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PROJETO INCLUSIVO DE ARQUITETURA ESCOLAR PARA O HAITI LUIZ, Mariana Morais (1); JUNIOR, Amarildo Soares (2); DORNELES, Vanessa Goulart (3); BINS ELY, Vera Helena Moro (4). (1) Universidade Federal de Santa Catarina; Graduando em Arquitetura e Urbanismo, e-mail: [email protected] (2) Universidade Federal de Santa Catarina; Graduando em Arquitetura e Urbanismo, e-mail: [email protected] (3) Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, e-mail: [email protected] (4) Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora em Engenharia de Produção, e-mail: [email protected] RESUMO Este artigo tem como finalidade apresentar o processo de projeto para a concepção de espaços inclusivos e confortáveis para a nova sede da Instituição Mista Charles Loring Brace, localizada em Porto Príncipe, no Haiti. Esta instituição foi destruída por um terremoto que devastou grande parte das construções da cidade em 2010. A metodologia utilizada neste processo contou com a simulação de dimensionamento de espaços, entrevista focalizada com haitianos que vivem no Brasil e seleção visual. Como resultado deste trabalho, são apresentadas algumas diretrizes que embasaram as soluções arquitetônicas adotadas, bem como as dificuldades encontradas neste processo. ABSTRACT This article aims to present the design process to conceive inclusive and comfortable spaces for the new building of Charles Loring Brace Mixed Institution, located in Port au Prince, Haiti. This institution was destroyed by an earthquake that devastated much of the city's buildings in 2010. The methodology used in this process included the Spaces Measurements Simulation, Focus Interview with Haitians living in Brazil and Visual Preference. As a result of this work, some guidelines was presented to support the architectural solutions adopted, as well as the difficulties encountered in this process. 1. INTRODUÇÃO A escola é um ambiente complexo por concentrar um grande número de condicionantes que influenciam diretamente no desempenho da educação, no rendimento dos alunos e no bem-

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PROJETO INCLUSIVO DE ARQUITETURA ESCOLAR PARA O HAITI

LUIZ, Mariana Morais (1);

JUNIOR, Amarildo Soares (2);

DORNELES, Vanessa Goulart (3);

BINS ELY, Vera Helena Moro (4).

(1) Universidade Federal de Santa Catarina; Graduando em Arquitetura e Urbanismo, e-mail: [email protected]

(2) Universidade Federal de Santa Catarina; Graduando em Arquitetura e Urbanismo, e-mail:

[email protected]

(3) Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, e-mail: [email protected]

(4) Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora em Engenharia de Produção, e-mail: [email protected]

RESUMO

Este artigo tem como finalidade apresentar o processo de projeto para a concepção de espaços inclusivos e confortáveis para a nova sede da Instituição Mista Charles Loring Brace, localizada em Porto Príncipe, no Haiti. Esta instituição foi destruída por um terremoto que devastou grande parte das construções da cidade em 2010. A metodologia utilizada neste processo contou com a simulação de dimensionamento de espaços, entrevista focalizada com haitianos que vivem no Brasil e seleção visual. Como resultado deste trabalho, são apresentadas algumas diretrizes que embasaram as soluções arquitetônicas adotadas, bem como as dificuldades encontradas neste processo.

ABSTRACT

This article aims to present the design process to conceive inclusive and comfortable spaces for the new building of Charles Loring Brace Mixed Institution, located in Port au Prince, Haiti. This institution was destroyed by an earthquake that devastated much of the city's buildings in 2010. The methodology used in this process included the Spaces Measurements Simulation, Focus Interview with Haitians living in Brazil and Visual Preference. As a result of this work, some guidelines was presented to support the architectural solutions adopted, as well as the difficulties encountered in this process.

1. INTRODUÇÃO

A escola é um ambiente complexo por concentrar um grande número de condicionantes que influenciam diretamente no desempenho da educação, no rendimento dos alunos e no bem-

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estar de seus docentes e técnicos. Em meio a isso é importante projetar um espaço inclusivo e pensado nas necessidades dos usuários a fim de otimizar o desempenho das relações entre o ambiente escolar, seus usuários e as atividades que nele se realizam.

