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PROPOSTA METODOLÓGICA DE ENSINO DE BIOLOGIA DA EDUCAÇAO NlM\ ABORDAGEM
DIALtTICO-CONSTRUTIVISTA
RONALDO SOUZA DE CASTRO
PROPOSTA METODOLÓGICA DE ENSINO DE BIOLOGIA
DA EDUCAÇAO NUMA ABORDAGEM DIAL~TICO-CONSTRUTIVISTA
Ronaldo Souza de Castro
Orientador: Anna Maria Bianchini Baeta
Dissertação de Mestrado submetida como requisi to parcial para a obtenção do grau
de mestre em Educação.
Rio de Janeiro
Fundação Getúlio Vargas
Instituto de Estudos Avançados em Educação
Departamento de Psicologia da Educação
1993
"No Con~t~utivi~mo, a 6unç~o do p~o6e~~o~ ~ pelo ~econhecimento da d~amâtica que o alu no t~az, o~ganiza~ na ~ala de aula wn ambiúi te em que ela po~ ~ a ~ e~ explicitada e vivI da, vi~ando pela inte~6e~ência do conheci,~ mento um con6~ontamento com o n~o-~abe~ que ~evela a t~ag~dia. Revela a ete~na in com -pletude, ~evela a 6alta que acompanha e a-companha~â o Sujeito na ~ua exi~tência. E~ta me~ma 6alta comp~ova a nece~~idade da con~tante ~e~~igni6icaç~o que ~e t~aduz na metâ6o~a da vida".
(Keil et Monteiro)
III
AGRAVECIMENTOS
A professora Ana Maria Bianchini Baeta, pela orien-
tação, dedicação e sólida formação que favoreceram a con -
clusão do trabalho.
o A Professora Vera Lúcia Góes Pereira Lima, cuja com
petência é inegável, por ter acreditado em mim e inicia-
do minha carreira acadêmica.
o A professora Maria Lúcia do Eirado da Silva, pc lo cari
nho e imprescindível auxílio.
o Aos professores das Universidades que permitiram o
trabalho de campo.
o A professora Vera Horn, minha noiva, pela paciência,
revisão desta dissertação e pelo carinho.
o Ao amigo Roberto Joppert, por existir.
o Ao monitor e amigo Reginaldo H. Banharo da Silva,p~
la colaboração.
o Ao IESAE, que possibilitou o aprofundamento em Edu-
caça0.
o A CAPES.
o Aos alunos do Curso de Pedagogia da Faculdade de Edu
cação da UFRJ, que construíram comigo esse trabalho.
o A Rosa Alice, que dedicou parte de seu tempo para me_
auxiliar nos testos de língua francesa.
o A meu pai, que viabilizou meus estudos.
IV
•• v
A
m,tnha. ma.e,
,tn memoJt,ta.n.
!NDICE
CAP!TULO I o PROBLEMA
In t rodução ......................................... .
Objetivo do Estudo ............................... ···
Organi z ação do Es tudo .............................. .
CAP!TULO 11 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Racionalidade das Ciências ........................
Pago
1
4
5
8
Epistemologia da Biologia....... ..... ............... 18
O Positivismo e sua Influência no Pensamento Biológico 37
O Positivismo no Brasil............................. 41
A Biologia numa Visão integradora. ............. ..... 63
A Dialética no Pensamento Científico .. .... .......... 73
Epigênese do Conhecimento e Construtivismo .......... 86
CAP!TULO 111 - METODOLOGIA
Procedimentos Metodológicos 119
Desenvolvimento da Proposta de Ensino 12,0
CAP!TULO IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perfil Profissional dos Professores de Biologia da E-
ducação ............................................. 130
Entrevista com Professores .......................... 131
Questionário Aplicado aos Alunos .................... 150
Observação de Aulas ................................. 158
Metodologia de Ensino ............................... 168
VI
CAP!TULO V - CONCLUSOES E RECOMENDAÇOES
Conclusões ......................................... .
Recomendações ...................................... .
BIBLIOGRAFIA
LISTA DE ANEXOS
VII
Pago
174
181
182
189
RESUMO
Urna proposta metodológica de ensino e o objeto
deste trabalho. Para seu desenvolvimento recorre-se à hi~
tória das ciências com o objetivo de esclarecer a atual si
tuação epistemológica da Biologia e, conseqüentemente, da
Biologia da Educação. A epistemologia da biologia é anall
sada, com vistas à superação da racionalidade cartesiana.
Esta racionalidade é elucidada por meio de urna análise his
tórica de correntes presentes no pensamento biológico,atr~
vês das quais se percebe a influência do positivismo na ló
gica presente nessa ciência.
Contrapondo-se à visão positivista e cartesiana
ainda presente na Biologia, propõe-se um paradigma sistêmi
co, holÍstico e dialetico, que viabilize urna Vlsao integr~
dora dessa área de conhecimento.
O estudo da construção do conhecimento é realiza
do corno subsídio para a elaboração de urna proposta constru
tivista de ensino, que é desenvolvida numa Instituição Fe-
deral de Ensino Superior. Em paralelo, realizam-se obser-
vações de campo em duas outras Universidades, com vistas à
análise de procedimentos metodológicos de ensino.
A proposta de ensino segundo o construcionismo -di
alêtico obtém êxito e recomendam-se o aprofundamento teóri
co do construtivismo e amplo debate sobre a Biologia da E-
ducação, com base na epistemologia da Biologia.
VIII
SUMARY
A methodological teaching proposal is the aim of
this study. To its development we go over the history of
sciences wi th the purpose of clarifyng the present si tuation
of the biological epistemology and Educational Biology,
consequently. The biological epistemology is analysed aiming
the overcoming of càrtesian rationality. Such rationality
is elucidated through a historical analysis of the currents
existent in biological thought, which allow us to realize the
influence of posi ti vism on the logic which is present in this
science.
We suggest a systematic, holistic and dialectical
paradigm, that provides a whole view of this knowledge field,
in opposition to positivist and cartesian view, which is still
present in Biology.
The study of knowledge construction is done as a
support of an elaboration of a constructivist proposal of
teaching, which is developed in a Federal Institution of
Superíor Teaching. Simultaneously, observations take place
in other two uni versi ties, aiming the analysis of methodological
procedures of teaching.
According to the dialectical-construcionism, the
teaching proposed succeeds and we suggest the profound theorical
analysis of construtivism and a wide debate on the Educational
Biology based on the biological epistemology.
IX
CAPrTULO I
o PROBLEMA
Introdução
O presente trabalho surge da reflexão sobre o mQ
do como o conteúdo ode biologia tem sido abordado, já há algum
tempo, nos cursos de graduação em pedagogia. Curiosamen-
te, ao analisar a origem da área "biologia. e.duc.a.c.iOYla.l" ,pe!
cebe-se que pouco tem mudado desde 1911, data de seu início
nas escolas normais norte-americanas. No Brasil, teve inf
cio em 1931, no Instituto de Educação do Rio de Janeiro,c~
mo nos revela Almeida Jr. (1948).
Segundo o autor, a disciplina foi entendida como
a Biologia a serviço da Educação. O objetivo desta seria
fornecer ao educador uma larga visão dos fenômenos da vi-
da, subsidiando o entendimento científico de capítulos da
Psicologia, Sociologia e Pedagogia. Seria procedente ob-
servarmos que já àquela época estaria a biologia em inter-
face com a sociologia e a psicologia.
No entanto, a crítica feita à biologia educacio-
nal apoiava-se no argumento desta ser apenas um estudo in-
trodutório aos temas educacionais. Desta forma, não teria
um conteúdo próprio, "a.ba..6te.c.e.Yldo-.6e." no campo da biologia
geral e da biologia humana. Assim, a psicologia, a socio-
logia e a educação determinariam o programa de biologia e-
ducacional.
2
Após vários questionamentos sobre a definição e
identidade da área de biologia educacional, chegou-se ao
consenso, segundo Almeida Jr. (1948) de que tal discipli-
na é uma ciência a serviço da educação, nao podendo afas-
tar-se do ideal educativo, que seria expresso nos termos
~aúde e e6ieiêneia (saúde em ação).
"Biologia edueaeional ê o e~tudo da~ eau~a~ biol~giea~ que detenminam a~ d~6enença~ e a~ vaniaçõe~ individuai~ na e~peeie humana, e do~ meio~ eom que o edueadon pode atuan ~obne e~~a~ eau~a~, a 6im de atingin, pana o indivIduo, o máximo de ~aúde e de e6ieiên eia, quen 6I~iea, quen mental" (Ibid. p.19T.
Apesar de ser uma definição antiga, pode ser apli
cada atualmente, ao pensarmos em Biologia da Educação. En-
tretanto, ao analisarmos as divisões da biologia educacio-
nal daquela época, vimos que não houve uma mudança qualit~
tiva proporcional ao tempo decorrido.
Surge, assim, a necessidade de adaptarmos o est~
do dos fundamentos biológicos ao currículo básico do curso
de Pedagogia; já que ao analisarmos alguns programas minis
trados na graduação de algumas faculdades situadas nos Es-
tados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, percebemos ha-
ver uma abordagem do 29 grau ou um maior aprofundamento na
área de saúde (médica). Enfim, a biologia educacional tOE
na-se uma área epistemológica híbrida, portanto infértil,
na medida em que há simplesmente o transporte e acoplamen-
to de tal área para o Curso de Pedagogia, sem a concepção
pedagógica dos estruturantes da aprendizagem (conteúdo,té~
nica, objetivo, metodologia e contexto), que são essenciais
para uma proposta de ensino.
3
Acreditando que a biologia possa fornecer eleme~
tos para o entendimento do processo do conhecimento, perc~
bemos que seu estudo poderia subsidiar pressupostos metod~
lógicos necessários para uma articulação entre a fundamen-
tação teórica da biologia e o processo educacional.
A Biologia da Educação estaria em interface com
a psicologia e a filosofia. A psicologia forneceria subsi
dios teóricos analogamente à biologia, para o processo do
conhecimento. A filosofia embasaria os pressupostos epis-
temológicos para uma atuação consciente, quanto a uma con-
cepção pedagógica. Neste sentido, necessário é resgatar a
filosofia biológica, que caiu no ostracismo, possivelmen -
te, em consequência do positivismo e do cartesianismo.
Com relação à psicologia, percebemos nesta a po~
sibilidade de um melhor entendimento do processo do conhe-
cimento. Acreditamos que a abordagem construtivista, de-
fendida por Piaget, permite o desenvolvimento da proposta
metodológica.
Fundamentando-nos nestas três áreas, pretendemos
desenvolver uma proposta metodológica de ensino de Biolo -
gia da Educação, numa abordagem construtivista. desmistifi
cando. assim. a Biologia (através de uma perspectiva dialé
tica). que abandonaria seu caráter isolacionista.
