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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE PEABIRU – ESTADO DO PARANÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu representante que ao final subscreve, no uso de suas atribuições, especialmente o disposto no artigo 129, inciso III, da Constituição da República, no artigo 25, inciso IV, alínea a, da Lei n.º 8.625/93, com substrato nos autos de inquérito civil público n.º MPPR-0106.02.06-8, vem respeitosamente perante Vossa Excelência, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido de medida cautelar) em relação a: MUNICÍPIO DE ARARUNA, pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no CNPJ sob n.º 757593600001-99, na pessoa do seu representante legal, o Prefeito Municipal FABIANO OTÁVIO ANTONIASSI, com sede da Prefeitura Municipal, Praça Nossa Senhora do Rocío, n.º 390, Araruna-Pr; pelos fundamentos de fato e de direito que se expõem a seguir:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido de medida cautelar) · (com pedido de medida cautelar) em relação a: MUNICÍPIO DE ARARUNA, ... A partir de modelo/minuta encaminhado pelo Centro

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE PEABIRU – ESTADO DO PARANÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu representante que ao final subscreve, no uso de suas atribuições, especialmente o disposto no artigo 129, inciso III, da Constituição da República, no artigo 25, inciso IV, alínea a, da Lei n.º 8.625/93, com substrato nos autos de inquérito civil público n.º MPPR-0106.02.06-8, vem respeitosamente perante Vossa Excelência, ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido de medida cautelar)

em relação a: MUNICÍPIO DE ARARUNA, pessoa jurídica de direito público

interno, inscrita no CNPJ sob n.º 757593600001-99, na pessoa do seu representante legal, o Prefeito Municipal FABIANO OTÁVIO ANTONIASSI, com sede da Prefeitura Municipal, Praça Nossa Senhora do Rocío, n.º 390, Araruna-Pr;

pelos fundamentos de fato e de direito que se expõem a seguir:

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I – DOS FATOS A presente ação tem por fundamento cópia integral do inquérito civil

n.º MPPR-0106.02.00006-8, instaurado na longínqua data de 20 de junho de 2002 (contendo em seu bojo pedido de providências ainda mais antigo, datado do ano 2000), para avaliação de providências devidas à correção do destino conferido pelo MUNICÍPIO DE ARARUNA aos resíduos produzidos em seu território, notadamente em vista de sua disposição a céu aberto ou queima indevida em aterro irregular conhecido por “lixão”, retratado em auto de infração lavrado pelo Instituto Ambiental do Paraná-IAP (folhas 02 e seguintes).

As fotografias de folhas 07 e seguintes ilustram o quadro caótico

oriundo da negligência no cuidado com os resíduos àquele tempo, acumulando-se montes de lixo à beira de pequeno “lago” formado por água da chuva e chorume.

Após diferentes tomadas de esclarecimentos e verificação da

persistência do problema ao longo do tempo, foi firmado o primeiro termo de ajustamento de conduta em 18 de março de 2005, para correção voluntária dos problemas verificados naquele primeiro aterro específico (folhas 114 e seguintes).

Em seguida à apresentação de inúmeros documentos demonstrativos

do atendimento ao pacto firmado (com destaque para relatório ambiental de folhas 226 e seguintes), detectou-se – então no ano de 2011 - o vencimento da licença ambiental do aterro primeiro instalado e a falta de renovação por conta do atingimento de sua capacidade máxima, ademais de haver sido negligenciada ao longo do tempo a coleta seletiva de materiais recicláveis (folhas 248 e seguintes).

Notificado a partir do ano de 2012, o MUNICÍPIO DE ARARUNA

se pronunciou no sentido de demonstrar cumprimento ao pactuado e informou preparação de projeto de novo aterro sanitário (folhas 257 e seguintes), mas um terceiro interessado, Sr. PAULO CALSAVARA, interveio com demonstração de metragem irregular do terreno escolhido para o novo aterro, em virtude de proximidade com residência particular e um corpo hídrico (folhas 325 e seguintes).

