácil. Permitir-me preocupar muito com Leif Montgomery.

—Ei garota, O que acontece? Senti sua falta. —Miranda deslizou seu

braço ao redor da minha cintura e apoiou a cabeça em meu ombro. Sentia

falta dela também. No ano passado, quando Wyatt e ela estavam saindo, e eu

estava com Jay. Não tinha me sentido isolada dos meus amigos porque nos

convertemos em casais. Comigo estando solteira e os dois sendo um casal,

nos tornamos um trio e não podia evitar me sentir como a terceira na roda.

—Também sinto saudades. Temos que sair juntas uma noite.

Talvez uma noite de garotas. —Sugeri, enquanto procurava Leif através da

multidão de estudantes que se acumulavam no corredor.

—Isso soa maravilhoso! Vamos planejar para uma noite deste fim de

semana. —Fez uma pausa e franziu o cenho. — Ou talvez na próxima

semana? —O gesto característico era prova suficiente de que odiava me

contar que estava ocupada.

Encolhi os ombros e esbocei um sorriso forçado.

—Não se preocupe. Quando tiver tempo. —Olhei pelo corredor e

desta vez consegui uma visão de Leif em seu armário. Suas costas para o

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~46~

corredor cheio de gente. Voltei-me novamente para Miranda. — Tenho que

entregar isso para Leif. Encontramo-nos no almoço.

A multidão parecia diluir-se quando cheguei ao final dos armários.

Uma vez que abri passo entre o último grupo de estudantes que se

interpunham entre nós, notei Kendra apoiada em seu armário, sorrindo para

ele. Pensei em dar a volta, porque não queria lhe entregar nada diante dela,

quando recordei que iria precisar no primeiro período. Reduzi a velocidade e

parei bem atrás dele. Quando me aproximei para lhe tocar o ombro, Kendra

se esticou e passou seus dedos pelo cabelo de Leif. Era repugnante de ver. Ele

é um bom rapaz e ela era pura maldade.

—Tem certeza que ontem a noite não foi uma grande coisa? Eu não

gostaria de estragar as coisas entre sua namorada e você. —Sussurrou ela.

—Sabe que ela não é minha namorada, Kendra. Deixe de chamá-la

assim. Começará rumores. —Sua voz soava como se tivesse incomodado. A

idéia de que alguém pudesse pensar que ele gostava de mim era tão repulsiva

para ele? Um nó doentio se formou em meu estômago e comecei a me virar

para sair antes que me notasse.

—Você passa muito tempo na casa dela e ela sempre está te olhando.

—Ela é minha tutora e não fica me olhando. Você está sendo paranóica

quando não tem razão para ser.

Fechei minha mão vazia em um punho pensando em todas as vezes

que ele me enganou, me fazendo acreditar que era um bom tipo. Era tão mau

e calculador como Kendra. Será que era adotado ou isso foi uma grande

mentira elaborada para conseguir que eu sentisse pena por ele? De fato, tinha

me convencido de que eu era estúpida por pensar mal dele, me fez acreditar

que ele poderia ser um bom cara para uma potencial relação. Pensei que na

próxima vez que viesse a minha mesa no almoço e me perguntasse sobre seu

jogo eu iria dizer que sim e veria se Wyatt tinha razão.

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—Tem certeza que não é sua namorada? Porque parece que te está

espreitando. —Kendra ronronou. Virei novamente odiando o calor que sentia

em minhas bochechas. Minha cara estava provavelmente vermelha brilhante.

—Oh, ei, Pagan. Ia te procurar e explicar o porquê de ontem à noite.

—Assenti com a cabeça, sem querer discutir isto depois de tudo o que ouvi e

lhe entreguei o papel.

—Pensei que poderia precisar disto.

Ficou olhando o papel em minha mão antes de alcançar e pegar.

Girei-me para me afastar.

—Espera, iria te ligar ontem de noite. Simplesmente fiquei preso.

Obrigado. —Disse levantando o papel.

Kendra passou um braço dentro do dele e sorriu docemente.

—Isso não é verdade, Leif, nunca te prendi. —Logo lançou seu olhar

para mim e me deu um sorriso de triunfo. Enquanto eu tinha me sentado até

tarde terminando seu discurso, ele estava com Kendra. Quão estúpida posso

ser? Perdi meu tempo escrevendo um discurso para alguém que acreditava que

precisava da minha ajuda, todo este tempo pensando que era um bom sujeito;

que poderia, provavelmente, gostar de verdade. Talvez eu não o tivesse

julgado tão injustamente antes. Talvez Leif Montgomery se ajustasse

perfeitamente à descrição que tinha dele todos estes anos. Doeu saber que o

rapaz que tinha construído, era uma ilusão. Que tinha feito o ridículo papel,

por permanecer acordada e escrevendo o discurso para ele. Fez eu me tornar

uma de suas groupies apaixonadas.

Agarrei-me a esse pensamento para conseguir abrir meu armário e

encontrar os livros que necessitava para a primeira aula através de minha

nuvem de ira. Parei, fechei os olhos e respirei fundo. Acabava de aprender

uma lição e não tinha que esquecê-la. Duas lágrimas escaparam e rapidamente

as sequei antes de fechar a porta do meu armário. Agora me fez chorar.

Perfeito.

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~48~

—Pagan.

Merda! Foi atrás de mim. Não podia deixar que me visse chorando.

Humilhação não seria uma palavra forte o suficiente para descrever o que

sentiria se Leif soubesse que derramei uma lágrima por isso. Obriguei-me a

colocar uma expressão indiferente em meu rosto e dei a volta.

—Sim?

Parecia chateado. Desejei poder me convencer de sua sinceridade.

—Olhe, a respeito de ontem à noite, realmente eu sinto muito.

Não esperava que terminasse o discurso para mim. Foi errado e receberia a

nota ruim. Deveria ter ligado, mas...

Neguei com a cabeça para pará-lo.

—Não é grande coisa. Entretanto, a partir de agora poderia, por

favor, me fazer saber adiantado quando não será capaz de chegar à hora

combinada? Agora, se me desculpa. —Dei um passo ao redor dele e me dirigi

à aula.

—Pagan, espere, por favor.

Parei e considerei lhe dizer que fosse para o inferno, mas decidi não

dizer antes de me voltar para ele.

—O que?

—Eu ia, mas Kendra me ligou.

Neguei com a cabeça.

—Não me importa. Só avise da próxima vez, por favor. —Dei

volta e fui para a aula, mas quando cheguei, não deixei de caminhar. Entrar

em uma sala de aula tarde, com os olhos de todos em mim, não me parecia

possível nesse momento.

Abri a porta principal da escola e saí. Normalmente não ficava

assim por qualquer pessoa. Hoje cometi o engano de deixar isso acontecer e

me queimei. Só queria ir para casa. Podia cuidar do meu orgulho ferido,

sozinha.

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—Não vá. Ele não vale à pena. —A voz profunda e familiar soava

como se estivesse suplicando. Caminhava ao meu lado. Seu rosto tenso e o

sorriso zombeteiro que me acostumei, não estavam presentes.

—Não quero ficar. Estou zangada e só quero ir.

—Por favor, Pagan, não entre em seu carro. Volta para dentro. Esqueça

o rapaz estúpido e desfrute do resto de seu dia. Não permita que algo que esse

idiota fez te deixe assim.

Parei e o olhei.

—Por que você se importa? É o novo monitor do corredor e não

recebi a nota de aviso?

Seu cenho se aprofundou; os olhos azuis se tornando um azul gelo

como se um fogo estivesse por traz deles.

—Estou te pedindo que volte para a escola.

—Por quê?

Passou sua mão por seu cabelo escuro e sedoso e grunhiu com

frustração.

—Tem que questionar tudo? Não pode escutar, por uma vez?

Isso foi tudo. Tive mais que suficiente para um dia. Em primeiro

lugar, Leif demonstra que é um imbecil do grau A e logo, a alma que não pode

me deixar sozinha, decide zangar-se comigo.

—Vou embora daqui. Não pode me deter. Não tenho que te escutar. Se

não tem uma boa desculpa, então não há razão para que fique. — Girei sobre

a ponta de meus pés e saí para meu carro. Os garotos eram chatos, vivos ou

mortos, não parecia importar.

Rapidamente entrei no carro e me concentrei em sair do

estacionamento da escola. Não queria que ninguém me visse e me parasse

antes que pudesse sair dali. Não podia acreditar que na realidade derramei uma

lágrima por isso. O pranto não era meu tipo. Deve ter sido a humilhação. Não

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~50~

estou acostumada a isso e obviamente, não sabia como lidar com essa

situação.

Ajustei o espelho retrovisor para ver se estava tão mal como temia

no caso da minha mãe sair de sua toca de escrever, quando eu chegasse em

casa. Se meu rímel escorreu, minha mãe perceberia. Não seria capaz de ocultar

a frustração. Os sorrisos falsos não são um dos meus talentos.

Suspirando, voltei a olhar a estrada. A tentativa de arrumar minha

cara sem a ajuda de água e sabão era uma causa perdida. O sinal de pare onde

eu parei um milhão de vezes me surpreendeu. Não estava prestando atenção,

e esqueci de ir mais devagar. Era muito tarde para frear. Olhei por cima bem a

tempo para ver um caminhão que vinha diretamente para mim e em uma

fração de segundo, a razão me golpeou, não seria capaz de parar a tempo.

Tudo ficou negro, as rodas chiando, a buzina e só silêncio. Uma

sensação de dar voltas e uma aguda dor atravessou meu corpo. Tentei gritar

para pedir ajuda, mas não saiu nada. Comecei a me sufocar. Algo pesado

pressionava meu peito e não podia respirar. Ofeguei e estirei a mão na

escuridão em busca de ajuda. Estava ficando sem ar e não conseguia tirar o

peso do meu peito. Lutei para abrir meus olhos, mas a escuridão me manteve

aí. O calor se estendeu em mim, enquanto agarrava algo na escuridão. Fiquei

imóvel, sem saber o que tinha encontrado quando me percebi que podia

respirar novamente. As luzes reacenderam repentinamente e o mundo ficou

brilhantemente e cego. Não podia abrir os olhos pela dor. Alguém me levou a

uma curta distância e logo senti o chão frio em minhas costas. As mãos,

anormalmente cálidas, me embalando desapareceram. Tentei protestar. Não

queria que meu salvador me deixasse, mas não pude encontrar minha voz.

Tentei me levantar e uma dor intensa se apoderou de meu corpo. O mundo

ficou em silêncio.

Um som impressionantemente doce se reproduziu na escuridão.

Voltei à cabeça para encontrar a fonte da música. Meu pescoço estava rígido e

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~51~

minha cabeça começou a pulsar tão forte que entorpeceu o som da melodia

que eu estava tentando encontrar. Deixei de me mover e mantive os olhos

fechados, esperando que a dor parasse.

—Ela esta acordada. — Disse uma voz na escuridão. Reconheci-a e em

vez de temer, o som me tranquilizou.

A música começou a tocar novamente e percebi que era um suave

acorde de um violão. Um zumbido se uniu e fiquei quieta, escutando na

escuridão, contente de que a música enchesse o vazio, me assegurando que

não estava sozinha.

Precisando vê-lo, abri os olhos e percebi que as luzes estavam

apagadas. Permaneci imóvel enquanto meus olhos se acostumavam à

escuridão do lugar. Não era minha casa. A máquina do meu lado e a agulha no

braço eram as únicas pistas que necessitava. Estava em um quarto de hospital.

O violão deixou de tocar. Com medo de virar a cabeça outra vez,

cuidadosamente movi meu corpo em seu lugar.

A alma estava sentada um canto no escuro, me olhando.

—O que está fazendo? —Consegui perguntar em um sussurro

rouco.

Ele sorriu, levantou-se e se aproximou de mim.

—Bom, pensei que seria evidente. —Levantou o violão em suas mãos.

Esta alma não só podia falar, mas sim também tocava instrumentos musicais.

Queria lhe perguntar mais, mas minha garganta doía muito. Sentou-se em uma

cadeira que alguém colocou ao lado de minha cama. —Provavelmente não

deva falar. Esteve em um acidente de trânsito e sofreu uma concussão

cerebral grave, junto com uma costela quebrada. Além disso, tem uns cortes

feios.

Lembrei-me do sinal de pare e do caminhão vindo a mim com

muita velocidade. Sabia que seria incapaz de frear a tempo.

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—Usava o cinto de segurança, o caminhão bateu na parte traseira do

seu carro e você capotou varias vezes.

Minha mãe sabia? Ela estava desesperada? Quanto tempo tinha se

passado? E por que era uma alma a única pessoa comigo? Lancei um olhar à

máquina, onde meus cabos estavam conectados e se lia corretamente, então

estava viva. O repentino medo ante a perspectiva de que poderia estar morta

passou e devolvi o olhar a esses intensos olhos azuis escuros.

—Mamãe? —Consegui perguntar através de minha garganta seca.

A alma sorriu.

—Acaba de sair para tomar um café, faz uns momentos. Espero que

retorne muito em breve.

Mamãe estava aqui e voltaria para me ver em poucos minutos.

Sentia-me como uma menina, com medo da escuridão. As lágrimas

apareceram em meus olhos ao olhar para a porta, esperando que se abrisse

para revelá-la. Uma mulher com cabelo castanho curto e encaracolado entrou,

sem usar a porta. Observei-a e me sorriu, mas olhou além da alma no quarto.

Uma vez, quando tinha dez anos, estive internada no hospital por uma

pneumonia e percebi que almas errantes perdidas encontravam-se em

abundância dentro dos hospitais. Esta parou em frente a umas flores que não

tinha notado antes, junto à janela. Parecia estar as cheirando e deu um suave

puxão ao punhado de margaridas amarelas. Lancei uma olhada à alma estava

sentada do meu lado. Parecia que me estudava com atenção.

—Você a vê verdade? —Perguntou e assenti. Olhei à senhora enquanto

ela olhava para mim uma vez mais, antes de retornar através da parede. —

Sempre as viu?

Assenti e sorri pela forma em que se referia às almas, como se ele

não fosse uma delas. Levantei as sobrancelhas e o olhei com atenção.

—Você é uma delas. — Disse em um sussurro.

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—Sim, suponho que para você seja dessa maneira. Entretanto, há uma

diferença entre as almas e eu.

Franzi o cenho.

—O que? —Sabia que ele podia falar comigo e as almas nunca falavam

comigo, mas continuava sendo uma alma sem corpo.

—Não posso te dizer o que sou. Já quebrei regras suficientes. —

Estudou a máquina junto a mim em vez de enfrentar meu olhar. A porta do

meu quarto se abriu e minha mãe entrou.

Seus olhos se encontraram com meus e ela ficou sem fôlego antes

de correr para mim.

—Pagan, está acordada! Oh, carinho, sinto não estar aqui quando

despertou. Você estava completamente sozinha e confusa em um escuro

quarto de hospital.

Lancei um olhar por traz dela e vi a alma, de pé ali, com um sorriso

sexy que parecia sempre estar em seus lábios perfeitos.

—Eu precisava de um pouco de café e logo corri para comprar esta

revista. —Disse, segurando uma bolsa de plástico verde. — Vamos chamar a

enfermeira. Apenas fique quietinha. Você esta machucada, mas ficará bem. —

Seus olhos se encheram de lágrimas e ela colocou a mão cobrindo a boca.

Sinto muito. — Disse, me olhando, com olhos ainda chorosos. — É que não

consigo deixar de pensar em como seu carro teria te esmagado por completo

se não tivesse sido jogada do banco do condutor. Sempre disse para usar o

cinto de segurança e o fato de que não me escutou te salvou a vida. —Deixou

escapar um soluço pequeno e sorriu como se desculpando—. Oh, bebê, estou

tão contente por ter aberto os olhos.

Sorri para ela tentando esconder minha confusão.

—Está tudo bem. —Sussurrei.

Agachou e me beijou na testa.

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—Volto em seguida. Preciso achar uma enfermeira. Estavam esperando

você acordar.

Dirigiu-se para a porta e olhei para a alma parada no canto com o

violão na mão. Parecia tão estranho vê-lo segurando um violão. As pessoas

não viam um violão flutuando no ar? Mamãe nem percebeu, mas ela não

olhou para nada além de mim.

—O cinto de segurança. —Sussurrei através dos meus lábios secos. Eu

estava usando cinto de segurança. Sempre usava. Ele inclusive disse que foi

uma boa coisa. Por que minha mãe acreditava que eu não estava usando e que

não usar salvou a minha vida? Deu um passo adiante, me olhando de perto. A

expressão em seu rosto dizia que não sabia como me responder. Antes que

pudesse responder, a porta se abriu novamente e ele voltou para o canto. Uma

enfermeira entrou animada com minha mãe atrás.

A resposta a minha pergunta teria que esperar.

A alma foi embora antes da enfermeira terminar comigo e não tinha

retornado. Na segunda vez que acordei, rapidamente registrei ao redor do

quarto, com a esperança de que ele tivesse retornado, mas minha mãe já

trabalhava em seu notebook em um canto. Olhou para mim e sorriu.

—Bom dia! —O temor que tinha visto em seus olhos na noite anterior

se foi... agora que eu tinha despertado e a enfermeira garantiu que me

recuperaria bem, parecia menos tensa e mais como minha mãe novamente

Sorri.

—Bom dia. —Minha garganta estava um pouco melhor graças a todos

os cubos de gelo que comi. Estiquei-me para pegar meu copo de água e

mamãe se levantou rapidamente.

—Não se mova. Sua costela quebrada vai fazer com que precise ficar

quieta por um tempo. —Colocou o canudinho em meus lábios e tomei

pequenos goles de água fria. Passou pela minha garganta maravilhosamente.

— Miranda já ligou esta manhã e eu contei que despertou ontem de noite.

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Está vindo para cá, com Wyatt. — Mamãe fez uma pausa e olhou para a

porta—. E Leif Montgomery esteve na sala de espera toda a noite. Inclusive

dormiu ali. Eu contei que você tinha acordado e disse para ele ir para casa,

pois você não podia receber visitas, mas ficou. As enfermeiras se sentiram mal

por ele e lhe deram um travesseiro e mantas. —Ficou quieta, como se não

soubesse o porquê dele permanecer toda a noite em uma sala de espera. As

lembranças de sua falta na nossa sessão de estudo, devido à Kendra,

ressurgiram.

Já não me sentia triste ou decepcionada. As lágrimas que eu tinha

derramado por ele foram inúteis.

Mamãe mordeu o lábio inferior.

—Ele me disse que foi culpa dele você ter saído chateada da escola.

Não te perguntei por que não estava na escola ou o que aconteceu, porque

não queria te incomodar. —Parou de falar e me observou, esperando que eu

dissesse algo. O que poderia dizer? Realmente não queria ver Leif. Queria me

matar por ter quase atuado como uma garota tola apaixonada.

—Ele esteve aqui à noite toda? —Perguntei, querendo ter certeza de

que entendi corretamente.

Ela assentiu com a cabeça.

—Esteve aqui desde que soube do seu acidente. Veio com Miranda e

Wyatt, mas não quis ir embora com eles.

—Bom, um, se quiser entrar, então está bem.

Mamãe parecia aliviada. Imaginei que estava preocupada com o que

dizer ao pobre rapaz, que esperou toda a noite em uma incômoda sala de

espera, que eu não queria vê-lo. Correu para a porta e ouvi a Miranda

sussurrar algo enquanto passavam. Não havia dúvidas de que falavam sobre se

eu queria ou não que Leif me visse. Miranda entrou e colocou as mãos nos

quadris e me deu um grande sorriso alegre.

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—Olhe você completamente acordada esta até bonita. —Disse se

aproximando de mim e sentando-se na cadeira junto à cama. Agarrou minha

mão e vi o brilho em seus olhos enquanto lutava com as lágrimas. Apertei sua

mão e sua valentia se rompeu. Deixou escapar um soluço, enquanto as

lágrimas começaram a correr por seu rosto. Olhei para Wyatt, que estava atrás

dela me observando. Encolheu os ombros e me deu o que podia dizer que era

um sorriso forçado.

Miranda se engasgou com um soluço.

—Sinto muito. Falei que não iria chorar. Realmente tinha trabalhado

para estar brilhante e alegre, mas continuo me lembrando do seu carro e

escutando as palavras Foi levada com urgência ao hospital, inconsciente uma e outra

vez na minha cabeça. — Limpou o rosto molhado e sorriu através de suas

lágrimas. —Estou tão contente que esteja bem. Ontem foi o pior dia da minha

vida. —Levou nossas mãos unidas para sua boca e as beijou.

—Eu sei. — Murmurei simplesmente. Porque sabia. Se tivesse sido ela,

nesta cama, em vez de mim, eu estaria aterrorizada.

—Irônico não? O dia que decide romper as regras, faltar à escola e não

usar o cinto de segurança, o qual é estranho já que é uma nazista do cinto de

segurança, tudo explode na sua cara.

—Nos deixa com vontade de seguir sempre pelo caminho correto não?

—Perguntou Wyatt com um sorriso em seu rosto.

Sorri porque rir não me faria mal e Miranda rodou os olhos, mas

um sorriso apareceu no cantinho da sua boca.

—Sim, suponho que sim. —Queria esclarecer o fato de que estava

usando meu cinto de segurança, mas não podia explicar algo que não

entendia, assim mantive minha boca fechada. Bateram na porta e Miranda me

olhou, mordendo o lábio inferior com nervosismo.

Desceu a voz até um sussurro.

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— Ele não foi embora desde que chegou aqui ontem conosco perdeu

até a aula de futebol.

Vi como Leif caminhava dentro do quarto. Seus olhos se

encontraram com meus e parou antes de entrar muito no quarto. Não tinha

certeza do que falar para ele ou o que, possivelmente, poderia ele me dizer.

Era um rapaz que ajudei e que dormiu na sala de espera toda a noite, porque

agiu de forma errada comigo me deixando esperar por ele para nossa sessão

de estudos. Era evidente que estava nervoso e sabia que a presença de Wyatt e

de Miranda não ajudava precisamente. Eu não tinha intenção de dizer a todos

que meu acidente foi sua culpa. Não acreditava nisso. Sabia que eu tinha

causado o acidente. Deixá-lo fora do gancho seria bastante fácil.

Entretanto, com meus dois melhores amigos no quarto seria

estranho. Não queria que me deixassem, porque com eles ali me sentia mais

segura. Olhei para Leif e pude ver em seus olhos que queria falar comigo sem

público, mas eu não iria pedir que saíssem. O pensamento dele dormindo na

sala de espera, toda a noite, porque se sentia culpado, parecia injusto.

Precisava aliviar sua consciência para que pudesse ir para casa.

Olhei para a Miranda e o Wyatt.

—Poderiam nos dar um minuto?

Miranda fulminou Leif com o olhar e assentiu com a cabeça. Vi

como ficou de pé. Olhar para Leif não era algo novo para Miranda, mas

fulminá-lo com o olhar, sim. Depois de ter retificado a situação com Leif teria

que esclarecer algumas coisas com meus amigos também.

Uma vez que a porta fechou atrás deles, olhei para ele com

atenção.

—Ontem, eu... deus. — Passou a mão pelo cabelo loiro e

desordenado e fechou os olhos. — Está aqui por mim. Sei que foi porque

ficou chateada. Pude ver em seus olhos, mas não sabia como fazer para que

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~58~

falasse comigo. —Parou e me olhou. — Não posso expressar quanto eu sinto

muito.

Neguei com a cabeça.

—Isto não foi sua culpa. Tomei uma decisão estúpida.

—Não, foi minha culpa. Pude ver as lágrimas em seus olhos, Pagan, e

isso me matou, mas não pude encontrar as palavras adequadas. Quis me

explicar, mas não fiz um bom trabalho.

Não podia deixar que assumisse a culpa por minha estupidez.

—Deixe de se culpar. Devo admitir que agi estupidamente porque não

apareceu ou ligou. Deixei que o fato de que estivesse com Kendra me

incomodasse e isso foi uma tolice. Não sei por que deixei que me

incomodasse assim. Chorar por um cara não é algo que faço. O fato de lutar

por conter as lágrimas me confundiu e fui embora.

Estendeu a mão e tocou brandamente uma das duas dúzias de rosas

de cor rosa que se encontrava em uma mesa junto à janela.

—Foi porque te machuquei. Isso faz com que seja minha culpa. —

Respondeu com simplicidade. Não queria que se machucasse por isso.

—Leif, sou sua tutora. Nem sequer somos amigos. Pode perder

uma sessão e se esquecer de me ligar e eu não deveria deixar que isso me

incomodasse. Tenho visto mais em nossa relação do que deveria. Você nunca

insinuou que somos mais que companheiros de estudo. Não falamos na

escola, não vemos um a outro, exceto em minha casa, quando estamos

trabalhando. Isto foi minha culpa. Deixe de se culpar e volta para casa. —

Falei isso com o máximo de suavidade em minha voz, para que não soasse

grosseiro. Franziu o cenho e se aproximou do lado de minha cama.

—Você acha que só te vejo como minha tutora? —Perguntou. Assenti

com a cabeça, sem saber o significado. Ele me deu um sorriso triste. —Isso é

minha culpa também. Nunca tive dificuldade para deixar uma garota que me

interessa saber disso... Até agora. —Não tendo certeza do que ele queria dizer,

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~59~

permaneci em silêncio. Ele se sentou na cadeira que Miranda deixou vaga ao

lado da cama.

—Sabia que você não gostava de mim quando não quis ser minha

tutora. Não fazia diferença esclarecer nada nesse dia, quando disse que não

queria porque não gostava do meu jeito. Sempre soube que não gostava, mas

queria que fosse minha tutora. Queria que fosse a única, a saber, o meu

segredo. Nunca esperei que a garota que me olhava com desprezo fosse ser

tão divertida. Chegou como uma surpresa descobrir que a garota que eu

observava desde nosso primeiro ano na escola secundária resultou ser tão bela

por dentro como o era no exterior. Surpreendeu-me e não tomou muito

tempo para que eu entendesse. —Um triste sorriso apareceu em seus lábios.

— Entretanto, na escola você ainda parecia tão intocável como sempre, assim

mantive distância. Tentei falar contigo e inclusive tive a idéia de te convidar

para sair, mas sua falta de interesse me assustou. Não queria fazer com que

nossas noites juntos fossem incômodas, assim não pedi nada mais. Durante

todo o dia eu só esperava pelas nossas sessões pelo nosso momento e não

queria estragar isso.

Desceu o olhar para suas mãos, que estavam fechadas em um punho

em seu colo.

—Então, Kendra ligou e começou a chorar, dizendo que precisava falar

com alguém e eu era a única pessoa de confiança. Eu disse que tinha um

compromisso, mas ela gritou mais forte e me implorou. Concordei em passar

por sua casa. Ela está lutando com alguns problemas em sua vida pessoal que

eu já sabia e ela precisava que alguém a escutasse. Quando percebi que não

seria capaz de deixá-la, quis te ligar, mas não podia fazer diante dela e te

explicar. Portanto, eu não o fiz. Resolvi que ficaria sem nota. Não tinha idéia

de que você se importaria. — Olhou-me com uma expressão de dor em seu

rosto. — Enganei-me e nunca me senti tão zangado comigo mesmo. —Ficou

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~60~

de pé, com as mãos nos bolsos de seus jeans, com um olhar de derrota em seu

rosto.

Sorri.

—Por favor, não se zangue consigo mesmo. Não te culpo por nada. —

Queria dizer algo mais, mas não pude. Olhou-me um momento antes de

assentir.

—Existe a possibilidade de que não tenha arruinado completamente

tudo entre nós? —Perguntou.

—O que acha que pode ter arruinado? Ainda sou sua tutora, se isso for

ao que se refere.

Riu em voz baixa e brandamente segurou minha mão.

—Estou muito feliz por continuar sendo minha tutora, mas não é a isso

que me refiro. Tinha medo antes, de arruinar as coisas, mas não acredito que

possa arruinar nada mais do que já fiz. —Voltou a sentar-se na cadeira a meu

lado e me olhou com esses olhos azuis de bebê, emoldurados em cílios tão

grossos, que ficava até difícil não suspirar. —Não quero que seja somente

minha tutora. Quero que seja a garota que procuro nos corredores todas as

manhãs e a que eu guardo uma cadeira ao meu lado na cafeteria. Quero que

seja a que me espera quando saio da quadra de esportes em meus jogos.

Quero que seja a que me faz levantar o telefone para te ligar, só para me fazer

sorrir. —Seus olhos me olhavam. Leif Montgomery parecia realmente

nervoso.

Ele esperava que dissesse algo. Pude ver a pergunta em seus olhos. Leif

queria levar isto a um nível que eu tinha pensado que queria antes, assim por

que era tão difícil aceitar agora? O medo piscou em seus olhos e me arrumei

para assentir com a cabeça. Já tinha aceitado que as coisas mudariam entre

nós, mas no fundo algo não estava bem.

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~61~

Capítulo Cinco

Fiquei no hospital durante uma semana inteira. Cada noite

dormia com uma música suave de violão. Quando despertava no meio da

noite, nunca era um quarto de hospital vazio, pois a escura e misteriosa alma

sempre estava lá. Ele sentava nas sombras e tocava uma canção de ninar que

decidi que me pertencia.

Cada dia, Leif vinha imediatamente depois de sua prática de

futebol com a comida que eu tinha pedido escondida dentro de sua jaqueta de

couro. Trabalhávamos em sua tarefa, e logo víamos televisão e comíamos o

que levava. Estar com Leif me fazia sorrir. Amava cada momento que

passávamos juntos. Entretanto, na noite quando a alma se sentava no meu

quarto e tocava para mim, a música parecia encher os lugares solitários. Tinha

uma necessidade pela alma que não entendia. Meu desejo por ele me assustava

e me fascinava. Em minha última noite no hospital sua voz se uniu ao som do

violão. Ele deu letra a minha canção de ninar:

A vida que percorro unindo as mãos

Faz-me tomar coisas que não entendo.

Caminho este escuro mundo desconhecido

Que têm por verdadeiro, esquecendo o que conheci uma vez,

Até você.

A vida que percorro eternamente era tudo o que sabia

Nada mais me retinha aqui nesta terra,

Até você.

Sinto a dor de cada coração que tomo

Sinto o desejo de amar tudo o que cheguei a odiar.

A escuridão me abraça, mas a luz ainda desenha minha alma vazia.

O vazio com o qual estava acostumado a usar a dor, para encher o buraco

Não me controla já não me chama.

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Graças a você.

À medida que minhas pálpebras caíam, e o sonho tomava conta de

mim, meu coração sofria pela dor em suas palavras. Eram palavras que sabia

que significavam mais para ele, do que eu compreendia. A canção com a qual

ele preencheu minhas noites era muito mais profunda que tudo o que conheci.

Miranda correu para mim no momento em que Leif abriu a

porta da frente da escola e a manteve enquanto eu caminhava ao interior. A

emoção em seu rosto fez com que seus olhos marrons brilhassem. Sorri,

esperando que me explicasse à causa de seu alegre comportamento em uma

manhã de segunda-feira. Minha volta à escola não causaria esta resposta.

Parou e olhou para Leif. Ele esclareceu garganta.

—Um, verei você em uns minutos. — Desculpando-se com um

sorriso ele se dirigiu para meu armário para levar meus livros.

—Está bem, ele se foi. Agora, me diga o que tem de tão bom

esta manhã.

Entrelaçou seu braço com o meu e se aproximou de meu ouvido.

—Dank Walker está aqui. Como, em nossa escola. Como,

inscrito em nossa escola. Pode acreditar? Quero dizer, sei que ele foi para uma

escola secundária em Mobile, Alabama, até o ano passado quando sua banda

conseguiu um hit e começou a tocar em todos os Estados Unidos em lugar de

apenas no sudoeste. Agh! Pode acreditar que está aqui! Em nossa escola?

Suponho que tinha que voltar para a escola secundária, nosso pequeno e

pitoresco povo costeiro é preferível a algum lugar do Alabama. Mas mesmo

assim, não posso acreditar nisso.

Não pude evitar sorrir diante da emoção de Miranda, inclusive

embora não tinha idéia de quem era Dank Walker. Nunca ouvi falar dele ou

de sua banda antes. Segui a vertiginosa expressão de Miranda, quando meus

olhos se encontraram com a alma. Ontem à noite tinha combatido o sono

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para ver se aparecia em meu quarto e cantava para eu dormir. Mas ele não

apareceu. Vê-lo agora me fez querer dar um suspiro de alívio.

A idéia de que podia não voltar a vê-lo outra vez, tinha me

assustado. Sorri para ele sabendo que deveria atuar como se ele não estivesse

ali, mas não podia. Em algum lugar do caminho cheguei a confiar em sua

presença. Seus olhos azuis escuro estavam satisfeitos e menos encantados do

que recordava. Queria caminhar para ele e dizer algo, mas não podia nesta sala

cheia de gente. Ele assentiu com a cabeça como que respondendo a uma

pergunta, mas seus olhos não deixaram os meus. Um sorriso tenso se formou

em seu rosto, substituindo o sorriso de satisfação que eu tinha recebido.

Então, como se tivesse em câmera lenta, dirigiu sua atenção à garota loira, a

seu lado, sustentando uma revista e uma caneta para que ele pegasse.

Observei, parecia que estava perdida em um estranho sonho,

quando ele sorriu e assentiu com a cabeça para ouvir as palavras da garota. Ele

assinou a revista que ela empurrou em suas mãos e a devolveu. Ouvi Miranda

dizendo algo a meu lado, mas soava como se estivesse a quilômetros de

distância. Algo não estava bem. Dei um passo para ele, incapaz de olhar para

outro lado. Sorriu para mim novamente, com seu sexy sorriso torto que

produzia uma perfeita covinha. De repente, seu sorriso parecia de desculpa

enquanto, uma vez mais, voltava-se para mim e tomava algo das mãos de

outra garota e assinava. Fiquei imóvel, tentando processar o que meus olhos

viam.

—Está bem, Pagan, tem que parar com isso. Leif está vindo e se nota

que está olhando para Dank Walker como se quisesse devorá-lo, vai ser um

problema.

Tirei os olhos da alma e olhei para minha amiga.

—O que? — Consegui dizer através das perguntas pululando em minha

cabeça.

Miranda sorriu e negou com a cabeça.

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—Por Deus, garota, está pior que eu. Pelo menos eu não fiquei em

choque quando o vi no escritório mais cedo. É obvio, ele não parecia

realmente preocupado por sua reação. O que é uma boa coisa, considerando

que pode parecer um pouco louca.

Neguei com a cabeça sem compreender.

—O que? —Perguntei de novo.

—Descobri a grande noticia. —Disse Leif, atrás de mim, e eu sabia que

tinha que dar a volta para olhá-lo, mas, justo agora, não podia. Todo mundo

podia ver a alma. Nada fazia sentido. Fechei os olhos e respirei fundo e depois

os abri para notar que Miranda me olhava, com uma expressão divertida em

seu rosto.

—Você o vê? —Perguntei em um sussurro. Seu olhar piscou com

cautela, onde sabia que Leif estava de pé, e logo se lançou para onde se

encontrava a alma.

Uma vez que seus olhos voltaram para meus, assentiu lentamente

com a cabeça.

—Um, sim, mas de que "ele" está falando? —Perguntou em um

sussurro. Olhei rapidamente para o lugar onde a alma ainda estava falando

com os estudantes e assinando coisas. Miranda se aproximou do meu ouvido.

— Esse é Dank Walker, todo mundo o vê. Tomou alguns medicamentos para

a dor esta manhã? Porque está agindo de maneira estranha.

Dank Walker. A alma, minha alma era Dank Walker o roqueiro?

Uma mão pousou em meu ombro e me voltei pouco a pouco para enfrentar

Leif. Seu preocupado cenho franzido era idêntico ao de Miranda. Neguei com

a cabeça para me limpar e forcei um sorriso.

—Mamãe me fez tomar alguns dos meus remédios esta manhã e

acredito que estão jogando com minha cabeça. —Menti, me aferrando à

desculpa que Miranda me deu. Leif sorriu e deslizou seu braço protetor ao

redor de meus ombros.

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—Ah, bom, eu cuidarei de você. Vamos, vamos para sua primeira aula.

Já tenho seus livros. —Caminhei ao lado de Leif, aliviada, mas ainda

decepcionada. De não estar caminhando ao lado da alma. Fiquei esperando

para ver se despertava dessa sensação de sonho estranho e escutava a alma

tocando brandamente no meu quarto.

Cheguei a Literatura Inglesa antes de perceber que Leif estava me

guiando à mesma. Ele deu a volta para olhar para mim de frente.

—Se precisar de mim, me mande uma mensagem de texto e estarei aqui

em um segundo, certo? —Assenti com a cabeça e me deu um beijo rápido

antes de ir me deixando na porta da minha sala. Entrei, lutando contra a

necessidade de voltar atrás e ver a multidão de pessoas ao redor da alma, a

quem chamavam Dank Walker. Sentei-me na primeira carteira e comecei a

abrir meu livro, quando um quente comichão percorreu meu corpo.

Assustada, olhei para cima. Dank se dirigia para mim. Atrevi a me

olhar aos outros da aula. Todos os olhos estavam nele. As garotas riam e

sussurravam. Isto tinha que ser algum tipo de sonho de loucos. Ele se sentou

atrás de mim e lutei contra o impulso de tremer pela cálida sensação que só

dele estar perto estava me causando. Isto não tinha ocorrido antes.

—Não acredito que nos conhecemos. Sou Dank Walker. —Seu familiar

e suave sotaque não soava como se estivesse sonhando.

Girei-me para olhar para ele. Se tivesse tomado calmantes esta

manhã estaria convencida de que estava delirando. Não havia desculpa para

esta alucinação.

—Não entendo. —Falei simplesmente.

Um sorriso de desculpa saiu de seus carnudos lábios. Eram seus

lábios mais cheios agora que eram de carne e osso?

—Eu sei, e sinto muito.

Seria muito eu pedir que me detalhasse isso? Se isto era real, então

seria muito bom se pudesse me explicar como, de repente, ele podia ser visto

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~66~

pelo resto do mundo vivo. Melhor ainda por que todos acreditavam que era

uma estrela do rock? Não disse nada, mas seus olhos nunca deixaram os

meus.

Alguém passou e lhe pediu um autógrafo e ele negou com a cabeça,

sem tirar seus olhos de mim. Todo mundo na sala parecia estar nos

observando. Falando com ele, ali, não me daria nenhuma resposta. Desviei

meus olhos do seu olhar quente e dei a volta em meu assento. Se eu não

acordasse logo, então me preocuparia sobre uma melhor explicação do que

sinto muito.

—Sentem-se, sentem-se. —A voz do senhor Brown diminuiu o

murmúrio excitado e as risadas ocasionais. — É muito emocionante, tenho

certeza, ter um...— O Sr. Brown agitou uma mão em direção a Dank. —

Jovem, entre nós, cujo talento muitos de vocês gostam. Entretanto, este

momento é para aprender da beleza que a Literatura Inglesa tem para nós.

Podemos sonhar e nos deprimir pelo Sr. Walker durante nosso intervalo.

—Agora, vamos seguir adiante com nosso estudo de Shakespeare.