A importância de tal proposta pode ser ressalta-
da ao recorrermos a Castro (1980), que nos revela haver es
cassos trabalhos referentes às ciências da educação (filo-
sofia, psicologia, sociologia, etc.), demonstrando uma im-
possibilidade real de mudança qualitativa, ou ainda, a de-
4
pendência intelectual do conhecimento produzido fora do país.
o autor acrescenta que:
"Ne.6te .6entido a dependênc.ia e.c.onômic.a dete.:r:. mina a depe.ndênc.ia do pen.6amento e e.6ta ~e.-60~ça a p~imei~a, e.6tabeiec.endo-.6e um c.Z~c.uio vic.io.6o de di6Zc.ii ~uptu~a" CCastro,1980, p. 38).
Através de reVlsao bibliográfica, Costa Cl98l)nos
relata serem pouca~ as pesquisas utilizadas para identifi -
car as preferências de alunos por métodos de ensino. Segun-
do a autora, o método de ensino expositivo apresentou maior
simpatia pelos alunos, quando propiciava a inte~ação entre
professor e aluno.
A nossa proposta de ensino é reforçada ao perce -
bermos que os alunos abdicam " ... da possibilidade de expl~
rar a informação C ... ) através do exercício do pensamento a
nalítico e reflexivo" (Ibid., p. 52).
Objetivos
A autora conclui que:
"No momento atuai, que i de c.~i.6e em todo o .6i.6tema educ.ac.ionai, ( ... J, ~eve..6te-.6e de g~ande impo~tãnc.ia a adoção de e.6t~atêgia.6 q ue p~o du zam ~e_.6 uitado.6 e 6 e. ti v 0.6 na 6 o~mação do.6 6utu~o.6 p~o6e.6.6o~e..6. Cabe, poi.6, ã Uni-ve~.6idadeL uma tomada de c.on.6c.iênc.ia e ( ... J de uma açao p~onta, no .6entido de que 0.6 c.u~ .60.6 de p~epa~ação de doc.ente.6 c.on.6tituam-.6e em de.6a6io vivo e e.6timuiante ã inovação .•. " Clbid, p. 56).
. Geral: Propor urna metodologia de ensino, baseada numa re-
flexão epistemológica da biologia e no construti -
vismo dialético do conhecimento.
5
• Específicos
- Identificar, nos pressupostos piagetianos, a abordagem
dialética;
- Discutir a influência do positivismo na visão de ciên-
cia biológica (logo, da Biologia da Educação);
- Desmistificar a biologia, através do resgate da fi10so
fia da bio10gi~;
- Repensar a biologia, em seu valor político, no sistema
educacional;
- Articular a formação do conhecimento (segundo o modelo
construtivista), a ciência biológica da educação e a
metodologia de ensino, numa abordagem dialética;
- Propor uma discussão teórico-metodológica, como subsí-
dio para a proposta de ensino de biologia da educação.
Organização do estudo
O estudo subseqüente evidencia algumas correntes
no pensamento científico, em geral, e biológico, em parti-
cular. A discussão relativa à racionalidade das ciências
demonstra a necessidade de aproximação dia1ógica entre a
ciência e a filosofia, com conse~üente mudança do entendi-
mento do real. Propõe-se um novo racionalismo, que seria
reformado pelo saber científico.
A epistemologia da Biologia é analisada, poste -
riormente, no sentido de esclarecer o paradigma presente no
pensamento biológico e de apontar para a necessidade de se
resgatar a filosofia biológica, que deverá ter maior espa-
6
ço nas reflexões filosóficas sobre as ciências. O papel da
Biologia na evidenciação dos mecanismos presentes no siste
ma organizado é discutido assim como a importância dessa
área para o desenvolvimento da epistemologia é apontada
Com o objetivo de aprofundar o paradigma cientí-
fico, analisam-se o papel do positivismo no pensamento bi~
lógico e, em especial, os postulados de teóricos que exer-
ceram maior influência nesse pensamento. As conseqüências
do positivismo no ensino são discutidas no item relativo à
análise desse modelo no Brasil, recorrendo-se a teóricos p~
sitivistas que foram importantes para o sistema educacio -
nal implantado durante e após a proclamação da República.
Entendidas as razões que propiciaram o pensamen-
to reducionista na Biologia, parte-se para uma proposta,s~
gundo uma visão integradora, que entende o fenômeno humano
e natural enquanto resultante de um processo contínuo e as
cendente. Neste processo, está presente uma complexidade
de fatores endógenos e exógenos. Essa visão transcende a
corporeidade do ser e favorece uma interpretação da Biolo
gia, a partir de uma perspectiva que inclua a auto-organi-
zaçao.
A abordagem dialética é demonstrada no pensame~
to científico, enquanto "método" para se atingir a concre-
tude de determinado fenômeno. Para tanto, recorre-se à e-
volução do pensamento dialético, com base em alguns teóri-
cos, objetivando 00 entendimento do mundo, a partir de uma
interpretação dinâmica e à superação do modelo cartesiano
e da lógica formal.
, I
7
o construtivismo é analisado conforme o processo
epigenético do conhecimento, segundo os postulados de Pia-
get, em especial. Segundo uma perspectiva construtivista,
discute-se a proposta de ensino.
O capítulo concernente à metodologia refere-se aos
procedimentos utilizados para a elaboração do presente tr~
balho, assim como pormenoriza a proposta de ensino de Bio-
logia apoiada na dialética e no construtivismo.
A seguir, analisam-se os resultados do trabalho,
a partir dos instrumentos aplicados e da proposta desenvol
vida na Faculdade de Educação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Por último, conclui-se que a história das ciên -
cias e a filosofia contribuem, efetivamente, para a super~
ção do atomismo da Biologia e do "hibridismo" da Biologia
da Educação. A proposta de ensino demonstra-se viável se-
gundo o construcionismo-dialético. Sugere-se a necessida
de de haver maior aprofundamento teórico sobre a constru -
ção do conhecimento e amplo debate sobre a Biologia da Edu
caça0.
CAP!TULO 11
FUNDAMENTAÇÃO TEORICA
A Racionalidade das Ciências
O pensamento biológico contemporâneo sofreu for-
te influência de postulados filosóficos dos séculos XVII
e XVIII, o que, muitas vezes, favoreceu o desenvolvimento
de posições filosóficas e científicas divergentes, o que
caracterizou algumas correntes no pensamento científico.
Bachelard demonstra em sua obra a contribuição da
ciência e das filosofias (po1ifilosofia) em termos de diá-
logo entre as mesmas, mas deixando claro que a ciência cria
a filosofia. Compreender o pensamento bachelardiano quan-
to à filosofia das ciências significa mudar o paradigma cl
entífico contemporâneo, ou seja, superar o isolacionamento
da ciência quanto a outros campos de saber.
Fichant, resgatando o pensamento bache1ardiano,
afirma que a filosofia só pode seguir as profundas modifi-
caçoes do conhecimento científico, quando em estado de a-
lerta. "Estar em estado de alerta é estar disponível para
os ensinamentos da ciência" (Fichant, 1973, p. 128). Esta
citação nos permite conferir à epistemologia a atitude ne-
cessária face ao saber científico, o que significa que se
deve recusar a idéia de uma filosofia anterior ao conheci-
mento, que serviria apenas para confirmação ou ilustração
de uma doutrina.
9
o referido autor, apoiado em Bache1ard, nos a1e~ ta para o entendimento do real pelos cientistas através de
"retificações que formam um feixe de aproximações sempre
mais precisas" (Fichant, 1973, p. 129). O autor referenda,
assim, a função epistemológica dos conceitos de retifica-
çao e de aproximação. O filósofo afirma que a epistemolo-
gia deve ser tão flexível quanto a ciência, a qual deve ser
constantemente repensada.
O autor propõe uma filosofia que nao seja apenas
a síntese dos resultados do pensamento científico. Esta se
ria uma visão precária de filosofia da ciência. Neste ca-
so, a filosofia dos cientistas se dividiria entre o empi-
rismo e a preocupação ética do conhecimento.
Ao reconhecer o caráter constitutivo do conheci
mento appnoeheé,
"entã.o o ne.al e. a nazã.o, a e.xpe.n-te.neia e. a idéia e.ntnam e.m eonne.laçõe.~ que. e.liminam a~ 6aeilidade.~ do ne.ali~mo e. do _~aeionali~mo, do e.mpini~mo e. do ide.ali~mo" (Fichant,1973, p,131).
O referido autor remete a Brunschvieg (1912) atr~
ves da seguinte citação: " ... , a metafísica da ciência é
reflexão sobre ciência, e não determinação da ciência".
Percebe-se na citação anterior a indicação para
um novo racionalismo, o racionalismo "aberto", que estaria
incessantemente reformado pelo progresso do saber cientÍfi
co.
O racionalismo "aberto" nega o racionalismo tra-
dicional e o empirismo usual, já que a experiência não de-
10
ve dizer sim ou não a uma questão teórica. Há, assim,a n~
cessidade de aderir à epistemologia um "polifilosofismo".
Este seria o oposto do ecletismo, pois resultaria "do modo
como a ciência ordena os valores epistemológicos sobre seu
campo" (Fichant, 1973, p. 133).
Bachelard, em sua obra "0 1ta.c.-i.ona.l-i..6mo a.pl-i.c.a.do",
defende a importância do racionalismo aplicado e do mate -
rialismo técnico enquanto cerne das filosofias. o autor
os aponta como saída para o diálogo entre o experimentador
e o matemático, no lugar de haver apenas trocas de argumeg
tos em congressos, por exemplo. Nesse sentido, o autor a-
firma haver necessidade de o experimentador se informar so
bre o aspecto teórico dos dados, assim como o teórico deve
ria ser informado sobre as circunstâncias da experimenta -
çao~ evitando, desta forma, sínteses parciais ou abstratas.
o autor, em sua análise, demonstra que
" .•• nio .6e pode 6unda.menta.1t a..6 c.-i.inc.-i.a..6 6Z .6-i.c.a..6 .6em entlta.1t no d-i.álogo 6-i.lo.6õ6-i.c.o do 1ta.c.-i.ona.l-i..6ta. e do expelt-i.menta.dolt ••• " (Ba-chelard, 1977, p. 9).
A partir desta assertiva, ele conclui que o físico moderno
necessita certificar-se de que o real está em conexão com
a racionalidade (real científico), assim como os argumen -
tos racionais relativos à experiência fazem parte da expe-
riência. Para o autor "essa bicerteza só se pode expres -
sar mediante uma filosofia de dois movimentos: por um diá-
logo (Ibid., p. 10).
A necessidade de haver o diálogo científico é r~
tificada por Bachelard ao afirmar que, muitas vezes, o rea
11
lista e o racionalista nao falam nos mesmos termos.
o racionalista, em sendo aquele que teoriza so-
bre o real e o realista, aquele que realiza o empirismo pa~
sam a unir-se através de um elo, uma nova conexão que é cha
mada de racionalismo aplicado, ou seja, de agora em diante,
faz-se necessário " ... atingir um racionalismo concreto,s~
lidario com as experiências sempre particulares e precisas".