Este artigo apresenta o desenvolvimento de um projeto de arquitetura escolar para a nova sede da Instituição Mista Charles Loring Brace, localizada na cidade de Porto Príncipe, no Haiti, que foi destruída no terremoto de 2010. Para este desenvolvimento procurou-se pensar desde o principio em uma metodologia para projetos inclusivos que possibilitasse espaços adequados e respeitasse a cultura local. Desta forma, utilizou-se três métodos de pesquisa: dimensionamento de espaços, entrevista focalizadas e seleção visual. Cada um destes três métodos contribuiu com a definição de diretrizes de projeto que buscasse atender as necessidades espaciais dos usuários. Esta diretrizes serão apresentadas ao final deste artigo, bem como o resultado projetual atingindo e algumas dificuldades encontradas durante o processo.

Para compreender um pouco melhor o contexto desse projeto, atualmente a Instituição Mista Charles Loring Brace é mantida pela Foundation Flambeau pour l’Enfance (FOFE), e tem comportado seus alunos em uma pequena igreja que é incapaz de oferecer condições adequadas para o aprendizado e suprir a demanda por educação existente na região. A cidade teve grande parte de suas escolas destruídas pelo terremoto em 2010, e até hoje ainda não foi reconstruída, agravando a realidade da educação básica em que se encontra o país, com uma taxa de alfabetização inferior a 50%.

A intenção da nova sede é comportar cerca de 600 alunos, considerando o ensino pré-escolar, fundamental, alfabetização para a população e cursos técnicos e profissionalizantes para qualificar profissionais e oferecendo oportunidade de capacitação aos habitantes do município.

2. UM PROJETO INCLUSIVO OU UNIVERSAL

Para desenvolver um projeto inclusivo ou universal, antes de mais nada é preciso conhecer um pouco sobre os conceitos que cercam o assunto. Um projeto que pense nos usuários desde o principio do processo não é uma tarefa fácil, o que é comum são adaptações posteriores ao projeto ou até mesmo após a confecção ou construção do artefato em si.

Um desenho acessível é destinado para indivíduos específicos ou grupos de indivíduos com limitações e, normalmente, é desenvolvido ao final do processo projetual (ORMEROD; NEWTON, 2011). Portanto, um projeto acessível pode ser um projeto adaptado a determinadas necessidades espaciais de usuários específicos, ou seja, pode ser um projeto especial. Já, o desenho universal está baseado em princípios de igualdade para todos os indivíduos, sem discriminação e, se possível, deve passar despercebido. Desta forma, o projeto deve atender as necessidades de todos os usuários. Para Hunt (1991) as necessidades espaciais dos usuários podem ser classificadas em três categorias: físicas, informativas e sociais. As necessidades físicas, por exemplo, estão relacionadas com a saúde física, segurança e com o conforto dos usuários no ambiente. Assim, um ambiente que supri estas necessidades não possui obstáculos ou elementos que possam causar insegurança. As necessidades informativas estão relacionadas ao modo como a informação sobre o meio-ambiente é processada e, desta forma, é preciso que o ambiente seja legível e que permita uma boa orientação espacial. Já, as necessidades sociais estão relacionadas com a promoção do controle da privacidade e/ou interação social, então um espaço deve ser agradável a permanência das pessoas e deve possibilitar opções de escolha em relação à privacidade.

O desenho universal é uma filosofia de projeto que tem por objetivo auxiliar arquitetos e designers a conceber projetos de produtos, espaços e meios de comunicações acessíveis à maior parcela da população possível, atendendo a todas as suas necessidades (MACE et al.,

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1996). Para contribuir com o processo projetual, Ronald Mace e outros pesquisadores definiram sete princípios de desenho universal que servissem como inspiração para o projetos universais (CONNELL et al., 1997): 1) Uso equitativo; 2) Uso flexível; 3) Uso simples e intuitivo; 4) Informação de fácil percepção; 5) Tolerância ao erro; 6) Mínimo esforço físico; 7) Espaço e dimensão para aproximação.Estes princípios não consistem em regras de como projetar ou parâmetros técnicos a serem cumpridos, mas sim um direcionamento de como ou conceber os projetos considerando as necessidades espaciais das pessoas.

É importante, portanto, compreender o verdadeiro propósito do desenho universal que consiste em melhorar o desempenho humano, a saúde e a participação social para a maior gama possível de pessoas (STEINFELD; MAISEL, 2012).

Para contribuir com o entendimento do desenho universal e complementar os sete princípios, Steinfeld e Maisel(2012) propuseram oito objetivos do desenho universal:

1. Adaptação ao corpo (body fit): acomodar uma grande variedade de tamanhos corporais e habilidades(STEINFELD; MAISEL, 2012).

2. Conforto (confort): desenvolver atividades considerando os limites da função corporal(STEINFELD; MAISEL, 2012).

3. Conscientização (awareness): garantir que a informação essencial para o uso seja facilmente percebida(STEINFELD; MAISEL, 2012).