Em resposta, o MUNICÍPIO DE ARARUNA informou que o projeto

do novo aterro sanitário (incluída a escolha da área) havia sido aprovado pelo órgão ambiental; e referiu contratação de empresa especializada para operação de estação de transbordo no momento vigente, com coleta e retirada dos resíduos produzidos no território municipal (por empresa que transporta todo o lixo recolhido no Município a outro ponto do Estado do Paraná e ali o despeja, sem maiores cuidados pelo

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MUNICÍPIO DE ARARUNA e sem compromisso com reciclagem ou compostagem), com o que também assentiu o órgão ambiental naquele momento (folhas 346 e seguintes, inclusas cópias do projeto do novo aterro sanitário).

Com vistas a assegurar cumprimento do compromisso municipal de

instalação de um novo aterro sanitário em prazo curto, o Ministério Público estabeleceu um novo termo de ajustamento de conduta nesse sentido, com requisição de avaliação do órgão ambiental sobre nova área escolhida (folhas 471 e 472).

Nesse intervalo de tempo, o mesmo terceiro interessado Sr. PAULO

CALSAVARA buscou novamente a Promotoria de Justiça e prestou notícias sobre irregularidades também na disposição do lixo na própria estação de transbordo, visto que os resíduos estariam se acumulando diretamente no chão ao redor dos containers - já cheios -, ainda próximo de corpo d’água e com produção de odor em prejuízo da vizinhança (termo de declarações e fotografias de folhas 474 e seguintes, com indicação de data equivocada, já que evidentemente se trata de janeiro de 2013 e não 2012, como constou).

Já em maio de 2013, o Instituto Ambiental do Paraná – IAP -

terminou por reconhecer a inadequação da área escolhida para instalação do novo aterro sanitário e apontou como solução a escolha de novo lugar para sua implantação, mas admitiu o uso provisório de estação de transbordo já licenciada.

A partir de modelo/minuta encaminhado pelo Centro de Apoio

Operacional às Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente (órgão auxiliar do Ministério Público do Estado do Paraná), estabeleceu-se reunião retratada à folha 487, para a qual as autoridades interessadas foram chamadas a discutir a assinatura de termo de ajustamento de conduta para retomada do projeto de aterro sanitário em substituição à atual estação de transbordo, mas a proposição ministerial foi recusada pelo MUNICÍPIO DE ARARUNA, em razão das seguintes razões alegadas: alegada necessidade de composição de consórcio regional de Municípios para obtenção de financiamento necessário à instalação de aterros sanitários conjuntos, com suposta redução de custos, conforme orientação que adviria, a princípio, da própria Secretaria Estadual de Meio Ambiente em reunião com os representantes dos Municípios da região; alegada restrição à captação de recursos federais junto à Fundação Nacional de Saúde – FUNASA – para financiamento de aterros em municípios com menos de 150.000 (cento e cinquenta mil) habitantes; supostas restrições legais à adoção de compostagem e utilização dos resíduos para adubo no Município sem o devido registro no Ministério da Agricultura; concomitância da saturação do terreno anteriormente usado como aterro sanitário com a final inadequação reconhecida pelo órgão ambiental para uso do novo terreno então indicado.

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Remetidos os autos para análise especializada no mencionado Centro

de Apoio ministerial, em especial consulta sobre as razões opostas pelo MUNICÍPIO DE ARARUNA, foram apresentadas resposta e informação técnica às folhas 488 e seguintes, oportunidade em que o mencionado órgão de apoio expôs as seguintes razões pelas quais o aterro consorciado e a estação de transbordo não deverão ser admitidos, em resumo:

a) maior custo e impacto ambiental caracterizado pela concentração

de aterros consorciados, por força do transporte de resíduos por grandes distâncias (com geração de gases estufa e riscos de acidentes) e da complexidade de administração de grandes quantidades de resíduos em contraponto a procedimentos mais simples em pequenas valas municipais;

b) desnecessidade de formação de consórcio como única alternativa

para acesso do MUNICÍPIO DE ARARUNA a financiamento federal, posto que também a inserção de catadores é circunstância que o autoriza, conforme artigo 18 da lei que regula a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.º 12.305/2010);

c) equívoco na suposição de que resíduos orgânicos oriundos de

compostagem sejam de benefício duvidoso ao meio ambiente, porque sua qualidade depende dos cuidados operacionais no processo de compostagem, havendo previsão de reciclagem e tratamento de resíduos sólidos na própria Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (artigo 9.º); e indicação expressa da compostagem como alternativa viável para redução de despesas com resíduos orgânicos na página 14 do Plano Nacional de Resíduos Sólidos do Ministério do Meio Ambiente. Assim também, o registro do composto produzido poderá ser obtido mediante verificação da qualidade final, conforme o Decreto Federal n.º 4.954/2004.