(Bachelard, 1977, p. 10). Esse novo racionalismo deve ser
aberto a novas experiências. Podemos inferir que esse ir
e vir caracteriza a dialética, segundo o pensamento bache-
lardiano, em que os valores do racionalismo e do experime~
talismo se intercambiam.
Os valores epistemológicos presentes na discus -
sao de Bachelard evidenciam que o racionalismo aplicado e
o materialismo técnico estariam no centro de todas as filo
sofias do conhecimento, como podemos observar no esquema
abaixo:
Idealismo t
Convencionalismo t
Formalismo t
Racionalismo Aplicado e Materialismo Técnico
'" Positivismo
'" Empirismo
'" Realismo (Bachelard, 1977, p. 11).
12
Quanto ao dualismo idealismo/realismo, o autor
nos leva a concluir ser uma falsa contradição. Na verda-
de, ambos seriam "gêmeos", pois o primeiro seria a "filoso
fia desvanecente de uma consciência entregue a si mesma e
às falsas transparências de um cogito solitário"; já o se-
gundo seria uma "filosofia inerte que afirma uma realidade
impenetrável e sinônima do irracionalismo" (Fichant, 1973,
p. 134).
"O ~eali~mo ~ de6initivo, e o ideali~mo i p~ematu~o. Nem um nem out~o po~~ui e~ta atu alidade que o pen~amento eient16ieo ~eela~ ma" (Bachelard, 1977, p. 15).
Para Bachelard, o idealismo seria um processo de
enfraquecimento do pensamento filosófico, oriundo do raci~
nalismo, mas passando primeiro pelo formalismo. Este se-
ria resultante de uma interpretação sistemática do conheci
mento através de formas aplicadas a qualquer experiência. As
convenções teóricas têm papel fundamental neste enfraquecl
mento filosófico, caracterizando o que o autor chama de
"esperanto da razão" (Bache1ard, 1977, p. 12). O idealis-
mo é atingido através da utilização dessas convenções pelo
sujeito pensante. O autor acrescenta que o idealismo foi
essencial para a filosofia da natureza, no entanto, ele po~
dera que o idealista contentava-se em pôr em ordem as ima-
gens feitas da natureza.
"O ideali~ta pe~de, poi~, qualque~ po~~ibilidade de expliea~ o pen~ ame-nto eient1.6ieo mode~no. O pen~amento eient16ieo não pode aeha~ ~ua~ 6o~ma~ ~lgida~ e mültipla~ ne~~a ~tmo~6e~a de_~olidão, ne~~e ~olip~i~mo que e o mal eongenito de todo ideali~mo" (Ibid)
13
Já o positivismo aparecerIa "como o guardião da
hierarquia das leis". No entanto, ele não estaria atento p~
ra a necessidade da coerência e do poder de organização ra-
cional dessas mesmas leis. Sua metodologia favoreceria ap~
nas os registros de fatos desconectados que iriam remetê-lo
ao empirismo e "conduzir-nos, enfim, a esta irracionalidade
do real, que é a crença principal do realismo" (Fichant, 1973 ,
p. 135).
o autor, seguindo o pensamento de Bachelard,apon-
ta como saída desses "deslizes" epistemológicos o resgate da
posição central das filosofias, ou seja, o racionalismo a-
plicado e o materialismo técnico. Somente ela se apresenta
não de forma excludente, "mas se exprime de imediato como a
coesao de uma filosofia desdobrada".
"E Aqui que ~e deve eomp~eende~ que a apliea ç.ão não vem ae~e~ eenta~-~ e ao ~aeionallimo pa ~a 60~ma~ dele uma nova 'va~iante', a~~im eo mo o ~eeonheeimento da teenieidade não eon~~ titui uma ~imple~ 'emenda' do mate~iali~mo" (Ibid, p. 136).
Resgatando a idéia bachelardiana de que raciona -
lismo aplicado está relacionado com a experiência e que ma-
terialismo técnico corresponde ã realidade transformada, a
qual recebeu características humanas, podemos partir para a
proposta do autor, quanto a sua posição epistemológica. Ain
da baseado na filosofia dialogada, ele esclarece que na re-
lação entre o positivismo e o realismo, este coordenaria to
dos os pontos de vista matemáticos, resultantes das experi-
ências científicas. O autor acrescenta que o caráter apodi
dico do racionalismo não estaria presente, mas sim uma auto
14
nomia lógica.
o movimento dialético dessas filosofias é eviden
ciado quando Bachelard se reporta ã ciência. Ele nos rela
ta que:
"Uma c~encia ince44antemente neti6icada, em .6 eU4 pnincZpio4 e 4 ua4 mate.nia.6, nã.o pode ne velan de4ignaçã.o 6ilo4õ6ica unitânia. Ela e diale.tica, não apena4 no ponmenon d04 4eU4 pno~e4404, ma4 ainda no duplo ideal de 4ua coenência teõnica e de 4eu nigon expenimen-tal" (Bachelard, 1977, p. 16).
Evidencia-se a função da filosofia para o enten-
dimento do processo e progresso científicos. Vê-se na ci-
ência o cerne da orientação filosófica, que deve ter con -
fiança no valor do método reflexivo, o qual favorece a pe!
cepçao de um obstáculo na primeira experiência, já que "o
primeiro conhecimento objetivo é um primeiro erro" (Bache-
lard, citado por Fichant, 1973, p. 139).
o erro não é considerado, na experiência cientí-
fica, de forma absoluta, mas numa dimensão coordenada e pri
meira. Introduz-se, assim, uma nova relação entre erro e
verdade, que teria uma "ligação dialética de'duas positivi
dades".
Desta forma, a ciência nao deve colecionar verda
des positivas, através da exclusão do falso, por se tratar
apenas de um nao-ser.
"A ciência tnaz em 4i, como condiçã.o p04iti va de um pnogne44o do conhecimento, a p04i~ tividade do enno, de que ela ·pnocede pon ne ti6icaçã.o" (Fichant, 1973, p. 141).
15
A proposta de uma racionalidade aplicada apóia- se
no surgimento de um novo estatuto do sujeito e de uma nova
epistemologia.
Este novo sujeito nao é originalmente constituí-
do nem constituinte, mas se constrói num processo. "O su-
jeito cientista é necessariamente ... dividido, engajado n~
ma história essencialmente inacabada" (Bachelard, citado
por Fichant, 1973, p. 141).
Surge, assim, a epistemologia da ruptura, a qual
pressupoe uma nova forma de conceber a história das ciên-
cias. A ciência não é mais entendida num estado definiti-
vo e perenizado. A historicidade é reconhecida enquanto
constituinte do conhecimento racional. Essa nova epistem~
logia seria para Canguilhem (1989)
"uma hi~t~~ia da~ ci~ncia~ em ato, onde a con~ci~ncia de hi~to~icidade ê exatamente co~~e~ativa de um ~en~o agudo, não do pa~~a do, ma~ do 6utu~o" (Fichant, 1973, p. 143):
Cavaillês (citado por Canguilhem) referindo-se à
natureza da coesão interna da ciência matematica, conclui
que o progresso científico nao é
" um aumento de vo~ume po~ ju~tapo~ição, o ante~io~ ~ub~i~tindo com o novo, ma~ uma ~evi~ão pe~pêtua do~ conte~do~ po~ ap~o6undamento e co~~eção. O que vem depoi~ ê mai~ do que e~a ante~, não po~que o contenha ou me~mo po~que ~eja o ~eu p~o~ongamento, ma~ pOAque de~e p~ovêm nece~~a~iamente e compo~ ta no ~eu conte~do a ma~ca ~emp~e ~ingu~a~ da ~ ua ~ upe~io~idade" (Cangui lhem, 1977 ,p. 22).
Bachelard (1951) assume, enquanto posição filos~
fica. a necessidade de a história das ciências ser constan
16
temente refeita, reconsiderada. Ele aponta para a necessi
dade de se entender a historicidade das ciências através da
modernidade da ciência, que faz com que a história das ci-
ências seja uma doutrina sempre jovem, "uma das doutrinas
científicas mais vivas e mais educativas".
Ao referirmo-nos à história das ciências, esta -
mos nos orientando .por um procedimento materialista. Cabe,
assim, elucidar as correntes externalistas e internalis
tas. Segundo a primeira, a história é escrita a partir do
conhecimento de um relativo número de acontecimentos cien-
tíficos, mas sem análise crítica. Já o internalismo pres-
supõe a inserção do pesquisador na obra científica, para
fins de análise dos caminhos que a definem enquanto ciên -
cia.
"O exteJtna.li.6 ta. vê a. hi.6 tÔJtia. da..6 uencta..6 c.o mo uma. explic.a.~ão de um 6enômeno de c.ultuJta pelo c.onhec.imento do meioc.ultuJta.l globa.l ( ••• 1. O inteJtna.li.6ta. vê no.6 6a.to.6 da. hi.6tô Jtia. da..6 c.iênc.ia..6 ( .•• 1 6a.to.6 do.6 qua.i.6 não .6e pode 6a.zeJt a. hi.6tôJtia. .6em teoJtia." (Can -guilhem, 1989, p. 15).
o fato da história das ciências será tratado en-quanto um fato de ciência. Portanto:
" . •• a. hi.6 t Ô Jti a. d a..6 c.i ê n c.i a..6 ê a. hi.6 t Ô Jr.ia. de-um o~jeto, que ê uma. hi.6tôJtia., que tem uma. hi.6toJtia., enqua.nto que a. c.iênc.ia. ê a. c.iên -c.ia. d~ u~ ~bjeto que não ê hi.6tôJtia.,que não tem h~.6toJt~a." (Ibid., 1968, p. 14).
Bachelard, ao se referir à subordinação da razao
à ciência e ao papel desta enquanto instrutora daquela, en
fatiza a "marcha dialética da superação constitutiva do sa
ber". (Ibid., 1957, p. 48).
17
Ainda corroborando as idéias de Bache1ard, Can-
guilhem recorda que a ciência não seria a experiência em es
tado pleonástico. Há, em conseqüência, a recuperaçao da a
tividade técnica e da apercepção. A ciência passa a ser
uma operação intelectual com história, mas sem origens.Ela
seria, assim, "a gênese do Real", cuj a gênese é incontável.
"Ela. não e a. 6ltu.t..i.6..i.c.a.ç.ão de um pite -.6a.belt. Uma. ·a.ltqueolog..i.a. da. c...i.ênc...i.a. e um emplteend..i. -men.to que tem um .6ent..i.do; uma. plte-h..i..6tõlt..i.a. da. c...i.ênc...i.a. e um a.b.6ultdo" (Canguilhem, 1957, p.49).
o conhecimento científico é analisado, em Bache-
lard, como um processo em que deva ocorrer a ruptura com o
passado dos conceitos. A polêmica e a dialética são tudo,
segundo o autor, o que se encontra ao fim da análise dos
meios do saber. Estaria na recusa a mola propulsora do co
nhecimento.