4. Entendimento (understanding): criar métodos de operação e utilização de forma intuitiva, clara e sem ambiguidade (STEINFELD; MAISEL, 2012).

5. Bem estar (wellness): contribuir com a promoção da saúde, evitando doenças e prevenindo ferimentos ou lesões(STEINFELD; MAISEL, 2012).

6. Integração social (social integration): tratar todos os grupos com dignidade e respeito (STEINFELD; MAISEL, 2012).

7. Personalização (personalization): incorporar oportunidades de escolhas e expressões de preferências individuais (STEINFELD; MAISEL, 2012).

8. Adequação cultural (cultural appropriateness): incorporar e reforçar os valores culturais e o contexto ambiental e social em qualquer concepção de projeto (STEINFELD; MAISEL, 2012).

A intenção destes oito objetivos é tornar o projeto de desenho universal mais palpável e até mesmo passível de verificação e avaliação, facilitando o projetista nas definições de criação.

Vale ressaltar, ainda, que para o desenho universal ser efetivamente utilizado, arquitetos devem tê-lo em mente desde o início do projeto. No entanto, para colocá-la realmente em prática é necessário um conhecimento aprofundado das necessidades espaciais das pessoas (HEYLIGHEN; BIANCHIN, 2010), e isso muitas vezes só é possível com a participação dos usuários durante o processo de projeto.

3. METODOLOGIA

Para desenvolver um projeto escolar inclusivo, foram utilizados alguns métodos de pesquisa para compreensão dos condicionantes de projeto. Desta forma, primeiramente foi realizado um dimensionamento de espaços, que consiste em uma simulação das dimensões necessárias para atender o programa arquitetônico solicitado pela instituição. A intenção deste método é projetar de acordo com os dois primeiros objetivos do desenho universal: 1) Adaptação ao corpo, e; 2) Conforto. Além disso, foram realizadas Entrevista Focalizada e Seleção Visual com

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um grupo de haitianos que vivem no Brasil. Estes dois métodos serviram para compreender um pouco da cultura do país e levantar questões técnicas sobre as construções no local. Desta maneira, além de se aplicar uma metodologia qualitativa capaz de testar dimensionamentos de espaços comprometidos em criar ambientes minimamente adequados, se extraiu da experiência pessoal de um grupo de haitianos, diretrizes para o projeto inclusivo da nova Edificação Escolar.

3.1. Simulação de d imensionamento d e espaços

Para elaborar o dimensionamento dos espaços são necessários ao menos três elementos (Figura 1): área do mobiliário, área de utilização e área de circulação.

Figura 1: Simulação de Dimensionamento de Ambientes. Acervo dos Autores.

A dimensão dos mobiliários é padronizada, conforme o tipo de empresa que produz. Este tamanho pode ser pesquisado em sites de empresa, catálogos ou livros de dimensionamentos, como o Neufert (1981).

A dimensão de utilização ou espaço de atividades é dada pela quantidade de usuários que utilizam determinado ambiente e o tipo de utilização conforme o mobiliário. Uma pia ou lavatório tem sua utilização com a pessoa em pé, já uma mesa de refeições ou de escritório deve considerar o espaço da pessoa sentada e o espaço necessário para ela se levantar (BOUERI, 2008).

A área de circulação consiste no espaço necessário para o livre movimento de pessoas sem que haja conflito com a área de mobiliário ou de utilização. Para definir a área de circulação pode ser considerar dados antropométricos da população e também, no caso de uma circulação acessível, a Norma Brasileira de Acessibilidade em Edificações NBR9050 (ABNT, 2004). Conforme Gurgel (2007) a largura mínima necessária para uma pessoa circular de lado é 40cm, já para uma pessoa circular de frente é necessária uma largura de 60cm. Como a NBR9050 define que a circulação para uma pessoa com cadeira de rodas deve ter uma largura de 90cm.

Considerando estas três dimensões, foram definidas três categorias de dimensionamento: a mínima, a confortável e a acessível.

A categoria de dimensionamento mínima (Figura 2) considera a área de utilização mínima possível e circulação mínima ou lateral. A categoria de dimensionamento confortável (Figura 3)

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considera uma área de utilização confortável e circulação frontal. A categoria acessível (Figura 4) considera área de utilização e de circulação considerando o módulo da cadeira de rodas estabelecido pela NBR9050.

Figura 2: Categoria

Dimensionamento Mínimo.