Agora com pronunciamento que espelha a posição oficial (por assim

dizer) do Ministério Público do Estado do Paraná sobre o tema, a Promotoria de Justiça convocou novamente os representantes do MUNICÍPIO DE ARARUNA e do Instituto Ambiental do Paraná para assinatura do termo de ajustamento e medidas voluntárias imediatas à correção do problema. Mais uma vez, porém, os representantes do MUNICÍPIO DE ARARUNA o recusaram, argumentando que “o Município não tem condições de assumir neste momento um prazo instalação de novo aterro sanitário”, invocando-se quanto a isso a “realidade financeira e estrutural do Município” (folha 498), bem como a “grande dificuldade de encontrar-se novo terreno para instalação de aterro em virtude da residência dos produtores rurais” (folha 499).

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Os fiscais do Instituto Ambiental do Paraná presentes ao ato também

foram ouvidos formalmente e manifestaram entendimento equivocado/incompleto sobre a Política Nacional do Meio Ambiente nessa parte, insistindo no argumento de que as Políticas Nacional e Estadual “não incluem financiamento de aterros para Municípios pequenos” (folha 500) e que a operação “melhorou” com a estação de transbordo, embora tenha havido notícia de dano ambiental causado por incêndio na mesma área, supostamente ateado por vizinhos.

Como já esclarecido pelo Centro de Apoio do Ministério Público, o

posicionamento final defendido pelo MUNICÍPIO DE ARARUNA é francamente equivocado, porque torna “definitivo” o que deveria ser unicamente “provisório” (vale dizer, adota a estação de transbordo com a remessa de resíduos para outra localidade como alternativa final ao tratamento adequado dos resíduos produzidos no Município), com custo operacional alto se comparado com a manutenção de um aterro de menor porte, impacto ambiental mais importante em virtude do transporte de “lixo” a grandes distâncias por via rodoviária e com exclusão da participação de catadores de recicláveis locais nos processos de reciclagem e compostagem de materiais simplesmente retirados do Município.

Para apuração de reflexos criminais incidentes sobre a operação do

aterro com licença vencida, o Ministério Público já requisitou procedimento próprio (folha 319); e nesta data também expediu requisição de instauração de inquérito policial para apuração do crime de incêndio que foi noticiado na área de transbordo (cota em anexo).

Quanto à necessária retomada de projeto de instalação de um novo

aterro sanitário e práticas de reciclagem e compostagem envolvendo os catadores locais, porém, o único instrumento adequado que resta é o apelo ao Poder Judiciário, a fim de impor-se ao ente público o cumprimento efetivo de sua responsabilidade para com o meio ambiente.

II - DO DIREITO O direito ao meio ambiente sadio e equilibrado tem amparo em

diferentes instrumentos normativos que compõem a legislação brasileira, tendo seu amparo mais grave e relevante na própria Constituição da República de 1988, que assevera:

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“Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações. Parágrafo 3.º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

No âmbito estadual, a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida

também encontra espaço normativo privilegiado, conforme inciso IX do artigo 1.º da Constituição Estadual:

“Art. 207. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.”

A competência para proteção do meio ambiente é partilhada entre os três

entes da Federação brasileira, conforme o espaço alcançado e a natureza específica do bem jurídico ambiental, destacando-se a responsabilidade dos Municípios pela execução dos serviços de interesse local, como se vê:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] VI- proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

[...]

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Art. 30. Compete ao Município: [...] V - organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.