A dialética designaria, desta forma, como um fa-
to de cultura, o vetor de aproximação científica que refor
ça os sentidos no proponente como regra: em todas as cir-
cunstâncias, o imediato deve ceder o passado ao construí -
do.
Evidencia-se que Bachelard propoe e nomeia a dia
lética enquanto um movimento indutiva que reorganizaria o
saber. Suas bases sao, assim, alargadas, no sentido de que
a negação dos conceitos e axiomas não constitui um aspecto
de sua generalização. O filósofo pondera que somente uma
razao crítica pode ser arquitetônica.
Percebe-se que a dialética proposta pelo referi-
18
do autor nao se refere ao materialismo dialético, mas desi
gnaria uma consciência de complementaridade e de coordena-
çao dos conceitos, cuja contradição lógica não é o motor.
Ele conclui que ela seria o distanciamento entre a experi-
ência e os conhecimentos anteriores.
Losee (1979), ao analisar a filosofia evolucio -
nista da ciência, aponta várias incoerências quanto à ana-
logia entre o evolucionismo (Darwinista) e a evolução con-
ceitual científica e nos possibilita uma volta ao pensame~
to bachelardiano. Para aquele autor, a evolução concei-
tual é associada, pois há uma conexão entre os fatores res
ponsáveis pela geração das variantes conceituais científi-
cas e pela seleção das mesmas.
"A gJtande ma.6.6a de 'c.onc.eLto.6, mê..todo.6 e 06 je.to.6' numa d~.6c.~pt~na Jtac.~onat em quatque~ .tempo c.on.6egue .6eJt mu~.to d~6eJten.te do ou.tJto e não e.6.tando em c.ompe.t~ção, ma.6 numa a.6.6O-c.~ação .6~.6.temã..t~c.a, uma c.om a ou.tJta" (Losee, 1979, p. 32).
Para este autor, as mudanças na disciplina cien-
tífica envolveriam a reestruturação da evolução das rela -
çôis conceit~ais por outras, e não somente a reposição de
um conceito similar por outro.
Epistemologia da Biologia
Fichant (1973) está de acordo com Canguilhem ao
observar que a biologia tem tido um espaço pequeno nas re-
flexões filosóficas sobre as ciências, ao que se acrescen-
ta certa suspeita sobre uma atitude racionalista.
19
o autor realiza um adendo ao nos alertar para a
confusão de generoso Nessa análise, ele relata que a fil~
sofia biológica pode ser "ora uma filosofia do biólogo C ... ),
ora uma filosofia de biólogo". Assim, uma informação bio-
lógica poderá ser utilizada para seus fins ou tratar os pr~
blemas tidos como filosóficos "da finalidade, da especifi-
cidade da vida, da evolução, etc." (Ibid., 1973, p. 158).
Ter-se-ia, assim, uma biologia de filósofo e uma
biologia filosófica.
"To~na u~gente uma autintica 6ilo~o6ia bio-logica, entendida como epi~temologia, i~to ê, como teo~ia que t~ata de uma ciincia ~em p~e~~upo~ out~o~ p~oblema~ nem out~o~ con -ceito~ que não o~ que e~ta p~õp~ia ciincia coloca em ~eu devi~ e~pecZ6ico" Clbid.).
Fichant atenta para a necessidade de se resg~
tar o papel histórico do vitalismo, enquanto contribuição
para a epistemologia biológica.
Por vitalismo entende-se o reconhecimento da "0-
riginalidade do fato vital". Como conseqüência deste pos-
tulado, recusar-se-iam as interpretações animistas e meca-
nicistas dos fenômenos orgãnicos.
Através do vitalismo, Canguilhem reconhece a "a-
bertura epistemológica que assegura ã biologia o raciona -
lismo aplicado que lhe convém" CFichant, 1973, p. 159).
A tese defendida pelo vitalismo, definida pela
especificidade da vida, abarca a materialidade do código
genét ico. Tal de s coberta, que se at ribui a Wa ts on e Crick,
em 1954, marcou a mudança de linguagem na biologia contem-
20
poranea. Conceitos como mensagem, informação, código e
decodificação passaram a ser parte do referencial teórico
do conhecimento da vida.
A vida passará, assim, a ser definida enquanto
um sentido inscrito na matéria. Admitir-se-á a existência
de um a priori material. "Assim o racionalismo aplicado da
biologia encontra por sua vez, um materialismo racional"
(Ibid.) .
Corroborando a necessidade de uma epistemologia
biológica, Meyer (s.d) indica que as ciências biológicas p~
recem sofrer de "depressão epistemológica". Assim,elas os
cilam humildemente entre um experimento e uma "pretensão
filosófica", cujo tom polêmico é evidenciado.
Ele acrescenta que a biologia ainda nao encon-
trou o lugar que lhe compete entre a física e a metafísica.
Ao abordar o sistema vivo, Meyer o caracteriza não
apenas enquanto um conjunto de seres, mas como um sistema
propriamente dito. Neste sentido, a totalidade estaria rela
cionada i lógica interna da coerência do pr6prio sistema.
o autor analisa ainda os procedimentos para se
entender a lógica do sistema. Segundo ele, pode-se divi -
dir a inteligibilidade epistemológica em dois tipos. Um
se inspiraria no modelo aristotélico, ou seja, de classif~
cação; já o outro, no modelo cartesiano, de causalidade.As
sim, ter-se-iam os procedimentos descritivo do naturalis-
ta e analítico do fisiologista.
Meyer acrescenta em sua análise que além de ca-
21
ber à biologia a evidenciação do conjunto de mecanismos pr~
sente no sistema organizado, é papel da biologia analítica
pressupor a existência das organizações. Através do proc~
dimento analítico, a biologia deve considerar a existência
do "todo do organismo", assim como os processos decorren -
tes da organização.
"~ evidente que uma biologia p04itiva nao pode~ia e4quece~, de um modo pa~adoxal, a exi/j tência da4 6o~ma4 viva4, como po~ veze4 pa~ece 6aze~; cump~e-lhe, po~ i440, con4e~va~ algo de44a dupla intenção epi4temolâgi-ca, em 4ituação delibe~adamente dialética, ca40 p~etenda p~omove~ a 4ua p~oblemãtica p~õp~ia" (Ibid., p. 159).
Referindo-se ao funcionamento do sistema biológi
co, o autor enfatiza a necessidade de se apreender as pro-
priedades do sistema (pressão, PH, teor em substâncias) em
sua realidade dinâmica. Tal realidade se caracteriza pela
virtude de seu próprio funcionamento ou pela pressão cons-
tante exercida pelo meio, que acarreta uma ameaça constan-
te ao equilíbrio emergente.
Através de regulações, o sistema biológico recu-
pera o equilíbrio emergente, quando abalado. Tal processo
ocorre pela utilização dos recursos internos (ex.: função
glicogênica) ou buscando no meio externo o material neces-
sário para a volta ao equilíbrio.
Verifica-se o alargamento do sistema biológico
para além de seu campo anatômico e fisiológico. Logo, o
campo biológico passa a compreender o próprio organismo e
os elementos do meio que integram o sistema, caracterizan-
do, desta forma, a interação através do processo homeostá-
tico.
22
" podemo~ dize~ que o ~i~tema biol6gieo ( ... ) ~e ap~e~enta eomo uma_'eoneavidadt de e~paço-tempo', eujo eent~o e oeupado p~lo o~gani~mo ( ... ); de tal 4o~ma que 0_6un~~0-namento inte~no do o~gan~~mo ( ... ) e ev~den temente t~ibutã~io da zona ext~a- o~gâniea do ~i~tema biol6gieo" (Ibid., p. 161).
Evidencia-se que uma análise do organismo separ~
do de seu meio não ~assa de uma abstração. Mas tal conc1u
são não é suficiente para o entendimento daquela relação;
faz-se necessário ti ••• apontar, no próprio meio, para a ma!.
ca nao equIvoca das estrutur~s que o integram no sistema
organizado tl (Ibid.).
Com o objetivo de entendermos melhor o dinamismo
do sistema biológico, podemos recorrer à termodinâmica, co
mo e1ucida Meyer em sua análise sobre o funcionamento do
organismo biológico.
Partindo do princIpio de que o funcionamento dos
sistemas implica degradações energéticas, verifica-se a n~
cessidade de acréscimo de entropia. Tal fenômeno se exp1!
ca na medida em que as degradações serão compensadas por
regulações. Cabe ressaltar que o restabelecimento de um
órgão ou função resulta da possibilidade do trabalho forn~
cido por outro órgão ou função. Ou seja, por um acréscimo
entrópico. Forma-se, então, uma cadeia entrópica.
"O que aeonteee é que, longe de de~ee~na e~ . pi~al da deg~adação, o o~gani~mo ab~e-~e,pe lo eont~ã~io, ~ob~e o exte~io~ e exe~ee ~o~ b~e o meio um e6eito de apelo ou de a~pi~açao. ( ... ) ao de~ o~ganiza~ o meio, ou ao ti ~a~ p~oveito duma de~o~ganização e~pontânea, o ~i~tema mantém o 6luxo eon~tante do~eu di nami~mo p~;p~io" (Ibid., p. 162). -
23
Fica assim introduzido um novo conceito de equi-
1Íbrio, que não seria aquele resultante de forças contradi
tórias, como preconiza o sistema mecânico, mas resultaria
de vários processos sempre em ação. Conseqüente a esse
postulado, resgata-se a importância do processo metabó1i -
co, entendido este no seu sentido etimológico - mudança.
"Mais do que equilíbrio, trata-se antes de um estudo esta-
cionário mantido po"r interação" (Ibid., p. 163).
Meyer conclui que o equilíbrio seria o efeito di
nâmico de vários desequilíbrios, os quais seriam mutuamen-
te compensados. Através dessa instabilidade, ao sistema
seriam permitidos os restabelecimentos de equilíbrios em
situações marcadamente diversas.
A análise do processo dinâmico no organismo nos
remete ao pensamento biológico contemporâneo, cujas tendê~
cias metodológicas demonstram uma abordagem dialética.
Evidencia-se no eixo norteador daquele pensamen-
to o princípio da totalidade, que está ligado ao da evo1u-
çao.
"Se e um nato que o de.6eYl.volv-i..meYl.to -i..maYl.e.Yl.-te da teo~-i..a elã.6.6-i..ea levou ã eOYl..6titu-i..ção duma teo~-i..a eada vez ma-i...6 apo-i..ada em p~-i..Yl.eZ p-i..O.6 de total-i..dade e de evoluç.ão, ( ••• ), tal eOYl..6t-i..tu-i.. mot-i..vo pa~a que .6e tO~Yl.e legZt-i..-mo e.6pe~a~ v-i..~ a eYl.eoYl.t~a~, Yl.e.6.6a teo~-i..a, o a e~ e.6 e-i..m o do p ap e i do.6 m ê.t o do.6 dia.lê.üeo.6 ••. " (Nowinski, S.D., p. 243).