Referimos a ele brevemente este ano já que este não é o primeiro contato com

Shakespeare de vocês e acredito que é importante concentrarmos alguns

outros famosos dramaturgos. O dramaturgo grego Aeschylus, foi muito

influente em suas obras. De fato, várias fontes antigas atribuem a ele cerca de

setenta e noventa obras. Acredito que na sexta-feira pedi a todos lessem o

capítulo do livro sobre Aeschylus, e como era fim de semana alguém pode me

dizer o que aprendeu com a leitura? —O Sr. Brown juntou as mãos sobre o

peito, descansando-a sobre sua barriga redonda. A sala permaneceu em

silêncio. Preferi passar meu fim de semana colocando em dia toda minha

perda escolar e a leitura de Aeschylus não foi muito importante. Além disso,

me concentrar neste momento seria difícil.

—Somente seis de suas tragédias se conservaram intactas. Os Persas,

Sete contra Thebes, Os Suplicantes, e a trilogia conhecida como A Orestiada,

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que consta de três tragédias, Agamenón, As Coéforas e O Euménides. —A

voz de Dank encheu a sala e o Sr. Brown olhou para ele surpreso.

—Sete Sr.Walker. Esqueceu-se de Prometeu Encadeado.

—A autoria do Prometeu Encadeado esta sendo disputada. Acredita-se

que é a obra de um autor posterior. —Falou Dank em tom de aborrecimento.

O Sr. Brown endireitou seu curto e largo corpo e ficou olhando

abaixo, para Dank, com um suave sorriso aparecendo em seu rosto.

— Porque, sim, é, mas essa informação não está dentro de seu livro de

texto.

Olhou para o resto da sala sorrindo como se alguém lhe tivesse

levado dúzias de doces.

—Parece que nosso amigo musical está bem educado.

Escutei uma risada silenciosa atrás de mim e olhei por cima de meu

ombro para ver os olhos de Dank nos meus. Leu minha mente? Tinha super

poderes? Afastei-me dele e fechei os olhos, tentando conseguir que as

perguntas dentro da minha cabeça sobre o que Dank Walker fazia, sumissem

tempo suficiente para eu prestar atenção na aula.

—Muito bem, muito bem, de verdade. Agora, como está no plano de

estudos para o ano, todos terão comprado cópias de La Orestíada, Agamenón,

As Coéforas, O Euménides. Vamos começar nosso estudo de Aeschylus com

a leitura de sua obra, Agamenón. Quem trouxe o livro como solicitei na sexta-

feira? —Abaixei o olhar, para meu livro de texto e um caderno. Leif não

conseguiu a edição de bolso do meu armário. — Ah, e nosso novo estudante

me surpreende uma vez mais. —Levantei os olhos para ver o Sr. Brown

assentindo com a cabeça para a mesa de Dank. — Esse é o livro em sua mesa

não Sr. Walker?

—Sim senhor. —Respondeu Dank e eu estremeci involuntariamente.

Pareceu-me ouvir outra suave risada que vinha detrás de mim. — Bom, então

poderia começar a ler para mim? Já que parece que o resto dos estudantes

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nesta sala, que de fato estiveram aqui na sexta-feira, sofre de perda de

memória.

Dank esclareceu garganta e começou a ler.

—Queridos Deuses, livrai-me de toda a dor, o comprido que vejo manter, todo um

ano acordado... apoiado em meus braços, agachado no teto do Atreo como um cão. Conheço

as estrelas por memórias, os exércitos da noite, e há na dianteira os que nos trazem a neve

ou os cultivos do verão, trazem-nos tudo o que temos, nossos grandes reis do céu, conheço-os,

quando se levantam e quando caem... E agora vejo a luz, o sinal do fogo saindo de Troya,

gritando quando Troya é tomado. Portanto, ela ordena cheia de grande esperança.

A aula passou muito rápida com a hipnótica voz de Dank lendo.

O toque do sinal me fez saltar. Balancei a cabeça tentando sair

do transe que sua leitura me colocou. Fiquei de pé e agarrei meus livros,

sabendo que Leif estaria na porta, me esperando, preparado para agarrar os

livros para minha próxima aula. Levou um esforço supremo não olhar atrás

para Dank.

O som das garotas risonhas e os fãs aduladores me permitiu chegar

até Leif sem me decompor e voltar para lançar um olhar.

—Uma aula divertida? —Leif arqueou as sobrancelhas e assentiu com a

cabeça para onde sabia que Dank estava rodeado de admiradoras femininas.

Encolhi os ombros.

—Na realidade não. Tragédias Gregas, já sabe o de costume. —Leif

me deu um de seus sorrisos fáceis antes de chegar a meus livros.

—Fico feliz por ter feito meu movimento antes que Dank Walker

chegasse. —Disse, com uma voz em tom de brincadeira, que soava forçada.

Não olhei para ele.

—O que quer dizer? —Será que notou o rubor em minhas bochechas

quando disse o nome de Dank? Deus esperava que não.

—O tipo parece não poder tirar os olhos de você. Não é que eu o

possa culpar. —Passou o braço por meu ombro e me atraiu como se

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precisasse aferrar-se a mim. Imediatamente a culpa me alagou. A forma como

estremecia e me fundia quando estava perto de Dank, não era justo com Leif.

Um puxão estranho dentro de mim balançou tudo ao redor e me fez agarrar o

braço do Leif em busca de apoio. Talvez isto fosse um sonho depois de tudo.

Era quase como se algum domínio de ferro estivesse tentando me obrigar a

parar e andar para traz.

—Está bem? —A voz de Leif era de preocupação. Sabia que ele

pensava que tinha perdido minha mente. Nada a respeito da maneira que eu

estava agindo era coerente.

Sorri para tranquiliza-lo.

—Estou bem. —Incapaz de lutar contra o puxão invisível, olhei para

trás e meus olhos imediatamente encontraram Dank, rodeado de garotas, mas

seus olhos olhavam diretamente sobre mim. Inclusive desta distância, podia

sentir o calor de seu intenso olhar.

—Ele parece ser um tema quente. —Murmurou Leif, enquanto seu

olhar seguia o meu. Balancei a cabeça de volta, furiosa comigo mesma por

ceder e olhar. A preocupação na voz de Leif dizia tudo. Precisava me

controlar.

—Realmente não faz diferença para mim essa coisa de roqueiro.

Sinceramente, nem sequer tenho uma pista do que canta ou a banda em que

está.

Leif beijou a parte superior da minha cabeça.

—Eu gostaria que a estrela do rock tivesse escutado isso. —Pareceu

relaxar ao meu lado.

Isso não é verdade, Pagan. Você desfrutou do pequeno concerto privado toda noite

enquanto dormia.

Fiquei imóvel segurando o braço de Leif mais forte. Que diabos foi

isso? Dank acabou de falar dentro da minha cabeça? Deus, isto tinha que ser

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um sonho! Ficava mais louco a cada momento. Soltei do braço de Leif e me

belisquei tão forte como foi possível.

—O que está fazendo? —Perguntou, com um olhar de confusão em

seu rosto. Minha cara ficou quente. Em questão de segundos estaria cor

vermelha brilhante. Não tinha certeza se era pelo fato de que Dank acabava de

algum jeito, de me falar no ouvido embora estivesse do outro lado do

corredor, ou pelo fato de que me beliscava no corredor como uma louca.

Relaxe, Pagan, ninguém me escuta além de você. Tire o encantador rubor de seu

rosto. Seu amigo, que parece pensar que você lhe pertence, vai pensar que está louca.

Dei a volta, desta vez precisando ver onde estava. Era a voz de

Dank que ouvi. Tão claramente como se estivesse de pé a meu lado, falando

bem perto do meu ouvido. Dank não estava do meu lado.

Continuava onde eu recordava de pé no extremo oposto do corredor,

escutando uma garota ruiva, estudante do primeiro ano, que parecia estar nas

nuvens pela atenção da estrela do rock. Seu olhar deixou o dela e se encontrou

com o meu. Piscou um olho e me deu seu sorriso malicioso antes de olhar

novamente para a moça a seu lado. Senti o medo correndo através de mim e

me afastei dele. Haveria realmente falado comigo estando do outro lado do

corredor sem que ninguém o tivesse escutado?

—Está bem, Pagan? —A voz de Leif rompeu meu momento de pânico

e dei um sorriso forçado com uma piscadinha.

—Sim, pensei que tinha esquecido algo, mas não o fiz.

Leif riu entre dentes.

—O medicamento continua jogando contigo? — Perguntou com uma

voz que ajudou a me trazer de volta à normalidade.

Ele era normal. Ele era real.

—Um, sim, acredito que sim. —Se tão somente tivesse tomado

medicamento para a dor esta manhã, tal e como continuava dizendo, então

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poderia culpar por tudo isto os produtos químicos. Mas sabia a verdade. Não

tomei nada. Estou ficando louca por minha conta.

—Falei com Leif durante o discurso e sugeri que nós quatro fôssemos

ver um filme esta noite para celebrar sua volta à escola — Disse Miranda do

outro lado da mesa da cafeteria. Tinha ficado tão perdida em meus

pensamentos que nem percebi que se sentou em minha frente.

Olhei para cima.

—Isso soa como uma grande idéia.

Miranda franziu o cenho, inclinou a cabeça e se aproximou mais de

mim.

— Está bem?

Forcei um sorriso e assenti com a cabeça. Convencer minha melhor

amiga de que não estava ficando louca, seria difícil. Como era de se esperar,

levantou as sobrancelhas e me deu o não acredito com os olhos enquanto se

encostava novamente na cadeira. Por sorte, Wyatt escolheu esse momento

para unir-se a nós, por isso ela não teve a oportunidade de me perguntar mais.

—Esta noite depois da aula de futebol de Leif, vamos todos ao cinema

para celebrar a recuperação de Pagan.

Wyatt me olhou com cara de preocupado.

—Está bem com isso?

Assenti com a cabeça.

—Claro, estou muito melhor. Tenho que sair e fazer algo normal.

O sorriso de Miranda retornou.

—Então, está combinado. Agora, só falta decidir qual filme vamos

assistir. —Os olhos de Miranda ficaram olhando por cima de minha cabeça.

— Uf, vá entender. —Disse em tom de desgosto.

Lancei um olhar para trás para ver o que ela achava de tão irritante.

Kendra entrou com o braço dentro do cotovelo de Dank, sorrindo

timidamente para ele, enquanto ele conversava com ela. Era evidente que

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desfrutava de sua atenção. Não seria o primeiro homem a ser vítima de suas

atenções. Kendra era um completo pacote de perfeição, se as pessoas

deixassem à parte sua personalidade. Voltei a olhar para meus amigos, na

esperança de poder disfarçar a sensação esquisita no meu estômago. A visão

dela, no braço dele, deixou-me um pouco doente.

—Será que Kendra já conseguiu a estrela de rock?— Disse Miranda,

em um tom de desgosto, antes de comer sua salada.

—Espero que não seja ciúmes o que estou escutando em sua voz.

Considerando que seria um golpe ao meu ego. — Disse Wyatt em brincadeira

e Miranda o fulminou com o olhar.

—É obvio que não. Tomara que Dank Walker não tenha decidido dar

sua atenção, a essa cadela asquerosa. Há um montão de outras garotas lindas

nesta escola que seriam muito melhores opções.

Wyatt riu entre dentes.

—Como quem?

Miranda encolheu os ombros.

—Não sei. Simplesmente alguém que não seja Kendra. —Wyatt riu em

voz alta e balançou a cabeça.

—O que eu perdi? —Perguntou Leif, enquanto se sentava a meu lado.

—Nada. — Respondi um pouco rápido. Wyatt assentiu com a cabeça

para onde Dank e Kendra se sentavam em uma só mesa. — Parece que

Miranda acredita que qualquer um seria uma melhor opção para a estrela do

rock, que Kendra.

Leif assentiu com a cabeça.

—É provável que tenha razão. Entretanto, enquanto ele não estiver

comendo com os olhos a minha garota, não me importa a quem ele dá sua

atenção.

Miranda elevou as sobrancelhas em surpresa para mim.

— Sério que esteve te comendo com os olhos?

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Rodei meus olhos.

—Não. —Minha rápida resposta nem sequer soou acreditável para

meus próprios ouvidos.

—Sim, tem feito isso. —Disse Leif, alcançando minha mão debaixo da

mesa. Deu um apertão suave, para me tranquilizar. Suspirei e relaxei. Não

tinha sentido discutir com ele. Sabia que Dank me observava com mais

frequência que qualquer outra pessoa. Não tinha percebido a forma possessiva

como me sentia com ele, até que vi como Kendra conseguiu sua atenção.

Podia ir cantar para Kendra dormir com seu violão e sua música de beleza

inquietante. Ouvi uma baixa risada e voltei o olhar para ambos, Leif e Wyatt,

cujas bocas estavam cheias de comida. Fiquei imóvel e olhei para trás, à mesa

onde Dank parecia ter uma conversa privada com Kendra. Seus olhos

deixaram os dela e me lançou um olhar divertido antes de voltar para a

perfeita loira a seu lado.

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Capítulo Seis

—Pelo que entendi este é seu primeiro jogo de futebol. —Disse minha

mãe, sorrindo da pia da cozinha, onde estava de pé, escorrendo macarrão em

forma de laços.

Encolhi os ombros.

—Suponho.

Ela levantou os olhos para me olhar.

—E vocês vão sair quando terminar? —Comecei a responder, quando

uma alma entrou na cozinha pelas portas fechadas que dava para o pátio.

Fiquei rígida. Tinha passado bastante tempo desde que uma alma vagou por

nossa casa. A alma parecia jovem. Seu cabelo comprido ia até suas costas em

largas ondas loiras. Parecia que flutuava ao redor de sua cintura. Comecei a

agir como de costume e atuei como se não a tivesse visto, mas ela parou

diretamente na minha frente e começou a me observar atentamente. Seus

olhos pareciam translúcidos e seus cílios eram incrivelmente largos, mas tão

loiros que pareciam quase imperceptíveis. Sua cabeça se inclinou para um lado

enquanto se aproximava de mim, como se eu fosse algum tipo de experimento

científico que chamava a atenção.

—Carinho? —A voz de mamãe me despertou do meu transe. Tirei meu

olhar da alma, o qual era um pouco difícil já que se encontrava tão perto de

mim que podia esticar a mão e tocá-la.

—Um, sim, sinto muito. —Mamãe já não parecia divertida.

Franziu o cenho, com o coador de macarrão nas mãos já

esquecido.

—Você esta bem, Pagan? Talvez devesse ficar em casa e descansar.

Toda uma semana de aula deve ter sido difícil depois de tudo o que aconteceu.

—Forcei-me a não tremer quando uma fria mão tocou meu cabelo.

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—É lindo. —O som musical da voz da alma me surpreendeu. Pulei

longe dela.

—Pagan? —Puxei uma grande quantidade de ar para me acalmar, e

forcei um sorriso que esperava que fosse normal.

—Estou bem, só um pouco nervosa. Preciso terminar de me arrumar

antes que Miranda e Wyatt cheguem.

Mamãe assentiu e seu sorriso retornou.

—Certo, então. Suponho que os nervos são compreensíveis quando

temos um encontro com um rapaz tão bonito. —Piscou os olhos e tentei

manter meu sorriso falso antes de me virar e sair da cozinha. Fechei a porta de

meu quarto e me girei para ver se a alma tinha me seguido.

—Está me procurando? —A voz musical veio detrás de mim. Virei,

surpreendida e deixei sair um audível chiado.

—O que está fazendo? —Perguntei confusa. Por que as almas tinham

começado a falar comigo? Deixou sair uma risada que soou similar ao repique

dos sinos.

—Já está fixado. —Disse simplesmente e caminhou mais perto de mim.

Estendi ambas as mãos à frente como se isso fosse evitar que se aproximasse.

—Não se aproxime mais. —Falei, percebendo, pela primeira vez em

minha vida, que estava completamente aterrorizada com uma alma.

Ela franziu o cenho.

—Você não é muito amigável.

Deixei escapar uma pequena risada.

—O que? Não sou amigável com um fantasma que flutua em minha

casa e começa a me tocar? Bom, desculpa minha má educação, mas isto é um

pouco perturbador.

Seu cenho pareceu tomar uma expressão pormenorizada.

—Ah, sim. Bom, suponho que assumi que já estava acostumada a nós.

Assim sabia que podia ver almas.

Page 76: Abbi glines existence #1 existence

~76~

—Quem é você? —Perguntei novamente, desejando que minha voz

soasse firme em vez de, sem dúvidas, trêmula. Não respondeu, mas voltou a

me estudar atentamente. — Preciso me arrumar para sair antes que meus

amigos cheguem. Se não tem nenhum propósito para estar aqui, então,

poderia encontrar outra casa para vagar?

Sua risada cantada encheu meu quarto novamente.

—Não vago pelas casas das pessoas. —Como se eu houvesse dito a

coisa mais horrível que alguma vez tivesse escutado. — Está fixado. —Disse

novamente, sorrindo amplamente.

Quando comecei a perguntar sobre o que ela estava falando, percebi

uma vez mais, estava sozinha no meu quarto. Girei em círculos, esperando vê-

la caminhando por ali, mas já tinha ido embora.

Precisando voltar à normalidade que era escutar o canto desafinado

da minha mãe enquanto preparava o jantar, fui e abri a porta do meu quarto.

Precisava ver Dank. Queria respostas. Antes de Dank, as almas não falavam

comigo. Preferia dessa maneira. Eu gostaria de manter dessa forma. Não me

agradava em nada à idéia de que as almas caminhassem para mim, me

tocassem e falassem comigo. Podia lutar com sua presença, mas preferia as

ignorar e, em resposta, ser tratada como todos outros. Dei outra rápida volta

no meu quarto e em silêncio fechei a porta. Caminhei ao outro lado do quarto,

colocando distância entre a porta e eu. Quão último precisava era que minha

mãe escutasse o que estava a ponto de fazer.

—Dank. —Disse em voz alta. Se ele falava comigo estando do outro

lado do corredor imaginei que poderia me escutar de qualquer lugar. Mas

também não era nenhuma perita nos sinais das almas. Nunca senti a

necessidade de contatar alguma. Esperei, mas nada aconteceu. Virei para olhar

atrás de mim. —Dank? —Falei novamente, me sentindo estúpida. O quarto

continuava vazio. Com um suspiro de derrota, voltei para a porta e a abri.

Precisava deixar de jogar com o sobrenatural e me arrumar.

Page 77: Abbi glines existence #1 existence

~77~

***

—Vaaaaamos PIRATAS! —Miranda gritava alto do seu assento a meu

lado. Estávamos ganhando por dois touchdowns e a multidão começou a

celebrar loucamente. Só faltavam quatro minutos para terminar o jogo e não

tinha visto Dank em nenhum lado. Aparentemente, Kendra não o tinha visto

tampouco, já que a tinha estado observando enquanto animava no campo de

futebol. Continuava procurando entre a multidão, por ele. Obvio que suas

razões de querer vê-lo eram completamente diferentes das minhas. Sem

mencionar o fato de que as dela não eram nem de perto tão importantes. Com

a cara amarrada, soube que não tinha visto o brilhante Dank Walker. Precisava

encontrá-lo antes que o jogo terminasse. Sair com Leif para celebrar a vitória

mais tarde seria horrível com as perguntas sem respostas na minha cabeça.

—Poderia deixar de procurar na multidão à estrela de rock e olhar para

seu namorado? —Vaiou Miranda em meu ouvido. Eu já deveria saber que ela

notaria.

Franzi o cenho.

—Não estou procurando à estrela de rock. O futebol simplesmente me

aborrece.

Miranda riu e rodou seus olhos.

—Só você sairia com o atacante ardente e logo admitiria que se

aborrece com o futebol.

Encolhi os ombros e logo voltei minha atenção à ação que ocorria

no campo. No momento em que meus olhos se fixaram em Kendra, vi como

seu rosto se iluminava enquanto via alguém abaixo nos degraus. Não podia

vê-lo de onde estava, mas sabia que tinha chegado. Essa seria a única razão

pela qual Kendra trocaria sua irritada expressão por uma de encanto total.

Olhei para Miranda e Wyatt, que estavam observando o jogo. A expressão de

Kendra não era algo que chamasse a atenção dos dois.

Page 78: Abbi glines existence #1 existence

~78~

Procurei minha bolsa.

—Vou comprar alguma coisa para beber, querem algo? — Perguntei,

desejando que dissessem que não. Não queria ser apressada. Precisava me

encontrar a sós com Dank e obter algumas respostas.

—Não, o jogo já esta acabando e vamos ao Grill para celebrar.

Podemos tomar algo lá.

Deslizei minha bolsa sobre meu ombro.

—Tenho sede agora. Vejo vocês no campo quando tudo isto terminar.

—Miranda olhou para mim e ao redor por entre a multidão. Não tinha que

perguntar para saber que procurava Dank. Por sorte, ele não apareceu à vista.

Miranda me olhou novamente e encolheu os ombros.

—Certo. —Girei-me e caminhei rapidamente antes que ela visse Dank

ou decidisse que queria algo da loja.

Dank estava de pé olhando o jogo no campo com os braços

cruzados, como se estivesse aborrecido. Seus olhos se encontraram com meus

no momento em que apareci na esquina. Um pequeno sorriso se formou em

seus lábios. Não tinha tempo para lutar com seus ardilosos comentários sobre

eu querendo encontrá-lo.

—Preciso falar contigo a sós, agora. —Falei sussurrando enquanto

passava a seu lado e me dirigia para o escuro estacionamento. Não me girei

para ver se me seguia. Podia sentir sua presença. Assim que estávamos fora da

vista de todos, girei-me para olhá-lo. — Quem é ela? —Falei logo.

Dank franziu o cenho.

—Seja mais específica, por favor.

Suspirei e fechei os olhos contra a distração que sua voz sempre me

fazia sentir. Custava me concentrar, vendo-o à luz da lua.

—A alma que veio a minha casa e me tocou e falou comigo. Disse está

fixado duas vezes.

Dank endureceu visivelmente e se aproximou de mim.

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~79~

—O que? —Perguntou com expressão surpresa em seu rosto.

—Uma alma veio a minha casa. Tocou-me e falou comigo. As almas

nunca falavam comigo, antes de você. Inclusive entrou no meu quarto. —

Murmurei, com medo de que alguém pudesse me escutar.

—Disse está fixado? —Perguntou, com uma voz tensa. Percebi que ele

tentava controlar seu temperamento, simplesmente, não sabia por que estava

ficando irritado. Assenti, olhando de perto.

Caminhou mais dentro da escuridão e logo subiu seu olhar zangado

ao céu.

—Não brinque comigo. — Disse em voz alta e forte. Retrocedi, sem

ter certeza de com quem ele estava gritando. Ficou de pé com as costas para

mim, tomando profundas respirações, eu esperei, desejando não ter decidido

falar com ele aqui na escuridão.

Lentamente se virou. Inclusive na escuridão, claramente podia ver

seus olhos azuis. Recordavam a brilhantes safiras refletindo os raios do sol.

—Vou vigiar. —Sua voz soava ainda mais intensa que antes. Dei um

passo atrás, aterrorizada pelo crescente brilho em seus olhos, saindo da

profundidade de seu peito. — Se ela se aproximar de você, ou qualquer

outra... alma se aproximar de você, advirta que vai me dizer. Entendeu? —

Estava com medo. Não de Dank, mas de... alguma coisa.

—Quem é ela? —Perguntei novamente.

Em seu rosto estava refletido um olhar torturado antes de andar

para longe de mim.

—Alguém que veio querendo fazer algo mau. —Caminhei mais perto

dele, precisando saber mais, mas balançou sua cabeça em protesto e logo

desapareceu. Fiquei de pé, sozinha no estacionamento. Devido aos recentes

acontecimentos, eu não gostava de ficar fora, sozinha. Mesmo sabendo que

Dank estava suficientemente perto, e que viria se o chamasse. Eu escutava as

celebrações vindas do campo, deixando claro que o jogo tinha terminado.

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~80~

Minhas perguntas ainda não tinham respostas. Caminhei

rapidamente de volta ao estádio iluminado, frustrada com Dank e sua

determinação por ser evasivo, inclusive quando ele mesmo parecia ser a causa

do desastre da minha vida. O campo cheio de piratas celebrava enquanto

caminhava por entre as massas de estudantes e pais. Comecei a procurar

Miranda e Wyatt. Uma risada familiar chamou minha atenção e me girei para

ver Kendra com suas mãos no peito de Dank enquanto ele abaixava o olhar

para ela com um sorriso em seu rosto. Congelei.

Ele parecia contente e despreocupado com a atenção da animadora

loira, quando há alguns minutos atrás estava amaldiçoando para o céu e me

dizendo que ameaçasse a qualquer outra alma falante que tivesse contato

comigo. A urgência de me aproximar da Kendra e puxá-la pelos cabelos até

que estivesse a uns bons três metros longe de Dank, era difícil de resistir. Seus

olhos se separaram dos de Kendra e me encontraram. Assentiu como

saudando antes de voltar seu olhar à garota em seus braços. Engoli a sensação

de traição e retirei meu olhar de ambos. Dank não me pertencia, assim, na

realidade, não me traía. Esse aviso não me fez sentir nada melhor. Nessas

ocasiões, parecia como se Dank Walker e a alma fossem dois seres

completamente diferentes. Confiava na alma. Dank Walker me confundia.

—Pagan! —Escutei a voz de Miranda por entre as vozes da celebração.

Girei-me, sem estar segura de poder enfrentá-la neste momento. Olhei

novamente para o estacionamento, pensando em alguma maneira de poder

escapar. Mas minha. — Pagan? —Chamou Miranda, novamente e voltei

minha atenção à multidão, sabendo que deveria ir para ela. Leif estaria me

esperando. Entretanto, será que eu conseguiria, não era o que ele merecia. Eu

não celebrava a vitória. Em vez disso, estava aterrorizada pelo desconhecido.

—Vá com eles. Estou aqui. Está a salvo. —A voz de Dank chegou forte e

clara por entre as vozes da multidão. Justo como antes, ninguém mais pareceu

escutar. Procurei seu familiar rosto entre aqueles das pessoas ao meu redor.

Page 81: Abbi glines existence #1 existence

~81~

—Jesus, Pagan, está surda! Onde estava? Vamos. — Miranda tomou

meu braço e começou a me puxar por entre as pessoas que celebravam.

Permiti que me levasse e forcei um sorriso. Leif o esperaria de mim. Miranda e

Wyatt também esperariam isso de mim. Iria terminar diagnosticada como

louca se não me controlasse.

—Ali está! —Gritou Miranda ao me atirar para Leif. Ele estava saindo

dos vestiários, banho recém tomado e com um jeans descolorido e um

pulôver limpo. Tomei uma grande e profunda respiração e coloquei um

sorriso no meu rosto.

Ele olhou em minha direção e o saudei com a mão. Sorriu

amplamente e correu para mim. Antes de poder perceber, ele me levantou e

pressionou contra seu peito. Não tive tempo de me preparar para quando seus

lábios cobriram os meus. Seus braços a meu redor eram cuidadosos devido a

minhas costelas que ainda não estavam cem por cento. Ele me lembrava a

carinho e a segurança.

Subi minhas mãos até seu peito, esperando poder me grudar a ele

um pouco mais e sentir que de verdade estava a salvo. Suas mãos se

deslizaram por meu cabelo e inclinou minha cabeça para trás para aprofundar

mais o beijo. Entreguei-me completamente. Precisava deste sentido de

normalidade. Esta falsa sensação de segurança. Leif era real e representava

todas as coisas seguras. Necessitava essa conexão com o mundo. Neste

momento precisava do que ele me oferecia. Entretanto, dançando

perigosamente no fundo de minha mente, havia pensamentos de outra boca, o

que parecia colocar coisas ainda mais intensas dentro de mim. Fechei meus

olhos com mais força, tentando lutar contra o desejo de ter os braços de Dank

me pressionando mais perto, com seus perfeitamente esculpidos lábios contra

os meus. Isto era seguro. Leif era saudável para mim.

Rompeu o beijo e se separou um pouco, percebi que sua respiração

era irregular, não como a minha. Ele parecia aturdido.

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~82~

—Isso foi ainda melhor do que tinha imaginado. —Disse, sem fôlego.

A pontada de culpa que estava guardando, desde que Dank se colocou sob

minha pele, recordou-me que esta era a decisão correta.

—De acordo, vocês dois precisam conseguir um quarto fodidamente

rápido, ou vamos sair daqui e procurar algo para comer. Morro de fome. —

Falou Wyatt com uma voz divertida que penetrou em um pequeno mundo no

qual nos tínhamos nos perdido por entre a multidão de gente.

Leif piscou para mim e deslizou seu braço ao redor do meu ombro.

—Vamos comer. —Disse, sorrindo como um pequeno menino que

acabava de ganhar doces. Segurei-me nele como se isso segurasse minha vida,

não porque o desejasse, mas tirei isso da minha mente. Pensar no assunto só

fazia que a culpa aumentasse.

—Depois do jogo desta noite não vejo como os Scouts podem manter-

se longe. — Disse Wyatt, sorrindo do outro lado da mesa em frente à Leif e

eu.

Leif riu.

—Um jogo não atrairá aos Scouts da universidade, sabe isso.

Wyatt levou uma batata frita até sua boca.

—Uns mais como esse e cairão. —Disse seguro de si mesmo.

O polegar de Leif acariciou minha mão. Tinha começado a segurar

minha mão toda vez que estávamos juntos. Era doce.

—Oh, que asco tinham que vir aqui? Quer dizer por que não leva a

garota para um hotel e nos deixam comer em paz? —Disse Miranda com uma

voz de nojo, enquanto percebia o que ela dizia. Elevei o olhar, para ver Dank

entrar pela porta com uma muito grudada Kendra a seu lado. Alcancei minha

soda e decidi estudar o cartão do restaurante que estava debaixo do vidro em

cima da mesa. — Acredito que a única maneira que possa estar mais perto

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dele, é se envolver as pernas a seu redor e ele seja obrigado a carregá-la. —

Disse Miranda em tom de nojo.

Wyatt riu.

—Certo, Miranda, deixa tranquila à pobre garota. Parece que a estrela

de rock tem suas mãos cheias tentando evitar que ela o estupre Não precisa

que faça comentários sarcásticos. —Miranda riu bobamente e descansou sua

cabeça no ombro de Wyatt.

—Que seja estuprado? Gostei dessa. Queria ter pensado nisso. —Wyatt

balançou sua cabeça enquanto levava outra batata frita a sua sorridente boca.

Leif suspirou.

—Tem muitos problemas que fazem com que aja dessa maneira. —

Olhei-o e percebi que parecia mais preocupado que divertido.

Miranda rodou os olhos.

—Claro que você saberia. Saiu com ela como por três anos.

Leif abaixou o olhar para mim.

—Sim, fiz, mas só porque a única garota que queria, parecia que não

gostava de mim.

Sorri e apertei sua mão.

—Era estúpida. —Era verdade. Conhecer Leif me ensinou que julgar

os outros não era somente mau, mas sim provocava que perdesse amizades

com pessoas especiais.

Seus olhos ficaram sérios e se inclinou, mas parou justo antes que

seus lábios tocassem os meus.

—Você é brilhante. Provavelmente só um pouco lenta na aceitação,

mas brilhante de todas as maneiras. —Seus lábios tocaram gentilmente os

meus. Novamente, sentia-me segura. Um profundo grunhido me surpreendeu

e saltei para trás, olhei para Leif para ver se ele tinha grunhindo. Mas seu

cenho franzido me disse que não foi ele. Seu polegar acariciou meu lábio

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inferior e o grunhido começou novamente. Definitivamente não era Leif que

fazia esses sons de animais. — Está bem? —Perguntou devagar.

—Sinto muito, pensei que tivesse falado algo. —Expliquei, forçando

um sorriso. Sorriu e deixou cair à mão do meu rosto. O grunhido diminuiu e

olhei ao redor do restaurante.

Dank estava sentado na mesa do canto junto à Kendra, que parecia

estar falando animadamente com outra animadora ao lado dela. Seus olhos

escuros me olharam com um brilho possessivo. Foi ele. Ele grunhiu. Como

fazia isso? Podia sentir o olhar de Miranda e não queria que ficasse me

fazendo mais perguntas. Concentrei-me novamente em minha comida e lancei

uma batata frita em minha boca. Leif e Wyatt voltaram a falar do jogo, assim

tive tempo de me focar de novo em meus amigos e não em Dank. Leif se

inclinou contra a poltrona e liberou minha mão, deslizando os seus braços nos

meus ombros e logo gentilmente me apertando contra ele.

Miranda sorriu.

—Quando vamos escolher vestidos para o Baile de Boas vindas? —

Perguntou. Franzi o cenho para ela. Leif e eu não tínhamos conversado sobre

o baile. Estávamos saindo exclusivamente, mas ele não me disse nada sobre

me levar ao baile. Já tinha decidido ficar em casa e ver filmes velhos e comer

pipoca. O olhar de Miranda ia de mim para Leif, como demonstrando seu

ponto de vista. — Você a convidou, certo? —Perguntou em tom irritado. Leif

girou sua cabeça e me olhou.

—Só assumi que estava tudo certo. Eu deveria perguntar? —A careta

de preocupação em seu rosto era adorável. Sorri, esperando tranquilizá-lo. Eu

não gostava de preocupá-lo. Parecia muito sensível emocionalmente.

—Leif, sempre deve pedir a garota para ir ao baile com você. Assumi-lo

é algo mau. —O tom de correção de Miranda me fez rir. O cenho de Leif se

suavizou e deslizou seu dedo sob meu queixo, e gentilmente acariciou a linha

de minha mandíbula com seu polegar.

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—Pagan, você gostaria de me dar à honra de ser meu par para o Baile

de Boas vindas? A possibilidade de não ser capaz de te sustentar em meus

braços toda a noite é dilaceradora.

Miranda suspirou do outro lado da mesa.

—De acordo, isso foi perfeito. Por que não me perguntou assim? —

Perguntou a Wyatt.

Wyatt lançou a Leif um olhar irritado.

—Obrigado, amigo. Da próxima vez que resolva demonstrar seu lado

romântico, poderia fazer a sós?

Eu só podia rir e Leif continuou me olhando. Assenti e se inclinou

para me beijar. Preparei-me mentalmente para o grunhido, e no momento em

que o escutei baixo e zangado em meus ouvidos, sorri.

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Capitulo Sete

No momento em que tentei abrir a porta e a encontrei fechada, com

chave, soube que tinha problemas. O recado de minha mãe no mostrador me

dizendo que ela e Roger tinham ido ao cinema enviou um calafrio de medo

em mim. Não queria ficar sozinha em casa. Não tinha pedido a Miranda para

passar a noite comigo, porque havia planejado dormir na cama com minha

mãe. Entrei em meu quarto e olhei em cada centímetro procurando um cabelo

comprido e loiro. Não havia sinais da alma estranha. Dei uma olhada no

banheiro e pensei em quanto queria um banho. Entrar lá, ligar o chuveiro e

fechar a cortina me assustava. Continuava recebendo visões dos filmes de

terror que tinha visto, onde coisas más aconteciam quando alguém estava

tomando banho. Nunca seria capaz de tomar uma ducha sem que minha mãe

estivesse em casa. Talvez nem sequer então. Oh, merda! Iria me tornar alguém

incrivelmente imunda! Se tentasse convencer minha mãe para que ficasse no

banheiro comigo, para assim poder tomar um banho, ela pensaria que estou

louca. Deixei-me cair em minha cama e deixei escapar um suspiro de derrota.

— O que está acontecendo? —Perguntou uma voz vinda da minha

porta. Levantei-me rapidamente, gritando. Entretanto, parei quase

imediatamente quando vi Dank apoiado no batente da porta, me observando.

— Dank. — Dei uma respiração profunda para acalmar o coração

acelerado.

— Sinto muito, não percebi que estava tão alterada por isso. —Disse,

franzindo o cenho e entrando no quarto. Voltei a me sentar em minha cama e

soltei uma gargalhada profunda.

— Bom, me desculpe se almas estranhas aparecerem em minha casa,

falando comigo me tocando e me assustando um pouco. – Lancei a ele um

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olhar acusador. — Então, pergunto a você sobre isso e apenas amaldiçoa na

escuridão e fica todo zangado.

Caminhou e se sentou na beirada de minha cama.

—Sinto por isso. Não deveria ter assustado você dessa maneira. —Não

havia nenhuma dúvida no tom preocupado da sua voz.

—Bom, pode me dizer o que está acontecendo, quem é ela? —

Perguntei. Negou com a cabeça e, imediatamente, dirigiu seu olhar longe de

mim.

—Não, isso é a única coisa que não posso fazer por você. Peça-me

qualquer coisa, Pagan, e certamente será sua, mas isso, eu não posso fazer. —

A voz soava intensa e dolorosa, ao mesmo tempo. Decepcionou-me, mas

sabia que pressionar o assunto não tinha sentido.

—Por que está aqui, então? —Perguntei, recordando que há menos de

uma hora atrás, tinha o deixado na mesa do restaurante, com Kendra grudada

no seu corpo. Ficou de pé e se aproximou da janela e olhou para fora.

—Até que não saiba que tudo está bem... até que me ocupe do que

devo fazer, vou passar as noites aqui no seu quarto. — Voltou-se para mim

com uma expressão determinada. — Tenho que te proteger. — Fez um gesto

para a porta. — Se quiser tomar um banho, terei certeza de que esteja

completamente a salvo, enquanto o faz.

É obvio que sim, queria esse banho. Comecei a me levantar e

depois sentei de novo, olhando-o.

—Pode ler minha mente? — Esta não era a primeira vez que ele sabia o

que eu pensava.

Sorriu para mim com malícia.

—Não exatamente. Mas posso sentir seus medos com tanta força que

posso ouvi-los. — Assenti com a cabeça e lembrei-me da vez em que tinha

rido de uma maneira que só eu podia ouvi-lo, e foi como se tivesse escutado o

que eu pensava dele e de Kendra na cafeteria.

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Olhei para ele novamente.

—Você me ouviu na cafeteria quando estava com Kendra, eu não

estava com medo. — Arqueou as sobrancelhas levemente.

—Não estava? — Meu rosto ficou quente e dei a volta e saí do quarto

antes que ele pudesse me ver ruborizada.

Comecei a fechar a porta do banheiro, mas olhei para as paredes

sabendo que uma alma poderia entrar a qualquer momento.

Olhei para o corredor, onde Dank descansava na minha cama. Ele

não poderia ver se a alma entrasse no banheiro.

Sua cabeça se virou imediatamente para mim. Lentamente um

sorriso malicioso se formou em sua boca.

—Eu adoraria acompanhar você ao banheiro enquanto toma banho, e,

se na verdade fosse tão mau como pensa que sou, faria exatamente isso.

Entretanto, posso sentir qualquer alma que tente entrar nesta casa até mesmo

antes que o faça. Estaria aí antes que qualquer outra entre. Está a salvo

comigo aqui. — Terminou com uma piscada. Fechei a porta com rapidez

antes que dissesse outra coisa que me envergonhasse.

Coloquei uma calça de moletom e uma camiseta sem mangas, no lugar

do meu pijama normal. Se eu teria companhia enquanto dormia, tinha que

usar roupa. Meu coração acelerou diante da idéia de Dank ficando em meu

quarto, em minha cama e dei várias respirações profundas para acalmar os

pensamentos e emoções.