Figura 3: Categoria

Dimensionamento Confortável.

Figura 4: Categoria

Dimensionamento Acessível.

Após a definição destas categorias, foram elaboradas fichas de dimensionamento (Figura 5) que permitiram um maior entendimento do espaço necessário para o desenvolvimento da escola. Cada ficha possui as três simulações de espaço, conforme as três categorias adotadas e, também, informações a respeito das atividades realizadas no ambiente, número de usuários considerados para o dimensionamento, mobiliário, equipamentos e instalações necessárias. Além disso, as fichas contêm os condicionantes relativos aos aspectos ambientais, tais como iluminação, abertura mínima para iluminação e ventilação naturais, vão livre mínimo para portas, pé-direito, peitoril de janelas.

Figura 5: Exemplo de ficha de dimensionamento de uma sala de aula .

A partir do estudo de dimensionamento realizou-se estudos de ocupação do terreno de acordo com as diferentes categorias e, também, simulações de composições formais e setoriais para o projeto da escola (ver figuras 6, 7 e 8).

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Figura 6: Primeira opção de

estudo volumétrico.

Figura 7: Segunda opção de

estudo volumétrico.

Figura 8: Terceira opção de

estudo volumétrico.

3.2. Entrevista Focalizada com haitianos no Brasil

Segundo Rheingantz et al (2008), Entrevista Focalizada (ou Focus Group) é um tipo de entrevista semi-estruturada, onde os entrevistadores podem preparar apenas um roteiro ou esquema básico para realizar o procedimento. Dessa maneira, essas entrevistas caracterizam-se como conversas informais para fomentar a discussão entre um determinado grupo.

Neste método o pesquisador deve apresentar as questões a serem discutidas pelo grupo e de acordo com Rheingantz et al (2008), o modo de abordagem e o tempo de duração das questões são deixados a critério do pesquisador, que tem a liberdade de explorar os motivos e conduzir para direções que não estavam anteriormente programadas. Ainda, conforme este autor, o objetivo das entrevistas focalizadas é investigar quais os aspectos que uma experiência específica traz para as mudanças nas atitudes e valores daqueles que dela participam.

Neste trabalho, este método foi aplicado a um grupo de quatro intercambistas haitianos, com o objetivo de coletar depoimentos, experiências pessoais e compreender a relação deles com arquiteturas escolares no Haiti. Para isso, foram abordados aspectos desde uma macro escala até uma micro, isto é, da inserção das escolas nos bairros, até suas configurações formais, estruturais e suas respectivas ambiências internas.

Em relação à aplicação do método, este foi realizado em uma sala de aula na Universidade, a partir de um roteiro previamente estabelecido, mas sem o compromisso de seguir a ordem pré-estabelecida. Assim, os pesquisadores estiveram à vontade para explorar novas possibilidades de abordagem e direcionamento e obter respostas às outras, que surgiram no contado com os entrevistados.

As perguntas pré-estabelecidas foram: 1) Quantas escolas vocês estudaram?; 2) Escolha o que você mais lembra e diga como era a escola que vocês estudaram; 3) Como vocês iam para a escola?,4) Como era o acesso?; 5)Como ela era dentro?; 6) Quais eram os materiais e cores?; 7) O que vocês faziam na escola?; 8) Quais eram as brincadeiras?; 9)O que mais gostavam na escola?; 10) O que poderia ter a mais nessa escola?

Além deste roteiro inicial, questões a cerca do funcionamento interno, ambiência das salas de aula, e aspectos da cultura haitiana, também foram abordados.

Em relação aos resultados obtidos com o método, destaca-se um panorama geral das experiências pessoais escolares dos participantes. Todos os entrevistados estudaram em mais de uma escola durante suas formações em ensino fundamental e médio. Um dos entrevistados chegou a estudar em 5 instituições de ensino diferentes e a maioria deles chegava a sua instituição por meio de carro.

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A maior parte das instituições frequentadas eram mistas (para meninos e meninas), possuíam 2 pavimentos e eram feitas de blocos de concreto. Segundo os estudantes, apesar de quase nenhuma possuir biblioteca, a maioria apresentava espaço para a prática de esportes. As atividades mais recorrentes, segundo os entrevistados, eram futebol, vôlei e pula corda. Além disso, foi relatado que a presença de algum espaço para orações também é bastante presente nas escolas, assim como a presença de elementos de vegetação.