Sem margem para dúvidas, a doutrina já enfatizava que a coleta, o

tratamento e a dispensação final do lixo produzido pelos munícipes são matérias afetas prioritariamente ao interesse local, cuja responsabilidade é pertinente ao ente municipal:

“A limpeza de vias e logradouros públicos é, igualmente, serviço de interesse local [...]. Cabe, ainda, ao Município a decisão sobre o destino final a ser dado aos detritos coletados em seu território (lixo, refugo, entulho e outros resíduos sólidos imprestáveis), à vista das peculiaridades locais e em conformidade com os procedimentos técnicos adequados ao controle sanitário ambiental.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 13ª ed., 2003, p.446.)

Em âmbito infraconstitucional, a Lei Federal n.º 12.305/2010, que regula a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS – é clara ao priorizar procedimentos como reutilização, reciclagem e tratamento na gestão dos resíduos e tem entre seus princípios a visão sistêmica no trato com a matéria, importando que a solução adotada deverá sempre considerar as diferentes variáveis relacionadas (ambiental, social, econômica, entre outras), com o envolvimento dos catadores locais de recicláveis:

“Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: I - a prevenção e a precaução; II - o poluidor-pagador e o protetor-recebedor; III - a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública; IV - o desenvolvimento sustentável;

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V - a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta; VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VII - a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; VIII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; IX - o respeito às diversidades locais e regionais; X - o direito da sociedade à informação e ao controle social; XI - a razoabilidade e a proporcionalidade. Art. 7o São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: I - proteção da saúde pública e da qualidade ambiental; II - não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; IV - adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais; V - redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos;

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VI - incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados; VII - gestão integrada de resíduos sólidos; VIII - articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos; IX - capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos; X - regularidade, continuidade, funcionalidade e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e financeira, observada a Lei nº 11.445, de 2007; XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis; XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; XIII - estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto; XIV - incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético;

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XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável. [...]

Art. 9o Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. [...].”

Não se trata de simples listagem de “intenções” do Legislador ou

exortação à boa-vontade do Administrador, mas de comandos retratados com grau de superioridade em relação a todas as demais normas contidas no texto legal.

Os princípios jurídicos em determinado assunto, aliás, devem permear a

aplicação de todas as normas que lhes estão submetidas e cedem passo àqueles quando de algum modo os anulam ou ignoram por completo.

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 451. Sem destaques no original.)

Como alertado pelo Centro de Apoio Operacional do Ministério Público

do Estado do Paraná, embora não seja diretamente proibida pela legislação, a pretensão de instalar aterro sanitário distante dos limites do Município e de manter (ainda que provisoriamente) estação de transbordo para recolhimento e despejo dos resíduos em outro lugar desatende àqueles princípios e objetivos primordiais declarados pela Lei Federal.

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Literalmente transcrito, assim se vê o parecer da lavra do Procurador de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio do Ministério Público do Estado do Paraná, Dr. SAINT’CLAIR HONORATO SANTOS:

“Embora seja claro o incentivo da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS – à formação de consórcios intermunicipais, não se pode considerar que este represente melhor modelo de gestão de resíduos em função de uma série de fatores, como por exemplo, os custos de transporte de resíduos que passam a representar o maior custo do sistema de gestão. Em regiões com grandes extensões territoriais, distâncias superiores a 200 km poderão ser percorridas desnecessariamente, apenas para exportar resíduos, consumindo grandes quantidades de combustível, emitindo gases estufa, expondo os trechos percorridos a acidentes ambientais e eventualmente retirando materiais com potencial valor econômico de dentro dos municípios. Além disso, a construção de aterros sanitários com grandes capacidades pode ser considerada um maior impacto ambiental do que a construção de vários pequenos aterros. São necessárias maiores áreas licenciadas, sistemas mais complexos para o tratamento de líquidos lixiviados e maquinário específico para a operação, os quais precisariam ser utilizados em pequenas valas que recebessem apenas rejeitos previamente prensados. Desta forma, pode-se considerar que grandes aterros representem maiores custos de manutenção e operação, e que o cumprimento da PNRS utilizando pequenos aterros municipais individuais onerará menos as prefeituras. Ademais, o artigo 18 da PNRS estabelece dois critérios para a priorização do acesso aos recursos da União, não havendo distinção de preferência entre os dois: as soluções consorciadas e a inserção dos catadores. Ora, não parece razoável estabelecer, portanto, que a formação de consórcios é mais importante que a inclusão das cooperativas e associações de catadores. Por isso, o Centro de Apoio tem defendido que a inclusão destes trabalhadores seja estimulada de forma mais enérgica, em etapas do ciclo da vida dos resíduos e limpeza urbana além da coleta: varrição urbana, coleta em três facões (recicláveis, orgânicos passíveis de tratamento e rejeitos), reciclagem, compostagem e biodigestão, bem como a preparação dos rejeitos para