— Pagan, querida está no banheiro? — Chamou minha mãe do

corredor. Abri a porta e olhei além dela, à cama onde Dank ainda descansava.

—Não pode me ver nem me ouvir. Acalme-se. — Olhei para minha

mãe, sorrindo na porta.

—Teve um bom encontro com Leif?

—Sim, ganhamos a partida e depois saímos com Miranda e Wyatt

fomos ao Grill. Foi muito agradável. — Falei pensando nele me beijando e

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~89~

uma vez mais, minha mente voltou para o incrivelmente, sexy macho não

humano no meu quarto, ao que parecia eu não podia mantê-lo longe da minha

cabeça.

Mamãe começou a rir.

—Agradável verdade? Pobre rapaz, não tem nem idéia de que é um

osso duro de roer. Ah, bom, isso é bom por agora. Um dia, o rapaz correto

vai chegar e ficará fascinada, não será capaz de ver com clareza. Desfrute dos

outros até então. — Beijou meu rosto e se dirigiu para o seu quarto.

Quando entrei no meu quarto, olhei o que parecia ser um

adormecido Dank. Fechei a porta do quarto com suavidade, não querendo

acordá-lo. Abriu os olhos e olhou para mim, sorrindo.

—Há alguma possibilidade de que me deixe dormir na cama também?

Neguei com a cabeça e ri.

—Não, não há. — Suspirou e se sentou.

—Já tinha adivinhado, mas esperava por um momento de piedade do

osso duro. —Franzi o cenho, odiando que tivesse ouvido minha mãe.

Realmente não queria que Dank soubesse que tinha dúvidas sobre estar

apaixonada por Leif. Era melhor assim. Fui ao meu armário em busca do saco

de dormir que comprei para ir ao camping do verão passado.

— Não durmo Pagan, estava tirando sarro. — Dei a volta e franzi o

cenho.

—Bom, suponho que tem sentido... para as almas normais. Elas não

têm corpos, mas você sim, então você não o faz. É como se pudesse escolher

o momento de ser humano ou alma. Isso não é normal, verdade? —Perguntei

sem saber nada de como isso funcionava. A única coisa que sabia era que não

funcionava da maneira que sempre tinham me ensinado. A Escola Dominical

disse tudo errado.

Ele riu e sentou-se no sofá ao lado da minha janela.

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—Não sou precisamente uma alma. Isso é tudo o que pode saber. —

Pegou o violão que não tinha notado parada no canto atrás da cadeira.

—Vá dormir Pagan. Está a salvo e precisa descansar. — Começou a

tocar o violão e voltei para minha cama e tirei a colcha antes de cair no

interior. As luzes se apagaram e olhei para Dank.

—Não há necessidade de dormir com as luzes acesas. Posso ver de

qualquer maneira. — Explicou. Assenti com a cabeça e me obriguei a fechar

os olhos. Queria fazer mais perguntas, mas sabia que não iria responder

nenhuma esta noite. O som da música começou a me acalmar. A voz baixa de

Dank se uniu ao violão e me perdi no som e na segurança de sua presença...

Não estava destinada para o gelo, não lhe fizeram para a dor.

O mundo que vive dentro de mim não era o mundo que estava destinado a conter.

Estava destinada para os castelos e a vida sob o sol.

O frio correndo através de mim deveria te haver feito correr.

Entretanto, fica.

Agarrando-se a mim, entretanto, fica estendendo a mão que empurro longe.

O frio não é para ti, entretanto fica, fica, fica. Quando eu sei que não é correto para

ti.

O gelo enche minhas veias e não posso sentir a dor, entretanto, está aí como o calor

que me manda a gritar de medo.

Não posso sentir o calor, preciso sentir o gelo.

Quero ter tudo dentro e adormecido até que não possa sentir a faca.

Seu calor ameaça derretendo tudo e sei que não posso suportar a dor se o gelo se

derreter.

Assim que te empurro longe e grito seu nome e sei que não posso te desejar,

entretanto, dá-me isso de todos os modos e roda de pessoas, desejando que corresse também.

Entretanto, fica. Agarrando-se a mim, entretanto, fica estendendo a mão que

empurro longe. O frio não é para ti, entretanto fica, fica, fica. Quando sei que não sou

correto para ti. A escuridão é meu escudo. E fica ainda mais perto.

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É a luz da que me escondo à luz que aborreço.

É a luz desta escuridão e não posso permitir que ficasse.

Necessito a escuridão ao redor como se necessitasse o gelo em minhas veias.

O frio é meu remédio,

O frio é meu lugar seguro.

Não é bem-vinda com seu calor, não pertence a meu lado.

Odeio-te, mas adoro e não te quero, mas te necessito.

A escuridão sempre será minha capa e você é a ameaça para dar a conhecer minha

dor, assim vem.

Vem e faz as lembranças.

Tenho que fazer frente à vida que significou para mim.

Não fique e arruíne todos meus planos.

Não pode ter minha alma, não sou um homem.

O recipiente vazio que habito não tem a intenção de sentir o calor que traz.

Aparto-te e te renego.

Entretanto, fica.

O som de minha mãe cantando fora do tom e o aroma de bacon

me despertou. Estiquei-me e abri os olhos com o brilho do sol da manhã. A

noite anterior lentamente voltou para mim e me sentei na cama olhei por toda

a volta até a cadeira vazia. Dei uma olhada ao redor do quarto e percebi que

estava sozinha. Tinha me deixado? Confiava nele para me manter a salvo.

Levantei-me, precisando abrir a porta e estar perto da minha mãe. Estar

sozinha não estava em mim lista de coisas por fazer. Voltei-me e vi o violão em

um canto, e um pouco da ansiedade foi embora, sabendo que uma parte dele

permanecia aqui. Entretanto, um violão não era ele, assim corri escada abaixo.

—Bom... bom dia, luz do dia. — Disse minha mãe do fogão. Pôs uma

parte do bacon na parte superior de uma toalha de papel.

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~92~

—Bom dia. —Disse em uma voz áspera pelo sono profundo que tinha

estado. O esclarecido de uma garganta masculina me surpreendeu e me virei

para ver Dank sentado no sofá, me olhando.

—Achou que fui embora. Disse que não iria. —Disse com um sorriso.

Deixei escapar um suspiro de alívio e sorri fracamente.

—Aqui, querida, peque uma panqueca. Antes que esfriem e pegue um

pouco de bacon. O café está fresco se quiser um pouco. — Começou a rir. —

Parece como se precisasse escolher.

Sorri e fui pegar eu mesma um prato.

— Cheira bem. — Disse Dank, do seu lugar no sofá. Franzi o cenho,

preocupada com ele, por não poder comer.

Riu.

—Está bem, Pagan, não preciso de comida. Trata-se de um benefício.

—Peguei um copo com café e joguei açúcar e leite antes de me dirigir à mesa.

— Você parece que dormiu bem. — Disse, avaliando minha aparência.

Ruborizei pensando no meu cabelo sem pentear, que não tinha escovado

devido à precipitada fuga do meu quarto vazio. Nem sequer pensei em

escová-lo. Eu gosto, é sexy. — Girei os olhos e me afundei na cadeira, e

mordi minha panqueca.

—Então, quais são seus planos esta manhã, querida? — Perguntou

mamãe da cozinha. Olhei-a enquanto arrumava seu prato.

—Hum, vou comprar um vestido para o baile com Miranda, Wyatt e

Leif. — Dank riu.

—Então, Leif usará um vestido? —Olhei para ele e logo me virei para

minha mãe quando se sentou em minha frente na mesa.

—Oh, então Leif pediu que fosse com ele? Isso é emocionante. Pode

levar o cartão VISA. Apenas não compre nada vermelho ou amarelo. Essas

cores não são boas com seu tom de pele. — Assenti com a cabeça e continuei

comendo.

Page 93: Abbi glines existence #1 existence

~93~

—Azul... azul suave. — Disse Dank, em voz baixa, como se estivesse

pensando nisso, mas querendo falar. Mantive os olhos em minha comida.

—Tenho uma entrevista hoje. Meu último manuscrito está quase

terminado. Estou emocionada a respeito disto mais do que estive com todos

os outros. — Sua voz adquiriu o tom alegre que só tinha quando falava dos

seus livros.

—Ou, melhor ainda, de um rosa muito pálido. — Disse Dank e fiquei

rígida. Suas palavras pareciam uma carícia e tomava todas as minhas forças

não tremer. Riu, e logo se levantou e caminhou para a porta. Quis lhe

perguntar aonde ia, mas não pude com minha mãe sentada ali.

***

—Finalmente, podemos ir pegar comida. Morro de fome. — Wyatt

deixou escapar um suspiro de alívio com a sacola do vestido de Miranda

pendurando em cima do ombro.

—Não foi tão ruim. Quero dizer que conseguimos encontrar os

vestidos perfeitos em menos de quatro horas. Diria que foi bastante

impressionante. — Miranda sorriu com ar de suficiência.

Wyatt riu.

—Não, você precisou de quatro horas. Pagan escolheu o seu depois de

uma hora. Leif já teve tempo para levá-lo ao carro e conseguir para si mesmo

um taco enquanto esperávamos por você.

Leif levantou as duas mãos.

—Deixe-me fora desta. — Ele deslizou um braço ao redor de minha

cintura e se inclinou para beijar a parte superior de minha cabeça. Estar com

ele era tão fácil.

— Vamos alimentá-lo Wyatt, por todo seu duro trabalho. — Disse em

tom de brincadeira e Miranda riu.

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~94~

— O que foi todo seu duro trabalho? Sentar-se em uma cadeira

dizendo: Esse é magnífico, escolha, a cada vestido que provei?

Comecei a rir e Wyatt só encolheu os ombros.

—O que? Não posso pensar que é formosa, sem importar o que usa?

— Miranda sorriu para ele e deslizou o braço ao redor de sua cintura.

— Te amo. — Disse sem nenhuma vacilação. Senti-me um pouco

incômoda nos braços de Leif. Tinha a esperança de que não tivesse ilusões,

porque essas não eram as palavras que eu estava disposta a utilizar, de

qualquer forma.

— Eu te amo mais. — Disse Wyatt, devolvendo o sorriso.

— Consigam um quarto. — Disse Leif em tom de brincadeira e aliviou

minha tensão. Parecia ser sempre capaz de fazer isso por mim. Vi quando

uma alma caminhou ao redor, estudando as pessoas como se estivesse

perdida. Isso acontecia muito, às vezes. Sempre me perguntei se eram novas

almas, confusas quanto ao que lhes tinha acontecido. Sempre ficava triste.

A alma me olhou e lhe dei um pequeno sorriso, mas rapidamente

virei. Não queria que viesse até mim e começasse a falar. Não estava com

humor para falar com almas neste momento.

— Então, Pagan onde quer comer? — Perguntou Leif e olhei para

Wyatt que falava mexicana com os lábios sem sair som para mim.

Sorri e me voltei para Leif.

—Tacos soam bem. — Leif riu. — Tem certeza? Posso ver e ler lábios,

também, apesar de que Wyatt parece pensar que não posso.

—Não, sério, quero comida mexicana. Molho e chips soam bem.

—Mexicana então.

Viramos e nos dirigimos ao restaurante mexicano situado no

interior do centro comercial. A sensação de formigamento, de que alguém me

observava, fez-me olhar para trás. A alma que notei antes nos tinha seguido e

ficou a vários metros de distância, me olhando. Percebi sua expressão perdida,

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~95~

que era uma alma normal. Do tipo que tinha tratado toda minha vida. Virei-

me como se não a tivesse visto. Ignorá-la, era o melhor. Dessa maneira iria

continuar, em lugar de perder o tempo comigo. Não havia nada que pudesse

fazer por ela agora.

***

Por favor, que esteja em meu quarto, por favor, que esteja em meu

quarto. Cantava em minha cabeça enquanto caminhava para cima passando o

quarto da minha mãe onde a ouvi escrever com força em seu computador.

Entrei e quase solto um suspiro de alívio ao ver um muito divertido Dank

descansando comodamente em minha cama.

—Eu disse que estaria aqui por que duvida de mim? — Encolhi os

ombros e pensei no fato de que não esteve comigo durante todo o dia.

—De verdade quer que esteja com você durante seu encontro? —

Perguntou e sorri, neguei com a cabeça. — Não acreditava nisso. Além disso,

você estava entre amigos e em público. Tudo está bem. Assegurei-me disso.

— Falou em um tom casual, como se não estivéssemos falando de seres

sobrenaturais. Assentiu com a cabeça para o vestido pendurando em meu

armário. — De cor rosa pálido. Eu gosto.

Ruborizei, pensando no fato de que só tinha provado vestidos de

cor rosa pálido. A forma em que havia me sentido quando sugeriu rosa pálido

ficou se repetindo em minha mente e não podia pensar em qualquer outra cor

para provar. Abaixei a cabeça e fui procurar minha roupa para dormir.

—Kendra estará vestida de vermelho. — Disse com simplicidade e um

súbito estalo de ciúmes me sobressaltou. Maldição! Por que me importa? E

por que tem que me dizer o que ela vai vestir? Kendra era a última pessoa na

terra de quem eu queria ouvir falar. Ele podia ouvir ou sentir meus

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~96~

pensamentos. Conseguir uma fechadura para minhas emoções seria muito

bom agora.

—Isso é genial. Tenho certeza de que estará impressionante. — Me

arrumei para dizer isso com apenas uma pequena quantidade de veneno

gotejando das minhas palavras.

— Odeio a cor vermelha, quase tanto como o cabelo loiro. — Disse

com um tom divertido. Comecei a responder, mas me contive. Eu não

acreditava, mas qual era o ponto de lhe dizer? Não era como se não pudesse

vê-los, a ele e Kendra, juntos, todo o dia, todos os dias. Era como se

constantemente me batesse com o punho no estômago cada vez que a tocava

ou lhe sussurrava no ouvido. Voltei-me, de costas a ele, e me aproximei do

meu cofre para encontrar as jóias que usaria com o vestido. Era melhor do

que pensar em Kendra em um vestido vermelho com as mãos de Dank por

todos os lados.

O calor se apertou contra minhas costas causando um calafrio que

parecia correr por meu corpo. Cheguei à beira da cômoda para não perder o

equilíbrio e cair no chão. Sabia que Dank estava atrás de mim. Apesar de que

não o entendia, sabia que só seu contato poderia causar esta reação forte.

Deixei que minha cabeça caísse de novo no calor sólido do seu peito.

— Ela não significa nada para mim. — A voz de Dank enviou um

formigamento por meu pescoço e em meu peito. — Nunca mentiria para

você, Pagan. — Disse, com urgência, contra minha orelha. Abri os olhos para

olhar para ele, com vontade de ver o azul de seus olhos. Seus lábios roçaram a

ponta de minha orelha e fez um atalho pelo meu corpo. Ambas as mãos se

apoderaram da minha cintura puxando-me com força, contra seu corpo. —

Você me tenta. Não posso cair na tentação. Não sou feito para ser tentado,

mas, Pagan Moore, tenta-me. Desde o momento em que vim por ti, me atraiu.

Tudo a respeito de você... — Uma de suas mãos que estava na parte esquerda

de minha cintura, subiu até acariciar brandamente meu braço. — Você me

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~97~

deixa louco de necessidade. Desejo. Não entendia no princípio. Mas agora sei.

É sua alma me chamando. As almas não significam nada para mim. Não se

supõe que devam. Mas a sua se converteu em minha obsessão. —Abaixou a

cabeça no meu ombro e me beijou na curva do pescoço. Sua mão se moveu

por debaixo de minha camisa e o calor da palma de sua mão descansava sobre

meu ventre nu. Um pulso de calor se apoderou de mim e me apertou

fortemente contra ele para que não caísse. — Quero matar esse rapaz cada

vez que vejo suas mãos sobre você. —Beijou o caminho até meu pescoço e

arqueei o pescoço em resposta para dar um melhor acesso. Nada nem

ninguém me fez sentir assim. —Seu tato era como uma droga. — Quero

arrancar os braços de seu corpo para que não possa te tocar novamente. —

Um grunhido baixo, familiar vibrava em minhas costas. — Mas não posso te

ter, Pagan. Não foi feita para mim. —Sua voz soava torturada. Queria

consolá-lo. Ele me reclamou também. De algum jeito, tinha entrado em meu

mundo e se converteu no centro do mesmo. Era tudo o que queria. Comecei

a lhe dizer o quanto significava para mim quando me levantou e me colocou

com cuidado sobre a cama, inclinando-se sobre mim. Cheguei a ele desejando

sentir seu corpo contra o meu novamente, mas ele se afastou.

— Por favor. — Sussurrei

Dank fechou os olhos com força como se estivesse com dor.

—Não posso Pagan. Destruiria aos dois. — E então ele se foi.

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~98~

Capitulo Oito

Leif beijou meu rosto antes de me deixar na porta da sala de aula de

literatura. Tinha começado a ir com ele à escola todos os dias. Cada manhã era

um pouco mais difícil me afastar da presença de Dank e entrar na realidade de

Leif. Depois de dormir com a voz de Dank cantando no meu ouvido toda a

noite, parecia desejar sua presença ainda mais.

Agora existia uma intimidade entre nós. Depois de ter suas mãos

em meu corpo e seus lábios contra minha pele, nada era mais o mesmo.

Deitou-se ao meu lado ontem à noite e me sustentou contra ele enquanto

dormia. Precisava de Dank. As palavras que sussurrou no meu ouvido durante

a noite me asseguravam que ele me queria, também.

Ele me queria, mas deixava uma barreira invisível se interpor entre

nós.

Caminhei para minha mesa e percebi que a de traz estava vazia. Era

o lugar de Dank. Logo estaria ali. Sentei em minha mesa e me concentrei onde

tínhamos parado na sexta-feira. Cada vez que via alguém entrar pela porta pela

minha visão periférica, levantava os olhos para ver se era Dank. A voz risonha

e a cabeça de Kendra entraram pela porta, atrás dela, ele carregava seus livros.

Meu estômago se contraiu dolorosamente, me obrigando a olhar

para outro lado. Ele disse que não gostava das loiras, mas a forma com que a

olhava, dizia completamente o contrário. Olhei para o livro aberto em minha

frente, sem compreender nenhuma das palavras. Esperava que Dank se

sentasse atrás de mim. Nunca o fez. O Sr. Brown entrou na sala assobiando e

sorriu para a classe.

— Ah, que bom é ver rostos tão felizes esta manhã. Não é a Literatura

Inglesa uma alegria? Que melhor maneira de despertar? —Perguntou em um

tom jovial. Virou e escreveu a tarefa desta semana no quadro.

Page 99: Abbi glines existence #1 existence

~99~

Queria olhar para trás e ver onde estava Dank, mas me neguei.

Podia sentir ele me observando, sem dúvida alguma esperando que eu o

procurasse. Bem, não lhe daria essa satisfação. Além disso, provavelmente

mexia com as largas mechas loiras que dizia odiar. Tinha sussurrado que me

queria. Que eu era a única que alguma vez tinha necessitado.

— Pode alguém me dizer um dos últimos tema mais importantes que

aprendemos enquanto estudamos As Euménides3? — Desejando

desesperadamente afastar minha mente de Dank, levantei minha mão no ar. O

Sr. Brown sorriu e assentiu com a cabeça. — Bem, senhorita Moore.

— O conflito entre o velho e o novo, entre a selvageria e a civilização,

entre o primário e o racional. — Respondi e o Sr. Brown aplaudiu.

— Muito bem. Agora, um exemplo deste tema? — Ele olhou pela sala

e levantei minha mão novamente. O Sr. Brown levantou as sobrancelhas, sem

dúvida surpreso diante do meu repentino desejo de participar da aula. —

Pagan?

— A progressão de velhos a novos deuses. Zeus derrotou as gerações

mais antigas dos deuses e entre as antigas deidades foram as Fúrias. As Fúrias

se converteram em Emparelha. — Parei, sem querer dizer mais.

—Muito bem, muito bem. Agora, alguém que não seja Pagan pode, por

favor, me explicar o que teve a ver Apolo nisto? — A sala de aula ficou em

silêncio e alguém riu. — Kendra, talvez você possa nos ajudar com a resposta.

— O Sr. Brown dirigiu seu cenho para a aparente fonte da risada.

— Não senhor, eu tenho uma vida fora da escola. Nem todos nós

passamos nosso tempo extra, estudando e dando tutorias com o fim de

conseguir um namorado.

Houve outra explosão de risadas e o Sr. Brown inclinou a cabeça

para o lado.

3 A Orestíada ou Orestea: é uma trilogia de obras dramáticas da Grécia Antiga escrita por Tosquio, a única que se

conserva do teatro grego antigo. Trata do final da maldição sobre à casa de Atreo. As três obras que a formam são: Agamenón, As Coéforas e As Euménides.

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— Não acredito que essa seja a resposta correta, Kendra, receberá uma

nota zero pela participação de hoje. Agora, alguém pode me dizer, ou terei que

pedir à senhorita Moore que nos ajude uma vez mais?

— Apolo é um símbolo para o homem, o racional, o jovem, e o

civilizado. As Fúrias representam a mulher, a violência, o velho e o primitivo.

Tosquio captura um momento místico na história, uma em que o mundo

entre um passado selvagem e arcaico e a ordem nova e audaz da civilização

grega, os deuses jovens do Olimpo e a racionalidade. A dificuldade da luta

entre estes dois mundos é dramatizada pelo ciclo da violência na casa de Atreo

e o enfrentamento entre Apolo e as Fúrias.

Ninguém riu depois que Dank terminou. Não havia duvida em

minha mente, ele disse isso por mim. Assim me virei e o encontrei exatamente

onde esperava. Sentado atrás de Kendra cuja expressão era de dor, como se

alguém lhe tivesse dado uma bofetada. Piscou com os olhos para mim e me

mostrou sua perfeita covinha. Não podia apagar o sorriso da minha cara.

—Muito bem feito, senhor Walker. Agora, esperemos que o resto de

vocês aproveite esta peça da literatura assim como Pagan e Dank, porque hoje

nós embarcaremos em uma viagem além deste mundo criado por Tosquio.

Ter a resposta de Dank, mais elaborada que a minha, deu a

entender que saber as respostas não tinha nada de mau, ajudou a me manter

focada no debate do Sr. Brown. Entretanto, Dank sempre esteve à frente de

minha mente.

No final do dia fui ao meu armário e tirei os livros que precisava

para fazer a tarefa. Duas mãos quentes deslizaram ao redor de minha cintura.

— Senti saudades. — Leif sussurrou no meu ouvido, virei o rosto para

ele e sorri.

— Eu também senti saudades, mas não deveria estar no treino?

Encolheu os ombros.

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— Estava caminhando para lá quando pensei em você de pé no seu

armário e como seria fácil pegar um desvio para vê-la.

— Estou feliz de que tenha feito. Agora, volte ao campo antes que o

treinador o faça correr por chegar tarde. — Inclinou-se e me beijou

suavemente nos lábios.

—Verei você à noite. —Voltando a correr para as portas dianteiras.

Fiquei olhando-o até que se perdeu de vista, depois suspirei e me virei para

fechar o armário. Hoje foi um dia exaustivo e só queria ir para casa.

Um calafrio deslizou por minha coluna e congelei. Não era um calafrio

como os de Dank. Era outro tipo de calafrio. Do tipo que lembra medo.

O medo fez com que meu coração pulsasse violentamente dentro de

meu peito. Dei duas respirações profundas antes de me virar lentamente. A

alma da loira me olhava do outro lado do corredor. Estudando-me como fez

na última vez que a vi. Engoli para evitar a náusea causada pelo medo, quase

me afogo. Estou em um corredor vazio. Por que não saí com Leif? Retrocedi

para as portas principais, mas estas estavam muito longe para me fazer sentir

segura.

Ela começou a rir, o som disso enviou calafrios por meus braços.

Cada passo que dava para trás, ela o dava para frente.

— Deixe-me em paz. — Fiz uma careta diante da debilidade da minha

demanda. Era óbvio que estava aterrorizada.

Arqueou as sobrancelhas com surpresa.

— Não posso. — Enquanto se aproximava. Pensei em me virar e

começar a correr, mas sabia que podia me apanhar com bastante facilidade.

—Vá embora ou direi a Dank. — Falei, com pouca convicção em

minha voz. Sua risada tilintou novamente.

—Ele está ocupado com a loira. Não entendo por que está se detendo

com isto. — Disse quando só uns passos a separavam de mim. Puxei minha

mochila mais perto do peito e lutei contra o impulso de gritar.

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—Dank. — Sussurrei apesar do terror apertando minha garganta, com

a esperança de que, de algum jeito, me escutasse. A loira olhou a seu redor

com pânico, mas só por um momento. Então o sorriso angelical retornou.

— Como te disse, está ocupado. — Esticou uma mão para me tocar e

estremeci, esperando a sensação fria de suas mãos.

—Eu não faria isso se fosse você. — A voz de Dank fez com que eu

ficasse fraca pelo alívio. Seus braços me envolveram e me apoiei contra ele.

—Deixe isso. Esta não é sua decisão. — Seus olhos inquietantemente

belos o fulminaram com o olhar, uma ferocidade que me deixou gelada. —

Nunca foi sua decisão. As regras são como sempre foram. Terão que fazê-lo.

Seus braços se apertaram ao meu redor.

— Vai partir e se manter afastada dela. Caso se aproxime dela outra

vez, não perdoarei tão facilmente. —Um brilho de medo cruzou seus olhos e

deu um passo atrás e logo desapareceu.

Minhas pernas ficaram inertes de alívio. Dank me segurou mais

perto para não cair ao chão.

—Tocou você? — Perguntou com uma voz fria que eu não estava

esperando.

Neguei com a cabeça, sem saber se era capaz de falar. Joguei minha

cabeça para trás. Ele olhava para o corredor. Podia ouvir um som de seu peito

enquanto grunhia para o corredor vazio.

—Vamos, vou te levar para casa.

Deixei-o manter seu braço ao redor da minha cintura, para me

estabilizar, enquanto me guiava pelo estacionamento. Parou diante de um Jipe

preto sem teto e abriu a porta do passageiro. Não tinha idéia de que tinha um

carro, mas, tampouco deveria me surpreender. Carregou-me até o assento

como se fosse uma criança e caminhou ao redor do carro, para subir no

assento do condutor.

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— Como soube? — Perguntei uma vez que estávamos fora do

estacionamento da escola. Voltou-se para mim.

— Escutei seu medo... e então ouvi meu nome e o desespero nele era...

— Parou e olhou para a estrada. Esperei em silêncio que terminasse, mas

permaneceu em silêncio.

— Era o que? — Perguntei em um sussurro.

Deixou escapar um suspiro de frustração.

— Aterrador. Quando soube que tinha medo... escutar o medo foi

diferente de tudo o que já senti. Estou disposto a terminar a existência de algo

que está fazendo mal. Então a vi e soube que era algo que não posso controlar

sem, sem... fazer algo que seria insuportável para mim, mas, mais suportável

que a alternativa.

Escutei suas palavras, mas não tinham sentido. Franzi o cenho e

balancei a cabeça, com vontade de entender e ele se aproximou para pegar

minha mão entre as suas.

— Pagan, por favor, não peça pelo que não te posso dar. Posso te dar

tudo exceto as respostas a essas perguntas.

Fechei os olhos e voltei meu rosto para o outro lado. Queria odiá-lo

por não me dizer quem era ou o que era. Queria entendê-lo, entender isto,

mas ele não queria ou não podia me dizer nada.

Quando o Jipe parou em frente a minha casa, agarrei minha

mochila e saí. Precisava de distância. Nada disto tinha sentido e queria

entender. Virei para fechar a porta e vi Dank junto a seu Jipe com uma

expressão de derrota. Parei. A necessidade de chamá-lo era tão forte, mas

resisti e fechei a porta devagar. Não podia compreender por que se negava a

me explicar o que estava acontecendo. Queria odiá-lo, mas tinha uma parte de

minha alma e não havia nada que pudesse fazer para evitar meus sentimentos

por ele. Sua aparição em minha vida tinha começado com toda esta loucura.

Prometia me dar o que quisesse do mundo, exceto as respostas que queria e

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necessitava. Atirei minha mochila debaixo da bancada da cozinha e cai sobre

um banco. Esta noite Leif viria e trabalharíamos em seu discurso desta

semana. Seria uma coisa normal, de adolescentes. Fingiria que não vivia em

um mundo de atividade paranormal. Talvez fizesse um jantar para ele. Tudo

muito normal, tudo muito real.

Terminei de cortar as quesadillas quando soou o timbre da

campainha.

Agarrei o prato e o coloquei sobre a mesa da cozinha enquanto

caminhava para a porta.

Leif sorriu e entrou.

—O que for cheira celestial. Por favor, diga que é para mim, porque

morro de fome. — Fiquei nas pontas dos pés e o beijei castamente nos lábios

antes de retornar à cozinha para pegar bebidas da geladeira.

—Fiz quesadillas esta noite. Quer nata azeda ou salada de abacate? —

Perguntei, virando para olhá-lo.

—Nata azeda. —Respondeu. Tudo muito normal. Nenhuma alma loira

tentando me assustar até a morte. Só meu namorado e eu, trabalhando em

nossos deveres.

—Está bem, comemos primeiro e logo começamos com seu discurso

sobre... do que se trata esta semana? — Perguntei, enquanto deixava as

bebidas, a nata azeda e a salada de abacate na mesa.

— A importância de um título universitário. — Respondeu, sorrindo

com a quesadilla a caminho da sua boca.

Sentei-me frente a ele.

— Deve ser bastante fácil.

Leif assentiu e deu outra mordida à quesadilla. Um movimento me

chamou a atenção. Surpresa comecei a ficar de pé, pronta para correr quando

Dank entrou na sala. Vi-o passar, sentindo a tristeza me afligir. Fui grosseira

esta tarde e de alguma maneira retornou. Secretamente, tinha me preocupado

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de que não voltasse esta noite depois da forma como me afastei dele. Olhei

Leif, que tomava um gole de sua bebida.

— Hum, tenho que ir lá em cima e pegar algo, digo, fazer algo. Já volto,

coma até que esteja cheio. — Ele sorriu e deu outra mordida. Dirigi-me para

as escadas e entrei no meu quarto, imediatamente olhando para a cama para

descobri-la vazia. Em vez de estar sobre minha cama, encontrei-o na cadeira

com o violão em suas mãos.

—Olá. — Disse, sem ter certeza do que dizer. Seu sorriso e covinha me

fizeram tremer.

—Olá. — Respondeu enquanto começou a tocar o violão. Fiquei quieta

por um momento e o escutei tocar a melodia que ouvi cantar na noite, quando

pensou que eu estava dormindo. Sentei-me na cama e o olhei tocar. Era uma

contradição. Uma alma que não era uma alma, mas que fazia coisas que uma

alma podia fazer. Uma estrela de rock que devia estar em uma banda em que

nunca estava. Não tinha pensado em nada disto antes.

—Dank, por que está aqui? Se você canta em uma banda, quero dizer,

o que o trouxe aqui? — Sorriu com tristeza e baixou o olhar para o violão em

suas mãos.

—Sim, canto com a banda quando têm concertos. Cold Soul ainda não

é famosa. Posso entrar e sair facilmente, Pagan, sabe. Manter-me de dia com

minha outra vida é muito fácil. É obvio que tenho tudo sob controle. —Era o

homem da musica, o rouba corações da escola, cantor em uma banda, a

habilidade de ser um fantasma e meu guarda-costas. Seus olhos azuis me

olharam. — Por que está aqui quando o Sr. Maravilha está lá embaixo? —

Perguntou, parando de tocar.

Encolhi os ombros.

— Não sei, pensei que podia precisar de mim. —Disse, odiando a

forma como soavam as palavras. Deixou o violão e ficou de pé. Olhei

enquanto ficava de joelhos na minha frente. Fiquei hipnotizada enquanto

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riscava a linha do meu queixo com o dedo e logo brandamente meus lábios. O

desejo se apoderou do meu corpo com tanta força, que agarrei um punhado

da colcha que estava sentada.

—Preciso de você. Nunca duvide de minha necessidade de você. Mas

agora não é o momento de explorar minha necessidade. Tem um rapaz

apaixonado lá embaixo que precisa da sua ajuda em sua tarefa. — Disse

suavemente, enquanto ficava de pé e se afastava de mim, dando a volta para

desaparecer. Fiquei no quarto vazio e soltei várias respirações para estabilizar

o coração antes de retornar para baixo para ajudar Leif com sua tarefa.

Percebi que as mãos tremiam quando fechei a porta de meu quarto. Se tão

somente seu tato me fizesse reagir com tanta força. Quanto me afetaria seus

lábios sobre os meus? Fechei os olhos diante da necessidade que correu por

mim.

Mais tarde, depois do banho, fui para meu quarto e encontrei Dank

já sentado na cadeira do canto tocando seu violão. Não me olhou.

Decepcionada por que, não parecia querer terminar o que tínhamos

começado antes puxei a colcha da cama e me deitei nela. Queria perguntar por

que se foi, mas não parecia querer falar comigo. Tinha visto Leif me dar um

beijo de boa noite? Incomodou-se? Não tinha ouvido o grunhido familiar que

normalmente significava que Dank tinha visto Leif me beijar. Já não me fazia

sorrir. Partiu um pouco meu coração. Eu não gostava da idéia de lhe fazer

mal.

— Dank. — Sussurrei na escuridão, mas não olhou para mim. Sua voz

se uniu à música e lutei contra a necessidade de fechar os olhos e dormir com

a calma que sua voz parecia induzir. Observei-o, silenciosamente pedindo que

me olhasse. Tinha-o machucado?

— Fecha os olhos, Pagan, e deixe de se preocupar comigo. A vida em

que me pus, é minha, para suportar. Não tem nenhuma razão de preocupar-

se em me causa dor. Você faz exatamente o contrário do que teme.

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Olhei-o, sem saber a que se referia em fazer o contrário.

— Quanto aos beijos, tem razão, eu não gosto de ver. Mas ver é minha

culpa. — Levantou a cabeça do violão que estava em suas mãos e me olhou

fixamente. — A emoção que ele evoca em ti não é forte. Só há carinho, nem

paixão, correndo por seus pensamentos quando ele a toca. — Voltou de novo

sua atenção para o violão em suas mãos.

—Vai me abraçar esta noite? — Perguntei. Seus lindos olhos me

olharam com tanta emoção que me deixaram sem fôlego.

— Não há nada que deseje mais, mas esta noite minha força é fraca.

Não posso te segurar neste momento. Quero muito. Por favor, Pagan, esta

noite apenas durma.

Vi-o tocar seu violão até que meus olhos ficaram pesados. Dank

tinha razão. Leif era meu refúgio. Minha rocha para a normalidade. Ele era um

amigo. Era Dank quem me consumia.

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Capitulo Nove

—Não se parece em nada com nosso ginásio! Ah! Está fantástica a luz

deste lugar? — Miranda virou para nos ver, sorrindo, extremamente contente

pela decoração do ginásio. Tinha razão. Fizeram um excelente trabalho

convertendo o ginásio em uma estrelada noite oceânica.

— É impressionante. — Concordei, enquanto o braço de Leif me

aproximava mais dele.

— Quer dançar? — Perguntou, enquanto a música mudou para uma

canção lenta de Lady Gaga, Just Dance. Neguei com a cabeça e olhei em

direção às mesas.

— Podemos nos sentar em uma? Não tenho certeza de que minha

costela esteja pronta para este tipo de movimento. — Dirigiu-me para as

mesas, enquanto Miranda agarrava Wyatt e o arrastava à pista de baile. Ri da

expressão de dor de Wyatt e me voltei para dizer algo a Leif, quando percebi

que sua atenção se concentrava na entrada. Havia uma careta em seu rosto.

Dank acabava de entrar. Estava impressionante em uma calça jeans, uma

camiseta preta e botas militares. Demorou um momento tirar os olhos dele e

notar que Kendra estava grudada a seu lado. Estava fundida e pintada no

vestido vermelho que estava usando. Na realidade, não era um vestido

absolutamente, a não ser algo que tinha pintado sobre seu corpo. O ciúme se

acendeu em meu peito à vista do braço de Dank ao redor de sua cintura.

Olhei para cima, para Leif, quem continuava olhando o casal com desgosto.

—Está bem? — Perguntei e ele afastou o olhar de Kendra e Dank.

Assentiu com a cabeça, parou e me estudou um momento.

—Tem algumas aulas com Dank e esteve falando com ele algumas

vezes, não é mesmo? — Assenti, sem saber do que se tratava, assim esperei

por mais. — Algo nele me incomoda. Kendra tem alguns problemas que a

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fazem instável e estou começando a me preocupar de que Dank não seja o

tipo de pessoa que ela precisa. Parece escuro e sinistro.

Meu ciúme foi esquecido e se transformou em raiva porque Leif

pensava que Dank não era suficientemente bom para Kendra, a cadela do

povo? Segurei-me e dei somente uma risada furiosa e olhei para a pista de

baile desejando de algum jeito poder escapar. Tinha que me acalmar.

—O quê? Está brava. Não me interprete mal, eu não gosto dela, Pagan.

Não se trata disso. — Tomou meu outro braço e me puxou para ele para

olhá-lo. Sua expressão de hostilidade para com Dank tinha desaparecido.

Agora parecia preocupado e pela primeira vez não me importava acalmar sua

preocupação.

—Olhe para mim. Não a quero. Você é tudo o que quero. Eu te amo,

Pagan. Não é assim com Kendra. Simplesmente não quero que lhe façam mal.

Tem...

— Problemas, sim, ouvi. —Falei, interrompendo antes que eu

esquecesse e fizesse uma cena. Dei uma respirada profunda, recordando a

mim mesma que estava tomando isso como algo pessoal devido a meus

sentimentos por Dank. — Olhe, se Dank Walker tiver algum interesse em

Kendra, então ela deve ter sorte. Pelo que sabemos, ele é, inteligente, honesto,

talentoso e compassivo.

Fulminei com meu olhar Leif que parecia estar assimilando minhas

palavras. Queria dizer algo mais e continuar defendendo Dank, mas sabia que

disse o suficiente.

— Preciso de algo para beber. Volto já. — Disse antes de me virar e

me afastar. Era grosseiro, mas precisava pôr um pouco de espaço entre minha

ira e Leif.

Miranda me saudou quando passei por onde dançavam ela e Wyatt.

Forcei um sorriso, mas continuei caminhando. O vestido apertado de Kendra

chamou minha atenção e me voltei para vê-la agarrada a Dank, rindo e

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dançando da maneira como fazem os casais, em questão de segundos. O

ciúme aterrou meu estômago devido à forma como Dank a segurava e a

tocava de maneiras em que nunca me tocou. Não me dirigi para a mesa dos

refrescos. Em seu lugar, me dirigi às portas traseiras. Precisava me afastar de

Leif e de Dank. Fiz uma pausa na porta. Ficar sozinha na escuridão não podia

ser uma boa idéia.

A risada de Kendra ressoou em meus ouvidos e decidi nesse

momento que preferia fazer frente à delicadamente arrepiante alma loira que

ver Dank segurando Kendra.

A brisa da noite esfriou nas últimas semanas. Envolvi meus braços ao

redor de minha cintura e caminhei para o campo de futebol abandonado. As

emoções agitando-se dentro de mim me deram uma sensação de valentia.