A teoria sintética contrapõe-se à atomística, no
sentido de preconizar que cada propriedade do organismo so
fre influências da totalidade dos genes, e estes inf1uen -
ciam todas as propriedades, caracterizando-se, assim,o pr~
24
Cesso de interação, em que o genótipo seria a totalidade
de genes "integrados e co-adaptados".
Nowinski acrescenta que às idéias de organiza -
çao, interação e integração integraliza-se o pensamento de
diferentes níveis de organização. O autor cita, como exe~
pIo, as estruturas bioquímicas submoleculares, as macro-m~
leculares, celular~s, organização do indivíduo, da popula-
ção, da espécie e da biogeocenose total.
Darlington (citado por Nowinski, 1939) foi quem
introduziu o conceito de "sistema genético", que deve ser
entendido como totalidade de processo, no qual a varlaçao
é transmitida através da informação genética.
Waddington, amplia o referido conceito, introdu-
zindo a noção de "sistema epigenético". Segundo este con-
ceito, a informação contida no ovo não é apenas transmiti-
da, mas transformada ao longo do desenvolvimento embrioló-
gico. A partir desta perspectiva, o fenótipo deixa de ser
considerado como um mosaico de propriedades, mas como "o
produto do epigel1ótipo total". "A noção de epigenótipo re
vela-se essencial do ponto de vista da teoria da evolução,
por ser este um fator do processo evolutivo", como destaca
Nowinski.
A partir da perspectiva epigenotípica, a filogê-
nese se produziria através das ontogêneses dos indivíduos
organizados em populações.
"Nã.o ob.6.tan.te, o de.6envolvimen.to on.togenê.ti co acha-.6e e.6.t~i.ta e di~e.tamen.te ligado a.6 in6luência.6 do meio, e a.6 lei.6 que exp~imem
25
a~ tendêneia~ opo~ta~ de~~e de~envolvimento (6lexibilidade e eanalizaçãoJ ~Õ ~e to~nam eomp~een~Zvei~ em ~elação eom a p~e~~ão do m ei o" (I b i d., p. 245).
Conclui-se que a teoria sintética nos leva à cons
trução de uma totalidade com maior amplitude, em que o meio
ambiente deve ser inserido no processo interativo.
As idéia~ referentes à totalidade, aos genes co-
mo unidades funcionais e ao processo filogenético através
da ontogênese, em substituição ao atomismo, aos genes en-
quanto corpúsculos e ao organicismo, terminam por abalar a
posição dogmática da biologia. Verifica-se, assim, que,s~
gundo Waddington, a idéia da relatividade, que embasaria o
princípio de totalidade e de evolução, caracterizaria a pa~
sagem do atomismo para uma "teoria que compreende a evolu
ção em termos de sistemas de organização".
"Qualque~ ~ealidade, eom e6eito ( ... J i evo lução no ~entido ~igo~o~o e p~õp~io de~te te~mo, a ~abe~: um p~oee~~o de ~entido üni-eo no tempo, p~oee~~o uno, eontZnuo, i~~e -ve~~Zvel, autônomo na ~ua t~an~6o~mação, e engend~ando va~iedade e novidade no deeu~~o de~~a t~an~6o~mação" (Huxley, citado por No
,winski, s.d., p. 246).
Seria lícito ressaltar que, segundo Waddington,o
sistema evolutivo engloba quatro subsistemas, que se pode-
riam caracterizar como genético, epigenético, de explora -
ção do meio e de pressão da seleção natural.
Nowinski nos alerta sobre a necessidade de se uI
trapassar a atitude atomista na biologia. Para o autor, ~
firmar que a teoria sintética envolve dois fatores da evolu
ção - mutação e seleção natural - não é suficiente para a
26
superaçao do atomismo, já que tal explicação permaneceria • 4'.
imersa no prIncIpIo atomista.
Ele ainda acrescenta que a fonte da mutação esta
ria na estrutura química dos genes, enquanto a seleção na-
tural seria uma pressão exterior ao organismo e à popula -
çao. A ação seria mutuamente exclusiva. Verifica-se a pa!
tir deste postulado a perspectiva atomista na teoria sinté
tica.
Devemos entender que o princípio de totalidade es
tá intrinsecamente ligado ao evolutivo, que está estrutur~
do conforme um fluxo de transfor~ações. Huxley acrescenta
que a evolução é "um processo autônomo na sua transforma -
ção e que engendra variedade e novidade no decurso dessa trans
formação" (Ibid., p. 247).
Nowinski conclui que a metodologia dialética -e fundamental para a biologia, assim como é premente a análl
se minuciosa das obras dos grandes biologistas para o pró-
prio desenvolvimento da dialética, e, conseqüentemente, p~
ra a teoria do conhecimento. A biologia - acrescenta o au
tor - exerce importância crescente para o desenvolvimento
da epistemologia, em que a obra de Jean Piaget "ocupa uma
posição de elevado destaque".
o pensamento dialético em biologia já podia ser
notado em procedimentos metodológicos de alguns biologis -
tas. Dentre eles, Darwin se destaca através de sua elabo-
raçao da teoria da seleção natural, que explicita a espe -
CIaçao. Cabe ressaltar que o mecanismo daquela seleção f~
vorece a diferenciação e adaptação das espécies, as quais
27
conduzirão ao surgimento de novas e ao desaparecimento de
antigas formas.
Nesse sentido, Nowinski infere que o conceito es
pécie deverá ser entendido enquanto uma etapa de equilí
brio de adaptação e de estabilização das diferentes formas
resultantes ao longo da seleção natural.
o referido autor analisa minuciosamente a metodo
logia utilizada por Darwin e conclui que seu procedimento e~
tá ligado à reconstituição do processo histórico do desen-
volvimento.
"A ~ingulanidade i a via indineta da teonia ab~tnata pana a necon~tituição do pnoce~~o hi~tõnico e pana a de~ignação da~ e~pêcie~ concneta~; a e~peci6icidade da nela~ão en-tne a 6unção ~igni6icativa e a 6unçao de~i~ nativa da~ noçõe~ teõnica~ de~~e ~i~tema; o canãten da teonia da ~eleção enquanto meta-teonia do ~i~tema de cla~~i6icaçõe~; a ne -ce~~idade de aplicação do~ e~quema~ openatõ nio~ do tipo 'cla~~e-nelação' ( ... )acham-~e e~tnitamente ligada~ ao objetivo cognWvo ... " (Nowinski, S.D., p. 235).
Evidenciam-se, a partir de procedimento metodoló
gico estabelecido por Darwin, os elementos da metodologia
dialética.
À primeira vista, poder-se-ia considerar Darwin
enquanto autor que adotou uma metodologia atomista, o que
estaria em sentido contrário à perspectiva dialética. No
entanto, segundo o biologista, a totalidade da evolução da
vida é reconstituída através da designação de seus compo -
nentes particulares. Tais elementos, por sua vez, seriam
referidos ao sistema total das relações genéticas. Caracte
28
riza-se, assim, a articulação dialética entre totalidade e
suas partes, no pensamento darwiniano.
Seria lícito ressaltar que Darwin, ao ser classi
ficado enquanto autor atomista, refletia o pensamento in-
glês empirista da época, em que a espécie representava uma
entidade rígida, e, sendo assim, caracterizar-se-ia a inér
cia do sistema.
A partir do século XVIII, a atenção passa a ser
direcionada para as relações internas estabelecidas entre
os elementos que compoem os objetos, ao se realizar uma pe~
quisa. O interior do corpo possibilitará sua própria exi~
tência, cuja interação das partes dará significado ao todo.
Os seres vivos sao assim entendidos em sua tota-
lidade, caracterizando-se enquanto conjuntos tridimensio -
nais. A superfície do ser vivo passa a ser comandada pela
profundidade, assim como os órgãos, por suas funções. "O
que rege a forma, as propriedades e o comportamento de um
ser vivo é sua organização", acrescenta Jacob, em sua obra
"A t5giea da vida", 1983. e esta organização que se torna objeto de conhecimento, com fins de análise da própria vida.
Na passagem do século XVIII para o XIX, caracte-
rizar-se-á uma nova ciência cujo objetivo é o conhecimento
da vida, não mais através da redução dos organismos a um
mero conjunto de unidades, cuja base científica é a teoria
corpuscu1ar da matéria, mas através da organização.
Ao se referir ao processo reprodutivo dos seres
vivos, Jacob, apoiado em Buffon, afirma que a produção de
29
um ser nao implica gasto de matéria pela natureza, já que
esta recombina as unidades disponíveis resultantes da mor-
te dos organismos.
"O que ~ ~ep~oduzido ~ imagem do~ pai~ na ge~ação do~ ~e~e~ o~ganizado~ ê a a~ti~ulação da~ molê~ula~ o~gani~a~, ~ a di~po~ição de~ta~ unidade~ p~ôp~ia~ da e~p~~ie, ~ a o~ ganização" (Jacob, 1983, p. 84).
A tentativa para se explicar o princípio da org~
nização levou alguns autores do século XVIII a identificar
uma estrutura oculta que organizaria a matéria. Desta for-
ma, o filho seria produzido à imagem dos país, através de
um processo denominado epigênese.
No entanto, ainda era impossível comprovaram-se
experimentalmente as teorias dos autores, o que acarretou
o apoio teórico nas leis da física até então em vigor. A
abordagem mecanicista torna-se, assim, evidente. Jacob a-
crescenta:
"A~ unidade~ elementa~e~, a~ pa~tI~ula~ vi-va~, a~ molé~ula~ o~gani~a~ vi~ am apena~ a adapta~ a inte~p~etação me~ani~i~ta do mun-do vivo ã inte~p~etação newto~iana do uni -ve~~o" (Ibid., p. 89).
Ao final do século XVIII, o ser vivo passa a ser
entendido nao mais enquanto uma associação de órgãos, cujo
funcionamento se daria automaticamente. O ser passa a ser
analisado como um todo, cujas partes são interdependentes.
A função desempenhada por cada uma delas é importante para
todo. o organismo. Assim, "o que importa não é mais a dife
rença na superfície, mas a semelhança na profundidade" (Ibid. ,
p. 91). Verifica-se que ao término daquele século as rela
30
çoes exterior/interior, superfície/profundidade e órgãos/
funções sao significativamente modificadas.
A introdução do conceito de organização enquanto
"arquitetura oculta" dos organismos favorece a visão do
ser vivo em sua totalidade, superando a visão atomista da
época e fazendo emergir a perspectiva de um ser cujas fun-
ções se apresentam de forma integrada. Mas a principal co~
seqüência dessa visão diz respeito à inserção do ser vivo
no meio. O organismo deixa de ser considerado enquanto a!
go imerso no vazio, mas, pelo contrário, inserido na natu-
reza, com a qual estabelece relações.
A mudança de paradigma fornece à ciência do secu
lo XIX o estudo do ser vivo constituído de propriedades sin
guIares, que caracterizam o princípio da organização. Tal
ciência é denominada Biologia, cujo conteúdo se intitula
vida.