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destinação a aterro por meio de enfardamento e prensagem.” (folhas 488 e 489)

A resistência do MUNICÍPIO DE ARARUNA nas diferentes tentativas

de alcance de solução voluntária e mais imediata, estimulada pela percepção equivocada da norma pelos fiscais regionais do Instituto Ambiental do Paraná – IAP – importa, destarte, ofensa ao conteúdo fundamental do direito correspondente, demandando efetiva correção pelo Poder Judiciário.

Não se imagine, é bom que se diga, que o MUNICÍPIO DE ARARUNA

tem liberdade para manter livremente a estação de transbordo, enquanto aguarda um consórcio intermunicipal que pode jamais advir e que será mais danoso que proveitoso à comunidade envolvida, como já se disse.

Sobretudo porque não existe um projeto concreto e definido de

aterro sanitário consorciado entre os Municípios da região que possa ser apreciado em específico, é impositiva a única solução adequada para o caso concreto em sua realidade atual: instalação urgente de um novo aterro sanitário nos limites do próprio MUNICÍPIO DE ARARUNA e retomada/instalação dos procedimentos conexos de reciclagem e compostagem dos resíduos.

Conforme se depreende ainda da lição da doutrina, a norma que introduz

poderes discricionários à Administração Pública se remete na verdade ao “poder-dever” de apreciação do caso concreto e integração da norma diante da realidade específica, mas jamais autoriza o administrador a omitir-se diante da identificação do caso concreto de interesse público que deva motivar a intervenção pública.

“Tratando da discricionariedade segundo a visão de sua época, Hely Lopes Meirelles afirmava: ‘Poder discricionário é o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo’. Essa visão foi combatida por doutrinadores como Celso Antônio Bandeira de Mello, que evidenciou não ser a discricionariedade um poder atribuído em abstrato, mas um modo de disciplina jurídica concreta da atividade administrativa. Segundo esse autor, a discricionariedade pode ser definida como ‘a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso

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concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal’.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota que ‘a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito’. Seguindo essa linha de orientação, reconhece-se que a discricionariedade é um instrumento jurídico de realização da função imposta à Administração Pública. Daí a definição proposta: discricionariedade é o modo de disciplina normativa da atividade administrativa que se caracteriza pela atribuição do dever-poder de decidir segundo a avaliação da melhor solução para o caso concreto, respeitados os limites impostos pelo ordenamento jurídico. [...] A discricionariedade é um tipo de disciplina legislativa. A lei pode conter todos os elementos necessários à sua aplicação – a isso se denomina disciplina normativa vinculada. Por outro lado, pode demandar que alguns desses elementos sejam verificados em vista do caso concreto – a isso se denomina disciplina normativa discricionária. Portanto, a discricionariedade não significa que a Administração Pública seria titular de uma reserva teórica de poder para escolher entre diversas alternativas. Não existe um poder discricionário inerente à função administrativa. A discricionariedade é atribuída pelo direito ao disciplinar o desempenho da função administrativa. [...] Mais precisamente, o direito adota uma disciplina discricionária como meio intencional destinado a assegurar a realização mais satisfatória e adequada da atividade administrativa. Por isso, a discricionariedade não pode ser identificada como uma liberdade, nem como um direito subjetivo de natureza privada. Ressalta-se que é perfeitamente possível que, no caso concreto, exista uma única solução adequada e