Continuei andando, longe da música e das risadas. Voltei a pensar no verão

passado, no rancho da minha tia e o quão fácil as coisas tinham sido. Tinha

passado meu tempo montando cavalos e ajudando minha tia depois da morte

do meu tio. Mamãe sugeriu que fosse visitá-la para que não ficasse sozinha.

Eu tinha concordado em ir, pensando que poderia ajudar estar longe deste

povo e das lembranças de Jay. Deu certo, em um sentido. Depois de umas

poucas semanas, percebi que Jay e eu nunca estivemos destinados a estar

juntos. Outra vantagem de estar no rancho foram às almas errantes que

pareciam ser escassas. Tinha sido uma breve pausa da minha vida. Entretanto,

nas últimas semanas do verão, esperava com ansiedade voltar para casa. Olhei

para trás no ginásio e pensei em todas as coisas loucas que aconteceram desde

minha volta.

—Por que não está dentro dançando com seu namorado? — A voz de

Dank rompeu o silêncio, me virei e o vi encostado contra a parede de cimento

do estádio. Encolhi os ombros e abaixei a cabeça, enquanto estudava meus

pés. Não queria que visse a dor ou a inveja em meus olhos. Já era bastante

mau que provavelmente já soubesse. — Está muito triste sentado em uma

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mesa sozinho. — Disse Dank, na noite silenciosa. Uma piscada de culpa

profunda em meu estômago, não era suficiente para me enviar para dentro.

Encolhi os ombros outra vez e não me encontrei com seu olhar penetrante.

Riu, o baixo e sexy som enviou um calafrio através de mim. — Então, decidiu

tentar a coisa de me ignorar novamente, para ver se vou embora? —

Perguntou com um toque de humor em sua voz.

Mordi o lábio para sorrir e neguei com a cabeça.

—Sei que não funciona com você.

—Por que está aqui, Pagan? O que está acontecendo? — Perguntou

com voz baixa. A contra gosto o olhei. Estava tão incrivelmente belo de pé

com os braços cruzados diante do peito. O cabelo escuro, que se curvava nos

extremos, parecia dançar na brisa.

—Nada que diga respeito a você. — Menti. Ele inclinou a cabeça para

um lado e me dedicou um sorriso malicioso.

—Sério?

Assenti com a cabeça.

— Sério.

Suas mãos caíram ao lado enquanto se afastava da parede dando um

passo para mim.

— Eu dançando com Kendra não a incomoda? — Perguntou em um

rouco sussurro. Balançando a cabeça olhei para outro lado, me negando a

retroceder diante dele. Seus olhos me devoraram tão intensamente como se

estivesse realmente me tocando. Meu coração começou a golpear com força

contra minhas costelas e o olhei.

Seus olhos se moveram de meu vestido, para meu rosto.

— Sabia que o rosa pálido ficaria bem em você. A maioria das garotas

não pode usá-lo, mas em você, é perfeito.

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Engoli saliva, com medo porque meu coração parecia a ponto de

explodir, de dentro do peito. Não queria pensar sobre a maneira como seu

olhar fazia com que cada célula de meu corpo ganhasse vida.

— Acha que não quero tocá-la da mesma maneira que toco Kendra.

Tem razão. — Suas palavras caíram como água gelada sobre mim e dei um

passo atrás, longe dele, como se acabasse de me esbofetear. O batimento do

meu coração diminuiu e respirei assustada, por um momento, de não ser

capaz.

Sua mão se aproximou, agarrou a minha e me puxou contra ele.

—Quando toco Kendra, mentalmente, aterroriza-me ter que continuar

fingindo estar interessado nela.

Deixei de tentar retirar minha mão da sua e fiquei olhando-o. Isto

soava como algo que eu queria ouvir.

— Quando não posso controlar minha necessidade de você e me

permito tocá-la, acende-se um monstro em meu interior sobre o qual tenho

medo de perder o controle. Você me faz sentir coisas que nunca senti antes.

Algo muda. — Fez uma pausa e abaixou o olhar de meus olhos a meus lábios.

— Quando estou perto de você desta maneira. — Tocou meus lábios com a

ponta de seu dedo e tremi. Fechou os olhos como se doesse. — E quando

reage da maneira como o faz, sinto o desespero dentro de mim, por não ter o

que quero.

Abriu os olhos e me olhou com uma intensidade que teria me

assustado se não confiasse nele completamente.

— Você é a única que mais quero no mundo, entretanto é a única que

não posso ter. Porque te ter completamente seria impossível. Você não pode

ir aonde eu vou. — Parou e embalou meu rosto entre suas mãos. — O

propósito de minha existência é não ter um par. É ser solitário e frio. Até

agora, foi tudo o que conheci. Depois conheci você e tudo mudou. — Deixou

cair às mãos e se afastou, enquanto um doloroso desespero nublava seus

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olhos. — Vá, Pagan. Corre, por favor, corre. Não sou o que acha que sou.

Não sou inteligente, honesto, talentoso e compassivo e ouvir você dizer essas palavras

em minha defesa, senti como um líquido quente através de minhas veias frias.

Quer saber o que sou e não posso te dizer. Se soubesse, não teria que te pedir

que corra.

Ele grunhiu e se afastou de mim, fugindo para a escuridão. Não

podia deixá-lo ir. Corri atrás dele e se voltou bruscamente. Seu olhar zangado

me surpreendeu e me congelou. A ira pareceu ir-se imediatamente e uma

expressão de tortura se apoderou de seus traços perfeitamente talhados.

Ofeguei ao ver a transformação.

— Não me importa o que é. — Disse, dando um passo para ele. —

Não pode me assustar e não vou sair correndo. É o que diz a canção que

canta? Entretanto fica. Agarrando-te a mim, mas fica estendendo a mão que eu afasto. O

frio não é para que permaneça, entretanto você, você fica. Quando sei que não é adequado

para ti.— Repeti suas palavras na escuridão. Seu rosto se encolheu pela dor.

—Vá, Pagan. Agora. Não posso me controlar mais. — Sussurrou na

escuridão.

Dei outro passo para ele. Um grunhido surgiu de seu peito e se

apoderou de mim em um movimento rápido. Sua boca encontrou a minha

imediatamente. Seus dentes morderam meu lábio inferior e logo passou

suavemente sua língua sobre a mordida. O primeiro sabor dele fez girar meu

mundo. De algum jeito sabia que seria assim. Agarrei com meus punhos a

camiseta de Dank. Precisava mantê-lo aqui contra mim, finalmente,

permitindo o que eu estive desejando. Seus braços se apertaram ao meu redor

e ouvi um gemido na escuridão, mas não tinha certeza se era dele ou meu.

Meu propósito estava completo. Não havia nada que quisesse ou desejasse

mais que isto. Havia uma escuridão sobre nós, não podia compreender o que

era exatamente pior, inclusive através da sensação de prazer, soube que se

encontrava ali. Dank depositou vários beijos pelo meu pescoço e murmurou

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palavras que não entendi. Soltei a camiseta para poder segurar seu rosto,

atraindo com desejo sua boca de novo à minha. Suas mãos lentamente

correram por minhas costas e se deslizaram por minhas costelas. Minha

respiração parou, enquanto seus polegares roçaram a parte inferior do meu

sutiã. Dank afastou sua boca da minha, ofegando ruidosamente. Estremeci ao

vê-lo tão necessitado como eu por isso.

— Não posso Pagan. Quero isto tão malditamente forte. Mas não

posso. — Em um abrir e fechar de olhos estava sozinha, sentada na grama fria

no centro do campo de futebol. Minha respiração estava entrecortada e minha

cabeça dava voltas. Onde estava Dank? Meus olhos o buscaram

desesperadamente na escuridão. Por que tinha que me deixar? A sensação de

euforia desapareceu com ele e meu corpo doía por sua perda.

— Pagan? — Uma preocupada voz chamou atrás de mim. Não me

virei, porque reconheci a voz de Leif. Veio para me buscar e aqui estava eu

sentada em meu vestido rosa pálido, comprado para outro rapaz, no meio de

um campo de futebol abandonado. Talvez estivesse mesmo ficando louca.

Ajoelhou-se diante de mim com temor e preocupação em seu formoso rosto.

— Deus assustou-me. Vim aqui fora, procurei e a vi caindo ou

desmaiando... está bem? Sinto muito, Pagan, não queria magoá-la. Por favor,

por favor, me perdoe. — Sustentou minhas mãos entre as suas, entretanto, o

calor de seu corpo não podia penetrar no frio que se filtrava através de mim.

Olhei-o fixamente, sabendo que tinha que dizer algo. Mas, o que podia dizer?

— Está bem. Simplesmente não estou bem. Minha cabeça. —Toquei a

minha cabeça para o efeito. — Sinto muito, mas só quero ir para casa. —

Levantou-se e me ajudou a levantar, envolvendo seu braço ao redor da minha

cintura como um meio de apoio. Caminhamos em silencio através do campo e

do escuro estacionamento. Não sei dizer se estava zangado ou ferido, mas

agora só precisava estar sozinha. Minha mente não era capaz de envolver-se

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ao redor do que tinha acontecido e eu sabia que no fundo tinha a esperança de

que Dank estaria no meu quarto esperando por mim.

Não falamos nada durante toda a viagem de volta. Odiava o

silêncio, mas não havia maneira de explicar o que tinha acontecido. Quando

parou diante da minha casa, desligou o carro e logo me olhou.

— Espero que possa me perdoar por ter te feito sentir mal. — Deixou

sair um suspiro de desgosto. — Aqui estou eu, todo preocupado pela vida

pessoal de Kendra e termino prejudicando a única mulher que amei por minha

estupidez. — Parou e balançou a cabeça. — Ainda não está curada de algo

que causei. Nunca se queixa sobre isso, mas sei que ainda está superando os

efeitos do seu acidente. Não sei se será capaz de me perdoar por deixar que

minha estúpida boca a incomodasse tanto que... — Fez um gesto com a mão

como se eu tivesse ido para um campo de futebol a milhas de distância. —...

Saiu sozinha e triste por causa da tensão que eu causei.

Não podia deixá-lo culpara si mesmo pelo que aconteceu. Obriguei-

me a eliminar meu estado de choque e segurei sua mão.

— Leif, me escute. O que aconteceu esta noite não é sua culpa. Ainda

não tenho certeza do que aconteceu, mas ninguém tem culpa, exceto eu. Não

tem nada, e estou dizendo de verdade, não tem nada a ver com isso.

A pequena chama de alívio em seus olhos não era forte o suficiente

para compensar sua expressão torturada. Colocou minha mão em sua boca e a

beijou.

— Amo você, Pagan Moore. — Não parava de dizer essas três palavras

esta noite.

Sabia que não podia dizer às palavras que ele queria ouvir. Leif era

especial para mim, mas não o amava não da forma que ele me amava. Fiz a

única coisa que podia pensar, inclinei-me e o beijei brandamente nos lábios, e

logo virei e desci do carro. Dirigi-me à porta sem olhar para trás.

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Meu quarto estava vazio, mas, de algum jeito, sabia que seria assim.

Algo aconteceu esta noite. Não sabia o que era, mas sabia que era importante.

Aproximei-me da cadeira onde Dank passava suas noites e me encolhi nela.

Não viria esta noite. Precisava estar perto dele e esta parecia ser a única

maneira. O silêncio parecia cortar através de mim como uma faca e lágrimas

mornas correram por meu rosto. Sentia saudades da sua voz enchendo meu

quarto com calor. Não queria que me deixasse. O temor dele ter ido de vez

doía muito, fazendo ficar difícil respirar. A alma loira que tinha me assustado

já não parecia importante. A ausência de Dank fazia doer meu peito. Não

pude aguentar mais o silêncio, então comecei a cantar brandamente na

escuridão.

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Capitulo Dez

Ele não voltou. Passei todo o fim de semana escondida no meu

quarto esperando-o, mas nunca veio. Levantei-me, na segunda-feira de manhã,

muito cedo e me vesti com tanto desespero que queria correr de casa até a

escola.

Quando minha mãe perguntou.

— Leif não te levará hoje? —Parei com minha mão no queixo, insegura

de como responder. Deixei que suas ligações fossem para meu correio de voz

todo o fim de semana.

Depois de escutar suas suplicantes mensagens, finalmente liguei e

assegurei que estava na cama, doente. Ele esperava me levar na escola esta

manhã. Obriguei a mim mesma a sentar e comer meu café da manhã

enquanto esperei dez minutos mais, para que Leif chegasse. De algum jeito,

me segurei para aparentar paciência, até que entrei pela porta principal da

escola. Não pude senti-lo. Ele não estava ali. O bico nos lábios avermelhados

de Kendra me assegurou que não se escondia de mim.

Simplesmente, não estava ali. Cada aula que passava sem ele, parecia

que um buraco negro estava expandindo cada vez mais meu mundo. Leif me

olhava com uma mescla de preocupação e frustração que sabia que tentava

ocultar. Uma vez que o último sinal soou, saí da biblioteca e me dirigi para

casa. Necessitava que ele estivesse ali.

Mas não estava. Esteve ausente por dois dias mais.

Quando entrei na aula de Literatura Inglesa na quinta-feira, senti-o.

O quente formigamento aumentou mais do que eu estava acostumada depois

de quatro dias de ausência. Olhei para o final da sala e ali estava ele, dando a

Kendra seu sorriso torto enquanto riscava sua mandíbula com a ponta de seu

dedo. Riu, e ele se aproximou mais e sussurrou algo no ouvido dela que fez

com que jogasse sua cabeça para trás e gargalhasse. Ela olhou em minha

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direção e sorriu triunfante. Meu olhar viajou dela ao Dank, que parecia não

me dar nenhuma atenção absolutamente.

Ele a observava com um sorriso sedutor. Beijou-me e me deixou

sozinha, confusa, e logo desapareceu por quatro dias. Atuava como se nada

tivesse acontecido.

Olhei-o fixamente, desejando que me notasse que reconhecesse

minha presença. Não o fez. Incapaz de observar mais a situação dei a volta e

saí da sala. Leif estava fora da porta, onde o deixei. Falava com Justin e me

olhou com um sorriso de surpresa.

—Olá, esqueceu algo? —Perguntou, estendendo sua mão. Neguei com

a cabeça, com medo de que o enorme buraco que Dank fez em meu coração

fosse visível para todo mundo. Aproximei-me de Leif e envolvi meus braços

ao redor de sua cintura. Seus braços me rodearam imediatamente.

—Falaremos depois, homem. —–Escutei ele dizer a Justin sobre minha

cabeça.

—O que aconteceu? —Sussurrou no meu ouvido, enquanto continuava

me abraçando. Queria chorar, porque não o amava. Leif me amava e seria fácil

me apaixonar. Nunca me machucaria da maneira como Dank acabou de fazer.

Ele era tão bom e honesto. Por que não o amava? Apertei-me fortemente

contra seu corpo, com medo de que pudesse escutar meus pensamentos e me

afastasse a qualquer momento. Entretanto, Leif não podia escutar meus

temores.

Aproximou-me mais e começou a esfregar pequenos círculos em

minhas costas com sua mão. As lágrimas brotaram dos meus olhos e odiei

chorar em seus braços por outro rapaz. Leif merecia alguém que pudesse amá-

lo. Em uma ocasião o odiei, porque pensei que ele acreditava ser muito bom

para mim. Agora, odiava a mim mesma porque sei que ele era muito bom para

mim. Não o merecia, segurei-o de todos os modos. Provavelmente não o

amava, mas o necessitava. Ele não tinha idéia de que sentia como se minhas

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vísceras tivessem sido arrancadas do meu corpo, devido a alguém ou algo que

me rejeitou.

—Sr. Brown, Pagan não se sente bem. Precisa ir à enfermaria. Vou

levá-la e trarei a justificativa. —Explicou Leif a meu professor enquanto me

abraçava.

—Bem, você a levará então? —A voz do Sr. Brown soou preocupada.

—Sim, senhor. —A porta se fechou e o corredor se converteu em

silêncio.

Não queria ir à enfermaria, mas sabia que não podia ficar no

corredor todo o dia, deixando que Leif me abraçasse. Apesar de que sabia que

se eu pedisse isso, ele faria. Dei um passo atrás para levantar meu olhar a seu

rosto. Sua cara era uma máscara de preocupação enquanto secou uma lágrima

da minha bochecha.

—O que aconteceu, Pagan? —Perguntou em voz baixa.

Arrumei-me para sorrir um pouco.

—Acredito que o mal estar passou. Sinto-me bem outra vez. Esta

semana foi miserável. —Admiti, precisava adicionar algo de verdade no que

falava.

Ele assentiu e me puxou de volta a seus braços.

—Sinto muito. Não posso suportar ver você chorar. Mata-me. —Disse

em voz baixa e me apertou contra ele. Leif era meu vínculo com o mundo real

e minha fonte de consolo, especialmente agora que meu coração estava

partido sem possibilidade de reparar-se. O que me assustou mais foi o fato de

que meu coração foi partido por alguém que nem sequer conhecia.

Fui à enfermaria, mas só fiquei ali o tempo suficiente para que

Literatura Inglesa terminasse. Uma vez que minha aula de Álgebra II estava a

ponto de começar, assegurei à enfermeira Tavers que me sentia muito melhor

e queria ir para aula. Álgebra II passou a ser a única aula que não

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~120~

compartilhava com Dank ou Kendra. Podia aguentar. Leif estaria comigo em

História Universal, assim a presença de Dank seria mais fácil de ignorar.

Coloquei um pé no corredor e a inquietante advertência em minha

cabeça de que alguém me observava fez que os pelos do meu braço se

arrepiassem. Olhei para os lados do corredor vazio, mas não havia ninguém.

O medo parecia obstruir-se em minha garganta e me obriguei a tomar uma

calma respiração antes de me dirigir para Álgebra II com meu passe da

enfermeira Tavers. Caminhei mais rápido do que o normal, esperando ver

mais pessoas. Estar sozinha no corredor me trazia lembranças aterradoras.

Especialmente agora, já que não tinha certeza se Dank viria a meu

resgate.

Ele nem sequer me olhava, assim por que viria até aqui se uma alma

me perseguisse? A sensação de ser observada se intensificou quanto mais

perto chegava ao final do corredor.

Por que Álgebra II tinha que estar no final do corredor? Olhei por

cima de meu ombro e o corredor continuava vazio. Um calafrio percorreu

minha espinha dorsal e comecei a correr. Não podia vê-la, mas sabia que

estava ali. Meu coração pulsava com força em meu peito. Mantive meus olhos

na porta da sala de aula. Ainda parecia estar muito longe, entretanto, sabia que

se gritasse podiam me escutar. O frio ficou mais forte e o ar se tornou mais

pesado, fazendo com que fosse difícil respirar. Precisava deixar de correr para

forçar o oxigeno a entrar em meus pulmões, mas não me deixaria em paz por

muito tempo.

Uma porta se abriu justo quando minha visão começou a ser

imprecisa por minha falta de oxigênio, meus pulmões ardiam. O frio

desapareceu. Abaixei meus livros e pus minhas mãos em meus joelhos,

ofegando por mais ar, relaxando e tentando acalmar meu coração. Os passos

se aproximando me surpreenderam e levantei o olhar, pronta para correr

novamente quando vi Dank afastar-se.

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~121~

O que seja que me seguiu fugiu por sua culpa. Felizmente para

mim, não notou que Dank não se importava mais em me manter a salvo. Meu

coração já não se acelerava por medo, mas doía pela rejeição. Peguei meus

livros do chão e observei a silhueta dele, afastando-se, uma vez mais, antes de

me dirigir a minha aula.

***

—Se não está pronta para começar com meu discurso, não tenho

pressa. — Leif se inclinou e sussurrou em meu ouvido. Pedimos pizza e

estávamos abraçados no sofá vendo televisão.

A verdade era essa, não me sentia de humor para trabalhar em seu

discurso. Tudo o que realmente queria fazer era desfrutar do calor de estar em

seus braços. Estar sentados no sofá, sentindo os braços do meu namorado,

ajudava-me a manter o medo em controle. Quando Leif partisse, teria que ir

para meu quarto sozinha.

A idéia de enfrentar o meu quarto depois da experiência de hoje, no

corredor, aterrorizava-me. Ver Dank afastar-se de mim, como se ele fosse um

rapaz sem nenhuma preocupação no mundo, enquanto eu ofegava em busca

de ar, deixou-me com um sentimento de desespero. Alarguei meu braço e

peguei a mão de Leif na minha. Ele estava aqui. Claro que não me protegeria

contra as almas psicóticas. Só Dank poderia deter isso... aquilo... a coisa que

fosse ela. Mas Dank não estava aqui. Leif era tudo o que tinha e queria

absorver sua presença todo o tempo que pudesse. Leif sustentou minha mão

com a sua e permanecemos em silêncio. Não tinha certeza do que víamos. Ele

ria em voz alta algumas vezes e o som me fazia sorrir. Desfrutando de vê-lo

feliz.

Algumas vezes esquecimento é o que é ser feliz.

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~122~

O toque do seu telefone interrompeu meus pensamentos e pulei.

Estava no silvestre esta noite.

Sorriu.

—É meu telefone, não um alarme de incêndio. Jesus está nervosa esta

noite. —Procurou o celular em seu bolso e o pegou.

—Olá? —Fez uma pausa—. Estou com Pagan justo agora... sei, mas

estou ocupado... não terminamos ainda. —Leif me olhou desculpando-se. —

De acordo, estou a caminho. —Franziu o cenho, enquanto fechava seu

telefone.

—Era meu pai. Precisa que vá com ele deixar o carro da mamãe com o

mecânico. Vão arrumar amanhã na primeira hora. Não pode ir para cama até

deixar o automóvel e depois tem que trabalhar um turno dobrado na estação.

Sentei-me reta e forcei um sorriso. Minha mãe não estava em casa

ainda e o pensamento de estar sozinha me fez querer enrolar como uma bola

e chorar.

—Oh, bom, um, então vá. Trabalharemos no discurso amanhã.

Ele franziu o cenho e deslizou uma mão em meu cabelo,

esfregando seu polegar contra meu ouvido.

—Parece tensa. Eu não gosto de te deixar inquieta.

Sorri e encolhi os ombros.

—Provavelmente preciso dormir um pouco.

Menti, esperava que acreditasse. Inclinou-se e me beijou

brandamente. Deslizei minhas mãos por seu pescoço e aprofundei o beijo.

Leif tomou meu rosto em suas mãos e inclinou seu rosto para acomodar-se

perfeitamente. Inundei-me na comodidade do seu calor e carinho. Sabia que

precisava deixá-lo ir ajudar a seu pai, mas me agarrei mais ainda a ele. Deixá-lo

ir significava que estaria sozinha. Apertei-me contra ele, sem pensar em como

minha necessidade de companhia podia ser interpretada como paixão. Um

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gemido saiu do peito de Leif e me pressionou brandamente contra o sofá e

me cobriu com seu corpo.

Nunca tínhamos deixado que as coisas fossem tão longe antes.

Dank estava ali, em algum lugar no centro uma força invisível que fazia eu me

distanciar de Leif. Seria um engano permitir que as coisas fossem ainda mais

longe. Deixar que Leif acreditasse que podíamos dar um passo mais à frente

em nossa relação não seria justo para ninguém. Dank sempre estaria na minha

mente. Leif merecia algo mais que ser o segundo. Inclusive agora, enquanto se

pressionava contra mim e sua respiração estava agitada, não sentia nada salvo

segurança. Sua mão se deslizou por baixo da minha camisa e sabia que era

hora de parar. Justo quando roçou na parte inferior do meu sutiã rompi o

beijo.

—Não. —Sussurrei e sua mão se retirou lentamente. Sua respiração

soava entrecortada e pude sentir seu coração pulsando contra o meu.

Lentamente se sentou e estendeu sua mão para me levantar também. Passou

uma mão através do seu cabelo loiro e riu dolorosamente.

—Uau. —Disse, sorrindo. Não tenho certeza do que dizer, porque Uau

não era o que eu sentia. — Sinto muito, deixei-me levar. —Desculpou-se,

abaixando o olhar para minha camisa, a qual estava levantada, justo em cima

do meu umbigo. Puxei para baixo e sorri para tranquilizá-lo. Não era como se

acabasse de tentar me violentar.

—Não se desculpe. Precisávamos parar. Seu pai está esperando.

Leif assentiu, sua expressão continuava sendo um pouco vidrada, e

ficou de pé. Pegou sua jaqueta, agarrou seus livros e chaves.

—Estará bem até que sua mamãe chegue em casa? —Perguntou.

Quis rir pela resposta a essa pergunta. Em vez disso, assenti e sorri.

Não era como se pudesse lhe dizer que uma alma perturbada queria me matar

por razões que eu não entendia.

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~124~

A porta sendo fechada atrás de Leif deixou um forte peso sobre

meu peito. Pensei em sair e ficar no jardim, para assim ver as outras casas

iluminadas e as pessoas dentro delas. De algum jeito, ver as outras pessoas

parecia seguro. Caminhei e me detive na frente da porta. Poderia ficar aqui até

que mamãe chegasse a casa. Se algo aparecesse, podia correr até a rua e gritar.

É obvio todo mundo pensaria que estou louca, mas chamaria a atenção.

—Não acredito que essas medidas drásticas sejam necessárias. Vá para

cama, Pagan, estarei aqui. —Girei-me para o som da voz de Dank. O alívio e

a ira se apoderaram de mim ao mesmo tempo. Queria lançar meus braços ao

redor dele, mas também queria dar um murro em seu perfeito nariz.

—Preferiria que não o fizesse. Só vá para cama. —Seu tom frio me

feriu mais que o medo. Não me olhava, sentado olhava uma revista de

esportes que Leif esqueceu. Suas botas se apoiavam sobre a mesa enquanto

reclinava sua cadeira. As lágrimas arderam em meus olhos, mas não choraria

na frente dele. Essa era uma humilhação que me recusava a lhe dar. Em vez

disso, subi as escadas correndo.

A água quente escondeu minhas lágrimas enquanto fiquei no

chuveiro mais tempo do que necessário. Ali meus soluços foram camuflados.

Uma vez que as lágrimas deixaram de cair e tudo o que ficou foi um grande

oco, fechei a água, saí no tapete branco e envolvi uma toalha ao meu redor.

Estudei a garota que estava no espelho. Seus olhos avermelhados e inchados.

Nenhuma quantidade de água podia lavar a tristeza que refletia. Ele

estava ali e eu estava a salvo. Era algo que agradecer. Não tinha a coragem

para perguntar por que veio. Não queria que me visse chorar. Não queria que

soubesse que passei meia hora chorando por ele. Provavelmente roubou meu

coração ou tomou minha alma? Não tinha certeza, mas me recusei a dar meu

orgulho, também.

Apertei a toalha mais forte e me dirigi ao meu quarto. Entrei,

sabendo que estaria vazia. Dank não queria estar perto de mim. Uma pequena

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~125~

parte tinha a esperança de encontrá-lo sentado na cadeira do canto com o

violão em suas mãos. Lágrimas novas brotaram dos meus olhos. Preciso

controlar esta agonia ou o que seja. Estendi meu braço procurando meu

suéter, mas não me atrevi a usar algo que recordasse Dank e as noites que

passou cantando para eu dormir. Em troca, peguei minha camisa do pijama e

a deslizei sobre minha cabeça. Era rosa pálido. Sorri triste, notando que nunca

pensei nisso antes. Imediatamente tirei e a deixe cair no chão. Não podia usá-

la, tampouco. Abri meu armário e tirei uma camisa de Leif que tinha e vesti.

Ainda podia sentir Leif e isso me deu o poder para ser capaz de ignorar Dank

e abraçar Leif com minhas ações, mesmo que meu coração pensasse de

maneira diferente. Caminhei para a cama e me recostei, pensando na música

que não poderia escutar.

O silêncio fazia eco através da casa, mas sabia que não estava

sozinha. Ele observava. Não queria fechar meus olhos, na esperança de que

ele viesse se sentar em sua cadeira e tocasse música para mim. O único som

que pude escutar era a lenta destilação do grifo no banheiro e o assentamento

da casa. Se Dank não estivesse na parte debaixo, qualquer pequeno som me

teria feito saltar e correr para a porta. Entretanto, com ele me vigiando, era

capaz de fechar meus olhos e ser engolida pelo silêncio.

A música veio em meus sonhos. A inquietante e doce música

encheu o buraco da dor em meu coração. Sorri, procurando a fonte do som,

mas não encontrei nada. Foi só um sonho lindo.

Page 126: Abbi glines existence #1 existence

~126~

Capitulo Onze

Na manhã seguinte, Dank se foi. Já sabia, mas mesmo assim desci

correndo as escadas para ver se por acaso tinha ficado. Passaram-se os dias e

Dank continuou me ignorando. Durante os dias na escola continuou flertando

com Kendra. Tornei-me invisível em qualquer lugar onde eles estivessem. À

noite, ele entrava na sala na hora de dormir e sentava no sofá sem me

reconhecer. Nada tinha sentido. Não importava quantas vezes tentasse

conversar permanecia em silêncio. Uma pessoa só pode sofrer certa

quantidade de humilhação e a minha cota encheu. Se ele queria me ignorar,

então tudo bem. Dei-me por vencida.

—Não vou aceitar não como resposta. Se tiver que ir pessoalmente a

sua casa e vestir você e depois chamar Wyatt para que pegue e a jogue sobre o

ombro para levá-la ao concerto, farei isso. Não duvide de mim. — Miranda

colocou uma mão na cintura e levantou o queixo com determinação.

Discutir com ela quando ficava assim era inútil.

Wyatt riu.

— Levarei você sobre meu ombro se tiver que fazer, mas talvez

devêssemos discutir primeiro o transporte com Leif. Não tenho certeza, mas

acho que não vai querer que leve a sua garota carregada em meu ombro.

Miranda balançou a mão para ele.

—Dá no mesmo! Não fará nada que ela não queira fazer. Você vai ter

que carregá-la e eu vou ter que fazer frente à Leif e me sentar sobre ele

enquanto vocês escapam para longe.

Ri e me surpreendeu o bem que me fez.

—O que é isso de você sentando-se sobre mim? —Perguntou Leif

enquanto se aproximou e passou o braço ao redor da minha cintura.

Miranda arregalou os olhos.

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~127~

— Estou tentando explicar a Pagan que não vou aceitar NÃO como

resposta. Irá ao concerto esta noite e ponto.

Leif apertou ligeiramente meu quadril.

— Então falamos de uma possível situação de reféns? — Disse com

voz zombeteira.

Wyatt riu.

— Parece que sim.

Leif me olhou, sorrindo maliciosamente.

— Quer sair correndo para ver se podem nos alcançar?

Ri e balancei a cabeça.

— Não, está bem. Irei se for tão importante para Miranda.

Miranda deixou escapar um suspiro muito dramático.

—Oh, bem, não tinha vontade de discutir com ele.

— Seria divertido ver você tentar Wyatt. — Riu e me custou muito não

pensar que acabava de aceitar ir ao concerto beneficente do Cold Soul na

praia. Ver Dank no palco com o mesmo violão em suas mãos com o qual

cantava para mim no meu quarto e escutar sua voz sendo compartilhada com

milhares de pessoas, fizeram com que o buraco que tenho no coração

crescesse. Se pudesse encontrar uma forma para parar a dor, faria. Nada

parecia ajudar.

— Vai ser incrível, Pagan. Eu sei que você não se importa com Dank

Walker, mas confie em mim, ele sabe tocar. — Miranda passou o braço pelos

de Wyatt olhou para ele e deu um sorriso tímido. — Mas não pode disparar

três ponteiros como você, querido, então, tira essa careta do seu rosto sexy. —

Wyatt sorriu e a beijou no topo da cabeça.

Ver o amor nos olhos de Miranda quando olhou Wyatt fez com que

o buraco do meu coração doesse ainda mais. Nunca amaria Leif dessa

maneira. Dank Walker tinha prejudicado meu coração e o reclamou no

processo.

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~128~

— Só não comece a babar pela estrela do rock. Sou um fã de sua

música também, mas posso aprender a odiar rápido se ficar ciumento. — O

tom de Wyatt soava zombeteiro, mas ninguém duvidava de que o que ele

falava era verdade.

Leif riu.

—Não acredito que tenha que me preocupar por Pagan começar a

babar. Cold Soul não canta seu tipo de música. Tenho a sensação que ela não

aguentara ficar lá muito tempo.

Miranda olhou mais para Leif.

—Não lhe dê nenhuma idéia ou desculpa. Não estou brincando.

Chutarei seu traseiro se sequer olhar a saída de má maneira. —Leif jogou a

cabeça para trás e riu.

—Estou muito feliz de que tenha um bom senso de humor. — Disse

Wyatt com um sorriso. — Seus braços são muito maiores que os meus.

Comecei a rir, mas o impulso morreu instantaneamente quando

meus olhos se encontraram com Dank. Estava na frente de Kendra, cujas

costas estavam contra a parede enquanto sorria para ele. Inclinou-se e

sussurrou no ouvido dela. Precisei de toda minha força e auto preservação

para afastar meus olhos da intimidade entre eles. Minha respiração ficou

profunda pela dor em meu peito.

Leif sentiu a mudança em mim, porque me aproximou mais a ele e

me acariciou o braço nu. Quanto mais nos afastamos de Dank, mais fácil de

respirar ficou.

***

A brisa da noite do golfo era leve e quente considerando que era final

de outono. Um palco comprido brilhava cheio de luz o rodeando, foi

montado na calçada em frente à praia. Havia milhares de pessoas cobrindo a

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~129~

areia de toda a costa. Tinham varias fogueiras espalhadas pela praia. Uns

grupos de estudantes da secundária já estavam algemados por consumir

bebidas alcoólicas. Não seria a primeira, nem a última noite. Segurei a mão de

Leif com mais força enquanto tivemos que ziguezaguear entre a multidão

seguindo os passos de Miranda. Ela tinha organizado para a empresa do seu

pai comprar alguns dos assentos especiais sob uma grande cobertura, por um

preço superior claro. Eu estaria feliz me juntando com a multidão na areia,

mas Miranda não. Paramos na entrada.

—Miranda Wouters e três convidados. — Disse com um ar altivo que

só saia dela quando alardeava sobre o poder de seu pai. Não fazia isso

frequentemente, a menos que quisesse algo, como nos liberar de comprar

entradas. Harold Wouters proprietário do Wouters Realty. Wouters Realty

controlava todos os bens comerciais de alta gama do estado. Em outras

palavras, eram os donos da cidade.

—Por aqui, Senhorita Wouters. —Disse a jovem mulher, enquanto se

voltava e nos levava em frente de uma fila de assentos com uma vista perfeita

do palco.

Genial, não só teria que escutar a voz que tão desesperadamente

queria esquecer, mas sim teria uma perfeita visão dele também. Dei uma

olhada a Leif, que arqueou as sobrancelhas como se estivesse impressionado

com nossos lugares e me deu um de seus sorrisos ansiosos.

Fingir uma dor de cabeça não iria funcionar. Miranda enlouqueceria e

Leif realmente parecia estar entusiasmado pelos bons assentos.

—Estamos bem atendidos! Isto é do que estou falando. —Wyatt sorria

e olhava a seu redor para a mesa de elaborados refrescos montada no final do

corredor.

—Meninos, podem comer o que tiverem vontade. Vão e deixem de

babar. —Disse Miranda, com um sorriso de satisfação no rosto.

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~130~

Wyatt a beijou com força nos lábios e olhou para Leif.

—Vamos, homem, vamos acabar com essa comida de luxo. —Leif

olhou para mim como se estivesse pedindo permissão. Assenti com a cabeça.

Recordou um fiel cachorrinho. Agachou-se e me deu um beijo rápido nos

lábios antes de seguir Wyatt.

—Deixa de franzir o cenho como se eu a tivesse trazido para um bar

cheio de fumaça. Vamos, garota, se divirta. —Forcei um sorriso, o que só

conseguiu aumentar a cara feia de Miranda para mim. — O que está

acontecendo com você, Pagan? Bastava olhar Dank e colocava esse olhar de

tola admiração em sua cara. Agora, o vê e parece como se estivesse a ponto de

vomitar Feriu seus sentimentos ou algo? É por isso que não quer estar aqui?

Feriu-me? Ela nunca poderia saber o quanto me feriu. Neguei com

a cabeça e tentei me esforçar ainda mais para que meu sorriso parecesse mais

realista.

—É obvio que não. Só percebi que é um idiota. Algo nele é frio e eu

não gosto de estar perto dele. —Senti as lagrimas enchendo meus olhos. Se

ela olhasse bem em meus olhos, notaria minha agonia.

—Hummm, de acordo então. Suponho que tem razão a respeito do

frio. Algo nele parece difícil e muito irreal.

Ela não tinha idéia de quão irreal ele era.

A brisa começou a esfriar e os assentos sob a cobertura estavam

cheios. Queria estar em qualquer outro lugar longe dali, não com uma perfeita

vista do palco no qual Dank cantaria logo. As luzes se apagaram e o público

enlouqueceu. Leif colocou seus braços ao redor de minhas costas e me inclinei

para ele, esperando que seu carinho me ajudasse a passar por isto.

Com um rufo de tambor e o som de um violão elétrico, as luzes

cintilaram tão brilhantemente como os fogos que explodiam em cima. Um

grupo de três rapazes estava no palco. O que estava sentado atrás da bateria

tinha compridos cachos loiros e os outros dois de pé de cada lado do palco

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com violões em suas mãos. A música encheu o ar noturno e gritos saíram da

praia. Havia tanta multidão na costa que já não podia ver a areia. Uma forte

explosão e uma nuvem de fumaça me fizeram saltar. Os gritos e os cânticos só

soaram mais fortes. Dank saiu da fumaça que agora se filtrava do palco. Vi

como seu cabelo escuro dançava com a brisa e como chegou ao microfone

que lhe esperava no centro do palco.

Segurou o microfone entre as mãos e logo se virou diretamente

para a parte o lugar coberto. Diretamente para mim.

Quero o que não posso ter.

Vejo em seus olhos.

A dor que enche suas noites é por causa de minha fileira de mentiras.

Tenho aberto a porta para que vá.

Há um caminho melhor para você, embora eu queira que fique.

Tenho quebrado as regras, desviei-me do caminho, mas quando a conheci

soube que salvá-la valia à ira.

Deixo ir agora, antes que seja muito tarde.

Deixo ir agora, antes que saiba o que sou e seu amor se torne ódio.

Afaste-se de mim antes que paralise e a leve comigo.

Não pode vir onde estou indo, não pode atravessar meu inferno.

Afaste-se de mim antes que paralise e a leve comigo.

Meu caminho só a mim está destinado.

Não há maneira de que tome também.

Dei-te vida quando estava em minhas mãos te dar morte.

Afaste-se de mim.

Vejo a vida que sei que levará sem mim aqui.

É o que merece, é aonde pertence, é tudo o que quero e tudo o que temo.

Uma vez que a conheci tinha que salvá-la, mas me salvou.

Agora estou partindo e a deixando ir livre.

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Em nenhum só momento me esqueço de que há um fogo dentro de mim que

acende com seu toque.

Machucá-la não era o plano, mas, tinha que ocorrer por minha mão.

Afaste-se de mim antes que paralise e a leve comigo.

Não pode vir onde estou indo, não pode atravessar meu inferno.

Afaste-se de mim antes que paralise e a leve comigo.

Meu caminho só a mim está destinado.