Como conseqüência, o estudo empírico ganha um n~
vo estatuto, já que seus dados devem, agora, articular-se
em profundidade, evidenciando suas relações. "Cada ser, C ... ),
contém em si mesmo a razão de sua existência; todas as pa~
tes atuam umas sobre as outras; cada animal é fisiolo-
gicamente perfeito" CGoethe, citado por Jacob, 1983,p. 96).
Um exemplo significativo para ilustrar a relação
cbs órgãos e funções pode ser identificado a partir da "lei
de coexistência". Todo animal de cascos é herbívoro. Infe
re-se, a partir deste exemplo, que tal lei se aplica, in -
clusive, ao sistema digestivo. Essa idéia reflete o pens~
mento do século XIX, que demonstrou que a existência de um
31
vivo depende da harmonia entre ... - decorrente ser seus orgaos,
de sua interação funcional.
Ao se analisar a progressao do reino animal, con -clui-se que tal nao se dá de forma linear, mas sim através
de um processo descontínuo. Logo, nao haveria " ... um pl~
no único para o conjunto do mundo, mas muitos", conclui J~
cob. A natureza daria, assim, um salto de um plano para o
outro.
Incluiu-se, por conseqüência, o termo ramifica -
çao para explicar os saltos evolutivos dos animais, negan-
do, portanto, o processo seriado. Na realidade, o que se
encontraria em todos os seres vivos seriam as exigências
funcionais, como alimentação e respiração. A continuidade
estaria apoiada apenas nestas funções.
Jacob, reportando-se a Cuvier, nos relata que as
variedades dos órgãos funcionais podem ser notadas de for-
ma crescente, enquanto o centro da organização se mantém
mais estável.
"Idintie04 no eent~o da o~ganizaçao, 04 4e-~e4 de um me4mo g~upo a6a4tam~4e p~og~e44ivamente un4 d04 out~04 a medida que n04 en-eaminhamo4 pa~a a pe~ióe~ia. Semelhante4 pe lo oeulto, dive~gem pelo vi4lvel. Na4 4upei óleie4 eneont~am-4 e apena4 4 é.~ie4 eontlnua:6, p~odut~ de nume~04a4 va~iaçõe4. Na p~oóundi dade 40 podem have~ mudança4 ~adieai4, 4al~ t04 de um plano pa~a out~o" (Jacob,1983,p.117).
Com o advento do microscópio, novas descobertas
foram feitas e, conseqüentemente, criticaram-se os postul~
dos defendidos anteriormente. A partir da descoberta das
células e conseqüente desenvolvimento da teoria celular,Ma~
32
pertuis e Buffon, ao defenderem o princípio da descontinui
dade, foram apontados como fiéis seguidores de Newton, re-
fletindo, assim, a abordagem mecanicista, defendida no se-
culo XVIII.
A biologia do século XIX muda a situação. A no-
va teoria é contra a visão de que o corpo vivo possa se di
vidir infinitamente, cujos elementos seriam apenas associ~
çoes. O tecido celular é encarado enquanto correspondente
ao princípio da totalidade do ser vivo, segundo o qual e
possível aproximar organismos mais complexos dos mais sim-
pIes, através da organização dos seres.
A célula é, então, considerada como portadora de
todos os atributos do ser vivo, sendo a origem necessária
de todo corpo organizado.
Paradoxalmente, o avanço científico acaba por co!!,
tradizer o princípio vitalista que defendia a continuidade
e a totalidade do organismo, restringindo a célula a atri-
buição das propriedades do ser vivo.
"O ongani4mD n~o pode mai4 4en con4idenado como uma e4tnutuna monolZtica, uma upéci..e de autocnacia cujo4 podene4 e4capam a04 indivZ dU04 que ela admini4tna. Tonna-4e um 'e4ta7 do celulan', uma coletividade em que, ( ... ) cada célula é um cidadio" (Ibid, p. 125).
Logo, as características dos seres vivos serão de
terminados a partir do estudo das células, através de suas
estruturas.
Por outro lado, com o advento da teoria celular,
o estudo da reprodução dos seres vivos tornou-se mais avan
çado. Assim, através da embriologia, foi possível obser-
33
var a descontinuidade do mundo vivo, por meio da evolução
das espécies.
Nesse sentido, o ovo ganha uma nova configuração.
Ele passa a ser li ••• a origem de um sistema onde se rea1i-
za uma série de reajustes sucessivos ... " (Ibid, p. 129) ,c~
mo acrescenta Jacob. O ser vivo será, então, resultante de
uma sucessão de acontecimentos interligados. Verifica-se que
nao haveria uma cisão entre gerações, - . mas a permanencla de um elemento que gradativamente progrediria, formando um
novo organismo.
"V Ult a.nt e o d e.6 en v o lv..tm e nt o e.mbJt.-tonâ!U.o, o clte.6 c..tmento do ovo engendlta. uma. .6eqüênc..ta. de o~ ga.n..tza.çõe.6 d..tneltente.6, .6endo que .6Ô a. últ..t~ ma. coltlte.6ponde ~ do a.dulto" (Ibid, p. 135).
As organizações vem a ser ligadas pelas relações
dos elementos idênticos ou semelhantes, através da suces -
sao temporal, vinculando-as à sua história. Esta deve ser
entendida como transformações seriadas, pelas quais o sis-
tema se constitui progressivamente.
Os avanços das pesquisas biológicas caracteriza-
ram as contradições da ciência, como pode ser evidencia-
do através da embriologia. Este estudo favoreceu o enten-
dimento dos processos das organizações, definindo o princI
pio de totalidade. No entanto, tais avanços científicos fo
ram considerados desestimulantes para a pesquisa biológi -
ca, que não se prestaria a uma abordagem reducionista, já
que essas pesquisas denunciavam a atividade integrativa do
organismo. Como conseqüência, as funções biológicas se-
riam explicadas em termos de interações dos componentes ce
34
lulares, restringindo, mais urna vez, as explicações do fun
cionamento orgânico.
o modelo cartesiano ainda estava presente no pe~
sarnento biológico no século XVII. A partir de Descartes,os
organismos vivos eram vistos corno sistemas mecânicos, aca~
retando urna conceituação rígida para as subseqüentes pes -
quisas em fisiologia. Adotando essa linha de pensamento,
alguns pesquisadores se destacaram em suas pesquisas, corno
o discípulo de Galileu, Borello (citado por Capra,1982),que
explicou o funcionamento do sistema muscular, a partir de
urna ótica mecanicista. Mas o autor ao qual se pode confe-
rir grande destaque na pesquisa biológica foi Harvey, que
adaptou o modelo mecanicista ao processo de circulação san
güínea. A obra do referido autor obteve grande repercus -
são científica, tendo sido reconhecida pelo próprio Descar
teso
Diversos foram os seguidores de Harvey,como anu~
cia Capra em sua obra intitulada "O ponto de mutaçao". Ap~
sar de poucos terem obtido ~xito em suas pesquisas, no se-
'culo XVII fundou-se urna escola de pensamento inspirada nas
pesquisas de Paracelso, eminente pesquisador em biologia e
medicina do século XVI, cuja fundamentação científica se
apoiava na alquimia. Ele explicava o fenômeno vida a par-
tir do processo químico, explicação esta que foi seguida
por outros cientistas, dividindo a corrente dos fisiologi~
tas do século XVII. Surgem, assim, os modelos "iatroquíml
co" e o "iatromecânico"; o primeiro seguia os princípios
de Paracelso e o segundo sustentava o paradigma mecanicis-
35
ta, o qual era dominante no pensamento científico da epo -
ca.
Através do avanço das pesquisas cientÍficas,aqu~
la situação parecia estar superada. As descobertas de La-
voisier (teoria da combustão), de Galvani (corrente elétri
ca nos nervos) e de Alessandro Volta (eletricidade) eleva-
ram o nível do pensamento setecentista, abandonando-se os
simples modelos mecanicistas.
"A.-6.-6im, a biologia deixou de .6Vz. c.a/f..te.-6ian.a n.o .-6en.tido da imagem e.-6t/f..itamen.te mec.an.~c.a do.-6 o/f..gan.i.-6mo.-6 vivo.-6, ma.-6 pe/f..man.ec.eu c.a/f..te-.-6ian.a n.a ac.epção mai.-6 ampla de ten.ta/f.. /f..edu-zi/f.. todo.-6 0.6 a.-6Rec.tO.-6 do.-6 o/f..gan.i.-6mo.-6 vivo.-6 ~.-6 in.te/f..aç~e.-6 6Z.-6ic.a.-6 e quZmic.a.-6 de .-6eu.6 me n.O/f..e.-6 c.on..6tituin.te.-6" (Capra, 1982, p. 101):
o século XIX inaugurou aquilo que seria urna revo
lução no pensamento biológico contemporâneo, ao ser elabo-
rada a teoria da evolução, que foi defendida por Darwin,
cujo postulado abarcava o conceito de um sistema evoluti -
vo, em constante mudança. O caráter evolucionista estaria
fundamentado na mutação randômica e na idéia de seleção na
tural. No entanto, o que demonstrava ser urna mudança no
paradigma científico, na realidade evidenciou o oposto,
pois os biólogos reducionistas adaptaram ã teoria da evolu
çao a abordagem cartesiana.
O progresso das pesquisas científicas denunciou
o caráter contraditório de seus postulados, pois e paten-
te a oscilação nas idéias científicas em termos de paradiK
mas, o que pode ser corroborado ao analisarmos as novas
conseqüências relativas ao advento da teoria mendeliana.
36
No século xx, o estudo da genética torna-se pro-~
gressivamente acirrado, descobrindo-se que o material gen~
tico dos seres vivos estaria contido nos cromossomos, as-
sim como se verificou a localização dos genes. As novas
descobertas científicas direcionaram os cientistas, no sen
tido de explicar as características biológicas em termos
de unidades elementares, ou seja, os genes. A composição
genética passaria i ser a explicação dos traços orgincios;
em conseqüência, os organismos vivos passaram a ser enten-
didos enquanto "máquinas controladas por cadeias lineares
de causa e efeito", como anuncia Capra (1982, p. 104).
Por necessidade e nao por acaso, a ciência reve-
laria o fenômeno de vida de forma crescente, como pode ser
constatado através de seus avanços em meados do século xx. Nesse momento, a atenção dos pesquisadores em biologia se
direciona para as estruturas que compoem os genes, caract~
rizando o surgimento da biologia molecular. Através des -
ses estudos, elucidou-se a estrutura física do DNA (ácido
desoxirribonucléico), responsável pela transmissão heredi-
tária.