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satisfatória. Quando assim se passa, a disciplina discricionária delineada na lei não acarreta a faculdade de a autoridade administrativa optar por uma solução distinta. Se, em vista das circunstâncias do caso concreto, a melhor solução é inquestionavelmente uma única, a autoridade administrativa é obrigada a escolhê-la, mesmo estando investida de competência discricionária. Assim se impõe porque a discricionariedade é sempre o meio para obtenção da melhor solução possível no caso concreto. [...] A autonomia decisória da autoridade estatal não se desenvolve fora ou acima das normas jurídicas. É criada pelo ordenamento jurídico, que determina as suas balizas. Em alguns casos, os limites à autonomia consistem nos princípios mais gerais, nos valores fundamentais. Em outros casos, a norma instituidora da discricionariedade estabelece limites mais precisos e determinados. Há casos em que tais limites se traduzem em requisitos para a escolha. Em outras situações, a norma veda a adoção de certas decisões. Há situações em que os limites se relacionam com a escolha da oportunidade para decidir, enquanto há outros casos em que a restrição envolve conteúdo propriamente dito da decisão a ser adotada. Justamente por isso, é absolutamente incorreto afirmar que, configurada a existência de competência discricionária, existiria um poder decisório insuscetível de controle. A intensidade e a extensão do controle serão variáveis em vista da configuração adotada, no caso concreto, pela norma instituidora da competência discricionária.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 241 a 243.)

Em casos assim, principalmente em matérias que estão relacionadas a

questões fundamentais, como a proteção ao meio ambiente, existem precedentes que devem ser considerados, podendo citar-se as seguintes ementas para ilustração:

“ADMINISTRATIVO - REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL - LIXÃO MUNICIPAL - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - POSSIBILIDADE - CERCEAMENTO DE DEFESA

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INEXISTENTE - PRELIMINAR REPELIDA - DEPÓSITO DE LIXO A CÉU ABERTO QUE JÁ PERDURA POR VÁRIOS ANOS - DANO AMBIENTAL COMPROVADO - COMINAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM MULTA DIÁRIA - CONSTRUÇÃO DE OBRA PÚBLICA - ATERRO SANITÁRIO CONTROLADO - AUSÊNCIA DE INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NAS ATRIBUIÇÕES DO PODER EXECUTIVO - CONFIGURAÇÃO DE CONTROLE JURISDICIONAL DAS OMISSÕES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INTELIGÊNCIA DO ART. 3º, DA LEI Nº 7.347, DE 24.07.1985 - COMINAÇÃO DE PENA PECUNIÁRIA, PARA O CUMPRIMENTO DO PRECEITO - ASTREINTE - CABIMENTO - ART. 11 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REDUÇÃO - CUSTAS PROCESSUAIS - ENTE PÚBLICO - ISENÇÃO LEGAL - SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO, COM REPAROS NO DISPOSITIVO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.352421-2/000 - COMARCA DE LEOPOLDINA - APELANTE(S): MUNICÍPIO DE RECREIO - APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, PJ DA 2ª VARA DA COMARCA DE LEOPOLDINA - RELATOR: EXMO. SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA – j. 22/06/2004) “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LIXO. DESTINAÇÃO FINAL. Ação procedente para compelir a municipalidade a fazer aterro sanitário e a não depositar detritos noutro local. Recurso não provido.” (Apelação Cível nº 113.882-1, 5ª Câmara Civil do TJSP, Sertãozinho, Rel. Des. Ralpho Waldo. j. 17.08.1987). “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEPÓSITO DE LIXO. LOCAL IMPRÓPRIO. DANO AO MEIO AMBIENTE. INTERESSE DIFUSO E COLETIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. CONSTRUÇÃO DE ATERRO. FALTA DE VERBA. IRRELEVANTE. REMESSA IMPROVIDA. É induvidosa a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública a fim de proteger o meio ambiente, bem como, repelir atos que lhe causem danos, sobretudo, por tratar-se também de interesse da coletividade. Inteligência do art. 129, III, da CF. A argumentação da falta de condição financeira para regular o depósito de lixo urbano, não pode se sobrepor ao direito constitucional do indivíduo de gozar de um ambiente saudável. (TJPB; REO 2001.000338-

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7; Sousa; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Jorge Ribeiro Nóbrega; Julg. 03/05/2001; DJPB 05/05/2001)

Aplicável a norma do artigo 11 da Lei de Ação Civil Pública, a solução esperada se constitui a partir da imposição de prazo suficiente e fatal para que o MUNICÍPIO DE ARARUNA promova novo projeto de instalação de aterro sanitário, com retomada das atividades de reciclagem e instalação de compostagem dos resíduos orgânicos, mediante participação dos catadores locais, sob pena de multa cominatória:

“Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.”