Não há maneira de que tome também.

Dei-te vida quando estava em minhas mãos te dar morte.

Afaste-se de mim.

Minhas mãos tremiam no colo. Seu olhar estava fixo nos meus.

As palavras eram para mim. Não podia respirar pela dor me

fechando a garganta. Por que fazia isto? Não tinha me ferido o suficiente? As

lágrimas que picavam em meus olhos cairiam livremente, rodando por minhas

faces, mostrando aos meus amigos o quanto tinha me afetado as palavras de

Dank. Não podiam saber.

Ninguém podia. Fiquei de pé e me afastei. Não podia me sentar ali

e escutar nada mais. Em uma espécie de transe desesperada abri passo entre

os fãs gritando e os corpos suados. Poderia respirar se só pudesse escapar

colocar alguma distância entre suas palavras e eu. Uma vez que saí, virei e

corri para a escuridão. Longe do medo. Não sentia medo dele, mas suas

palavras me assustaram. Ele iria embora. Fez-me um nó no estômago quando

pensei e corri mais depressa até que a areia da praia ficou escura e vazia. O

som da música soava a distância e olhei sobre meu ombro para ver se Leif ou

Miranda tinham conseguido me seguir. Ninguém estava vindo. Estava

realmente sozinha. Ofegando, caí de joelhos e soltei o pranto que tinha

tentado segurar desde que começou a cantar. Lágrimas quentes se arrastaram

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por meu rosto. Meu peito doía muito, e era impossível respirar

profundamente.

O ar noturno diminuiu vários graus. Não era a dor o que asfixiava

minha respiração, era o frio que vinha com ela.

Dei a volta lentamente, sabendo que ela me observava.

Podia sentir sua presença. Ela era esse medo gelado. Entretanto, o

buraco negro de dor que Dank deixou em meu peito fazia com que o perigo

que ela possuía empalidecesse em comparação. Fiquei de pé e a enfrentei,

percebendo que meu medo foi transformado por ódio. Já não me assustava.

Zangou-me. Algo a respeito de sua aparição causou a angústia de Dank e me

fez querer machucá-la pelo papel que interpretava na causa da minha dor.

Olhei-a enquanto seu cabelo loiro flutuava, sem restrições com a brisa do

golfo.

—O que é o que quer de mim? — Gritei através de minhas lágrimas.

Dei um passo para ela, apertando as mãos em punhos. Não queria

que pensasse que podia fazer com que me acovardasse. Não queria que

pensasse que podia me assustar nunca mais. Sua risada de tilintem encheu a

escuridão que nos rodeava.

—Está designado. —Disse, com uma voz que tinha chegado a

aborrecer.

—O que está designado? Hã? Sabe? Consiga uma maldita vida e me

deixe fodidamente em paz! — Dei um passo mais para ela, querendo golpeá-

la, mas sabendo que isso não faria nenhum bem.

Sua risada se tornou profundamente sinistra.

—Estava designado e rompeu as regras. —Sua risada morreu e olhou

para mim. — Por ti! Rompeu as regras por ti! Por que por ti? Uma simples

humana com um tempo designado, era tudo muito simples, mas ele

complicou tanto. — Curvou o dedo para mim. — Vamos, se aproxime e

corrigirei seu engano. —Engoli e o medo que pensei que tinha superado

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começou a voltar pouco a pouco. Dank também disse que ela tinha vindo

para corrigir um engano.

—Que engano? —Perguntei.

Inclinou a cabeça como se me estudasse.

—Você é diferente dos outros. Suponho que foi interessante para ele.

Sua existência é bem monótona.

Lutei contra a tentação de arremeter contra ela, sabendo que

provavelmente a atravessaria. Queria que me aproximasse. Precisava manter a

distância. Neguei com a cabeça e dei um passo atrás. Minha respiração

começou a ficar mais profunda. Tentei retroceder outro passo, mas uma mão

de gelo envolveu meu pulso e começou a me puxar para as ondas, com uma

força contra a qual eu não podia lutar. O primeiro contato com a água fria e

salgada me assustou. Isto era real. Desta vez estava sozinha e ninguém

escutaria.

Comecei a dar chutes e lutar, mas ela continuou me arrastando para

o mar com pouco esforço. Não teria nenhuma chance de sobreviver nas águas

profundas. As ondas estavam cada vez maiores e ela me arrastava para baixo.

Iria me afogar. Não podia somente me matar asfixiando como começou a

fazer no colégio antes que Dank a interrompesse? As luzes e a música

dançavam na distância. Desta vez estava sozinha e ninguém me salvaria. Por

estranho que parecesse, não tinha vontade de gritar. Não temia à morte por

mais tempo. Mas queria ter podido me despedir.

Fechei os olhos enquanto a água chegava ao queixo e a primeira

onda se estrelava contra minha cabeça. Enquanto deixava com que meu corpo

se afrouxasse e aceitava este destino, escutei alguém gritar meu nome.

Alguém me encontrou? Comecei a me sacudir fora de seu agarre e

gritar, mas percebi que provavelmente só tiraria a vida da pessoa também. Ela

não estava ali para eles. Tinha que ir em silêncio. Ela tinha vindo por mim,

não sei se merecia este destino.

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Um brilho de luz encheu a água escura e meu pulso foi

instantaneamente liberado de seu apertão de gelo. Lutei para encontrar a

superfície da água e encher de ar meus ardentes pulmões.

—NÃO! Falei NÃO! Eu tomei essa decisão e rompi esta regra, mas fui

eu quem a rompeu. Deixei sua interferência impune tempo suficiente. Isto

termina agora.

Queria abrir os olhos e ver. Podia escutar, mas a água salgada se

metia em meus olhos e tornava impossível.

Outra onda se chocou contra mim e comecei a espernear

freneticamente enquanto a água enchia meu nariz não preparado para isso.

Braços quentes rodearam minha cintura e me aferrei a eles sabendo que

pertenciam a ele. Agora estava a salvo. Minha cabeça atravessou a superfície e

comecei a me afogar com a água salgada.

—Aqui, me deixe. —Dank secou meus olhos com um lenço frio e o

ardor desapareceu igual a minha tosse. Era como se nunca tivesse afundado

abaixo nas frias ondas do mar. Finalmente pude ver o rosto de Dank. Ele me

carregava de novo.

—Por que, Pagan? —Fechou os olhos e tocou minha testa com a sua e

respirou fundo. — Por quê? Sabia que ela estava seguindo você. Sentiu-a. Por

que veio aqui sozinha? Pensou que enfrentá-la era a resposta?

Neguei com a cabeça e olhei fixamente nos seus olhos tão

próximos dos meus.

—Não, só queria me afastar. Precisava pensar. Ver você... —Parei antes

de falar demais.

Um sorriso triste se formou em sua boca.

—Tudo o que ela podia fazer era matar você. Mas somente se você

realmente enfrentasse a morte, A Morte teria vindo para levá-la. Isso não iria

acontecer. —Parou e respirou entrecortadamente antes de tocar minha cabeça

com os lábios. Seus lábios se moveram para minha face antes de parar em

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minha boca. — Por mais que queira beijá-la, não posso. — Deixou sair uma

risada suave. — É uma garota que me frustra. Não é como nenhuma das

almas que conheci. —Toquei seu rosto e me inclinei para tocar seus lábios

com meus, mas ele afastou para trás e negou com a cabeça. – Não. –

Sussurrou. — Não faça isso. Não posso. É muito especial. Meu desejo por

você se sobrepõe ao que sei que é melhor para você. Não posso arriscar isso

de novo.

—Não me deixe. — Supliquei.

Tocou meus lábios com a ponta do dedo.

— Não o farei. Ao menos, não esta noite.

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Capitulo Doze

— O que fez todo o fim de semana? Leif disse que não estava se

sentindo bem depois do concerto. Pensei que escutaria algo de você. Mas nem

me ligou nem nada. Cold Soul tocou um rock impressionante. Deveria ter

ficado depois. Conhecemos a banda, bom, exceto o cantor, Dank. Foi embora

logo ou algo assim. Não importa, Foi incrível! Poderia ter beijado o rosto do

papai por esta. — Miranda enganchou seu braço com o meu enquanto falava.

Olhei por toda entrada, precisando ver Dank em algum lugar no mar de

rostos. — A quem está procurando? — Havia um toque de interesse na voz

de Miranda. Dank não estava entre a multidão, entretanto, Kendra flertava

abertamente com Justin. Isso me pareceu estranho.

—Viu Dank esta manhã? — Perguntei, olhando para Miranda e

rezando para que ela não tivesse lido nada mais em minha pergunta.

Seu cenho franziu em uma careta.

— Dank como Dank Walker, o cantor de Could Soul?

Assenti com a cabeça.

— Sim, Dank. — Repeti. A confusa expressão no rosto de Miranda

ativou o sino de alarme em minha cabeça.

—Um, está tomando aqueles medicamentos para dor novamente

querida? Por que iria estar aqui o cantor de Cold Soul?

Algo estava mal. Meu peito se inchou de pânico.

—Bom dia. — Disse Leif enquanto caminhava para mim e passava o

braço pelos ombros.

Miranda o olhou com um sorriso preocupado.

—Bom dia Leif. É tão doce que vá pegar todos seus livros no

momento em que chega. Você se importaria em dar alguns conselhos a

Wyatt?

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— De maneira nenhuma. — Começou a rir e me apertou os ombros

com suavidade, normalmente tê-lo perto me ajudava quando estava à beira do

pânico. De qualquer maneira, justo agora precisava saber onde se encontrava

Dank e por que Miranda não parecia saber do que eu falava.

Olhei Leif.

—Viu Dank? —A mesma confusão se apoderou de seu rosto.

—Quem? —Perguntou igualmente confuso.

—Perguntou-me o mesmo. Estou pensando que deve ter precisado

tomar alguns medicamentos contra a dor outra vez esta manhã. Continua

ferida? Sua mãe sabe? Porque garota, esta drogada se acha que Dank Walker

está em nosso colégio. — Miranda e Leif me olhavam como se fosse uma

razão para preocupar-se. Olhei Kendra, que continuava perto de Justin.

—Kendra está saindo com Justin agora? — Perguntei em um

tom que esperava parecer coloquial e não delatasse o crescente pânico dentro

de mim.

Leif franziu o cenho.

—Eles estão saindo há meses. Está bem, Pagan?

Forcei um sorriso e assenti.

—Oh, um, esqueci. Não, estou bem. Só preciso fazer uma parada no

banheiro antes do primeiro período. —Fiquei nas pontas dos pés, beijei

rapidamente Leif nos lábios e fui por outro caminho. Precisava escapar de seu

escrutínio para poder pensar. Dank se foi e ninguém se lembrava dele.

O banheiro estava felizmente vazio. Deixei meus livros no úmido

aparador e me apoiei contra uma parede para me segurar. Meu coração se

contraiu tão dolorosamente em meu peito que temia que pudesse deixar de

funcionar. Alguém entrou e me endireitei. Precisava de privacidade para

minha crise nervosa. Mas tão só a dois passos depois, percebi que a porta do

banheiro não se abriu. Uma adolescente de cabelo negro atravessou a parede.

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Virei-me, dei um passo para ela e se afastou de mim. Parecia surpresa de que

pudesse vê-la e um sorriso apareceu em seu rosto.

—Quem é? —Perguntei, mas ela só me olhava. — Pode falar comigo?

—Já não me preocupava em ignorá-los. Talvez eles tivessem as respostas.

Balançou a cabeça e seu sorriso ficou triste. Deixou-se levar mais perto de

mim, estendeu a mão e me tocou o cabelo. Nada. Nem calafrios nem frio. Era

como se ela não estivesse ali. Isto era o que sempre soube das almas. — Por

que não pode falar? — Perguntei e ela se aproximou até que ficou de pé na

minha frente. Negou com a cabeça como se me corrigisse por fazer essa

pergunta. — Não é permitido falar comigo ou não pode? — Não tinha

sentido medo. Sabia que não tinha o poder para me fazer mal. Sua expressão

começou a agitar-se, negou com a cabeça novamente e se afastou de mim

devagar. Dei um passo mais perto dela. — Por favor, preciso de algumas

respostas e acredito que poderia me ajudar. — Sua expressão ficou assustada e

continuou balançou cabeça e afastando-se de mim como se eu fosse algo a

que temer. — Por favor. —Supliquei, e em meu último favor deu a volta e

sumiu pela parede.

Fiquei olhando até que a porta do banheiro se abriu e uma garota

do primeiro ano entrou. Parou e me observou. Devo ter parecido uma idiota

ali, de pé, olhando uma parede vazia. Sorri para tranquilizá-la. Talvez este

incidente não se espalhasse por todo o colégio. Não é que me importasse se as

pessoas falassem de mim. Mas não precisava que Miranda e Leif se

preocupassem comigo, mais do que já o faziam. Além disso, precisava de

respostas e já estava muito cansada de esperar para que Dank me desse isso. A

jovem alma não foi capaz de me ajudar, por motivos que não podia entender.

Entretanto, tinha a sensação de que se continuasse procurando, logo

encontraria a alguém disposto a falar ou que ao menos pudesse fazê-lo.

Os corredores estavam vazios, o que significava que já chegava

tarde para a aula de Literatura Inglesa. A dor retornou enquanto pensava em

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~140~

confrontar a classe de Literatura sem Dank. Inclusive, quando me ignorou, era

capaz de escutá-lo falar e sentir o calor de seu olhar. Agora, nem sequer teria

esse pequeno pedaço de comodidade.

O que mais me doía era que ninguém parecia se lembrar dele. Era

como se nunca tivesse existido. Parei na frente da porta. Ir para dentro parecia

insuportável. Coloquei as mãos sobre o estômago para sustentar a dor que me

destroçava e me apoiei contra a parede. Fiquei no corredor vazio, desejando

que outra alma viesse vagando.

Em troca, o silêncio vazio se manteve. Pela primeira vez em minha

vida, queria ser incomodada pela presença das almas e não havia nenhuma ao

redor. Se só pudesse ir a algum lugar que estivesse lotado de almas errantes,

então poderia perguntar a elas.

Poderia perguntar e perguntar até que encontrasse alguma que

falasse comigo. Algo a respeito da jovem alma no banheiro me disse que

poderia ter falado se quisesse. Ela parecia assustada.

Assustada do que? Do que tem medo as almas? Estão mortos

depois de tudo, ou ao menos seus corpos.

—O hospital. — Sussurrei em voz alta, lembrando que o único lugar

em que tinha visto um sem fim de almas errantes era o hospital. Dei meia

volta e fui para as portas do colégio. Iria lá e começaria a perguntar a cada

alma que encontrasse.

Uma delas ficaria feliz em me responder. Encontraria uma maneira

de encontrar Dank. Ele era real. Eu o conheci. Amava-o. Iria encontrá-lo.

—Senhorita Moore? Nossa aula está por este caminho. —A voz do

senhor Brown cortou meus pensamentos, detive-me e suspirei de derrota

antes de voltar e enfrentar a ronda de meu professor de Literatura Inglesa.

—Sim, senhor, eu estava, um, ia tão somente pegar uma justificativa

por chegar tarde. —Sorriu e balançou a cabeça.

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~141~

— Não é necessário, mas se apresse, por favor, estamos começando

com a beleza da ficção. — Deu um passo atrás, esperando que eu entrasse

primeiro. Caminhei de volta para a aula, com vontade de girar e sair correndo

em direção contrária e sabia que se mamãe recebesse uma chamada lhe

dizendo que matei aula, ficaria furiosa e minhas oportunidades de encontrar

Dank seriam quase nulas uma vez que me trancasse no meu quarto o resto do

ano de castigo.

Entrei na aula e me aproximei do meu assento vazio junto à janela.

A cadeira atrás de mim estava vazia. Olhei Kendra e a cadeira atrás dela era

ocupada por Justin. Ele era um substituto e tomou o lugar de Dank.

Enojada, dei a volta. Como podia ter sido tocada por Dank e

beijada por ele e esquecer tão facilmente que ele existiu? Eu não o tinha

esquecido. Como ela fez isso? Como podia não sentir a dor por sua ausência?

Ele era muito bom para ela.

Por que perdeu tanto tempo com ela? Afundei-me em meu assento

e se formou em meu interior um nó pela emoção. Não podia passar esta aula

sem ele.

— A atribuição de leitura de hoje vai ser feita tranquilamente em nossas

mesas. Não falem com seus companheiros. Quero completo silêncio

enquanto inalam a beleza da palavra escrita. Tomem-na. Deixem que penetre

em suas veias e lhes encha de um maravilhoso assombro que é tão positivo

que brilha intensamente. A sala se encheu de gemidos. — Tsk, tsk, tsk. —

Excitados por sua beleza. Queixas continuaram soando com os sons das

páginas passando por toda a sala. Esta seria uma grande oportunidade para a

maioria dos estudantes dormirem atrás de seus livros de texto. Eu abri o meu,

esperando encontrar algo para afastar meus pensamentos de Dank. Quando o

dia terminasse, iria ao hospital e começaria a fazer perguntas. Alguma alma

tinha respostas em algum lado.

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~142~

—Urgh, esta coisa é poesia. — Soou uma voz estridente do fundo da

sala de aula.

O senhor Brown levantou os olhos do livro que tinha nas mãos.

—Ah, sim, é o senhor Kimbler, que agradável que percebeu. — Mais

gemidos soaram e encontrei a página indicada no quadro. Era a obra de

William Wordsworth. Senti o impulso de gritar de desespero. Estudar o início

do Romantismo não era algo que precisava neste momento. Onde estavam os

trágicos dramaturgos quando os necessitava?

— Como nos ajudará este desastre na vida real? —Disse Justin com

uma voz arrogante. A risada estalou na sala de aula.

—Escute, escute. — Alguém chamou com um golpe em sua carteira.

O senhor Brown nos olhou uma vez mais com uma expressão

ligeiramente incomodada em seu rosto.

— Cavalheiros, se não estudar as palavras dos poetas românticos

famosos, Como poderá alguma vez aprender a cortejar uma mulher no dia

que se apaixonar? Posso lhes assegurar que P. Diddy não tem palavras de

instrução em suas criações poesias líricas.

Suas palavras causaram algumas risadas. Teria achado tudo isto

muito divertido, se o assunto de ler as letras das canções de P. Diddy não me

parecesse uma idéia tão atraente neste momento. Olhei o poema que íamos

estudar e sobre o que teríamos que escrever um ensaio de duas páginas. To a

Young Lady (A uma jovem), por William Wordsworth. Só esperava que não

fosse um poema sobre o amor duradouro.

Querido Filho da Natureza, deixe-lhes pôr limites!

Há um ninho em um verde vale,

Um porto e uma adega,

Onde a uma Esposa e Amiga verá

Seus próprios deliciosos dias serão.

Uma luz de jovem a ancião.

Page 143: Abbi glines existence #1 existence

~143~

Ali, são como um jovem Pastor,

Como se sua herança fosse à alegria,

E o prazer fosse seu negócio,

Você, quando suas garotas se agarrem a ti.

Mostrar-nos-á como fará coisas divinas que

Uma mulher talvez fizesse.

Seus pensamentos e sentimentos não morrerão,

Tampouco te deixarei, quando os cães estejam pertos, Um melancólico

escravo.

Mas uma velhice, viva e brilhante,

E adorável como uma noite da Lapônia, Lhe levará a tumba.

O prazer se propaga pela terra.

Nos presentes perdidos que serão reclamados por quem os encontre.

Meu destroçado coração pulsava. Comecei a escrever. A dor dentro

de mim se derramou sobre o papel. Sentia-me quase como se estivesse

sangrando com cada palavra que rabisquei. Perdida em minha necessidade de

expressar a alguém minha dor interior, surpreendeu-me quando o papel foi

tirado de debaixo de minha mão. Elevei a cabeça.

O senhor Brown me deu um pequeno assentimento com a cabeça e

esclareceu a garganta.

—Ah, parece que a senhorita Moore conhece William Wordsworth ou

tem lido sua tarefa. — Olhou sobre suas lentes de meia lua à classe. — O qual

é muito mais do que posso dizer sobre a maioria de vocês. —Abaixou seu

olhar para meu trabalho e ajustou seus pequenos e arredondadas óculos.

—Wordsworth recordava sua irmã, a quem era conhecida por dar

largos passeios com ele no campo. Pensava na vida dela, e a plenitude que ela

experimentaria. Felicitou-a e a elogiou por seus esforços de divertir-se com a

beleza a seu redor, em vez de seguir as regras.

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~144~

Soou o sinal e os estudantes começaram a lutar para sair da sala de

aula, por temor de que o senhor Brown fosse obrigá-los a escutar mais do

meu trabalho, ou pior, ordenar que lessem os seus em voz alta. Voltou a pôr

meu trabalho sobre minha carteira e sorriu.

—É uma verdadeira delícia, Pagan. Estou desejando ler o resto

amanhã. —Voltou e se dirigiu a sua mesa com um rebolado.

Leif entrou na classe sorrindo para mim.

—Vem linda? Sei que você gosta de Literatura Inglesa, mas acabou por

hoje.

O senhor Brown me olhou.

— Ah, sim, mas a qualquer momento que queira deixar de falar de sua

beleza, por favor, sinta-se livre de fazê-lo.

—Obrigada, senhor Brown. — Isto não vai mais acontecer, mas na

realidade ele é um homem doce, um pouco excêntrico, mas doce.

—Não dê a ela nenhuma idéia, senhor Brown. —Leif brincou

enquanto agarrava os livros de minhas mãos.

—Ah, o belo homem que possui seu coração não quer compartilhar. —

Disse o senhor Brown, com um sorriso que empurrou suas grosas faces um

pouco para trás.

Leif riu.

—É verdade.

—Agora, me conte de uma vez o que é isso que você vai fazer que é

mais importante que ir às compras pelas perfeitas botas de inverno? — A mão

direita de Miranda, colocada em seu quadril, enquanto me olhava, como se

acabasse de falar em espanhol. Subi a mochila mais acima sobre meu ombro e

mantive os olhos no estacionamento.

—Vou me inscrever para fazer trabalho voluntário no hospital. — Não

tinha uma explicação moral nem real para isso. Não me atrevi a dizer para

Miranda que sentia a necessidade de dar a mim mesma ou o que seja que

Page 145: Abbi glines existence #1 existence

~145~

alguém diria que sente quando tem a necessidade de ser voluntário e ajudar a

doentes e moribundos. A verdade era que odiava os hospitais e Miranda sabia.

Ela não sabia por que os odiava. Só sabia que o fazia. Nunca fui capaz de

explicar como me incomodavam as almas errantes que enchiam todas as

sessões dos hospitais.

—Então, superou a aversão aos hospitais agora que passou uma

semana lá? —Perguntou com curiosidade. Encolhi os ombros porque minha

estadia não tinha nada a ver com isto.

—Suponho. —Era uma desculpa tão boa como qualquer outra.

—Bem então, se tiver que fazer algo pelo bem de outros enquanto vou

fazer algo pelo bem de meu armário de inverno então certo, estou bem com

isso.

Dediquei-lhe um sorriso e logo fui para o carro de Leif.

Tinha me dado suas chaves e disse que iria para sua casa com

Justin. Eu o enganei com esta coisa de quero ser voluntária também. Não era

totalmente uma mentira. Decidi que esta era a melhor forma de ver suficientes

almas sem alguém me colocando em um manicômio por vagar pelos

corredores falando comigo mesma. Desta maneira tinha um motivo para estar

ali e encontraria um montão de almas para tentar falar. Com o tempo,

encontraria alguma que falasse.

—Ligue quando voltar para casa de seus bons atos e levarei minhas

compras para você ver.

—Valeu boa sorte. — Falei enquanto abria a porta do carro e entrava.

Pela primeira vez em três dias tinha alguma esperança. Continuava

recordando o olhar nos olhos de Dank, na noite de sexta-feira enquanto me

abraçava. Ele era muito real. O fato de que ninguém parecesse recordar que

alguma vez caminhou pelos corredores do colégio não significava que

estivesse ficando louca. O fato era que eu via pessoas que ninguém mais podia

ver desde que nasci. Algo era diferente em mim. Isto não era uma novidade.

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~146~

Dank tinha segredos e eu iria descobri-los. Precisava saber todos eles porque

eu precisava dele. A resposta atrás de sua partida estava dentro dos seus

segredos e sabia que se soubesse poderia averiguá-lo e então encontrar uma

maneira de trazê-lo de volta.

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~147~

Capitulo Treze

Olhei para minha identificação. Minha mãe ficaria encantada. Isso

seria maravilhoso nas minhas aplicações da universidade. Quanto mais serviço

à comunidade melhor, bom, embora fosse voluntário e não obrigatório.

Tinham-me atribuído o dever de ler às crianças hoje, como era meu primeiro

dia e não tinham ninguém mais que pudesse me treinar para os trabalhos mais

difíceis.

Desci do elevador no andar da pediatria e três das almas que vi no

outro andar se detiveram para me olhar. Assenti com a cabeça a eles.

—Olá. —Falei, alegremente, e todos eles pareceram surpresos. Voltei e

segui as instruções que o voluntário da recepção me deu. Não demorei mais

que alguns segundos para perceber que a ala da pediatria estava cheia de almas

perdidas. Caminhei passando por umas crianças em cadeiras de rodas me

olhando com curiosidade. Sorri e falei olá ao passar. Meu coração começou a

doer por outras razões que a da minha perda. Ver os pequenos sorrisos em

seus rostos pálidos não foi fácil. Uma menina pequena com um comprido,

encaracolado e vermelho cabelo chamou minha atenção. Parou na porta do

seu quarto de hospital olhando, não a mim, a não ser a ambos os lados e atrás

de mim com curiosidade antes de me olhar diretamente. Reduzi meu caminhar

e olhei para trás, percebendo que a maioria das almas para as quais sorri

começavam a me seguir. Ela podia vê-los. Detive-me e estudei seu pequeno e

doce rosto. Ela estava de pé usando uma espécie de andador. Olhou para as

almas novamente e sorriu calidamente, logo seus pequenos olhos me

encontraram.

—Você os vê? — Eu perguntei em um sussurro, com medo de que

alguém pudesse me escutar e pensar que sou louca. Assentiu com a cabeça,

fazendo que todos os cachos vermelhos saltassem ao seu redor.

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—E você? —Perguntou-me em um sussurro alto. Eu assenti com a

cabeça.

—Genial. —Respondeu sorridente. Eu pisquei e logo segui meu

caminho para a sala de atividade. Não podia parar e falar com uma menina

nos corredores sobre as almas que ambas podíamos ver, sem chamar a

atenção. Eu nunca conheci ninguém mais que pudesse ver as almas. Foi difícil

caminhar para longe de seu pequeno rosto conhecedor. Mas sabia que a veria

novamente. Eu tinha a intenção de encontrá-la mais tarde.

Eu encontrei a porta azul céu com a frase Hoje você é você, isso é mais

que certo. Não há ninguém vivo que seja mais você que você. Dr. Seuss, em cores

brilhantes pintadas nela. Aqui era onde ele deveria estar. Eu abri a porta e

imediatamente encontrei a estante de livros à direita.

Dei a volta e sorri para as almas que tinham me seguido para

dentro.

—Alguém tem uma sugestão? —Todas me estudaram e algumas

chegaram mais perto para me olhar ou me tocar. Eu não podia senti-las. —

Ninguém? —A sala permaneceu em silêncio. Suspirei e voltei para os livros.

— Muito bem, vou escolher um eu mesma.

—Meu favorito é Onde vivem os monstros. — Virei novamente, pensando

que uma alma finalmente tinha falado. Todas as almas viam a pequena menina

de cabelos vermelhos do corredor. Ela estava de pé na porta, sorrindo. —

Não vão falar com você, já sabe. Não podem. —Disse enquanto entrava.

—Não podem? —Perguntei olhando para baixo, para seus olhos que

pareciam mais velhos que seu pequeno corpo.

Ela balançou sua cabeça lentamente e suspirou.

—Não, eu tentei fazê-lo. Eles gostam que você fale com eles. — Fez

uma pausa. —Bom alguns deles gostam que você fale, mas não podem

responder. São almas lutando por seu regresso, assim permanecem aqui

vagando sem rumo. — Ela olhou para trás, por cima de seu ombro, para as

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~149~

almas, suspirando. — Mas começam a esquecer do som ou por que estão

aqui. É triste, na verdade. Se tivessem ido à primeira oportunidade, teriam lhes

atribuído outro corpo e outra vida em lugar desta existência sem sentido.

Eu me aproximei e sentei na cadeira de frente para ela.

—Como sabe disso? — Perguntei surpresa de que alguém tão pequeno

pudesse saber muito mais que eu, sobre as almas que vi toda minha vida.

Encolheu os ombros.

—Acho que ele não queria que eu tivesse medo. Elas estão com medo,

como você pode ver, e não queria que eu tivesse medo. E acredito que, talvez,

não queria que eu me tornasse como elas.

Eu balancei a cabeça tentando entender de quem ela falava.

—A quem você se refere? Quem é ele?

Ela franziu o cenho e as almas que se reuniram na sala

desapareceram.

—Elas tem medo dele, como eu disse. É o único que recordam, porque

foi à última coisa que viram enquanto estavam vivas. Tolo, de verdade, isso

não é culpa dele. Simplesmente, tinha chegado sua hora. —Eu congelei com

suas palavras e me agarrei ao braço da cadeira em que estava sentada em busca

de apoio. Meu coração começou a palpitar no meu peito enquanto eu

perguntava.

—O que você quer dizer com sua hora?

Ela me olhou por um momento e logo sussurrou.

— Era seu tempo designado para morrer. Igual ao meu, que chegará

logo. Ele me contou. Não se supunha que ele me dissesse isso, mas ele pode

romper as regras, se quiser. Ninguém pode detê-lo. No final, é sua decisão.

Traguei minha paciência com a menção da pequena menina ao falar

sobre a sua morte.

—Quem te disse isso? —Perguntei outra vez.

Ela balançou a cabeça.

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—Não fique tão triste. Ele disse que esse corpo que eu tenho, está

doente, e quando eu morrer, vou conseguir um corpo novo e uma vida nova.

As almas não são obrigadas a vagar pela Terra. Só aquelas muito assustadas

para seguir, são deixadas aqui para vagar. Se escolherem deixar a Terra,

retornarão em um corpo novo e em uma nova vida. A sua alma será, contudo,

a mesma. Ele me disse que o homem que escreveu meus livros favoritos, As

crônicas de Nárnia, disse que Você não é um corpo. Você tem um corpo. Você é uma

alma. — Ela sorriu diante da idéia, como se fosse brilhante.

Respirei fundo, para me tranquilizar antes de perguntar mais uma

vez.

—Quem é ele?

Ela franziu a testa.

—O autor? C.S. Lewis.

Neguei com a cabeça.

—Não, o ele que te disse tudo isso. O ele ao que as almas tanto temem.

—Ela franziu a testa e se virou para ir embora. —Não, por favor, espera...

preciso saber quem é. —Eu implorei.

Voltou para trás, me olhando e balançou a cabeça.

—Até que chegue sua hora, você não pode saber. — E se foi.

Eu segurei o livro, Onde vivem os monstros, em minhas mãos, pronta

para ler quando as crianças se apresentassem, mas ela não veio com eles.

Forcei um sorriso e um tom alegre ao ler as palavras que recordavam a minha

infância. Várias crianças pediram outros livros quando terminei e, atordoada,

peguei cada livro fora da estante e li os que me pediram até que as enfermeiras

insistiram que era hora de voltar aos seus quartos para o jantar. Depois de

vários abraços e obrigado, eu me dirigi de novo pelos corredores. Dessa vez não

me incomodei em sorrir para as almas. Elas não poderiam me ajudar. Tinha

certeza que a única que poderia, era a pequena menina que falou com ele e no

fundo eu temia saber exatamente quem era ele e o que fazia.

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~151~

—Tenho uma surpresa para você. —Leif disse enquanto passeava pela

sala da minha casa às sete da noite. Olhei para o livro paradidático aberto na

mesa e sorri. Ver Leif ajudou a aliviar o vazio dentro de mim. Ele se inclinou,

me beijou nos lábios suavemente e em seguida deixou um folheto na minha

frente, na mesa.

—Gatlinburg, Tennessee? —Perguntei, lendo o folheto na minha

frente com a imagem de uma montanha com neve com um teleférico e ruas

festivamente iluminadas.

Ele sorriu e se sentou na cadeira ao meu lado.

— Um fim de semana todo de esqui e compras. Meus avós têm uma

cabana lá e vamos todo ano nessa época. Falei com Miranda e ela tem a

aprovação do seu pai. Ele cobriria os gastos da viagem dela e Wyatt, e meus

pais querem te agradecer por todo o trabalho duro que fez ao me ajudar a tirar

um A+ em Oratória. —Sorriu com malícia—. E porque sabiam que eu não

iria a menos que você fosse também.

Sair de férias para esquiar não era algo que eu queria fazer agora.

Emocionalmente, eu estava uma bagunça, precisava encontrar Dank.

Simplesmente não podia entender como iria encontrá-lo exatamente.

—Uau. —Forcei um sorriso. Ele tomou meu falso sorriso como um

estímulo e abriu o folheto. Começou a falar sobre todas as coisas que podiam

ser feitas no topo da montanha. Eu dava voltas na minha cabeça, pensando

em como poderia dizer que não, quando minha mãe entrou.

—Olá, Leif, já comeu? Trouxe comida Chinesa da reunião com meu

agente literário. Vocês estão com fome? —Perguntou.

—Estou morto de fome. —Disse Leif com entusiasmo.

—Não, obrigada. —Respondi. Pensar em comida me embrulhou o

estômago. Eu percebi que Leif falava com minha mãe sobre a viagem para

esquiar e eu entrei em pânico, tentando pensar em alguma maneira de detê-lo.

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—Ah, isso seria perfeito, Pagan. A tia Margie nos pediu para ir ao

rancho no dia de Ação de Graças, mas eu odiaria te levar lá de volta para que

seja testemunha do choro do seu primeiro dia de Ação de Graças sem Ted.

Ela precisa de mim e eu poderia ir se você passar as férias nas montanhas com

seus amigos. Não me sentirei como que esteja sofrendo. Isso é simplesmente

perfeito. Leif, obrigada. Tenho que ligar para seus pais esta noite para obter

mais detalhes. Quero enviar dinheiro, no entanto, eu não gosto da idéia de que

seus pais paguem por ela.

Leif negou com a cabeça.

—Oh, não, senhora Isso não é necessário. Eles querem pagar. É uma

forma de agradecer por minhas notas de Oratória esse ano. Eles não poderiam

ter pago por um tutor melhor. —Ele me deu um sorriso malicioso e logo

sorriu para a minha mãe educadamente.

Eles já conversavam como se isso fosse um fato. Mamãe não iria

dizer que não, ou me perguntar sobre ir? Não tinha escapatória, a menos que

quisesse ferir, não só a Leif, que não merecia, mas também a Miranda. Ela,

sem dúvida, deveria estar emocionada pela viagem e, embora tudo o que eu

quisesse fazer era procurar Dank, não podia. No momento, não estava segura

sobre como começar. Meu plano tinha chegado a uma rua sem saída. Em uma

súbita explosão de esperança eu procuraria no Ebay por ingressos para o Cold

Soul pensando que, talvez, se eu fosse ao concerto, poderia vê-lo e saberia que

ele era real. Poderia acabar com todos esses medos se agitando dentro de

mim, de que ele era algo que eu não podia ter ou tocar. Inclusive, se

conseguisse comprar os ingressos, poderia financiar o custo da viagem para

chegar às próximas datas de seus próximos concertos.

—Suponho que isso é o que temos que fazer amanhã. — Mamãe disse

alegremente. Eu não tinha idéia do que ela se referia.

Eu olhei para ela fixamente e franzi testa.

—O que?

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~153~

Ela revirou os olhos.

—Ir comprar seu equipamento para a neve, tontinha. Você vai precisar

de roupa de inverno também. Oh, isso vai ser muito divertido! Estou tão

animada. Vocês dois façam sua tarefa e eu irei ligar para Margie para contar

que estarei lá na Ação de Graças. —Mamãe nos deixou e Leif se virou,

sorrindo triunfante, com uma caixa de arroz frito em uma mão e os palitos na

outra.

—Ela é mais que genial, te juro. Os pais de Wyatt tiveram uma pequena

briga. Ela foi tão fácil — Ele beijou o topo da minha cabeça enquanto voltava

a se sentar na minha frente. — É melhor que você ligue para Miranda e conte

as boas notícias antes de começarmos. Ela está esperando para saber as

notícias. —Eu balancei a cabeça e estendi a mão para o telefone. Eu teria que

parecer animada para o bem de Leif, e dela. O telefone tocou uma vez antes

que um intenso chiado estalasse na outra linha.

—Por favor, diz que ela disse que sim, por favor, por favor, por favor.

—A voz de Miranda cantou do outro lado da linha.

—Disse que sim. —Respondi, dedicando um sorriso ao Leif.

—FABULOSO! Nós vamos nos divertir muito. Fazer compras na

neve. Quão romântico é isso? Quero dizer, há realmente algo melhor que a

neve sobre as pequenas ruas cheias de lojas? Não, não há. Mas fique sabendo

que não colocarei meu pé em um esqui. De maneira nenhuma. Eu quero ir às

compras, não visitar a sala de emergência. Você vai esquiar? —Olhei para

Leif, que obviamente podia escutar a voz do telefone. Ele assentiu com um

grande sorriso no rosto.

—Não acredito que eu tenha opção. —Respondi.

—Uf, bom, eu sim, e não farei. Quero dizer, cair e ficar com o traseiro

completamente úmido. De maneira nenhuma. Não farei.

Leif riu entre dentes.

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—Tem que usar um traje de neve Miranda, isso mantém seu traseiro

seco. —Ele gritou em voz alta.

—Seja como for, continuo sem fazer isso. Ah, tenho que ligar para

Wyatt e contar. Temos que ir comprar roupa de inverno de verdade. Você vai

ter que faltar no seu serviço comunitário por, uma tarde ou provavelmente

duas. Certo, bem! Falarei com você mais tarde. —Desligou.

Fechei meu telefone e o coloquei sobre a mesa.

—Será um pouco difícil viver com ela nas próximas duas semanas. —

Falei, brincando.

Leif assentiu.

—Acredito que tem razão. —Recostou em sua cadeira. — Então, me

conte o que aconteceu com esse serviço comunitário?

Eu não queria falar com ele sobre isso. Olhei para baixo, no bloco

de papel de notas na minha frente.

—Bom, estou trabalhando como voluntária no hospital. Hoje li livros

para as crianças. —Eu esperava que essa fosse toda a informação que ele

necessitava. Levantei os olhos, olhando para ele e a admiração nos seus olhos

fez com que eu me sentisse uma pessoa terrível. Eu não fui como voluntária

porque estava preocupada com os outros. Fui procurar por respostas. Logo,

encontrei todas as respostas que era possível conseguir lá. Ela era apenas uma

menina, mas falou como se soubesse exatamente ao que se referia. Eu pensei

em amanhã falar com as pessoas mais velhas, porque sabia que não tinha

muito tempo para ver se algum deles me dizia se tinha visto esse ele ao que

todos se referiam.

—Você é uma garota especial, Pagan Moore e eu sou incrivelmente

sortudo. — Disse Leif, me olhando com uma emoção em seus olhos que eu

não merecia.