"E.6.6e. :t/t-i..u.Yl.6o da b-i..olog-i..a mole.c.u.la/t le.vou. 0.6 b-i..õlogo.6 a ac./te.d-i..:ta/te.m qu.e. :toda.6 a.6 6u.Yl.-çõe..6 b-i..olõg-i..c.a.6 pode.m .6e./t e.xpl-i..c.ada.6 e.m :te./t mo.6 de. e.6:t/tu.:tu./ta.6 e. me.c.aYl.-i...6mo.6 mole.c.u.la/te..6~ o qu.e. le.vou. a d-i...6:to/tção Yl.O c.ampo da pe..6qu.-i..-.6a de.Yl.:t/to da.6 c.-i..ê-Yl.c.-i..a.6 hu.maYl.a.6" (Ibid, p.109).
Posteriormente, foi decifrado o código genético,
detectando-se a importincia dos genes no controle enzimáti
co, assim como a composição química e os mecanismos de re-
produção e mutação daqueles genes. Francis Crik e James
37
Watson destacaram-se em suas investigações científicas,el~
borando o modelo que futuramente foi reconhecido pelos ci-
entistas como modelo de Watson e Crik, o qual explicita a
arquitetura do DNA.
Em conseqüência do grande êxito da biologia mol~
cular no campo da genética, os métodos desenvolvidos por es
ta área passariam a ser aplicados em diversas áreas da bi~
logia e "assim, a maioria dos biólogos tornaram-se fervor~
sos reducionistas, interessados nos detalhes moleculares",
como conclui Capra (Ibid, p. 112).
Capra acrescenta que apesar de ter havido grande
avanço nas pesquisas biológicas, não houve revisão nos con
ceitos básicos relativos à área, assim como não se deli-
neou uma perspectiva baseada na "teoria dinâmica universal".
Para o autor, a estrutura cartesiana ainda permeia o pens~
mento biológico, segundo o qual os organismos vivos são a-
nalisados enquanto máquinas físicas e bioquímicas,cuja ex-
plicação dar-se-ia através dos mecanismos moleculares.
o positivismo e sua influência n~ pensamento bio15gico
Essa discussão tem por objetivo analisar a ideo-
logia positivista e sua influência no pensamento biológi -
co. Para a realização dessa análise, esse segmento ... sera
dividido em: a) visão geral do sistema positivista; b)o p~
sitivismo no Brasil; c) influência do positivismo (em par-
ticular, do pensamento Comteano) no quadro de história da
biologia.
38
o sistema filosófico positivista surge em um mo-
mento de reestruturação do pensamento social no século XVIII,
que caracterizou a filosofia das luzes - Iluminismo - que
desencadeou uma luta contra o poder clerical, feudal e ab-
solutista.
o positivismo defende que a sociedade humana -e regida por leis naturais, alheias à vontade do homem, como
a lei da gravidade. A partir deste pressuposto, desenvol-
veu-se um método de análise do fenômeno social que atendes
se aos procedimentos metodológicos de investigação cientí-
fica natural. Ou seja, dever-se-ia conhecer a sociedade a
partir da metodologia da ciência natural. Caracterizou-se,
assim, o naturalismo positivista, como anuncia Lowy (1985).
O autor acrescenta que:
"Se a ~oeiedade ~ negida pon lei~ do tipo natunal, a eiêneia que e~tuda e~~a~ lei~ na tunai~ da ~oeiedade ê do me~mo tipo que a eiêneia que e~tuda a~ lei~ da a~tnonomia,da biologia, ete." (Ibid, p. 36).
Esse sistema atestou que o conhecimento era pos-
sível enquanto reflexo dos fatos passados, isento do fator
subjetivo. Conclui-se que não há nenhuma interdependência
entre o sujeito e o objeto do conhecimento, o que eviden -
cia a presença do modelo mecanicista na relação cognitiva,
logo o sujeito cognoscente é imparcial, do que decorre a
rejeição da influência social em sua percepção dos aconte-
cimentos. A reflexão teórica sobre o fenômeno social tor-
na-se inútil, pois seria passível de especulação.
Vilarinho (1981) acrescenta que o positivismo e
39
avesso a qualquer especulação que ultrapasse a experiên-
cia. O gosto pelo real é evidenciado por esse sistema.
Shaff (1987) conclui que para o positivismo basta juntar
um número de fatos bem documentados para que nasça a ciên-
cia da história.
Para Giroux (1983), apoiado em Horkheimer, o p~
sitivismo "apresentou uma visão do conhecimento e da ciên-
cia que despiu ambos de suas possibilidades críticas" (p.
13). Baseado em sua metodologia científica de investiga -
ção, reduziu-se o conhecimento ao domínio exclusivo da ci-
ência, e esta foi submetida e limitada a sua própria ativi
dade científica de descrição, classificação e generaliza -
ção do fenômeno.
Giroux acrescenta que a racionalidade positivis-
ta e sua respectiva visão tecnocrática da ciência caracte-
rizou uma ameaça ã noção de subjetividade, ignorando, con-
seqüentemente, o valor da consciência histórica e o pensa-
mento crítico.
Apesar de seu caráter libertador, o Iluminismo
nao conduziu o saber ã emancipação, mas, pelo contrário,
" ... ã técnica e ciência moderna que mantêm com seu objeto
uma relação ditatorial" (Freitag, 1988, p. 35).
Frei tag nos alerta para o fato de que a razao pr~
sente no positivismo é uma razão instrumental.
"Enquanto o mito oniginal ~e tnan~6onmava em Ilumini~mo, a natuneza ~e eonventia em eega objetividade. Honkheimen denuneia o ea nãten alienado da eiêneia e da teeniea po~I tivi~ta, eujo ~ub~tnato eomum e a nazão in~ tnumental" (Ibid).
40
Giroux (1983) acrescenta, baseado nos teóricos de
Frankfurt, que a crise da razão aumenta quando é acirrada
a racionalidade da sociedade devido às circunstâncias his-
tóricas, já que em nome de uma harmonia social a razao crí
tica transformou-se numa irracionalidade.
o positivismo assinalou o fim da teoria do conhe
cimento, dando lugar a uma teoria das ciências, segundo o
qual o conhecimento define-se pelas realizações da ciência.
Para Habermas (1987) não há mais o questionamento lógico -
transcendental sobre as condições do conhecimento realiza-
do. Tal questão só poderia ser colocada sob a forma de u-
ma inquirição metodológica.
Percebe-se no percurso positivista o abandono da
filosofia, no que concerne a teoria do conhecimento, haja
vista que a pesquisa deve estar imune a qualquer auto-re -
flexão em termos daquela teoria. O sistema positivista pa~
sa, assim, a dogmatizar " ... a fé das ciências nelas mes -
mas ... " (Habermas, 1987, p. 90).
O referido autor observa que o saber exa~o con -
tribui para uma visão irracional do conhecimento, consa-
grando a ingênua idéia de que o este possa descrever a rea
lidade, como uma fotografia. Mas não no sentido que Schaff
(1987) aponta, ao afirmar que o sujeito que conhece foto -
grafa a realidade, utilizando-se de uma lente social, mas
sim segundo a teoria do reflexo, que se apóia no modelo me
canicista.
P~ra o positivismo, o EU é entendido como um con
junto estável de sensações frente à realidade (totalidade
41
fatual), levando-se em conta que sua origem, assim como
nossa forma de pensamento acerca do surgimento das coisas,
dependem apenas de elementos (sensações). Logo, o que e-
xiste são fatos, que são, por sua vez, li ••• sensações hi -
postasiadas de elementos de estruturação do mundo físico e
da consciência ... " (Habermas, 1987, p. lOS). o autor a-
crescenta que:
na 6atieidade do~ 6ato~ ate~ta a eenteza da peneepção ~ubjetiva e, eoneomitantemente, a exi~têneia extenion de um e~tado de eoi~a~ independente~ de~te EU" (Ibid, p. 102).
o positivismo no Brasil
o positivismo surge no Brasil num contexto pito-
resco, visto ter emergido de uma situação pOlítica que cau
sava um vazio na população. Naquele momento, ~ o paIs nao
era governado pelo Parlamento, mas sim pelo Imperador e
pelo Parlamento. Este estado de coisas foi resultado de
uma
" de~gnaçada polltiea edueaeional~ amon-toado de ne6onma~ impnatieãvei~ e impnatiea da~ e que dunantelongo tempo nada 6izenam ~ enão matan a eultuna naeional" (Torres, 1943, p. 44).
o autor conclui que esse pensamento surgiu no Brasil para
preencher uma lacuna, na medida em que nao havia uma filo-
sofia elaborada de forma racional. Ou seja, não se pos-
suía uma teoria de Estado passível de execução.
Lins (1960) verificou que essa tendência,além de
ter persistido no Brasil, acentuou-se enquanto prova de
42
~
uma idiossincrasia generalizada do brasileiro quanto as co
gitações metafísicas.
Já em 1850, a doutrina positivista havia reperc~
tido nos meios intelectuais e científicos. A título de i-
lustração, recorremos a Lins, quando nos informa que naqu~
le ano Miguel Joaquim Pereira de sá defendia uma tese na
Escola Militar do Rio de Janeiro sobre os princípios da Es
tática. Posteriormente, outros trabalhos foram desenvolvi
dos em diversas instituições, como aqueles sobre Hidrostá-
tica, ou ainda, relativos ao Cálculo diferencial.
Entretanto, foi em 1852 que um personagem muito
conhecido entra para a Escola Militar. Trata-se de Benj~
mim Constant. Esta instituição, juntamente com a Escola
Politécnica, tornaram-se as principais entidades oriundas
do positivismo brasileiro.
"Ve.6de então toltna/l.a.m, no Rio de Ja.nwo,dia. a. dia., ma.i.6 numelto.6a..6 di.6.6eltta.çõe.6 pO.6iti -vi.6ta..6 a.plte.6enta.da..6 a.O.6 pltincipa.i.6 e.6ta.bele cimento.6 de en.6ino: E.6cola. Milita.lt, E.6colã da. Ma.ltinha., E.6cola. de Medici~a. e E.6cola. Po-litécnica., encontlta.ndo ltepeltcu.6.6ão a.te 6olta. do.6 meio.6 pulta.mente cient16ico.6 ••• " (Lins, 1960, p. 8).
Posteriormente, em 1881, fundou-se o Apostolado
Positivista do Brasil, liderado por Miguel Lemos e Teixei-
ra Mendes, que propunha a expansão da Religião da Humanid~
de. Todos os membros do Apostolado deveriam conduzir-se de
acordo com suas opiniões, além de consagrarem toda a ativi
dade " ... ã incorporação do proletariado na sociedade mo -
derna, resumo de toda a ação positivista" (Ibid, p. 18).
43
Percebe-se, nitidamente, que houve um ambiente
favorável para a divulgação do positivismo no Brasil, urna
vez que a população estava mais preocupada com a vida prag
mática. A ação de seus seguidores torna-se intensa, nao
s6 nas entidades, mas nos jornais, corno na "Gazeta de NotZ
c.ia~ " .
o positivismo exerceu forte influência na situa-
ção política do Brasil. Aliás, e reconhecida a influência
de Benjamim Constant no movimento que provocou a proclama-
ção da República. Vilarinho (1981) pondera que esta Repú-
blica seria urna ditadura com a mais ampla liberdade de pe~
sarnento.