Ademais da elaboração de novo projeto de aterro sanitário e

atividades conexas referidas, será necessário assegurar recursos suficientes no orçamento anual do Município para os exercícios seguintes, a fim de viabilizar o custeio de instalação e conseguinte operação do sistema.

Bem por isso, deverá ser exigida ao MUNICÍPIO DE ARARUNA a

inclusão de dotação orçamentária suficiente à execução do projeto apresentado no projeto de orçamento para o próximo ano de 2015, bem como junto ao Plano Plurianual do Município.

Os ajustes necessários à liberação de recursos de outros

departamentos municipais deverão ser realizados sem prejuízo das restrições previstas pela legislação financeira de modo geral, devendo o Administrador valer-se das hipóteses de cortes de gastos estabelecidas pelo artigo 169, §§ 3.º e 4.º da Constituição da República.

III – DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Como se sabe, conforme previsto no artigo 273, inciso I, do Código de

Processo Civil, será concedida antecipação da tutela jurisdicional toda vez que existindo prova inequívoca, o Poder Judiciário se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

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No caso ora em deslinde, como demonstrado acima:

a) há prova inequívoca da ofensa a princípios e objetivos fundamentais da Política Nacional de Resíduos Sólidos a partir da manutenção de estação de transbordo em detrimento da promoção efetiva de projeto de novo aterro sanitário; b) ademais, existe fundado receio de dano irreparável, uma vez que a demora na regularização do sistema aprofunda a cada dia o impacto ambiental, econômico e social decorrente dos maiores custos ao longo do tempo para a manutenção das operações e ausência de reciclagem e compostagem no próprio Município, a partir do necessário envolvimento dos catadores locais.

Portanto, demonstrada a prova inequívoca dos fatos, verossimilhança

das alegações e fundado receio de dano irreparável, é imprescindível a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil, para implementação desde já dos pedidos finais indicados mais adiante (obrigações de fazer).

IV – DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS Ante todo o exposto, o Ministério Público pede o julgamento de

procedência da pretensão ora exercitada para condenação do MUNICÍPIO DE ARARUNA a:

1) obrigações de fazer consistentes em: a) apresentar no prazo de 60 (sessenta) dias projeto técnico de

instalação de novo aterro sanitário do próprio Município em substituição à atual estação de transbordo, com inclusão das atividades de reciclagem e compostagem dos resíduos, detalhando-se a participação dos catadores locais;

b) demonstração de inclusão de dotação orçamentária suficiente para o

custeio de instalação e operação do projeto antes referido na proposta de lei orçamentária municipal para o próximo ano de 2015 e no plano plurianual do Município, respeitados os limites estabelecidos pela própria legislação financeira incidente, com viabilidade de redução de despesas na forma do artigo 169, §§ 3.º e 4.º da Constituição da República;

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2) pagamento das custas e despesas do processo, na forma do artigo 18 da Lei n.º 7.347/85, dispensada a condenação em honorários advocatícios, por tratar-se de ação promovida pelo Ministério Público.

Em consonância com o pedido, requer-se: a) DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, para

imediatas providências necessárias à correção do problema; b) citação do réu para oferecer contestação no prazo legal; c) oportunidade de provar o alegado por todos os meios de prova

admitidos em direito, inclusive pela juntada de documentos novos que venham a surgir no decorrer do procedimento, vistoria judicial, o depoimento pessoal do réu e seus representantes e a oitiva de testemunhas;

f) dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos

pelo autor, nos termos do artigo 18 da Lei n.º 7.347/85. Considerando-se a ausência de definição do custo do projeto para o

momento, dá-se à causa o valor simbólico de R$1.000,00 (mil reais). Peabiru (Pr), 3 de junho de 2014.

ANDRÉ DEL GROSSI ASSUMPÇÃO Promotor de Justiça