Neguei com a cabeça.

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—Não, sou tão normal como todas. Confia em mim. Agora, vamos

terminar as tarefas. — Eu precisava mudar de assunto antes de começar a

chorar e admitir que classe horrível de pessoa eu realmente era. Usava Leif

como consolo e o tinha, por tanto tempo. Agora, usava gente doente para

encontrar Dank. Até onde eu iria para encontrá-lo? O amor deve ser tão

intenso?

—Bom essa semana nos deparamos com a pergunta desafiante, os

estudantes do ensino secundário deveriam se apoiar na ajuda de beber café

pelas manhãs? Realmente profundo verdade? —Deixei escapar uma risada que

não sentia e alcancei meu notebook.

—Acredito que temos que pesquisar essa. Porque pelo menos eu acho

que o café é o néctar dos deuses e, sim, precisamos dele desesperadamente.

Porém, estou pensando que seu professor tem uma opinião diferente.

Leif encolheu os ombros.

—Odeio essa coisa, assim não posso ajudar. Você realmente acha que a

Internet vai ter informação sobre isso?

Eu olhei para ele ao pressionar a tecla enter.

—Um, sim, acredito. Teremos os argumentos dos grupos preocupados

com a saúde e os argumentos da Starbucks, ambos em nossas mãos em

somente um segundo.

Leif se inclinou, olhou a tela, e sorriu.

—Ótimo, então, de que lado devo estar para esse discurso?

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Capitulo Quatorze

As ruas estavam decoradas com luzes natalinas em todas as árvores.

As vitrines enfeitadas com a alegria das festas. As ruas cheiravam a chocolate

quente e as lojas de doces que exibiam caramelos deliciosos, apareciam em

cada esquina. A neve caia devagar e grudava nos casacos à medida que

caminhávamos pelas ruas. Wyatt levava cinco bolsas em suas mãos, cheias de

compras da Miranda. Uma brisa gelada batia no meu nariz dormente. Escondi

meu queixo no cachecol que tinha enrolado ao redor do meu pescoço

repetidas vezes. Não estava acostumada a esse clima. Nossos invernos na

Flórida, nunca tinham esse frio. Leif me puxou para seu lado.

—Vamos entrar nesse café e pedir algo que nos ajude a esquentar.

—Boa idéia. Preciso de um descanso dessas bolsas e tenho certeza que

a Miranda não encontrará nada ali para comprar.

Eu ri de Wyatt através do cachecol que cobria minha boca. Apontei

as bolsas, olhando para ele.

—Você deve estar brincando. Sabe que pode encontrar algo em

qualquer loja onde entremos. Até agora, estivemos em cinco lojas e tem cinco

sacolas em suas mãos.

—Tanto faz. —Disse Miranda, com um gesto de sua mão peluda

enluvada. — Para que existem todas essas pequenas e lindas lojas, a não ser

para comprar coisas?

Leif riu atrás de mim e fomos todos a uma mesa. Suspirei quando o

calor da cafeteria pareceu descongelar o meu nariz. Era a única parte do corpo

que não fui capaz de cobrir.

—O que você quer? —Perguntou Leif, tirando meu cachecol e

pendurando junto com seu grande casaco preto, no encosto da cadeira ao meu

lado.

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—Um Latte caramelo com chantilly. —Respondi. Ele deu a volta e se

uniu a Wyatt no balcão, eu olhei para Miranda.

—Sinto meu nariz como se eu tivesse sido enterrado na neve. —Eu me

queixei e o esfreguei com as mãos enluvadas. Ela assentiu com a cabeça e

esfregou o seu também.

—Eu sei o que você quer dizer. Agora que estou aqui e não

concentrada nas compras, me sinto dormente.

Comecei a dizer algo mais, quando notei uma alma junta ao caixa,

observando as pessoas com uma expressão confusa. Agora sabia o que eram e

por que sempre pareciam tão perdidos e confusos, teria gostado de poder

fazer algo para ajudá-los. Poderiam viver mais vidas se seguissem em frente.

Em vez disso, o medo os segurava e tudo o que podiam fazer era vagar,

perdidos.

—Para quem você está olhando como se tivesse vontade de chorar? —

Perguntou Miranda, com o queixo aparecendo ao longo do cachecol ao redor

de seu pescoço. Tirei meus olhos da alma e olhei para ela. — Nada, só estou

perdida em meus pensamentos. —Miranda olhou por cima do ombro, mas

tudo o que viu foi Wyatt e Leif caminhando de volta para nós, segurando

umas fumegantes canecas de café. Bom, quase todas, a de Leif, era um

chocolate quente.

—Aqui vamos nós. Vamos ver se podemos fazer com que o sangue

gelado nas veias fique quente novamente. —Disse Wyatt brincando, enquanto

deixava o Latte de Miranda na frente dela. Peguei o meu de Leif e tomei um

pequeno gole, precisando ter um pouco de calor fluindo através do meu

corpo. Miranda pegou a caneca e a aproximou de seu nariz. Ri e Wyatt revirou

os olhos.

—Ria o quanto quiser, mas melhora muito. —Estudei meu copo e

decidi que não me importava com o quão esquisito isso parecia, queria

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~158~

esquentar meu nariz também. O calor da taça provocava uma sensação

maravilhosa.

—Vocês, as garotas da Flórida, exageram com um pouco de frio.

Miranda abaixou a caneca e olhou para Leif com incredulidade.

—Um pouco de frio? Você está louco? É como se estivéssemos abaixo

de zero! —Gemeu e retornou a taça até seu nariz.

—Um não. Na realidade, lá fora está uns dez graus. Nem sequer se

aproxima.

Coloquei minha caneca sobre a mesa.

—Um, eu diria que é muito mais frio que um pouco de frio. —Miranda

sorriu por defendê-la e sorriu maliciosamente para Leif.

O braço de Leif deslizou ao meu redor e me permiti fingir que

minha vida era normal, que amava Leif e meu coração não sofria danos

irreparáveis, porque estou apaixonada por alguém que não podia encontrar e

temia nunca voltar a ver. A risada de alegria da minha melhor amiga, e sua

felicidade ao estar rodeada de amigos e de compras parecia tão normal. Eu

poderia fingir que isso era tudo. Fingir que era feliz e esquecer que uma alma

perdida não vagava através da parede por trás de Wyatt, procurando alguém

que pudesse ter a resposta para seu problema. Ninguém podia lhe ajudar

agora. Meu sorriso falso era difícil de manter, mas o fiz, porque ignorar o

sobrenatural é o que venho fazendo por toda minha vida.

—Eu acho que não deveríamos sair esta noite. Quero dizer, sei que não

é exatamente ideal passar todo tempo em uma cabana com seus pais, Leif,

mas faz muito frio lá. —Miranda franzia a testa, enquanto olhava pela janela

ao seu lado do Hummer, que os pais de Leif tinham alugado, para que

utilizássemos em nossa estadia.

—Estamos dentro de um monstro, bebê, não se preocupe. —Wyatt se

inclinou e beijou o pescoço de Miranda, fazendo-a rir. Observei o caminho

diante de mim, longe do casal feliz atrás de mim.

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—Wyatt tem razão, Miranda. Meus pais alugaram este veículo para

podermos passear facilmente no clima gelado. Além disso, o Pancake House

não é algo que você quer perder. Há pilhas de panquecas feitas de tudo que

possa imaginar. Estou babando só de pensar. — Disse Leif, com um sorriso.

—Aff! Vou ter vários quilos a mais quando formos embora daqui.

Tudo o que fazemos é comer. Se me fizerem entrar em umas dessas lojas de

doce, acho que vou sair correndo no sentido contrário. —Miranda fez uma

careta do assento traseiro. Wyatt começou a rir.

—Ou vai querer provar todas as amostras que eles têm.

Miranda deu um murro no braço dele brincando.

—Oh, cale-se. Não me lembre do meu ponto fraco e do dano que

tenho feito aos meus quadris.

—Eu gosto dos seus quadris. —Respondeu Wyatt em um sussurro

rouco, que dava para escutar claramente na frente.

—Bom... vocês dois, vou fazer vocês caminharem até o restaurante se

não esfriarem novamente. —Advertiu Leif, notei seu sorriso no espelho

retrovisor.

Mantive minha atenção na estrada, enquanto a neve caía, parecia se

tornar mais pesada. Toquei meu cinto de segurança e uma pequena punhalada

de dor me atravessou, enquanto lembrava de Dank de pé no meu quarto do

hospital, me dizendo que meu cinto de segurança salvou minha vida. No

entanto, minha mãe disse que fui jogada para fora por não usar o cinto de

segurança e não usá-lo salvou minha vida. Teria sido esmagada se tivesse

ficado dentro do carro. A lembrança de um grande peso sobre meu peito, me

dificultando respirar, me golpeou. Estava dentro do carro quando por fim

parou de rodar. Pensei que iria sufocar com o peso sobre mim. Então, me

tiraram do carro e deixado na grama. A dor era tão intensa que não podia

abrir os olhos. Como saí do carro? Alguém me tirou. Alguém soltou o cinto

de segurança e me tirou do carro esmagado para me deixar a salvo na grama.

Page 160: Abbi glines existence #1 existence

~160~

Nunca tinha perguntado pelo cinto de segurança outra vez. Agora, enquanto

conduzíamos pela estrada gelada da montanha, pouco a pouco caí na real. A

pessoa que me tirou do acidente, tinha que ter sido a única pessoa que sabia

que eu estava usando o cinto de segurança. Por que não perguntei

novamente? Esqueci que ele sabia sobre meu cinto de segurança. Leif me

contou seus sentimentos e me permiti esquecer o acidente e os

acontecimentos que levaram a ele.

—Você está bem? —Leif deslizou a mão na minha perna e pegou

minha mão entre a sua. Ocultei minha dor e me virei para lhe dar um sorriso

tranquilizador.

—Sim. —Ele apontou para as árvores lindas cobertas de neve fora da

minha janela. —É bonito, não é?

Assenti com a cabeça, porque ele tinha razão, eram, mas também,

porque me deu uma desculpa para continuar com o olhar perdido na

escuridão.

—LEIF! CUIDADO! —A voz de Wyatt rompeu a tranquilidade

relaxante do Hummer, como uma bala e Leif manobrou o veículo fora da

estrada e o deslizou contra a ladeira da montanha antes de batermos com um

automóvel capotado na nossa frente. Leif abriu de repente a porta.

—Liguem para a emergência! —Gritou e Wyatt pulou do carro com

ele. Cheguei às cegas a minha bolsa, sem querer tirar os olhos do carro

enfumaçado em caso de que as visse. Teria a alma se afastando dele? Se o

acidente matou os passageiros. Saberia logo se teriam morrido... ou não?

—Houve um acidente muito feio na nossa frente. —Ouvi a voz de

Miranda atrás de mim e soube que tinha encontrado seu telefone e feito a

ligação. Deixei cair minha bolsa e me arrastei até o assento de Leif, para sair

por sua porta, porque meu lado estava encostado contra a montanha.

As faíscas começaram a voar do carro e Wyatt agarrou o braço de

Leif para afastá-lo.

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~161~

—Não, homem, pare. — Disse, e Leif parecia debater se deveria tentar

ajudar a sair ou manter-se a salvo. As faíscas e a fumaça significavam que em

qualquer momento o automóvel iria pegar fogo e provavelmente explodiria.

—PARA TRÁS. —Gritou Miranda, saltando fora do carro e correndo

para nós com o telefone na mão. —A senhora no telefone diz que

retrocedam. A fumaça e as faíscas são um mau sinal e disse que os

paramédicos e caminhões de bombeiros estão a caminho, mas que não

precisam de mais acidentados, isso não ajuda nessa situação.

—Tem razão, Leif, vamos. Volte. —Leif olhou freneticamente para

mim.

—Volte Pagan. —Falou.

Antes que alguém pudesse reagir, o fogo aumentou e o carro na

nossa frente ardeu em chamas. Um grito ecoou em meus ouvidos e estremeci

ao pensar nas pessoas em seu interior que eu não fui capaz de ajudar.

Congelados pelo horror, todos ficamos ali e olhamos sem poder fazer nada

para salvá-los. Os lamentos de Miranda foram amortecidos pela suave voz de

Wyatt. Os braços de Leif chegaram ao meu redor e me separou do calor das

chamas. Deixei que me afastasse, mas não tirei os olhos do carro. Eu

precisava ver se eles morreram.

—Não olhe Pagan. —Pediu Leif, em voz baixa, no meu ouvido. Ele

não entendia por que eu tinha que ver e eu não podia dizer então o que vi.

Saiu da escuridão e se dirigiu diretamente ao fogo. Eu me liberei do agarre de

Leif e corri para o fogo. Ele estava aqui. Dank estava aqui.

—Pagan, NÃO!—Chamou a voz de Leif atrás de mim.

—SEGURE-A! —Gritou Miranda, com voz de pânico, mas eu não

podia parar. Dank estava aqui! Ele estava ali. O fogo não lhe faria mal. Agora

compreendia. Uns braços apareceram ao meu redor e me fizeram voltar

enquanto lutava contra eles.

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~162~

—Não, me deixe, não posso... tenho que chegar lá! Tenho que ver. —

Eu implorei enquanto lutava contra os braços de Leif, sem tirar os olhos do

carro em chamas. Dank surgiu com duas pessoas ao seu lado. Era um casal

jovem. Eu comecei a gritar enquanto Leif me segurava com força em seus

braços, inflexível. —Por favor, por favor, me deixe ir. Tenho que ir. —

Supliquei, vendo como Dank parava e me olhava. Seus olhos eram de um azul

intenso, brilhantes na escuridão, enquanto me via lutar e gritar nos braços de

Leif. Ele estava ali, tão perto, e as pessoas ao seu lado olhavam o carro em

chamas do qual acabaram de escapar. Ele desviou o olhar e com um aceno de

sua mão, os três desapareceram. Eu vi com horror como voltava à escuridão.

O carro continuava queimando e escutei os caminhões de bombeiros que se

aproximavam.

—Vamos, Pagan. Volte, bebe. —Leif sussurrou no meu ouvido.

—Eles estão mortos. —Sussurrei, sabendo por que Dank tinha vindo.

Leif me puxou para si e me segurou em um forte abraço. Eu deixei.

Não tinha nem idéia do que acabava de ver. Ninguém tinha. Tudo o que viam

era o carro em chamas. Acabava de ver a linda alma, que tinha roubado meu

coração, emergir da escuridão e tomar as almas das pessoas no interior do

carro em chamas. Ele não era uma alma normal. Sempre me dizia que era

diferente. Agora compreendia o que queria dizer. Ele é diferente.

Sua existência era fria e solitária. Um soluço sacudiu meu corpo e

me espremi contra o corpo de Leif. Chorei com a compreensão de que Dank

nunca teria uma oportunidade para se apaixonar. Vivia dentro da tristeza.

Tinha que caminhar de mão dada com a morte. Escutei a voz de Leif

tentando me consolar, mas não podia aceitar suas palavras. Nada do que disse

fez com que me sentisse bem. Para Dank não foi dada nenhuma oportunidade

para viver e ser feliz. Minha respiração era irregular pelos disparos de dor

através do meu coração. Tudo era muito. Eu tinha um limite e acabava de

ultrapassá-lo.

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—Não, senhor, não está ferida. Não estávamos suficientemente perto

quando o veículo bateu e todos usávamos cintos de segurança, tive que

manobrar para sair da estrada. Ela não aguentou tudo o que vimos e.... —A

voz de Leif foi sumindo. Uma voz desconhecida falou atrás de mim.

—Ela tem que ser examinada para tomar alguns remédios para se

acalmar. Esse tipo de trauma emocional pode deixar efeitos devastadores. —

Apertei meu corpo contra Leif. Não posso ir ao hospital agora. Não queria

ver mais almas doentes ou perdidas. Neguei com a cabeça violentamente

contra seu peito.

—Ela está assustada e não posso deixá-la ir sem mim. Eu não posso

deixá-la. — Ouvi Leif discutir.

—Você pode ir com ela, mas ela precisa de cuidados médicos. Esta não

é uma forma normal de lidar com algo assim. A outra garota está bem, mas ela

parece estar perdida.

—Bem, mas não vou me separar dela. —Disse Leif, com firmeza em

sua voz.

—Não quero ir a um hospital. — Falei presa no pânico. Separei-me de

Leif, tentando escapar, assim poderia correr para uma pessoa segura, alguém

que não me obrigasse a ir. Ninguém entendia o que eu tinha visto. O que vi

esta noite.

—Não, não. —Escutei os protestos de Leif e pensei por um momento

que ele falava comigo, mas depois senti a espetada de uma agulha e o mundo

ficou nebuloso, antes de se tornar negro.

—Não, te deram um tranquilizante para derrubá-la... tentei pará-los,

mas aconteceu antes que eu pudesse evitar. —Escutei a voz de Leif na

escuridão.

—Liguei para sua mãe e ela se preocupou muitíssimo. Eu disse que não

viesse. Nós iremos em poucas horas. —A voz da senhora Montgomery soava

preocupada.

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—Como estão Miranda e Wyatt? —Perguntou, antes que os dedos de

Leif suavemente acariciassem meu braço. Eu sabia que era seu toque.

—Ambos estão muito bem. Miranda está bem. Está muito preocupada

com Pagan. Assegurei que ela está descansando. —Houve uns minutos de

silêncio. Deixei que a carícia de Leif me confortasse. Ajudando-me a lutar

contra o horror que com muita dificuldade podia conter. Eu sabia a dor que

me esperava, mas não estava pronta para enfrentá-la.

—Querido, ela é sempre tão instável? Eu sei que foi uma coisa horrível

de testemunhar, mas não para que enlouqueça completamente, bem, você

acha que ela tem alguns problemas mentais dos quais podem não estar

conscientes? —Leif não disse nada a princípio, e me perguntei se negava com

a cabeça ou se encolhia os ombros. Ouvi-o suspirar.

—Não sei mamãe. —Disse em voz baixa. Leif sempre parecia

completamente cego aos meus problemas. Sempre me perguntei se ele

percebeu como presenciei e via coisas que ele não podia ver. Também, minhas

mudanças de humor, que ele sempre parecia ignorar. Talvez ele tivesse visto

mais do que eu percebi. Uma onda de pânico apertou meu peito quando notei

que podia estar perdendo Leif também. Dessa vez não seria capaz de ignorar

meus sérios problemas. Eu não era normal. Nunca fui.

—Pode ser ter que tenha que pensar sobre sua relação com ela. Não é

saudável se envolver com alguém que é emocionalmente vulnerável. A pessoa

que é fraca emocionalmente pode ser perigosa. —A mão de Leif deixou de

acariciar meu braço.

—Não pedi sua opinião. Não diga coisas como essas sobre Pagan

nunca mais. Entendeu? Não há nada de errado com ela que seja perigoso ou

nocivo. Ela só sente mais que outros. —Pensei no muito que amava Dank e

não podia discutir com ele. Sentia mais profundamente do que era normal.

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—Sinto muito, querido. Eu não deveria ter dito nada, mas é a

preocupação de uma mãe, isso é tudo. Quero o melhor para você. Assegure-

se de que ela seja.

Queria abrir os olhos e dizer: Escute sua mãe. Não sou boa para você,

Leif, mas não fiz. Porque eu era egoísta e estava com medo.

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~166~

Capitulo Quinze

Não sei quanto tempo demorou a viagem de volta para casa. O

tempo passava despercebido para mim. Não havia noite, nem dia. Levantar da

cama era quase impossível, às vezes. Em meus sonhos, Dank estava lá. Só

queria dormir. Falar era algo para o que simplesmente não estava preparada.

Eu vi as perguntas e a preocupação nos olhos de Leif no vôo para

casa, mas não tinha falado com ele. Ele não quis me enfrentar, agora que sabia

que eu tinha problemas, embora realmente não tenha idéia de quais eram.

Deve achar que estou louca e esse não é o meu problema. Meu problema era

que eu amava alguém que não podia ter. Via almas que vagavam perdidas pela

terra e fui atacada por uma alma que tinha a intenção de me matar. Eu era a

única pessoa que lembrava que Dank Walker foi à escola e se falasse seu nome

na escola outra vez, todo mundo pensaria que realmente perdi a cabeça.

Então, sim, tinha problemas, mas não psiquiátricos. Tinha os sobrenaturais.

Uma batida na porta do meu quarto me surpreendeu e olhei para

ver a porta fechada sabendo que era minha mãe. Minha mãe preocupada.

Como iria explicar que estou machucada tão profundamente que não tenho

certeza se posso me recuperar? Faltava algo na minha vida, algo que jamais

conheci.

—Entre. —Minha voz soou rouca por falta de uso. Minha mãe abriu a

porta lentamente e colocou a cabeça para dentro, como se avaliasse a

atmosfera antes de entrar.

—Não vai à escola esta manhã? —Ela perguntou com um sorriso que

não chegava aos seus olhos. Eu esqueci que dia era, mas sabia que não estava

preparada para lidar com a escola. Tampouco preparada para enfrentar Leif,

Miranda ou Wyatt. Tinha que permanecer em meu quarto e encontrar a força

dentro de mim para continuar vivendo. Neguei com a cabeça e a pretensão de

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sorriso deu passo a um cenho de preocupação, enrugando sua testa. —

Querida, perdeu uma semana de escola até agora. Eu permiti ficar aqui, com a

esperança de que pudesse superar o trauma que viveu. Mas agora me

preocupa que não vá querer sair mais daqui. Estive estudando seus sintomas

na Internet e tem todos os sintomas de um transtorno de estresse pós-

traumático. Você tem pesadelos horríveis e grita em seus sonhos, chamando

por Dank ou Sank ou Crank... não posso entender entre os soluços. Não sai

do seu quarto e não recebe ligações ou visitas. Quando tento falar com você é

como se você se escondesse. Não está me escutando.

Fiquei ali sentada, escutando. Eu sofria por ter o coração

destroçado, partido além do reparo, mas não iria dizer, por isso fiquei em

silêncio. Ela parecia tomar meu silêncio como um estímulo.

—Fiz algumas ligações e consegui uma consulta com uma psiquiatra.

Preciso que vá falar com ela. É muito boa e trabalha com adolescentes

exclusivamente. É muito recomendada e não tem que dizer a ninguém que vai

a essa consulta. — As lágrimas brotaram nos olhos da minha mãe. Limpou-as

de repente e deixou escapar um suspiro. —Eu... a verdade é que deveria ter te

enviado há anos. Quando era pequena falava de pessoas nas paredes. Pensei

que era sua imaginação, mas agora me pergunto se, de algum jeito, tem alguma

doença e este trauma que aconteceu provocou algo. —Fungou. —Fala

sozinha durante a noite aqui. Escuto você falando como se tivesse alguém.

Querida, precisa de ajuda. —Assenti com a cabeça. Sabia que ia aliviar seu

medo. Ela se preocupava muito comigo e eu não podia explicar nada sem que

pensasse que estou louca.

Ela sorriu em meio às lágrimas e assentiu com a cabeça.

—Está bem, bom. Vou te dar um pouco de tempo, mas terá que se

levantar e tomar uma ducha. Então se vista e vamos ver a doutora

Hockensmith. Ela está nos esperando.

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Assenti com a cabeça novamente e vi que minha mãe sair do

quarto, deixando a porta aberta como um aviso que precisava me levantar.

Aceitei ir ver um psiquiatra. Minha mãe perderia o dinheiro, mas eu sabia que

tinha que ir, ou ela teria que ver um psiquiatra, pela tensão que lhe provoco

emocionalmente. Eu odiava estar dando tanto desgosto, mas parecia que não

havia uma maneira de sair do desespero que me consumia.

A enorme casa, de dois andares, feita com acabamento de gesso

branco, dava vista para o Golfo do México. Minha mãe andou devagar e ficou

olhando a casa, suficientemente grande para morar pelo menos cinco famílias

comodamente. Mas não era uma casa para uma família. A alegre casa na praia

era um lugar para tratar adolescentes que sofrem de problemas psiquiátricos.

Olhei para mamãe, ela esperava que eu desse o primeiro passo.

Tínhamos empacotado minhas coisas em silêncio, depois que eu concordei

com a psiquiatra, que sofria um transtorno de estresse pós-traumático e

precisava de ajuda. Estava disposta a aceitar qualquer coisa para sair do

escritório onde era óbvio que ela realmente queria que eu mudasse de

personalidade ou admitisse minha loucura. Eu não era uma psicopata e este

parecia ser o diagnóstico que me deram.

—Quer fazer algumas ligações antes de se instalar? Uma das regras é

que não pode ter telefone aqui. —A expressão de mamãe me mostrou que

temia que a notícia de nenhum telefone fosse me assustar. Assenti, pensando

em Leif e Miranda. Tinha que contar onde ia estar por um tempo. Mamãe

assentiu com a cabeça. —Está bem. Vou começar a levar suas malas e a te

registrar. — Disse as palavras com um pequeno soluço, como se estivesse a

ponto de começar a chorar. Tinha dirigido tudo isto tão bem e foi tão forte,

pensando que isto era o que necessitava. Estiquei a mão e segurei a sua,

apertando-a com força.

—Mamãe, estou bem. Acredito que vai me ajudar. Não fique tão

sentimental. Tudo vai ficar bem. —Assentiu com lágrimas nos olhos. Sabia

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~169~

que tinha que melhorar por ela. Tinha que encontrar uma maneira de viver

com o buraco no meu peito. Mamãe subiu as escadas com as malas na mão e

agarrei o telefone, discando primeiro para Miranda.

—Bom, que milagre é esse, há um tempo fodido não vejo seu nome na

tela do meu celular. Por Deus, Pagan! Já estava me assustando. —Sorri

aliviada ao escutar sua voz.

—Sinto muito. —Puxei uma respiração profunda. —Fui diagnosticada

com transtorno de estresse pós-traumático. Estou à espera de ser internada

em um centro de reabilitação para pessoas com problemas similares. Não

posso ter meu telefone, mas me disseram que podia receber visitas, se por

acaso quiser vir me ver alguma vez.

Miranda ficou em silêncio e comecei a me perguntar se meu

telefone tinha desligado sua chamada.

—Então, pode melhorar... quero dizer, eles te ajudarão? —Perguntou

lentamente, soando como se estivesse aterrorizada.

—Sim, podem ajudar. —Disse para tranquilizá-la. Mas sabia que não

podiam me curar. Nunca poderia ser normal. Só quero aprender a fingir, para

que meus entes queridos não se preocupem comigo.

—Já contou a Leif? —Sua voz tinha perdido a alegria de antes, e eu

odiava que fosse minha culpa.

—Não, liguei para você primeiro. —Com um suspiro irregular disse. —

Adoro você. — Senti as lágrimas ardendo em meus olhos pela primeira vez.

Eu também a adorava. —Ligue para Leif e te visitarei o mais rápido possível.

—Tudo bem. Até logo. Tchau. —Pressionei o botão para terminar a

chamada e logo disquei para Leif.

—Pagan. —Sua voz soava tão aliviada como a de Miranda.

—Ei, você. —Falei, precisando tranquilizá-lo antes de lhe atirar a

mesma notícia que acabava de dar a minha amiga.

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—Você se sente melhor agora? Espero que sim, Pagan, porque sinto

saudades como um louco. —Sorri diante do calor que sua voz sempre me

causava.

—Tenho transtorno de estresse pós-traumático, Leif. Fui ver um

psiquiatra.

—O que é isso? Darão a você alguma receita para remédio? —Sua voz

mostrava pânico.

—Não exatamente. Tenho problemas para voltar para a normalidade

pelo trauma que sofremos. Vocês o dirigiram normalmente. Eu não. Poderia

ser um desequilíbrio químico, mas não tem certeza. Ficarei em um centro

psiquiátrico por um tempo. Supõe-se que me curarei aqui. Não terei meu

telefone, mas posso receber visitas.

Leif parecia estar tomando uma respiração profunda.

—Então poderei ir te ver? Por quanto tempo ficará ai?

—Sim, pode vir, e ainda não sei quanto tempo.

—Sinto muito que isso esteja acontecendo, Pagan. Sinto muito. — Sua

voz soava cheia de dor e culpa.

—Escute Leif. Estou lutando com isso, pelas coisas que estão mal

comigo. O que vimos só o provocou. Vou melhorar. — Precisava escutar essa

mentira, tanto como ele. Depois de tranquilizá-lo mais várias vezes, desliguei o

telefone e deixei meu celular no assento do passageiro do carro. Minha bolsa

ficou no assento traseiro, assim que a peguei me dirigi para as escadas, até

meu novo lar, pelo menos por agora.

O quarto de cor amarela pálida que tinham me dado tinha uma

pequena janela redonda com vista para a praia. Abracei a minha mãe por trinta

minutos. Lembrando-me que fazia isto por ela. Seria de grande ajuda para

lutar com seus medos da minha loucura. E estar longe do meu quarto, onde

havia tantas lembranças da existência de Dank, me ajudaria a encontrar uma

maneira de viver sem ele.

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Uma senhora idosa ficou fora na areia, com uma bolsa cheia do que

parecia pão, lançando-o no ar enquanto as gaivotas voavam em círculos sobre

sua cabeça. Ou era uma turista e não percebia que lhe caía coco na cabeça, ou

era uma paciente psiquiátrica, muito louca para se preocupar com o coco de

pássaro.

Eu me distanciei da vista de pássaros famintos e estudei meu

pequeno quarto de madeira que era pelo menos a metade de um quarto

regular. Considerando que este lugar ocupava vinte e cinco pacientes de uma

vez, dez enfermeiras e dois médicos, os quartos não poderiam ser muito

grandes, inclusive a casa sendo de dois andares. Uma cama individual estava

no centro do quarto com uma pequena mesa redonda, branca, em cima tinha

um abajur coberto de conchas. Um solitário espelho oval pendurado na

parede e um armário com três gavetas. Um armário muito pequeno, grande o

suficiente para pendurar quinze peças e manter três pares de sapatos, estava na

parede oposta. Eles me permitiram só uma hora em meu quarto durante o dia.

Era sua maneira de manter os pacientes rodeados de outras pessoas. Evitar a

depressão do isolamento era a regra de ouro aqui.

Joguei uma olhada ao pequeno despertador que tinha deixado sobre

a mesa redonda. Já tinha utilizado dez da minha hora em meu quarto. Tinha

que ir passear e ser vista, assim teria tempo para voltar mais tarde.

Caminhei pelo corredor e fechei atrás de mim. A pequena chave

que tinham me dado continuava em meu bolso e fechei minha porta com ela.

Ao que parecia, não existia motivos para preocupação com roubos entre

pacientes. Não era permitido trazer coisas de valor com você, mas aqueles que

sofriam de transtornos da personalidade pegavam algumas coisas e eu preciso

da minha roupa. Só tinham deixado trazer uma quantidade pequena e

necessitava o que tinha.

Uma porta abriu no corredor e uma menina com o cabelo espesso,

de cor castanha, e enormes óculos redondos ficou olhando, e logo,

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rapidamente, puxou sua porta para fechá-la. Ouvi a fechadura fazendo clique

atrás dela. Ela se assustou com facilidade e espanto. Deve ser alguém que

realmente sofre de Transtorno de Estresse Pós-traumático, já que está aqui.

Fiquei olhando as outras portas fechadas, me perguntando se todo mundo

nesta sala tinha o mesmo transtorno. Se as noites iriam ser barulhentas, com

gritos causados por pesadelos.

Desci as escadas até o salão principal, ou o que eles chamavam de

Grande Sala. Ali era onde tinha as televisões passando comédias e onde se

jogava jogos de mesa. Não tinha computadores ou Internet para os pacientes.

Uma enfermeira sorriu alegremente enquanto caminhava com uma cesta cheia

de aperitivos.

—Comeremos nosso lanche logo. Passe por aqui e conseguirá algo para

comer e conhecer alguns dos outros pacientes. Temos vários de sua idade. —

Conhecer adolescentes com transtornos psiquiátricos não parecia muito

atrativo para mim. Mas não disse nada. Em vez disso, me dirigi às portas de

correr de vidro que davam para fora.

—Não será capaz de abrir. São trancadas. Você sabe, para que nós, os

loucos, não possamos ter o selvagem capricho de comprovar se podemos

voar. Embora, imagino que a areia amorteceria o golpe. —Eu me virei para

ver uma garota jovem com o cabelo tingido de loiro que chegava até os

ombros. Ela o tinha penteado em dois rabos no topo de sua cabeça. Tinha o

lábio vermelho brilhante, que contrastava com sua pele pálida.

—Obrigada. —Ela encolheu os ombros.

—Não há problema. Se desejar sair e desfrutar da praia pode pedir que

uma enfermeira te acompanhe. Gostam de ter uma desculpa para sair à rua.

—Recordei a senhora alimentando as aves. Sozinha. Realmente não quero

saber quem era por isso mais uma vez assenti e falei.

— Obrigada. —Inclinou seu rosto magro de lado a lado e olhou como

se estivesse me examinando um pouco mais de perto.

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—Você não está louca, certo? —Não esperava que esta garota estranha

fizesse tal observação precisa. Depois de tudo, os médicos, todos acreditavam

que eu precisava de ajuda. Encolhi os ombros, sem saber como responder.

—Bom, parecem pensar que estou. —Arqueou suas escuras

sobrancelhas.

—Eles podem cometer erros. Já fizeram isso antes. —Eu me perguntei

se ela se referia a si mesmo. Olhei para a enfermeira, sentada atrás de uma

mesa de trabalho usando um notebook. Não parecia reagir à acusação de que

havia gente ali que não era louca.

—Karen sabe que é verdade. Mas não vai admitir. Vê a enfermeira

Karen? —A loira sorria para a enfermeira, que levantou a vista e revirou os

olhos com carinho e voltou a escrever. —Ela sabe, mas está muito ocupada

no Twitter para admitir. —A enfermeira se aproximou e deu uns tapinhas na

pilha de papéis que estava do seu lado antes de olhar para loira novamente.

—Estou revisando medicamentos e resultados de provas.

—Bla, bla, bla. Não deixe que te engane, ela é uma viciada no Twitter.

Por isso fica todo o fodido tempo grudada ali. —A enfermeira disparou um

olhar de advertência.

—Cuidado com a língua, por favor. Perderá dez minutos do seu tempo

no quarto se não tomar cuidado.

A loira encolheu os ombros e me olhou.

—Como eu já disse, nem sempre têm razão por aqui. Posso ver em

seus olhos. Está muito sã. Não tem os demônios em seus olhos, como a

maioria das pessoas aqui. —Ela se levantou e se esticou, mostrando um

estômago muito pálido e plano. Tinha uma grande faixa preta através de seu

umbigo.

—Aliás, sou Gee. —Esticou seu braço, estendendo a mão para mim,

quando fui cumprimentar, ela retirou a mão. —Regra número um, não segure

a mão de ninguém. Este lugar está cheio de loucos.

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Sorri.

—Eu suponho que você não é um deles.

Ela soltou uma gargalhada.

—Oh não, eu estou tão fodida como eles acreditam. —Começou a

andar e golpeou os papéis que a enfermeira tinha a seu lado enquanto passou

por lá.

—Não Twitee muito, Karen, é ruim para os olhos. É uma estupidez.

—Dez minutos, Gee. —A enfermeira disse, sem levantar a vista. Gee

olhou para trás e piscou com os olhos para mim.

—Não gostam das más palavras, assim se tiver uma boca de marinheiro

precisa dominá-la.

—Vinte minutos, Gee. —Disse a enfermeira de novo, ainda

concentrada na tela do notebook. Gee soltou uma gargalhada e se dirigiu para

as mesas de comida. A enfermeira me olhou.

—Gee é definitivamente um caso especial. Aprenderá a lhe ignorar. É

hora do lanche, pode ir se quiser comer algo e conhecer outros pacientes.

Sorri.

—Obrigada, mas não estou com muita fome. Posso ficar aqui e ver

televisão? —A enfermeira Karen assentiu com a cabeça e voltou para seu

trabalho. Eu me enrolei em uma poltrona e fiquei olhando fixamente para a

tela de televisão, me sentindo mais sozinha do que nunca.

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Capitulo Dezesseis

A sala de jantar era um grande salão com dez longas mesas nas

quais podiam sentar-se, em cada uma, dez pessoas. Uma cafeteria ao estilo

bufê estava localizada em um canto, onde as enfermeiras enchiam os pratos

dos pacientes. Esta era a única sala com janelas grandes. A parede sul era

basicamente formada por janelas panorâmicas com vista para a praia. Agradeci

à enfermeira que me entregou uma bandeja vermelho brilhante cheia de

macarrão com queijo que parecia bastante comestível, tiras de frango assado,

uma salada caesar, feijões verdes, um pãozinho de trigo grande, e uma

pequena porção de algum tipo de creme que já sabia que não provaria. As

mesas mais próximas às janelas pareciam ser as mais populares, já que se

encontravam completamente cheias, e alguns pacientes discutiam sobre

lugares específicos. Decidi me sentar em uma das mesas longe das janelas.

Não queria ter problemas por acabar sentada em um assento cobiçado por

alguém. Peguei um copo de plástico cheio de chá gelado e me dirigi para a

última fileira de mesas.

—Provavelmente você vai querer pegar um pouco de açúcar. O chá

não tem nenhum e é simplesmente nojento assim. —Uma garota com o

cabelo castanho grosso, e grandes olhos castanhos, olhou para o copo em

minha mão com o cenho franzido. Seus dentes pareciam se sobressair um

pouco e tinha o nariz coberto de sardas.

—Oh, ei, obrigada, mas eu não tomo açúcar em meu chá gelado. —

Expliquei e ela franziu o nariz.

—Então deve ser da Florida. Não entendo porque continuam agindo

como se fossem do norte. Vocês estão mais ao sul do que estamos no

Mississippi, e nós sabemos que o chá gelado precisa de açúcar.

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~176~

Custou-me entender seu sotaque, mas sorri e me virei para a mesa

que tinha escolhido, mas percebi que agora havia outras duas ocupantes, a

garota com o grosso cabelo castanho que tinha fechado a porta e se escondido

logo que me viu e Gee. Vacilei e me perguntei se deveria sentar-me em outra

mesa, quando Gee lançou-me um sorriso desafiante. Imaginei que era melhor

seguir com meu plano.

Gee esperava que eu escolhesse outro lugar, e não queria que

pensasse que tinha medo dela. Surpreendeu-me um pouco que estivesse

sentada com a garota hiperativa. Gee não parecia o tipo de pessoa que gostaria

de alguém nervoso e cheio de medo.

—Não esta pensando em se sentar com essas duas, não é? —A garota

do interior me perguntou.

Encolhi os ombros.

—Não vejo por que não.

Começou a rir.

—Porque Gee é uma louca, por isso. É uma completa maluca, garanto.

—Mordi os lábios para evitar sorrir, porque esse lugar era para doentes

mentais. Não era para todos serem um pouco malucos aqui?

—Um, obrigada, mas já conheci Gee e ela não me pareceu tão ruim.

—A garota perto de mim ficou olhando, como se tivesse me estudando

cuidadosamente.

—Não é esquizofrênica, certo? Porque tenho que saber. Não me sinto

à vontade perto dos esquizofrênicos. —Olhei para Gee e me perguntei se era

isso o que ela era. Tinha esquizofrenia?

Neguei com a cabeça.