Ap6s a proclamação da República, cria-se, em São
Paulo, o Ginásio e a Escola Modelo do Estado de São Paulo,
cuja organização sofreu influência de Comte, acerca da hie
rarquia das ciências.
Na Bahia sao lançados os trabalhos "Elementos da
Matemática", "Classificação das Ciências e Artes" e "Fun -
ções do Cérebro", nos anos de 1858, 1878 e 1876, respecti-
vamente.
Ap6s a evolução do pensamento positivista, houve
urna cisão entre seus seguidores. Formou-se, conseqüente -
mente, o grupo dos ortodoxos e o dos heterodoxos. Estes p~
deriam ser categorizados enquanto críticos ou orgânicos.
Os primeiros consideravam a parte crítica da obra de Comte.
Os outros procuravam colocar em prática os princípios posi
tivistas. A exemplo, teríamos Benjamim Constant, que ela-
borou a reforma de ensino baseada na classificação das ci-
44
ências, a partir da ótica de Comte.
Na realidade, foi notória e altamente significa-
tiva a influência de Comte nos meios científicos, intelec-
tuais e culturais no Brasil, o que pode ser evidenciado p~
la citação que se segue:
"A ob~a de Augu~to Comte ~ de~~a~ que ~e po dem combate~, ma~ que ~e não podem nega~. V ~eu vaio~ ~, ~em exage~o, eno~me, e a ~ua in6iuência, ( ... ), con~ide~ã.vei. ( ... ). T 0-do pen~amento mode~no e~tã. imp~egnado de ~ua in6iuência, e o~ me~mo~ que o combatem e o negam, ~ã.o-ihe, indi~etamente, mau g~ado ~eu, ma~ de 6ato devedo~e~. ( ... ). Quaique~ que ~eja a ~ua ~o~te, eia te~â. ~ido uma dM mai~ notâ.v ei~ do e~pZ~ito humano" (Veríssimo, 1901, p.69).
o positivismo influenciou nao só a Escola Poli -
técnica da Marinha e a de Medicina, mas também a Escola Nor
mal e o Colégio Pedro 11.
A influência no setor militar é evidenciada a pa!.
tir do momento em que os professores de matemática se emba
savam na obra de Comte intitulada "Cou~~ de Phiio~ophie Po
~itive".
Enfim, podemos concluir que na esfera educacio -
nal houve nítida influência positivista, principalmente qu~
do Benjamim Constant reformou o ensino básico e médio,
baseado no espírito comteano. Houve, também, a- liberação
do ensino particular e a educação oferecida nas escolas o-
ficiais foi laicizada. O intelectualismo permaneceu nas
instituições, cujo modelo de ensino se apoiava no verbali~
mo, no enciclopedismo e no cientificismo dos currículos es
colares.
45
Após a análise dos pressupostos básicos do positi
vismo, caracterizaremos o mesmo a partir de alguns de seus
principais defensores, entre eles: Condorcet, Saint-Simon, Com
te e, finalmente, Popper. Estes autores foram escolhidos p~
ra a discussão por serem os precursores do positivismo, pe-
lo método e pela influência no pensamento biológico. Uma a-
nálise mais minuciosa será dada a Auguste Comte, haja vista
sua relação com a iilosofia biológica.
Condorcet pode ser considerado o pai do positivi~
mo, e, provavelmente, foi o primeiro a formular a idéia de
que a explicação do fenômeno social deve seguir o modelo
da matemática social obedecendo, assim, o rigor matemático
quanto ao método de investigação. A objetividade da ciên -
cia social poderá ser conseguida através desse procedimen
to.
Evidenciou-se no pensamento de Condorcet o cará -
ter utópico, já que ele era contrário aos preconceitos e i~
teresses da classe dominante, ou seja, ele negava o contro-
le do conhecimento social pela Igreja, pelo feudalismo e p~
lo Estado monárquico, os quais dominavam o pensamento cien-
tífico. Para Condorcet, na análise da sociedade, devem-se
eliminar as paixões e os interesses, que perturbariam o de-
senvolvimento do conhecimento. Devem-se, portanto, elimi -
nar li ••• todos os dogmas fossilizados que se arrogavam o mo
nopólio do conhecimento social" (Lowy, 1985, p. 37).
Segundo Condorcet, o progresso do conhecimento era
lento porque iria de encontro aos interesses religiosos ou
políticos.
46
Discípulo de Condorcet, Saint-Simon sera o pri -
meiro a utilizar o termo positivo relativo à ciência, defi
nindo-a como ciência positiva.
Para explicar o fenômeno social, Saint-Simon fo~
mulou uma ciência da sociedade baseada no modelo biológico,
em particular segundo a fisiologia. O pensador denominou
essa nova ciência de fisiologia social. ~ lícito ressal -
tar, que assim como em Condorcet, o carater crítico-utópi-
co estava presente. Em sendo um socialista, segundo Lowy
(1985), ele demonstrou, através de seu modelo, que algumas
classes sociais seriam parasitas de organismo social, ci -
tando como exemplo a aristocracia e o clero. Verifica-se a
dimensão crítica da fisiologia social em sua analise, ja
que ele tentava denunciar a ordem estabelecida na socieda-
de, principalmente no que concerne às classes dominantes.
Augusto Comte era um Politécnico, newtoniano, d~
vido à influência de Laplace. Nascido em Montepellier,foi
um hipocratico, devido à influência da escola médica. Po-
de-se considerar que ele era um homem do século XVIII no
século XIX.
Discípulo de Saint-Simon, Comte teve grande im -
portância no pensamento positivista, diferenciando-se de
seus precursores, por seu caraterideológico reacionario,
ja que ele defendia a ordem real. Para Comte, o pensamen-
to deveria ser inteiramente positivo, negando-se, por con-
seguinte, toda crítica e negatividade ao sistema vigente.
Baseado nesse postulado, Comte introduz uma nova
concepção de ciência natural, que definiu por física social.
47
Esta teria por objetivo explicar os fenômenos sociais ba -
seados nos estudos da física, da química ou da biologia,eg
tre outras. A título de ilustração, Lowy relata que de a-
cordo com o postulado comteano, a lei da distribuição de
riquezas seria uma lei invariável (natural), assim, os se-
nhores industriais deveriam ser ricos, pois desta forma a-
testa a lei natural. Outro exemplo pode ser citado, quan-
do Lowy (1988) afirma que:
"E.te. e..6pe.Jta que. gJtaç;a.6 ao pO.6i.tivi.6mo 0.6 pJto le..tãJtio.6 Jte.eo~he.ee.Jtao, eom a ajuda 6e.mi~i~a a.6 va~.tage.~.6 da .6ubmi.6.6áo e. de. uma dig~a iJt Jt e..6 p 0~.6 abili dad e. " (p. 39).
Verifica-se o caráter eminentemente ideológico da
citação acima, o que já é anunciado por Marx em sua obra
"O Capi.tal".
Lowy esclarece que a passagem do caráter revolu-
cionário para o reacionário não pode ser explicado em ter-
mos psicológicos, mas seria resultante de uma nova situa -
çao histórica, decorrente da ascensao da burguesia france-
sa ao poder, em 1830, quando passou a ser a classe dominan
te.
Apesar de seu caráter reacionário, Comte revolu-
cionou a postura filosófica frente às ciências, na medida
em que isolou os teoremas referentes à teoria pré-crítica
do conhecimento, desvinculando-os do sistema de conexoes
teórico-cognitivas do sujeito cognoscente. Em conseqüên -
cia, tais teoremas seriam destruídos, favorecendo a elabo-
ração de diretrizes de uma metodologia científica que colo
ca o progresso técnico-científico como sujeito de uma filo
48
sofia cientificista da história.
"Uma ~i~tem~tica p~ovi~5~ia da c~encia, in-t~oduzida po~ Comte como lei encic!opêdisa, pe~mite ~e!aciona~ o~ enunciado~ metodo!ogi co~ b~~ico~, independizado~ de ~eu~ contex~ to~ teõ~ico-cognitivo~, di~etamente com o p~oce~~o de de~envo!vimento da~ ciência~ mo de~na~ e com a p~og~e~~iva ~aciona!izaç.ão dã:6 ~e!aç.õe.b ~ociai~" (Habermas, 1987, p. 94).
Verifica-se na citação acima que o "espírito po-
si ti vo" desdobra-se em procedimentos metodológicos que irão
assegurar a cientificidade, entendendo por "positivo" a de
nominação do real em oposição ao imaginário~ esse princí -
pio antitético pode ser observado por meio dos signos:réel
/chimérique~ certitude/l'indécision; le precis / le vague;
l'utile/l'Qiseaux e le relative/l'absolute (Ibid., p.95).
Comte afirma que a preocupação dos cientistas d~
ve voltar-se para objetos de pesquisa que, certamente,pos-
sam ser atingidos, entendendo por objeto um fato passível
de uma análise científica. Habermas (1987) acrescenta que
Comte não distingue entre fatos e quimeras através de uma
"determinação ontológica do fatual" (p. 95). Segundo Com-
te, fato seria tudo aquilo que poderia ser objeto de uma
ciência rigorosa.
Os fatos só adquirem valor científico se forem
coordenados de forma correta com proposições teóricas, já
que a exatidão do conhecimento só pode ser assegurada a pa~
tir da conexão analítica de afirmações universais, assim
como através do encadeamento entre enunciados e respecti -
vas teorias. Para Comte, os sistemas dedutivos são mais
importantes do que a descrição dos fatos. O teórico afirma:
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"que o e.6p1.Jr.i.to pO.6itivo, .6em ja.ma.i.6 de..6c.o-nhec.e.~ a. ne.c.e..6.6ã~ia. p~e.va.lênc.ia. da. ~e.a.lida.de. c.on.6ta.ta.da. ime.dia.ta.mente. em c. a. da. 6o~ma., tende .6e.mp~e a. a.ume.nta.~ o ma.i.6 pO.6.61.vel o dom1.nio do pu~o ~a.c.ioc.1.nio ã C.U.6ta. do exe~c.1.c.io expe.~ime.nta.l ••• O p~og~e.6.6o c.ient1.6i-c.o c.on.6i.6te .6ob~etudo no 6a.to de .6e. dimJ.nUÁ..~ g~a.da.tJ.va.mente o nüme~o de le.J..6 di.6tJ.nta..6 e. a.utanoma..6 a.t~a.v~.6 de. uma. J.nc.e..6.6a.nte dJ.la.ta.-ção de .6e.U.6 nexo.6" (Comte, Cours de philoso phie positive, t. VI, o, p., citado por Ha~ bermas, 1987, p. 96).
o pensamento comteano resgata a tradição raciona
lista, a qual é referendada por ele mesmo ao comparar suas
análises sobre o método positivo com a dissertação de Des-
cartes acerca do método, como pode ser evidenciado na cita
çao acima.
Bacon também exerceu influência nos postulados
de Comte no que conc