—Não, tenho transtorno de estresse pós-traumático.

Ela sorriu.

—Ah, bom, posso lidar com isso. São fáceis de controlar. Eu sou

bipolar. Mamãe me trouxe por ter tentado me matar.

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~177~

Fiquei rígida, olhando a esta amigável pessoa com aspecto de

menina inocente, me perguntando como alguém como ela poderia tentar

acabar com sua vida.

—Por quê? —Ouvi-me perguntar.

Ela encolheu os ombros.

—Às vezes me sinto tão triste que isso parece bom. —Disse isto com

muita seriedade, e estremeci. Nunca percebi que havia rapazes da minha idade

que pareciam normais, mas que por dentro lutavam com muita coisa.

Coloquei minha bandeja do outro lado da mesa. —Foi bom falar contigo. —

Disse a garota do interior, sorrindo.

—Não vai se sentar a meu lado, Henrietta? Por que, Henrietta? Acho

que meus sentimentos estão feridos. Posso sentir vontade de chorar aqui,

diante da maldita cafeteria. —Disse Gee, sorrindo para a garota do interior.

—Deixa-a em paz. — Sibilou a outra garota antes de meter uma

colherada cheia de macarrão com queijo na boca.

Gee voltou o sorriso para ela.

—É muito divertido gozar com Henrietta. Às vezes, inclusive dá para

fazê-la dizer tive suficiente de seus falatórios. Agora me deixe em paz antes que te delate.

— Gee imitou perfeitamente o sotaque de Henrietta.

A menina esquisita sorriu e engoliu a comida.

—Então, não está louca? Eu sou Jess, sinto muito por antes, mas não

gosto muito de conhecer os loucos novos que chegam aqui. Já estou

suficientemente maluca, e não preciso de mais loucuras ao meu redor. É

estranho que passe tanto tempo com Gee. —Gee sorriu e mostrou a língua,

que também tinha um piercing, mas de prata.

Surpreendi-me de como brilhava e ela gargalhou.

—Relaxe, Pagan. Não mordo, pelo menos não a outras pessoas. —Riu

do próprio comentário tal como sua companheira. —Falei para Jess que não

se estressasse tanto com você. Que já tinha te visto, e não há nada errado

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com você. Mas é interessante. Não conseguimos entender o que eles

acreditam que tem.

Mexi a comida em meu prato, mas nada me atraiu.

—Transtorno de estresse pós-traumático. —Falei, olhando-a.

—Ah, sim, acham que sofreu um trauma e que isso te ferrou. O que é

muito ruim, já que sabemos que não está louca. O que fez para conseguir que

te mandassem para cá? —Perguntou Jess antes de enfiar outra colher cheia de

macarrão com queijo na boca. Olhei para as enfermeiras que já tinham

começado a patrulhar as mesas laterais.

—Isso não é algo de que eu realmente queira falar. —Agarrei meu

garfo, com a esperança de que se começasse a encher a boca, deixariam de

esperar que falasse.

Gee assentiu com a cabeça e logo deu uma cotovelada em Jess.

—Olhe a Roberta. Está a ponto de atacar a Kim por tocar no seu prato.

Ah, droga! A enfermeira Karen. Está levando Roberta para pegar outro prato

e lavar as mãos. —Gee sorriu para mim. —Roberta é o melhor tipo de doente

mental para incomodar.

—Ela tem transtorno obsessivo compulsivo. —Jess terminou sorrindo.

Ao que parecia, os problemas da pobre Roberta eram um entretenimento.

Gee mexeu no piercing de sua língua com os dentes.

—Muito divertido. —Disse ela, sorrindo.

—Dez minutos amanhã, Gee. —A voz da enfermeira Karen veio detrás

de mim.

Jess entreabriu os olhos.

—Por que faz isso quando sabe que ela pode te ouvir?

Gee encolheu os ombros.

—Porque posso. Ou porque eu não gosto de ficar no meu quarto

sozinha. Você sabe que as vozes em minha cabeça são muito altas quando

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estou sozinha. —Gee me dirigiu um sorriso e deu uma dentada em seu bolo

de creme.

Senti-me aliviada por chegar na cama. Depois do jantar fui enviada

à sala de reuniões para o Tempo de Discussão, o que significava que estimulavam

todos a falar. Não queria falar. Não tinha nada para dizer. Tornou-se tão

chato, que me vi procurando almas errantes com o olhar. Depois de nenhum

sinal delas por horas, percebi que não tinha visto uma desde que coloquei os

pés na casa. Ao que parece, as almas ficavam assustadas com este lugar. Não

podia culpá-las. Podia escutar as ondas batendo lá fora, e esperava que fosse o

único som que ouvisse esta noite.

Como se fosse uma deixa, escutei um grito abafado. Estremeci e me

afundei sob as cobertas. Não que me dessem medo, mas sofria por eles. Na

verdade lidavam com coisas que eu não podia compreender. Outro grito

ecoou no corredor. Alguém abriu a porta e soltado seu terror. Olhei de novo

para a minha porta para me assegurar de que eu tinha trancado. Uma

enfermeira falava com quem gritava e várias portas se abriram e fecharam.

—Nunca vou conseguir dormir. —Murmurei na escuridão. Levantei-

me da cama e caminhei para a janela para ver as ondas batendo contra a costa,

iluminadas pela lua. As ondas me recordavam a última noite que tinha passado

com Dank. Salvou-me das ondas que tentavam me tirar a vida. Estava pronta

para deixar que acontecesse, até que seu braço se envolveu ao redor.

A dor atravessou meu coração e tive que me sentar na cama e

apertar fortemente meu estômago, tentando me manter inteira. Escutei outro

grito desta vez em um quarto bem perto. Uma lágrima ardente correu por

meu rosto. Estava sozinha, pela primeira vez em minha vida. Deitei-me com

os joelhos contra meu peito e meus braços envoltos com força ao redor deles.

Minhas pálpebras ficaram pesadas e os gritos começaram a ficar

imediatamente abafados.

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Lentamente me deixei levar por meus sonhos e pela música que

começou a tocar. Lutei para despertar novamente. A familiar melodia era

minha canção de ninar. O cansaço do dia e minha sensação de solidão

pareciam desaparecer à medida que a música se reproduzia. O calor da voz de

Dank encheu minha mente, e dormi.

***

—Tem um visitante e é delicioso, delicioso de lamber os lábios. —

Disse Gee, exibindo-se na biblioteca. Tinha quase certeza de que ela nunca

passou um momento ali. Relanceei o olhar pela cópia gasta de couro de

Orgulho e Preconceito que havia achado entre as prateleiras de livros que

cobriam as paredes.

—Tenho um visitante? —Tinha que ser Leif. —Obrigada. —Levantei e

segui Gee novamente para a grande sala, onde todas as visitas tinham que

esperar. O cenho franzido de Leif sumiu quando me viu chegando. Um

sorriso diminuiu as linhas de preocupação em seu rosto.

—Pagan. —Disse, caminhando e se atirando para mim com um abraço

feroz. Aferrei-me a ele com força, tentando não chorar.

—Estou tão contente que tenha vindo. —Sussurrei, com a esperança

de que a emoção em minha voz não fosse tão evidente.

—Sinto tanto a sua falta, Pagan! —Disse contra meu cabelo, e ficamos

nos sustentando mutuamente até que alguém pigarreou, e a contra gosto o

soltei. A enfermeira Karen franziu o cenho e balançou a cabeça.

—Oh, vamos Twitter, isto é mais divertido que a merda que temos que

ver na televisão. —Gee falou da sua cadeira.

—Vinte minutos, Gee. —Respondeu a enfermeira Karen com

aborrecimento.

—Já perdi toda a merda do dia de hoje, Enfermeira Karen.

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Ela a olhou e apontou com o dedo.

—Vinte minutos amanhã e perderá todos os privilégios por uma

semana se disser outra palavra.

Gee revirou os olhos e acariciou o assento a seu lado.

—Vem com o Sr. Delicioso aqui para que possa olhá-lo.— Falou

ronronando.

—Gee, vá ajudar à Enfermeira Ashley com os preparativos do almoço.

Gee olhou para Karen e se levantou mal-humorada.

—Eu ia jogar limpo, você sabe Karen. Você não é divertida,

absolutamente divertida. —Gee lambeu os lábios ao passar na frente de Leif e

piscou um olho para mim. Apertei a mão de Leif e o levei até a extremidade

da grande sala, onde podia ver televisão ou jogar jogos de mesa sempre estava

vazia.

Leif me observou com preocupação.

— Todas as pessoas daqui são como ela? —Parecia traumatizado. Ri

entre dentes e comecei a sacudir a cabeça, mas dai pensei melhor.

—Não, mas não é a pior aqui. —Leif pareceu horrorizado. Sorri para

ele. —São muito engraçados quando percebe que são inofensivos. Sinto-me

muito mal por eles, Leif. —Balancei a cabeça. —Em todo caso, me conte da

escola, de Miranda e de ti. Como estão todos?

O rosto de Leif se iluminou com um grande sorriso aliviado.

—Você já parece melhor. —Tocou o lado de minha cabeça

suavemente. —Deus, senti sua falta.

—Eu também sinto saudades. Obrigada por vir hoje. Precisava falar

com alguém do mundo exterior. Diga-me, como estão todos?

Ele deu um sorriso triste.

—Estamos preocupados com você. Sentimos sua falta e falamos nisso

o tempo todo. Não está acontecendo absolutamente nada de mais. — Queria

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dizer que também pensava neles todo o tempo, mas a verdade é que pensava

em Dank. Tinha-o escutado na noite anterior. Ele esteve ali, em meus sonhos.

— Trouxe meu trabalho escolar? —Perguntei, olhando para a bolsa em

suas mãos.

—Oh, sim, aqui está. Pode mesmo fazer aqui? —Olhou para as duas

garotas que tinham entrado há pouco e começado a jogar monopólio. Ao que

parece, tinham tido um desentendimento e começaram a colocar o dinheiro

do jogo por baixo da camisa uma da outra enquanto gritavam. A enfermeira

Karen correu e começou a acalmar a discussão. Ouvi-a dizer quanto tempo as

duas tinham perdido.

—Por que ela ameaça a todos com o tempo? É a duração do castigo,

ou o que?

Ri e balancei minha cabeça.

—Não, na realidade é justamente o contrário. Só temos uma hora no

dia para ficarmos sozinhos nos quartos. É um castigo para reduzir seu tempo.

Tempo a sós no quarto para escapar de tudo isto é cobiçado.

Leif deixou sair um suspiro irregular e balançou a cabeça.

—Você não pertence a este lugar, Pagan. — Disse, me olhando com o

cenho franzido.

Encolhi os ombros.

—O fato de eu não ter ataques, nem amaldiçoar as enfermeiras, ou

ouvir vozes em minha cabeça, não quer dizer que não esteja lidando com

minhas próprias coisas. — Ele não assentiu. Sua mão apertou a minha.

—Amo você. Não vou a lugar nenhum. —Disse em um sussurro. As

lágrimas brotaram dos meus olhos e lhe dei de presente um sorriso.

— Eu sei. —Queria dizer algo mais, mas sabia que não podia.

—Romeu, Romeu, onde estás Romeu? —Gee chamou do corredor

enquanto caminhava para as escadas com os braços cheios de toalhas.

Ri em voz alta.

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—Ela é inofensiva. —Assegurei a Leif, e logo pensei nisso por um

momento. —Bom provavelmente não inofensiva. Mas ela não vai causar

nenhum dano neste momento. —O olhar de espanto de Leif retornou.

—Tranca sua porta de noite? —Perguntou-me olhando a seu redor,

como se tivesse medo de que o escutassem e viessem atrás.

Sorri e assenti com a cabeça.

—Mas só porque há muitos gritando e correndo de noite. Terrores

noturnos e coisas assim.

Balancei a cabeça e abaixou o olhar para mim.

—Por favor, melhore depressa e volte para casa. Aqui não é o seu

lugar.

—Eu sei.

***

Os gritos abafados começaram imediatamente depois que apagaram

as luzes. Cobri a cabeça e bloqueei o som. Tinha esperado o dia todo para

voltar para a cama e cair em um profundo sonho no qual esperava ouvir sua

música. Pensei nas vezes em que a tinha cantado para mim e nos momentos

que em tinha me segurado e me beijado. Meus olhos começaram a fechar e a

música começou. Lutei para abrir os olhos e encontrá-lo em meu quarto. Ele

estava aqui. Podia senti-lo. Seu violão tocava minha canção de ninar e tentei

desesperadamente abrir os olhos. Era como se um manto escuro

estivesse sobre mim, e não pudesse removê-lo. Em vez de causar pânico, isso

me aquecia. A tranquilidade de saber que Dank estava comigo era suficiente

por agora. Sua voz se uniu ao som do violão. Sabia que estava aqui e que tinha

vindo por mim. Já não me encontrava sozinha. Os sons amortecidos dos

gritos e portas batendo cessaram, e tudo o que escutei foi à música que ajudou

a encher o vazio dentro de mim. Queria me virar de frente para a fonte da

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música e me jogar em seus braços. Acabei dormindo, incapaz de lutar contra a

sonolência por mais tempo.

***

—Não se sente um pouco sozinha Miss Popularidade? —Gee passeava

pelo corredor na frente do meu quarto quando saí, logo depois de uma sesta

de meia hora. Se não fosse pelas noites quando a música chegava e Dank se

encontrava comigo, perderia a cabeça pela monotonia deste lugar.

—Tenho um visitante? —Perguntei a Gee quando voltava para seu

dormitório.

—Sim. —Disse e fechou a porta detrás dela. Não havia maneira de que

ela tivesse um momento a sós hoje. Pessoalmente tinha escutado a Enfermeira

Karen lhe tirar minutos por dois dias, no café da manhã. Alguém a procuraria

em poucos minutos.

Desci as escadas, ansiosa para ver quem tinha vindo me visitar.

Comecei a correr no momento em que meus olhos se encontraram com os da

Miranda, de pé na porta com os braços cruzados sobre o peito em forma

defensiva.

— Gee avisou que você tinha uma visita? —Perguntou a enfermeira

Karen, franzindo o cenho e olhando para atrás de mim. Assenti com a cabeça,

não querendo delatar Gee por ter ido para seu quarto. —Onde está? —

Perguntou.

Levantei as sobrancelhas e encolhi os ombros.

—Acho que voltou para cá. —A enfermeira Karen olhou pelo

corredor, com o cenho franzido, como se pensasse que não a tinha visto

retornar. Assentiu com a cabeça e voltou a escrever no notebook.

Miranda jogou seus braços em volta de mim logo que cheguei até

ela. Sentia-me tão bem em vê-la.

—Por favor, vamos embora comigo. —Sussurrou em meu ouvido.

Ri entre dentes.

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—Não posso.

—Ajudarei você a sair. Menina, esta gente está louca, tem que sair. —

Prendi a risada. — Essa garota, Gee, é uma demente e não voltou a descer as

escadas. Fiquei tomando conta dela. Se não voltasse a descer contigo

imediatamente eu ia subir para vingar sua morte. —Ri em voz alta um

momento.

—Vamos por aqui e poderemos conversar. —Tomei sua mão e a levei

onde tinha me sentado com Leif dois dias atrás.

Miranda voltou a olhar para as escadas.

—Ainda não desceu. Talvez deva dizer à enfermeira. —Sussurrou

Miranda atrás de mim. Sentei-me em uma cadeira e apontei outra que havia a

meu lado.

—Não, não vou dizer nada a Karen. Gee não é má. Ela gosta de causar

uma boa impressão. É mais para chamar a atenção. E não quero ser a

delatora. Ela gosta de mim e quero manter dessa maneira. Vi o que ela faz às

pessoas de quem não gosta. —Os olhos castanhos de Miranda ficaram

grandes e redondos. Sorri tranquilizando-a. — Coisas que um valentão da

escola poderia fazer e não um assassino em série, se acalme.

Miranda pareceu relaxar um pouco e cruzou as pernas diante dela,

inclinando-se para me olhar de perto.

—E então, estão sendo legais aqui? Nem os loucos nem ninguém estão

te maltratando? Porque se estiverem, vou derrubar a todos. Não existe um

doente mental aqui que vá se meter com minha garota. Eu te protegerei. —

Sua expressão feroz me aqueceu.

Sorri.

—Todos são agradáveis, mas obrigada pelo apoio.

Ela olhou por cima do meu ombro para a enfermeira Karen.

— Espero que as outras enfermeiras prestem mais atenção aos doentes

mentais que ela. Sabia que ela está no Twitter

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Capitulo Dezessete

—Pagan. —A doutora Janice veio caminhando para a sala onde eu

estava sentada jogando Monopólio com Gee, que estava trapaceando e

Roberta, que observava Gee trapacear.

—Senhora? —Perguntei. Ela sorriu para as garotas e levantou uma

pasta.

—É hora de sua avaliação. Por favor, venha comigo. —Descruzei

minhas pernas e levantei do chão.

—Oh merda, estava gostando de jogar com você Peggy Ann, vão dizer

que não é uma doente mental e a mandarão para casa. —Gee me mostrou sua

língua furada e piscou com um olho. Tinha se acostumado a me chamar Peggy

Ann nos últimos dias. Era um pouco chato, mas não era o caso de começar

uma briga por isso.

Forcei um sorriso e segui à doutora. Ainda não estava pronta para

ir.

Dank veio à noite e temia que uma vez que estivesse em casa ele me

deixasse outra vez. Meu coração doía, me lembrando de que continuava vazio.

A doutora Janice abriu a porta de seu escritório e a manteve aberta para que

eu entrasse.

—Terá que ignorar a bagunça em meu escritório. Estive fazendo

gráficos esta semana e tudo saiu um pouco de controle aqui. —Sorriu se

desculpando e deu a volta na mesa para sentar-se.

—Por favor, sente-se. —Disse, mostrando umas poltronas macias de

couro preto atrás de mim. Sentei-me em uma enquanto a doutora Janice

pegava a pasta em suas mãos. Deslizou para a ponta de seu largo nariz o

óculos pendurado em seu pescoço por uma corrente de pérolas.

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—Aparentemente, Pagan; é a paciente mais saudável mentalmente que

tivemos em um longo tempo. É calma e fez amizade inclusive com os casos

mais difíceis que tivemos. O que só reforça o diagnóstico de que não está

mentalmente doente. Construir amizade com alguém como Georgia Vain não

é fácil e Jess é sua única amiga porque parece ter medo de Georgia. As

avaliações das enfermeiras dizem que é amável e compreensiva. Reage

calmamente e entende que está rodeada de doentes mentais, e tem paciência

com eles. Isso não só faz de você uma paciente muito agradável, mas também

uma pessoa muito estável. —A doutora Janice colocou a pasta em sua mesa e

tirou os óculos, os deixando cair delicadamente em seu peito. —O fato básico

é: não pertence a este lugar.

Assenti, sabendo que não tinha nenhum sentido discutir com a

doutora de que eu era um caso mental e que precisava ficar. A doutora Janice

abaixou o olhar.

—Estudei cuidadosamente as recomendações que foram enviadas

quando foi mandada para cá, para aprender a lidar com o trauma que sofreu.

Normalmente não estou em desacordo de maneira tão radical com as

observações de outros médicos, mas desta vez foi muito mal diagnosticada.

Agora, a pergunta é por que, Pagan Moore, escondeu-se tanto em si mesma

que sua mãe teve que procurar ajuda médica?

Engoli o medo que crescia dentro de mim diante do pensamento de

que seria enviada para casa hoje e esta noite não teria Dank. Precisava de uma

razão para ficar. Encarei a Doutora Janice e me perguntei se poderia ser

honesta com ela e se a verdade me manteria aqui. Se dissesse que via gente

morta, mudaria sua opinião? Comecei a falar e uma imagem dos olhos cheios

de lágrimas de mamãe quando tinha vindo me visitar retornou a minha mente.

Sentia saudades e se preocupava comigo. Eu a estava machucando ou o que

era mais provável, a doença que ela achava que eu tinha a feria. Se admitisse

que via almas, ganharia o rótulo de louca. Seria diagnosticada com uma

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doença totalmente nova e minha mãe seria consumida pela preocupação.

Então só tentaria ganhar uma noite mais. Uma oportunidade a mais de escutar

Dank e desta vez lutaria contra o sono que sempre me impedia de vê-lo.

Encontraria uma maneira de falar com ele.

—O acidente automobilístico me incomodou e me recolhi em mim

mesma porque não queria pensar a respeito do que tinha testemunhado.

Concordei em vir para cá para que minha mãe se sentisse melhor. Ela se

assustou com a idéia de que iria me transformar em uma solitária. Minha

estadia aqui foi esclarecedora e sempre vou ser agradecida. As garotas daqui

são como eu, só que elas têm doenças mentais que fazem com que viver uma

vida normal seja difícil. Mas continuam sendo pessoas. Continuam tendo

sentimentos e querendo ser aceitas. Gostei de conhecer todas. Tem razão, não

tenho um problema mental como os outros pacientes, mas conviver com eles

me ajudou a aprender a aceitar o que testemunhei.

A doutora Janice sorriu.

—Bom isso confirma meu diagnóstico. Você está completamente sã

quanto à saúde mental e é muito amadurecida para sua idade. Você gostaria de

chamar a sua mãe e contar que está livre para ir para casa?

Este era o momento para pedir uma noite a mais, precisava dizer

adeus. Precisava abrir meus olhos esta noite e vê-lo. Não poderia ir até que o

visse.

—Doutora Janice, seria um problema ficar aqui esta noite e ir amanhã

cedo? Eu gostaria de jantar com meus novos amigos e me despedir de forma

apropriada de todos eles.

Deu-me um lento e grande sorriso e assentiu.

—Acho que isso seria perfeito.

Olhei para o telefone em sua mesa.

—Então, posso ligar para minha mãe e dizer que estou livre para

ir amanhã de manhã?

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Pensei em como a notícia de que poderia ir para casa a faria sorrir.

Sabia que isso amenizaria o sofrimento, mas não o suficiente.

Peguei minha bandeja de comida e fui sentar em frente a Gee e

Jess. Gee inclinava sua cabeça de um lado para outro, como faz

frequentemente quando está pensando em algo, brincava com o piercing da

sua língua, passando-o contra seus dentes.

—Você está indo Peggy Ann, não está?

Sorri e concordei. Ela suspirou dramaticamente.

—Era óbvio que a mandariam para casa logo, já que não tem

problemas mentais. Quer dizer, nem sequer grita à noite. Então, é claro, ele

canta para você. Impressiona-me de verdade. Teria me assustado até a morte

se ele entrasse no meu quarto. O fato de que não fica assustada te faz alguém

que não me chateia.

Congelei, escutando suas palavras. Ela sabia que Dank vinha à noite

e cantava para mim. Como soube? Acaso o viu? Gee via almas? Era esse meu

problema? Era eu esquizofrênica? Deu seu sorriso maníaco e piscou um olho.

—Está pensando que deve mesmo estar louca, não é Peggy Ann?

Gostaria de estar assim tão fodida. De maneira nenhuma, garotinha. De

nenhuma fodida maneira. —Sussurrou, inclinando-se para mim para que as

enfermeiras não escutassem seus palavrões e tirassem seus privilégios.

—O que é o que te incomoda? Tomou seus remédios hoje, Gee?

Porque está falando como uma lunática, pior do que o normal. —Disse Jess,

franzindo o cenho antes de jogar um pouco de comida na boca. Gee não tirou

os olhos de mim. Eles brilhavam enquanto me olhava, desfrutando da

confusão que eu sabia que estava claramente visível em meu rosto.

—Somente aqueles pelos quais ele veio podem vê-lo, Peggy Ann. Sabe

disso, não é? Só aqueles que se aproximam de sua hora. Sei por que ele está

aqui. —Moveu sua cabeça de um lado a outro e me estudou mais de perto. —

Mas ele não canta para mim. Não, ele não canta para mim.

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Jess suspirou ruidosamente e fulminou-a com o olhar.

—Se não parar de falar como uma psicopata, vou chamar a enfermeira

Karen para que venha drogá-la.

—Quem é ele? —Perguntei a Gee silenciosamente, com medo de que

ela na verdade não soubesse.

Um sorriso triste tocou seus lábios e ela balançou a cabeça.

—Ah, então não veio por você ainda. Tão estranho. Você pode vê-lo e

está tão perto dele, embora não tenha vindo por você. Ele é o único que pode

lhe contar.

Gee se levantou da mesa, deixando sua bandeja de comida intocada

e se afastou caminhando.

Jess me observou e sacudiu sua cabeça tristemente.

—Está escondendo seus remédios debaixo da língua outra vez e

cuspindo no vaso sanitário. Terei que dizer a alguém antes que enlouqueça

mais. Tenho medo que se passar muito tempo sem seus remédios possa fazer

algo fatal. —Jess deu uma mordida na carne que estava comendo, levantou-se

e se dirigiu para a enfermeira Ashley.

Esta noite decidi perguntar a ele outra vez, mas o medo de que se

afastasse me assustou mais que as palavras da minha psicótica amiga.

Guardei o último par de jeans na minha mala. As gavetas estavam

vazias e o armário não já não tinha nada meu. Fui até a pequena mesa redonda

e peguei as cartas que Leif e Miranda tinham me enviado. Eu as lia todas as

manhãs, tinham me dado uma razão para sorrir. Deslizei-as em um bolso da

minha mochila e sentei em minha cama.

Tinha sido autorizada a ir para o meu quarto assim que quisesse. As

regras do isolamento já não se aplicavam a mim, além disso, precisava fazer as

malas. O pequeno quarto não era maior que o closet da minha mãe, mas seria

duro me afastar dele de manhã. Assim como em casa, este quarto lembrava

Dank. Guardaria suas lembranças.

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A enfermeira Ashley caminhava pelos corredores, fazendo soar seu

sino, anunciando que as luzes iriam se apagar. Levantei-me e empurrei a

colcha da minha cama e deslizei nela antes de me esticar e apagar o abajur.

Esta noite ele viria e eu falaria com ele. Não teria que me preocupar a

respeito se me deixaria e não voltaria, porque eu iria embora amanhã. Queria

saber por que Gee sabia quem era ele ou se ela pensava que era outra pessoa.

Ele era o mesmo ele de quem a pequena menina ruiva do hospital tinha falado?

Ela tinha dito que ele logo viria para levá-la.

Foi Dank quem levou o casal do carro quando morreram. Era isso o

que ele fazia? Era a alma que recolhia outras almas quando estas morriam?

Fechei meus olhos e esperei. Pensei nas diferentes ocasiões em que o vi e o

que Gee e a pequena menina disseram. Tudo levava a crer que Dank era

algum tipo de guardião. Possivelmente um anjo. Virei de um lado para outro,

esperando a música. Esperando que Dank viesse e cantasse para mim.

Ele não veio.

O amanhecer trouxe um pálido brilho ao quarto amarelo enquanto

levantava minhas malas, olhando ao redor para ver se tinha esquecido algo. Ia

embora sem nenhuma resposta. Meus pensamentos retornaram a Gee. Puxei

minha mochila um pouco mais para cima em meu ombro e desci as escadas

para encontrá-la. Queria falar com ela uma última vez antes de ir embora.

Dizer adeus e perguntar uma vez mais se ela podia me explicar quem era essa

pessoa que tinha acreditado ouvir no meu quarto. A sala principal estava vazia

e os sons de pequenos bate papos à deriva provinham do salão de jantar, onde

todo mundo tomava o café da manhã. Gee devia estar ali. Coloquei minhas

malas ao lado da porta e fui fazer minhas últimas despedidas.

No momento que entrei no concorrido salão olhei para a mesa mais

afastada. Jess estava sentada sozinha, olhando para seu prato enquanto mexia

a comida e a empurrava para dentro da boca. Olhei para a linha de serviço, e

as enfermeiras já tinham terminado de servir a comida a todos seus pacientes.

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Todo mundo se encontrava sentado em suas mesas, tomando o café da

manhã. A enfermeira Karen olhou para cima e assentiu para mim com um

sorriso triste em seu rosto. Caminhei para Jess e me sentei em frente dela.

—Ela se foi. — Disse Jess, enquanto colocava outro pedaço de queijo

em sua boca.

—Gee se foi? O que quer dizer? —Perguntei confusa. Eu a vi na noite

anterior antes de ir para cama, sentada com um grupo de garotas jogando

cartas.

Jess levantou os olhos para mim e franziu o cenho.

— Saiu batendo em tudo, esta manhã, por volta das quatro. Começou a

gritar e a amaldiçoar e tiveram que sedá-la. Está piorando e a doutora Janice

não fica com aqueles que surtam assim, que se tornam perigosos para eles

mesmos. Ela os transfere para o hospital para que sejam mantidos sozinhos e

trancados. —Jess balançou a cabeça e tomou um grande gole do leite

achocolatado. —Sabia que a mandariam embora logo. É o que sempre fazem

com os psicóticos.

Senti um nó apertando meu estômago.

—Sabe para qual hospital ela foi mandada?

Ela encolheu os ombros.

—Não, porque não estou suficientemente louca para ser enviada para

lá.

Levantei-me.

—Ei, está bem. Um, foi bem legal te conhecer Jess. — Dizer que a

veria depois soaria estranho, porque ambas sabíamos que não era verdade.

Assim simplesmente sorri e disse. — Adeus.

Ela assentiu, encheu a boca com outro pedaço de bacon e olhou

além de mim, para as janelas que davam vista para o mar. Dei a volta e me

dirigi para a porta. A enfermeira Karen veio me encontrar.

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— Preciso que sua mãe assine alguns papéis, para oficializar sua saída.

—Seguiu-me até a porta.

Virei para ela.

—Gee foi enviada a um hospital? —Queria escutar da enfermeira.

—Temo que sim. Não está segura aqui. Precisa de um tratamento mais

forte e aqui não podemos oferecer.

Engoli o repentino nó em minha garganta e andei atrás dela pelo

corredor. Minha mãe esperava para me abraçar. Estava na sala nos vendo nos

aproximar. Olhei por cima de meu ombro, para a enfermeira Karen antes que

estivéssemos suficientemente perto para que minha mãe nos ouvisse.

—Em que hospital ela está? —Queria vê-la. A enfermeira Karen sorriu.

—Mercy Medical.

O hospital em que eu iria ser voluntária. Entretanto, agora tinha

em meu histórico problemas mentais, e não me deixariam trabalhar no

hospital nunca mais. Mas tinha certeza de que poderia continuar fazendo

visitas.

—Pagan, parece que você perdeu 10 kilos. —Disse mamãe logo que

cheguei suficientemente perto dela para ouvir. Caminhou para mim e me

envolveu em seus braços, me segurando forte. —Estou tão feliz de que esteja

voltando para casa. Ganhará algum peso em menos tempo do que pensa.

Sorri e desfrutei do aconchego de seus braços.

—Tenho certeza de que as pizzas e a comida chinesa serão ilimitadas.

— Brinquei. Ela riu e me soltou.

—Nunca disse que faria a comida. —Seus olhos frágeis, mas tenho

certeza de que não eram lágrimas de tristeza desta vez.

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Capitulo Dezoito

Fiquei em pé olhando a mesa da cozinha. Estava coberta com latas

de refrigerante vazias, duas caixas de pizza, também vazias, e a metade de um

bolo de chocolate, em que se podia ler Bem-vinda ao Lar, Pagan, em letras

brancas. Leif, Miranda e Wyatt tinham me feito uma surpresa hoje à tarde.

Tinha aberto a porta há quatro horas para encontrar os três segurando pizzas,

refrigerantes e uma caixa da confeitaria. Estar com eles, comendo muita

comida boa e divertindo-os com histórias do tempo que estive na casa de

repouso, fez me sentir como se estivesse em casa. Seus rostos sorridentes e as

risadas familiares me deram uma sensação de carinho, afastando a frieza que

sempre me penetrava. Leif tinha me segurado em seus braços enquanto

estávamos sentados na sala, recuperando o tempo que tínhamos perdido.

Kendra caiu do topo de uma pirâmide humana durante uma aula de

animadoras e tinha uma tipoia em sua perna direita. Miranda parecia bastante

feliz com o pequeno sofrimento da garota. Os recrutadores das universidades

foram observar Leif e agora ele tinha propostas de duas universidades

diferentes.

A vida seguiu sem mim. Saber que Leif estaria bem quando eu já

não fosse parte de sua vida, aliviou um pouco a culpa que sentia. Não podia

ficar com ele. Não quando queria tanto Dank. Mesmo não podendo encontrá-

lo, sabia que se importava comigo.

Ele teria que voltar, eventualmente. Saberia que estava precisando

dele e viria para mim. Mesmo não podendo vê-lo, sabia que estava perto.

Olhei para as escadas sabendo que não viria esta noite. Meu quarto era um

lugar seguro para mim agora. Se tão somente pudesse vê-lo e dizer que o amo

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e que iria a qualquer lugar somente para estar com ele... mas nunca me

permitiria conhecê-lo, ou entendê-lo.

Joguei a lata de refrigerante vazia no recipiente de recicláveis e subi

as escadas para cair na cama. O dia de hoje foi exaustivo e amanhã teria que

voltar à escola. A mesa onde Dank se sentou uma vez na aula de Literatura

Inglesa relampejou por minha mente e o vazio em meu peito doeu ainda mais.

A música estava tocando. Levei um momento para abrir os olhos e

perceber que Dank tocava minha canção de ninar. Sentei-me rápido em minha

cama e olhei para a cadeira, para encontrá-la vazia, mesmo assim, a música

continuava tocando. Demorei alguns minutos para enxergar através da bruma

do sonho e perceber que a música não tocava em meu quarto, nem sequer na

casa. A música se infiltrava através da janela do exterior. Pulei e corri para ver

de onde vinha.

Dank estava lá fora? O pátio dos fundos estava escuro e sombrio.

A música chegava a mim de algum lugar da noite. Alcancei minha jaqueta,

coloquei meus sapatos e corri escada abaixo para a porta de trás, fechando-a

cuidadosamente ao sair, para não despertar minha mãe. Se me pegasse

escapando na escuridão ela mesma me devolveria à casa de repouso.

A música parecia vir do bosque. Fui até o jardim para encontrar

uma lanterna, que minha mãe sempre guardava no abrigo. Uma vez ali, agarrei

a lanterna, verifiquei se tinha pilhas e me dirigi outra vez para o pátio dos

fundos.

Por que Dank estaria aqui fora, na escuridão, tocando minha

canção de ninar? Segui o caminho que minha mãe fazia quando tinha tempo

para caminhadas pela natureza, até o lago comunitário, através do bosque. As

folhas rangiam ao meu redor e contive um grito. Precisava encontrar Dank

antes que alguma estranha criatura me encontrasse. A música me levou ainda

mais para dentro do bosque. Minha lanterna não ajudava muito.

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A espessa névoa tornava quase impossível a visibilidade. Segui

repetindo em minha cabeça que Dank estava por aqui, em algum lugar, ele

queria que eu o encontrasse. Por que outra razão tocaria sua música para que

eu a pudesse ouvir, se não para me tirar daqui?

Uma luz brilhou na escuridão, aparecendo através da névoa.

Caminhei para ela, sabendo que a música vinha dali. Quanto mais me

aproximava, mais brilhante a luz se tornava.

Emergi através da névoa e cheguei a uma pequena clareira. Uma

brilhante bola flutuava no centro do círculo de árvores. Escondi a lanterna no

bolso da minha jaqueta antes de dar um cuidadoso passo para a fonte da luz.

A música de Dank vinha dali.

Confusa, olhei rapidamente a clareira em busca dele. Continuava

vazio, exceto por mim e a luz musical. Por que tocava a canção de Dank? O

medo começou lentamente a infiltrar-se em mim. Ele não estava aqui. Ele

nunca me atrairia a uma clareira, à noite, no meio do bosque, sozinha. Outra

pessoa o fez. Alguém que queria que deixasse minha cama e me afastasse da

segurança de minha casa.

—Thump thump, thump thump, o ritmo do seu coração está se

acelerando não é mesmo, Peggy Ann? —Virei-me ao ouvir a voz de Gee. Ela

estava no canto mais afastado da clareira, me observando. Não se parecia

como a Gee da casa de repouso. Seu curto cabelo loiro esvoaçava ao seu redor

na brisa noturna e seus lábios vermelhos agora pareciam brilhar sob a luz da

lua. Retrocedi um passo, colocando distância entre nós.

—O que está fazendo aqui, Gee? —Perguntei, tentando afastar o

pânico de minha voz. Ela franziu seus brilhantes lábios e mexeu a cabeça de

um lado para o outro.

—Hummm a pequena Senhorita Espertinha não é tão esperta, afinal? A

única garota sã na casa HÁ! Foi à única suficientemente estúpida para se

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tornar minha amiga. —Procurei freneticamente ao redor de mim, tentando

pensar em um modo de escapar.

—Jess era sua amiga. —Repliquei, esperando distraí-la enquanto

tentava pensar em como poderia me afastar dela.

Gee começou a gargalhar.

—Jess é uma lunática, cuja mente era fácil de controlar. Você,

entretanto, aproximou-se de mim sem que eu tivesse que me esforçar nem um

pouco. Fez tudo por sua conta. Confiou em mim. —Ela parou de falar e

começou a aproximar-se de mim, rindo como uma maníaca. — Fui enviada

para corrigir os erros. Eu estava lá por sua causa. Na primeira noite ia levar

você. Estava destinado a ser assim. —Grunhiu. —Mas ele já estava ali. Nem

sequer tinha te matado ainda e já se encontrava ali. Protegendo você. A uma

humana idiota. A simples alma vivendo dentro de ti. Ele a protege.

Começou a passear daqui para lá em minha frente, como se fosse

um grande gato rondando sua presa. Retrocedi outro passo e ela riu

perversamente, como se minha tentativa de escapar fosse tão louco como ela.

—É o TRABALHO DELE! Fui enviada para consertar seus erros!

Quebrou uma regra com você. Ele não pode quebrar as regras. Se não corrigir

este erro ele pagará por isso. Precisa ser corrigido. —Começou a balançar sua

cabeça para trás e para frente, me estudando como se fosse uma espécie

desconhecida. Percebi que seus olhos já não pareciam lunáticos. Estavam

mais como os de um gato. Estavam tomados por uma espécie de brilho. Não

era humana. Não era uma paciente mental. Era... algo mais.

—O que você é Gee? —Perguntei.

—Quer saber mesmo? —Disse sorrindo. Parou de me rondar e olhou

para a clareira como se estivesse esperando alguém mais. Havia outros mais

como ela ali?

—Suponho que é hora de saber. É como um livro atrasado de história.

Tick tack, tick tack, está me fazendo desperdiçar meu valioso tempo. Este não

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é meu trabalho. É DELE. —Sibilou, observando a clareira outra vez, e

percebi que esperava Dank.

—Quem é Dank? —Perguntei. Riu diante da pergunta e arqueou uma

de suas sobrancelhas tão loiras como seu cabelo.

—Quem acha que ele é Peggy Ann? —Provocou.

—Ele leva aqueles que morreram para onde supõe que devam ir. —

Repliquei em um sussurro, quase assustada de ouvir a mim mesma dizendo

essas palavras. Gee começou a gargalhar com sua risada maníaca.

—Bom, se estivesse certa, então isto seria muito mais fácil. Mas vendo

como está por fora, fica mais difícil. Dank não é um transportador. Eu sou.

Isso mesmo, Peggy Ann, eu as levo para cima ou para baixo. — Disse com

um tom de desgosto. —E você seria fácil. Você iria para cima. Ganharia um

novo corpo, viveria uma nova vida e sua alma teria feito o que as almas boas

fazem. Viver para sempre, uma e outra vez. Mas NÃO!—Gritou na escuridão

e faíscas vermelhas brotaram das pontas de seus dedos. –NÃO, PEGGY

ANN, ele não queria que isso acontecesse. Por que diabos não? Bom, desta

vez sua bonita alma se encontrava em um bonito e jovem corpo e tinha um

sorriso adorável e um adorável caminhar, uma risada encantadora e era

interessante. Podia ver outras almas e era corajoooosaaa e bla, bla, bla. Tanto

faz. —Parou e me fulminou com o olhar. — Você o conquistou ninguém

deveria, mas você conseguiu.

Começou a balançar-se para trás e para frente outra vez, me

encarando como se não tivesse certeza do que fazer comigo.

—Agora, sou eu quem tem que corrigir os erros. Ele é muito fraco para

fazê-lo. Quer você. Não quer enviar sua alma comigo para viver uma nova

vida lá em cima. Não pode suportar o pensamento de terminar tudo com

você. — Revirou os olhos e levantou as mãos para o ar com um suspiro

frustrado.

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—Fui enviada para recuperar sua alma, com ou sem seu consentimento.

Ele estará aqui no final, não franza a testa. Verá seu rosto sexy outra vez. —

Gee começou a caminhar para mim, deslizando como um gato.

—Não me disse quem é ele. —Disse, retrocedendo longe dela.

—O que é ele? Ainda não sabe? E pensei que tinha deixado bastante

claro. —Provocou, parando na minha frente e correndo uma unha sobre meu

rosto. Tremi diante do familiar toque gelado. A loira que tinha tentado me

assassinar também fez isso.

—Tentou me assassinar. —Disse com voz rouca, procurando alguma

semelhança com o a loira que pensei que Dank tivesse matado.

Ela sorriu e sacudiu a cabeça.

—Não Peggy Ann, essa alma não era eu. Ky era outra transportadora

que seu amado aniquilou. Agora pode ver por que não estou muito

entusiasmada com o trabalho que me atribuíram? Ele não vai ficar feliz

comigo. Não quero que sua ira caia sobre mim quando levar sua preciosa.

Afinal, quem quer foder a Morte? — Engoli o nó que se formou em minha

garganta.

—Morte? — Consegui sussurrar.

—Deixa-a ir. —A voz de Dank encheu a clareira e Gee enrijeceu. Sua

mão afrouxou antes de me apertar com mais decisão. Respirar agora era

impossível.

—NÃO!—A voz de Dank rompeu a escuridão. O braço de Gee me

soltou enquanto seu corpo era lançado ao chão. Ofeguei buscando ar,

olhando-a no chão enquanto ela fulminava Dank com os olhos cheios de uma

mistura de medo e ódio.

—Está na hora. Fui enviada. Não pode quebrar as regras. É uma alma

que terá outra vida. Pode encontrá-la outra vez. Termine isso. — Gee rogou,

observando Dank. Ele passou por ela e estendeu uma mão para tocar meu

pescoço. O calor aliviou a dor que o aperto gelado de Gee tinha deixado.

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—Sinto muito. —Sussurrou e me olhou direto nos olhos.

Assenti, sem estar segura do por que de sua desculpa, mas sabia que

o perdoaria sem importar o motivo. A gargalhada selvagem que veio por trás

dele fez com que seus olhos azuis se transformassem em duas brilhantes

safiras. Virou-se e fulminou Gee com o olhar.

—Vá embora e te deixarei existir. —Sua fria e dura ordem penetrou a

escuridão.

Gee se levantou, olhando-o, temerosa.

—Não posso ir até que você faça seu trabalho e eu possa levar essa

alma.

Dank balançou a cabeça e seus olhos pareceram feri-la.

Ela fez uma careta enquanto retrocedia.

—Ouça, não pedi para ser aquela que irritaria a Morte. Eles me

enviaram. Não tive opção. — Apontou-me. — Eu gosto dela. Posso entender

o que viu nela, mas tem que morrer. Está escrito.

Dank virou-se completamente e começou a caminhar em sua

direção.

—Nãooo! —Rugiu. Gee retrocedeu ainda mais com uma expressão

aterrorizada. Alcancei Dank, pegando seu braço.

—Não, Dank, por favor. —Roguei. Ele parou, voltando-se para mim.

—Entende o que ela quer? Não é sua amiga Pagan, somente

interpretou muito bem seu papel. —Aproximei-me dele.

—É a Morte e eu supostamente devo morrer. —Tirei meus olhos dos

seus e olhei para Gee. —E ela vai me transportar.

Dank sacudiu sua cabeça e fulminou Gee com o olhar.

—Fez parecer simples assim? Fez com que ela pensasse que poderia

somente morrer, flutuar para longe e viver outra vida?

Um brilho ondulou no peito de Dank e Gee se afastou mais, seu

corpo tremendo visivelmente.

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—Não funciona desse modo, não é mesmo, Gee? —Replicou, e pude

sentir os músculos de seus braços enrijecerem-se sob meu toque.

—Estou aqui para corrigir um erro. Quebrou uma regra que não pode

ser quebrada. Não pode ficar com ela, Morte. Ela não é uma mascote com

quem possa brincar. É uma alma e seu único poder sobre uma alma é o fato

de que toma a vida do corpo quando é o momento. Não possui as almas.

—NÃO tomarei sua alma. Viverá. Sua morte não aconteceu.

Gee elevou suas mãos com exasperação.

—Sim, sabemos isso. Porque VOCÊ impediu! Deveria ter morrido

naquele carro. E você deveria ter retirado a alma de seu corpo. Ky a levaria

para cima, mas NÃO. Tirou seu corpo e a salvou.

Minhas pernas se afrouxaram quando a verdade das palavras de

Gee me golpeou. As palavras da pequena menina do hospital voltaram

voando para minha mente.

Não fique triste. Ele disse que este corpo que tenho está doente e uma vez que morra

terei um novo e uma nova vida. As almas não estão forçadas a permanecer na terra.

Somente aquelas que estão muito assustadas para ir permanecem aqui. Se escolher deixar a

terra retornará com um corpo novo e uma vida nova. Sua alma, entretanto, será a mesma.

Ele me disse que o homem que escreveu meus livros favoritos, As Crônicas da Narnia, disse

que: Você não é um corpo. Você tem um corpo. Você é uma alma.

Dank me alcançou antes que caísse no chão. Levantei o olhar para

ele.

—Conheci uma pequena menina no hospital. Ela o conhecia. Estava

doente e ia morrer e você lhe disse que seu corpo estava doente e que não

tivesse medo porque iria ter um corpo novo.

Dank balançando sua cabeça com uma expressão atormentada.

—Sei o que está pensando e não.

Olhei para Gee e ela desviou seu olhar. Havia algo que não sabia e

que era importante. Levantei meus olhos para Dank.

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—O que é o que não está me dizendo, Dank? Por que não pode levar

meu corpo e me deixar viver uma nova vida? Posso estar com você se não

estiver destinada a morrer e não quebraria nenhuma regra.

Gee balançou a cabeça e me deu as costas.

Dank fechou seus olhos fortemente.

—Não voltará. —Disse em um rouco sussurro.

—Por quê? Você disse à pequena menina que ela o faria. Gee me disse

que teria outro corpo e que viveria que é o que as almas fazem. —Dank

tomou meu rosto entre suas mãos. Seu polegar deslizou em meus lábios.

Odiei ver a dor em seus olhos. Quis acabar com ela. Por que ele não podia

levar-me?

—Pagan, no momento em que me apaixonei por você e escolhi quebrar

as regras, tudo mudou. Você é minha fraqueza. Escolhi você ao invés das

regras. Uma vez que tenham te levado não voltará. Não poderei ver você

nunca mais e não me darão a oportunidade de estar perto de você. Sou a

Morte. Não posso viver com a luz e você viverá nela. Para sempre, sem

retornar a terra. Não posso resistir a você, assim eles não me deixarão ficar

contigo.

Ele abaixou a cabeça e beijou meu nariz de leve. Tremi sob seu

toque.

As lágrimas queimavam meus olhos. Não podia suportar o

pensamento de não voltar a vê-lo nunca.

—E se ele se recusar a tirá-la do corpo, o dele será tirado como

consequência. Contará também essa parte, Morte? Contará que já não será

capaz de correr livremente pela terra como Morte, mas será enviado ao

inferno? Será como os anjos caídos. Se ela viver, você morre. — Gee

olhava para Dank com as mãos em seus lábios. —A decisão é agora. Assim

que seus poderes forem retirados, o levarei para baixo. E na verdade odeio ter

que ir ali. —Dirigiu seu olhar para mim. —Pode viver e ter uma vida eterna

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enquanto ele queima no inferno com o resto dos anjos caídos e pecadores, ou

pode vir comigo e viver na luz, deixando-o continuar a viver da forma que

tem vivido desde a criação dos homens. O que é, e sempre foi a Morte.

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Capitulo Dezenove

O céu escuro começou a agitar-se ao redor de um centro de luz.

Agarrei o braço de Dank com minhas duas mãos como se estivesse a ponto

de desaparecer.

— O que está acontecendo? — Perguntei sobre o som do rugir

do vento na distância. Dank negou com a cabeça, com os olhos sobre Gee.

Ela olhou dele a mim.

—Vão levá-lo. Graças a você, será considerado como um dos menos.

Caiu. Rompeu as regras. — Gee começou a gritar através da tormenta, com

ventos encerrando o intercâmbio de informação. Soltei Dank e caminhei para

frente, sabendo que tinha de parar isto, e ele não ia me dizer como.

— O que posso fazer? — Gritei para Gee.

Ela olhou para Dank atrás de mim.

— Ela não é como os outros seres humanos. É por isso que se

apaixonou por ela quando ninguém mais te tentou. Deixe que tome esta

decisão.

—NÃO!— Gritou Dank atrás de mim com uma intensidade de sua voz

quase em pânico. Corri para Gee, com medo de que Dank pudesse me deter.

— Diga. — Exigi. Ela me olhava, enquanto seus brilhantes olhos

pareciam cada vez mais de outro mundo. A tormenta ficou mais forte. Seu

cabelo loiro açoitava violentamente ao seu redor, criando a aparência de quão

imortal era.

— Ele só pode ser perdoado se você morrer. Ele é a Morte e terá de

aceitar sua alma. Só posso fazer o que precisa para matar seu corpo, mas, ao

final, até que ele já não exista, a Morte tem que tomar sua alma.

—NÃO! NÃO TOMAREI! ELA É UMA ALMA NOVA! MINHA

DEBILIDADE A CONDENARÁ!— Dank rugiu atrás de mim, e seus

braços me separaram de Gee.

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Ela ignorou o protesto de Dank e continuou me olhando enquanto

a tormenta ficava mais forte. Eu tinha um poder que Dank não admitiria, e

Gee estava muito assustada para me dizer. Tentava-o. Quão amiga pensava

que foi na casa de repouso, na verdade poderia ser minha amiga, depois de

tudo. Não havia nenhuma intenção malvada em seu olhar, como vi nos olhos

do outro transportador. Ela suplicava silenciosamente comigo. Qual era a

decisão? Se Dank se negava a tomar minha alma, então, como iria matar-me?

Inclusive quando caminhei direto para seus braços. Os braços de Dank

pareciam estar lutando contra um puxão da tormenta que não vinha de mim

ou Gee. Estava ali por ele. Levantei os olhos para ele e toquei seu rosto

angustiado, tão cheio de determinação por me salvar, disposto a ser absorvido

para o Inferno.

— Amo você. — Disse, fazendo com que seu rosto se retorcesse de

dor.

— Eu não sou um homem, por isso não tenho um coração que ame

como um ser humano o faz. Sou um deus imortal que vive com o poder

supremo porque possuo as chaves da Morte. Mas você é minha existência. Eu

sou seu. — Lágrimas quentes corriam por meu rosto enquanto olhava o rosto

de alguém que compreendeu uma emoção muito mais forte que minhas

débeis palavras, fracos de amor. Seu braço foi arrancado de mim pela força da

tormenta do vento e permaneceu como o deus que era enquanto um funil

escuro se formou ao redor dele.

Meu coração pulsava com força em meu peito e corri para Gee,

sabendo de algum jeito que havia algo que poderia fazer. Ela podia me levar,

podia ver em seus olhos. Para mim, era uma maneira de deter isto. Gee me

olhava quando me aproximei dela e percebi a esperança piscando em seus

olhos.

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— Ajude-o! Faça o que puder, mas não deixe que o levem, por favor.

— Gritei por cima do ruído atrás de mim, arrancado do peito da Morte. Gee

assentiu e olhou por cima do ombro.

— Ela fez o sacrifício. Acabou-se. — Gee, anunciou com um tom

dominante alto e profundo. Seus olhos se voltaram quando me tocou com sua

mão na cabeça.

O ar ao meu redor cessou. Já não podia puxar oxigênio para meus

pulmões. Precisei de toda minha força de vontade para não tentar inspirar. Se

Dank me visse lutando, eu sabia que iria lutar contra qualquer força que se

unia para me libertar do poder de Gee. O chão frio e úmido se levantou a

meu encontro, e eu estava inerte, e a dor aguda da asfixia me queimou os

pulmões. A tormenta ao meu redor se desvaneceu. Não ouvia nada mais e já

não sentia. Era diferente de antes. Desta vez a dor sumiu rapidamente, e a

escuridão me consumiu.

***

O aroma de café e bacon encheram meus sentidos enquanto inalava

uma pausa tão felizmente doce, que despertou com um sobressalto. Sentei-me

e olhei ao redor do meu quarto. Estava em minha cama. Engoli a saliva, e

minha garganta se apertou de dor. Toquei meu peito e o senti sensível, como

se tivessem me dado um murro justo sobre o lugar onde estavam meus

pulmões dentro de mim. Tudo foi real. Confusa, fiquei de pé e me aproximei

da janela para olhar para o bosque atrás de minha casa. Mostrariam evidência

dos ventos impetuosos que açoitaram ontem à noite, lutando para levar Dank?

As árvores pareciam iguais como quando eu entrei neles na noite anterior. As

folhas sopraram brandamente na brisa. Isto estava errado. Tinha me entregue

à Morte. Gee poderia ter me tomado. Vi em seus olhos. Tinha Dank ainda

posse do poder de detê-la inclusive com o Inferno puxando-o? Eu estava viva

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~207~

e aqui em minha casa, respirando, quando havia pedido para deixar este corpo

para trás e acabar minha vida na terra.

— Não. — Sussurrei contra o vidro da janela, enquanto as lágrimas

corriam pelo meu rosto. — Queria morrer. Esta existência que me deu não

vale nada sem você. Não posso viver com o fato de que você já não... — Um

soluço sacudiu meu corpo, e minhas pernas cederam e desabei no chão.

Enrolei meu corpo em uma bola, tendo de lutar com a dor rasgando meu

peito. Isto não era uma existência com a qual poderia viver. Eu estava tão

segura de que Gee conhecia uma forma de salvá-lo.

Esta... esta vida onde Dank foi condenado ao Inferno e me

permitiu seguir adiante como se nada acontecesse, seria meu Inferno pessoal.

—Diga Peggy Ann, você é sempre assim tão dramática? — Sacudi-me

ao som da voz de Gee e levantei os olhos inchados para encontrá-la sentada

na ponta da minha cama. Suas pernas longas e magras estavam cruzadas, e me

estudava com a cabeça inclinada. — É um ser humano bastante singular. —

Disse com um sorriso.

A ira começou a subir dentro de mim, fiquei de pé e a olhei. Ela

mentiu. Fizera-me pensar que poderia deter o destino de Dank.

— Uau, Peggy Ann, tome o aspecto psicológico de seu rosto bonito e

respire profundamente. — Fez uma pausa e sorriu. — Agora que pode

respirar, quer dizer. — Odiava o sorriso e a indiferença de sua atitude depois

do que tinha acontecido com Dank.

— Você mentiu. — Sussurrei, enquanto diminui distância entre nós.

Gee balançou a cabeça lentamente.

— Não, não o fiz. Honestamente, Pagan, deixe de jogar as coisas sobre

mim. Não é como se você pudesse me fazer mal. Chega de drama, querida. Sei

que o ama. Merda imagino que tem sentimentos mais intensos por ele que os

miseráveis te amo que os seres humanos dão tão facilmente. Quero dizer, a

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maioria dos seres humanos não jogam suas almas cegamente a uma eternidade

que não entenderiam, pelo bem de salvar à Morte. Foi estranho efetivamente.

— Poderia ter se esforçado mais para tomar. Ele foi afastado por uma

força mais forte que ele. Poderia ter me matado! Caminhei até você e me

ofereci como um sacrifício. — Tampei minha boca, quando um soluço

escapou, e os passos de minha mãe ecoaram no corredor. Fiquei imóvel, sem

saber o que fazer. Minhas vísceras pareciam ter sido arrancadas de mim. Já

não tinha forças para esconder a dor que sentia.

A porta do quarto se abriu, e mamãe apareceu e sorriu, logo fechou

a porta brandamente. Fiquei congelada e confusa quanto ao que acabei de

presenciar. Levantei o olhar para Gee, que continuava sentada na beirada da

minha cama. Mamãe não ficou olhando-a fixamente. Gee se virou levemente e

deu uns tapinhas com a mão em algo enquanto sorria. Meus olhos se

moveram dela ao lugar que deixei desocupado depois de despertar pela

manhã, e, pela primeira vez, percebi que ainda me encontrava na cama. Dei

um passo mais perto e olhei para baixo ao que parecia ser meu corpo.

— Acredito que um sinto muito seria suficiente neste momento. Já sabe,

por gritar e pelo espantoso assobio que fez. Por pouco recordou aos dali

abaixo e, bom, assustei-me. — Tirei os olhos do meu corpo e devolvi o olhar

para Gee, que parecia completamente satisfeita. — Estou esperando minha

desculpa. Fale Peggy Ann, você sabe que pode. —Franziu os lábios e inclinou

a cabeça de lado a lado.

— Estou morta? —Perguntei, olhando para trás, para meu corpo. —

Quer dizer meu corpo está morto?

Gee soltou um comprido suspiro.

— Siiiiiiiiimmmmmmmmm, agora vamos ouvir o: Sinto muito, Gee, por

falar tão feio quando fez o que lhe pedi. Vamos, pode dizer.

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~209~

Neguei com a cabeça e observei meu corpo antes de caminhar até o

espelho. Tinha a mesma aparência na maioria dos aspectos, exceto todas

minhas imperfeições, aonde foram? Era uma versão perfeita de mim.

— O que? Por que estou aqui? Minha mãe não percebeu que estou

morta? Onde está Dank? Eles o deixaram ir? Você vai me transportar? Ou sou

uma alma errante? Onde está Dank? — Senti esperança pela primeira vez

desde que acordei. Olhei novamente no espelho e toquei meu rosto. Minhas

bochechas suaves e lisas onde as lágrimas as teriam deixado úmidas e

sensíveis.

Gee fez uma careta.

— Precisa acostumar-se um pouco, todo o tempo em um corpo de

dezessete anos e agora não tem um. Você se esquece e pensa que as coisas são

de determinada maneira e não são. Igual ao fato de que chorava com tanta

intensidade no chão com todo seu instinto dramático e sabia que seu corpo

produz lágrimas tanto que as sentiu, já que acreditava que estariam ali. — Gee

encolheu os ombros e se levantou.

— Aonde vai? Está me levando? Onde está Dank? — Perguntei

novamente e ela levantou as mãos como em defesa.

— Bom, em primeiro lugar, não tive minhas desculpas e ainda pensa

que pode começar a exigir respostas.

— Sinto muito! Agora, onde está Dank?

Gee franziu o cenho.

— Isso não soa como se falasse sério. — Fechei os olhos e percebi que

inclusive com eles fechados ainda podia ver. Estranho. — Seus olhos não se

fecham Peggy Ann, você tão somente pensa que estão fechados. Já expliquei a

forma como funciona, assim pare. Parece que está fazendo a coisa do olhar

arrepiante que as almas fazem.

— Por favor. Sinto muito. Apenas me diga onde Dank está. —

Declarei.

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~210~

Gee sorriu.

—Certo. A verdade é que não sei exatamente. — Ela encolheu os

ombros e passou devagar caminhando por mim.

— O que quer dizer?

Ela deu a volta e sorriu.

— Tudo é confuso. Deixou-me matar seu corpo, mas, é obvio o

amante não ia tomar a alma de seu corpo. Entretanto, eu sabia como ele, que,

se sua alma estivesse verdadeiramente disposta, poderia deixar o corpo por si

só. Portanto, deixei o redemoinho do furacão ontem de noite e trouxe seu

cadáver de volta para cá. Eu sabia que, quando sua alma voltasse do trauma da

morte de seu corpo, seria o momento da verdade. Esperei para ver e, é

óbvio... — Fez uma pausa e sorriu. — Honestamente, nunca duvidei. Pude

ver sua ferocidade para salvá-lo. Eu sabia que era sua alma a que falava e

esperava que abandonasse seu corpo. Isso, é claro, o fez e imediatamente

deveria ser capaz de levá-la e adverti-la. — Ela mordeu seu lábio inferior e

encolheu os ombros novamente.

— O que? — Perguntei com alívio correndo através de mim ao pensar

que Dank ainda era a Morte e ele não estava queimando no Inferno.

— Ah, bom, não estou muito segura. Quero dizer, eu gosto e tudo, mas

tenho uma agenda muito ocupada e me tomou uma boa quantidade do meu

tempo durante as últimas semanas. Bom, ao menos desde que Dank expulsou

Ky e fiquei enrolada com o trabalho de me assegurar de que o senhor

Obstinado libere sua alma. De todos os modos, veja, a coisa é que me distraí

um tanto e adiei nossa partida para que pudesse falar com você e me fazer um

milhão de perguntas. Eu, bem, sua alma não está por vir. Não vai partir e não

tem uma força que o sustente. — Ela suspirou e franziu o cenho. — Não sei

o que está acontecendo aqui. Você é primeira em todos os sentidos. Talvez a

Morte tenha que tomar sua alma, depois de tudo. Não tenho nem idéia. Minha

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~211~

opinião é que é melhor que vá procurar novamente seu corpo e viver esta

vida. Temo que a Morte não lhe deu um indulto por sua rebelião. Se não

voltar a seu corpo, então vai passar a eternidade como uma alma errante. Não

tenho que dizer o que uma alma errante é, porque nós duas sabemos que já

sabe. Vê-as todo o tempo. Quer ter sua miserável existência? Olhe, não deixe

que lhe dêem a condenação eterna em troca de nada. — Ela se aproximou de

onde estava meu corpo sem vida. — Se ele tiver que queimar no Inferno por

toda a eternidade não deixe que o tenha que fazer sabendo que é uma alma

perdida. Ele saberá. Eles se assegurarão de que saiba. É tudo sobre a dor e

tortura ali abaixo. O conhecimento de que renunciou à eternidade prometida

que ele tanto lutou para que tivesse vai causar lhe uma dor como nunca o

compreenderá. — Ela olhou para baixo a meu corpo. — É sua opção. Volte a

viver. Faça isso por ele. — Então ela se foi.

Parei sobre meu corpo vendo como ardentes lágrimas corriam pelo

meu rosto novamente, embora agora soubesse que só as sentia porque tinha a

lembrança das lágrimas. Eu era uma alma. Não podia chorar. Toquei meu

rosto, e meu corpo estava frio. A idéia de voltar para este corpo e existir ao

mesmo tempo em que Dank já não vagava pela Terra por minha causa era

insuportável.

— Você é a razão de minha existência, Dank. Como posso viver sem

você? — Sussurrei no meu quarto e sabia que não importava o que a dor da

vida me guardava, não podia lhe causar mais dor. Queria suportar a vida,

assim ele não teria a culpa de minha alma perdida que o atormentasse.

Renunciou a tudo por mim. Poderia sacrificar uma eternidade de dor, se isso

fosse o que ele precisava para aliviar seu sofrimento. Deslizei-me na cama e

senti uma sensação de formigamento quente correr por mim, já que me reuni

com o corpo que deixei. Meus olhos se abriram, e um soluço escapou de meus

lábios.

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— Pagan, querida? Você não vai se levantar e vir comer? — Mamãe

estava de pé na minha porta sorrindo, completamente inconsciente de que na

sua última visita ao meu quarto viu um corpo vazio.

— Sim, bom, sinto muito. Suponho que estar em minha cama outra vez

me fez dormir muito. — Ela caminhou para mim e se sentou a meu lado.

— Senti-me muito bem em ter você em casa ontem à noite. Pode faltar

à escola hoje se precisar de um dia para se ambientar. — Pensei em ficar em

casa, no meu quarto e sabia que seria muito difícil. Tinha que sair e falar com

gente. Precisava ver a vida e encontrar uma maneira de sobreviver. Não seria a

causa da dor de Dank. Viveria, por ele.

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Capitulo Vinte

Mamãe enviou Leif à escola sem mim e explicou que voltaria à

tarde. Leif era uma das coisas que precisava resolver. Se precisava viver esta

existência, não podia continuar usando-o. Eu nunca o amaria da forma que ele

merece. Ele era meu amigo e uma fonte de consolo. Ficar como sua namorada

não só foi um engano para Leif, foi uma traição porque nunca pertenceria a

ninguém, a não ser a Dank. Não poderia viver dessa maneira. Viver não seria

fácil para mim. Tinha que cortar todas as cordas que quebraram minha alma já

danificada.

No momento em que nos registramos na escola, perdi literatura

Inglesa. Os corredores estavam cheios de estudantes. Mantive meus livros

perto do meu peito e apertei em minha mão meu passe de chegada tarde. Posso

fazer isto. Cantei o aviso uma e outra vez em minha cabeça. Miranda saiu da

multidão de gente, sorrindo quando me viu.

—PAGAN! Hurra, você veio! Senti saudades como uma louca. Agora

o almoço não será tão chato e, meu Oh deus! Adivinha o que? — Esforcei-me

para continuar com sua corrente de palavras, assim que levou um momento

para perceber que queria que eu reagisse ao Adivinha o que?

— Oh, ei, o que? — Nem podia forçar um sorriso.

Ela sorriu e olhou a seu redor para ver se alguém a estava escutando

antes de olhar para mim.

— Dank Walker está aqui. Como, em nossa escola. Como que inscrito

em nossa escola. Pode acreditar? Quero dizer, sei que ele foi a uma escola

secundária em Mobile, Alabama, até o ano passado, quando sua banda

conseguiu um hit e começou a tocar em todo o Estados Unidos em vez de

apenas o sudeste. Ha! Pode acreditar que ele está aqui? Em nossa escola!

Suponho que se tinha que voltar para a escola secundária nosso pitoresco

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~214~

povoado costeiro é preferível a algum lugar do Alabama. Mas, mesmo assim,

não posso acreditar nisto.

Fiquei congelada, com suas palavras registradas em meu cérebro.

Dank estava aqui? Como? O roqueiro do qual ela falava já não existia. Pânico

misturado com incredulidade me apertava o peito e tive que forçar uma

respiração profunda.

— Onde? — Arrumei-me para perguntar, sabendo que não podia

esconder a expressão desesperada em meu rosto. Miranda sorriu e assentiu

com a cabeça para Leif.

— Será melhor que tire essa cara de maluca pela estrela. Aqui vem Seu

homem.

Eu apenas o olhei e segurei sua mão.

— Diga onde está. Por favor, agora. — Abriu muito os olhos com

minha demanda sem fôlego repentino. Ela iria pensar estava louca novamente.

—Hum, ham, bem por aqui em alguma parte. —Disse, em um tom de

preocupação e olhou para Leif, forçando um sorriso que não chegava a seus

olhos cheios de preocupação.

— Sabia que Pagan era uma grande fã do Cold Soul? — Leif me olhou,

mas eu não tinha tempo para me preocupar com ele neste momento.

Precisava encontrar Dank.

— Tenho que ir. Vemo-nos mais tarde. —Disse a modo de explicação

enquanto me dirigia através da multidão em uma corrida. Lutei contra a

tentação de chamar seu nome em voz alta.

— Vai conseguir voltar para a clínica de repouso se não se acalmar. —

Disse a voz suave de Dank, brincando em meu ouvido, e dei a volta. Ele, é

óbvio, sussurrava em meu ouvido, não em qualquer lugar próximo a mim.

— Onde está? — Sussurrei em voz baixa. Ouvi uma gargalhada e olhei

para trás, para ver um casal de estudantes do primeiro ano beijando-se.

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— A mesa de piquenique. —Disse, simplesmente. Girei-me novamente

e me dirigi à porta principal da escola. Ele me esperava no lugar que o vi pela

primeira vez. Empurrei a porta com ambas às mãos e comecei a correr.

Só descansava ali, justo como esteve no primeiro dia em que o vi,

sorrindo, quando cheguei à esquina. Deixei meus livros e me lancei para seus

braços abertos. Um soluço sacudiu meu corpo. Ele estava aqui! Estava aqui.

Não podia falar, assim continuei com meu rosto enterrado em seu peito,

soluçando incontrolavelmente. Queria olhar seus olhos e lhe dar um beijo e

perguntar como, mas não era capaz de controlar o poço de emoção me

afligindo. Ele me levou a seu colo e se sentou novamente na parte superior da

mesa.

—Está tão feliz assim? — Perguntou em meu ouvido. Seu fôlego

quente me fazia cócegas na orelha. Ri em seu peito e assenti ainda não me

sentia segura de que pudesse falar. —Cheguei antes, mas não estava seguro.

Tive que esperar até que... —Calou-se e me retirei para trás para olhar para

seu rosto.

—Esperar o que? — Perguntei, precisando da segurança de que não iria

embora. Dank secou com o dedo as lágrimas do meu rosto úmido e inclinou

meu queixo para que eu pudesse olhar diretamente a seus olhos, semelhantes a

jóias.

— Eu não podia voltar até que você escolhesse. Ao escolher fazer o

sacrifício máximo, então minha regra quebrada foi esquecida. — Balancei a

cabeça, sem entender de que sacrifício falava.

— Quer dizer minha morte? Fiz isso voluntariamente na noite anterior.

O que levou tanto tempo? Gee veio no meu quarto, e ela se encontrava tão

confusa como eu.

Ele sorriu.

— Não, não é morrer, embora o sacrifício não foi feito em vão.

Entretanto, poderia ser interpretado como a natureza egoísta da humanidade.

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Veja, os seres humanos abandonam a vida quando não podem lutar com a

dor. É uma saída fácil para eles. O sacrifício de que estou falando não é de

morte, mas sim de vida.

Tocou sua testa com a minha.

— Veja, Gee desempenhava seu papel. Sabia exatamente o que estava

acontecendo. Não é uma deidade, mas sim é imortal e existiu desde o começo

do tempo. Sabia que tudo gira ao redor do auto sacrifício. Um ato totalmente

desinteressado.

Neguei com a cabeça, franzindo o cenho.

— O que quer dizer? —Riu entre dentes e percebi que era o som mais

belo do mundo.

— Escolheu viver uma vida que já não queria só para aliviar minha dor.

Não queria viver sem mim, entretanto, quando soube que deixaria minha

extinção sem sentido, não pode suportar a idéia. Escolheu viver por mim. —

Assenti de acordo com ele, mas não tinha certeza de como isto tinha algo a

ver com como ele estava aqui, diante de mim.

— Minha alma bela. — Murmurou e me acariciou a bochecha. —

Quando deu o último sacrifício desinteressado, pagou por meu erro.

Demonstrou ser digna de minha devoção. Do amor... da Morte.

Toquei seus lábios perfeitos com meus dedos, com vontade de lhe

dar um beijo. Para estar o mais perto possível dele.

— Assim, porque escolhi a vida, continua existindo? — Perguntei

assombrada.

Ele assentiu.

— Na realidade, é ainda melhor. —Disse, beijando meu queixo e logo

cada uma de minhas bochechas, fazendo com que me esquecesse do que

estávamos falando. Sua presença me deixava fraca de prazer, e um suave

gemido escapou de minha garganta.

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— Ah, isso soa maravilhoso. — Murmurou, enquanto corria beijos por

meu pescoço e através de minha clavícula. Segurei em seus ombros, sabendo

que a qualquer momento iria me dissolver de prazer. Senti sua língua quente

sobre minha pele, e fiquei sem fôlego, me pressionando mais perto dele,

disposta a pedir mais, justo aí, no pátio do colégio. Ele afastou-se e sua

respiração era entrecortada.

— Posso ficar com você. —Disse, me olhando, com uma intensidade

que me fez tremer.

— Ficar comigo? — Perguntei, chegando para beijar seu queixo e

deixando um atalho de beijos por seu pescoço perfeito.

— Não aqui. Não posso aguentar muito mais, Pagan. Só não sou tão

forte. —Disse com voz rouca enquanto me atraia para seu peito. — É minha

agora. Enquanto caminhe na Terra me pertence. Nada pode lhe fazer mal. —

Ouvi um toque de humor em sua voz. — É praticamente impossível fazer mal

ao que a Morte protege. — Sorri em seu peito, com vontade de ficar em seus

braços para sempre. Mas havia perguntas que sabia que tinha de fazer. Poderia

desfrutar de sua presença mais tarde.

— Posso ficar com você pela eternidade, então? — Perguntei, olhando-

o. Uma pequena careta apareceu em sua perfeita e esculpida boca.

— Não exatamente. É minha sempre e quando caminhar pela terra. Seu

corpo vai envelhecer, e a velhice não é algo que posso parar. Um dia terá que

deixar este corpo e começar uma nova vida.

— Vou envelhecer e ter que deixar você, e então o que? Começar uma

nova vida aonde não vou reconhecê-lo? Vai esperar até que eu tenha idade o

suficiente e então vir para ver-me? Não. Dank, NÃO! Não quero fazer isso.

Eu quero estar com você para sempre, todo o tempo.

Dank embalou meu rosto e me olhou nos olhos.

— Pagan você é uma alma. Deve viver a eternidade da forma que às

almas vivem. Não lhe dão uma opção. O fato de que possa amar você e

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protegê-la enquanto vive na Terra é um dom que não me atrevi esperar. Isto é

tudo o que podemos ter. Sou a Morte, sou uma deidade. Não sou e nunca fui

uma alma. Tomo almas perdidas ou almas cujos corpos morreram e os envio

ao lugar que ganharam. Fui criado para isto. —Balancei a cabeça, envolvendo

meus braços ao redor dele, como se ele fosse desaparecer em qualquer

momento.

— Quero ser imortal. Quero estar sempre contigo. Não há nada que

possa fazer? —Balançou a cabeça com tristeza, e então ele parou, olhando por

cima do ombro com um furioso cenho franzido.

— Vamos, Gee, este não é seu assunto. — Sua voz gotejava gelo frio

que só a Morte podia reunir. Virei-me e Gee estava perto, com uma mão no

quadril, sorrindo como se acabasse de ganhar um concurso.

— Ah, mas não me importa. Essa é a beleza do mesmo. —Disse

brilhante e me olhou. — Ele não está dizendo tudo o que precisa saber,

porque pensa que sua mente é muito frágil para entender a complexidade.

Não o deixe tão fácil, Peggy Ann.

Dank grunhiu atrás de mim.

— Não a chame assim.

Gee sorriu e piscou com um olho.

— Bom, está bem. PayGan. —Voltei a olhar para Dank.

— Do que está falando, Dank? Diga-me. Farei o que for preciso, nunca

o deixarei. Não quero envelhecer. Quero continuar sendo como somos agora,

para sempre. Irei aonde queira que vá. Por favor.

Dank suspirou, deslizou sua mão ao redor de minha cintura e

apertou.

— Um dia, lhe direi. Quando chegar o momento. Há uma maneira,

mas, Pagan, não é fácil. Requer dar mais do que poderia imaginar. Esta opção

nunca foi feita e, para uma alma, seria impossível. As almas estão em

desvantagem por suas emoções, que são muito fracas.

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Gee riu arás de mim.

— Supõe-se que as almas são emocionalmente fracas, mas esta não é

fraca absolutamente. Dê-lhe um pouco de crédito. Acaba de fazer uma opção

que nenhuma outra alma poderia ou teria o poder de fazer. Sua alma é pouco

comum ou, se não, você nunca a faria sua.

Ele me olhou e sorriu docemente.

— Sim. — O calor em seus olhos fez com que o resto do mundo se

desvanecesse.

— Vemo-nos por aí, Pay-Gan. — Gee chamou atrás de mim. Odiava

tirar a vista do olhar de Dank, mas o fiz para dizer adeus a Gee. Ela já se foi.

Dank deixou escapar um suspiro de frustração.

— Se você não gosta dela, me assegurarei de que nunca a voltemos a

ver.

Fiquei tensa.

— O que? Não.

Ele sorriu.

— Relaxe, Pagan, está a salvo da minha ira. Ela a faz sorrir e se

preocupa com você. Isso a faz para sempre segura e apreciada.

Sorri e passei a mão por seus cachos escuros.

— Então, Morte, o que fazemos agora?

— Para começar, precisa terminar as coisas com Leif, e eu vou com

você.

A idéia de partir o coração do Leif era bastante ruim. A culpa me

corroia por dentro diante da idéia de lhe fazer mal. Neguei com a cabeça e

olhei suplicante para Dank. — Por favor, me deixe fazer isto sozinha. Você

não pode estar lá, só piorará as coisas.

A expressão de Dank se manteve inflexível.

— Sinto muito, Pagan, mas não posso deixá-la fazer isto sozinha. Ele

não é quem acredita que é. Não confio em sua reação.

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Sorri com a idéia de que Dank precisava me proteger de Leif. Leif

era inofensivo. Ficaria magoado, mas não era perigoso.

Dank ficou de pé, colocando-me no chão diante dele e deslizando

sua mão na minha.

— Pagan, não tenho certeza de como lhe dizer isto, mas... Leif não é

humano.

Fim

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Próximo livro:

Poderia se pensar que, depois de ajudar a salvar seu namorado de uma

eternidade no inferno, as coisas voltariam para a normalidade. Bom, tão normal como

pode ser a vida, quando se pode ver almas e seu namorado é a Morte. Entretanto, para

Pagan Moore, as coisas apenas parecem mais estranhas.

O esportista da escola secundária e o atual galã, Leif Montgomery,

desapareceu. Enquanto a cidade está em um frenesi de preocupação, Pagan é um molho

de nervos por outras razões. Leif, ao que parece, não é o adolescente médio. Ele nem é

humano. De acordo com a Morte, Leif não tem alma.

O esportista pode ter sumido da cidade, mas continua aparecendo nos

sonhos de Pagan sem ser convidado.

Dank soube desde o começo que Leif não era humano. Mas não se

preocupou por uma criatura com uma alma tão simples. Agora, percebe que cometeu um

grave engano. A alma de Pagan se caracterizou desde seu nascimento como a

restituição, a um espírito tão sombrio que nem a Morte anda perto dele. Sabe que

salvar a alma de Pagan não será fácil, mas ela é dele. E ele já demonstrou que vai

desafiar ao Céu para ficar com ela. Se o Inferno quiser um pedaço dele também, que o

faça.

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