Em relação às salas de aula, os estudantes relataram que na maior parte das vezes estas possuem bancos e mesas coletivos e que normalmente possuem bastantes alunos por salas, mas que este número varia conforme o grau escolar.

Quando questionados sobre as cores e palavras que representariam seu país, os estudantes disseram que as cores que os representam são o Bege e o Marrom e que a palavra que os define é Alegria.

3.3. Seleção Visual

Conforme Fonseca e Rheingantz (2009), Seleção Visual consiste em um método que se baseia na apresentação de um conjunto de imagens de ambientes para avaliação dos usuários e indicação da imagem que mostra o ambiente preferido pelo respondente, ou a indicação de que elementos de cada imagem são considerados bons ou ruins por meio de um conjunto de adjetivos de conotação positiva e/ou negativa de cada imagem.

De acordo com Sanoff (1990), o instrumento Seleção Visual (ou Visual Preference) possibilita a identificação das ideias, valores, atitudes e cultura dos usuários. Essa técnica é utilizada por Sanoff como instrumento de participação dos usuários no processo projetual. Para Rheingantz et al (2008) este método permite a identificação de significados agregados ao conjunto analisado, relacionando-os com os ambientes construídos vivenciados pelos respondentes. Além disso, possibilita a identificação de símbolos, preferências e aspectos culturais de um determinado grupo de usuários. A escolha das imagens, segundo Rheingantz et al (2008), deve ser criteriosa e se deve procurar relacioná-las entre si, com o contexto real do ambiente a ser analisado, com aspectos econômicos e socioculturais.

Aplicado com o grupo de estudantes haitianos após a entrevista focalizada, este método teve como objetivo extrair informações sobre as diferentes linguagens e métodos construtivos de edificações escolares que pudessem servir de diretrizes de projeto. No experimento, utilizou-se 5 imagens do ambiente externo de escolas com diferentes configurações e tipologias arquitetônicas.

Durante a aplicação do método, cada integrante do grupo recebeu 5 imagens de mesmo tamanho e qualidade de impressão. Foi pedido que cada um hierarquizasse as imagens de acordo com sua preferência, da que mais gostava para as que menos gostava, e após que justificasse suas escolhas.

O quadro 1 apresenta a compilação dos dados obtidos durante a aplicação deste método. Para cada imagem foi indicado quantos entrevistados consideraram a imagem positiva ou negativa conforme os critérios: 1) relação Exterior x Interior; 2) Método Construtivo; 3) Revestimentos; 4) Esquadrias; 5) Pátio externo.

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Quadro 1: Resultado Seleção Visual

Imagem 1 Imagem 2 Imagem 3 Imagem 4 Imagem 5

Exterior

X Interior

1 1 4 2 1

Método

Construtivo

1 2 3 1 1

Revestimentos 1 1 1

Esquadrias 3 1 2 1

Pátio Externo 2 1 3 2

TOTAL 4 4 2 4 12 0 4 0 2 3

Ao analisar o Quadro 1, verifica-se que a imagem 3 apresenta mais elementos positivos, além de ter sido a indicada como a que todos os integrantes mais gostavam.

A imagem número 2 foi a indicada pelos estudantes como a que possuía tipologia que menos os agradava, pois apresenta revestimento de bambu, o que segundo os estudantes a deixa muito exposta e vulnerável. Ao justificarem suas decisões, a imagem número 1 também obteve bastantes pontos negativos, pois de acordo com os estudantes, eles não a reconhecem como sendo uma edificação escolar. Além disso, as esquadrias em vidro não são adequadas ao clima da região de Carrefour, que possui o histórico de furacões e terremotos. A presença do vidro neste caso pode ser muito inseguras às vibrações decorrentes de tais fenômenos.

Ressalta-se, ainda, que a imagem número 5, não apresentou muita relevância na tabulação dos dados. Esta imagem foi escolhida por representar um dos poucos projetos de escolas desenvolvidos para Carrefour. No entanto, acredita-se que o fato de ser uma maquete virtual tenha a prejudicado a visualização, o que confirma e alerta quanto ao cuidado com o critério na seleção de imagens a serem utilizadas, que neste caso não foi adequado por não ser uma situação real como as demais imagens apresentadas.

4. DIRETRIZES DE PROJETO

Com os resultados provindos da metodologia aplicada, chegou-se a diretrizes projetuais que embasaram as soluções arquitetônicas durante o projeto da escola.

O estudo de dimensionamento dos espaços permitiu a conscientização espacial do programa fornecido, e a padronização mínima de dimensões adequadas ergonomicamente aos usuários. Além disso, por meio dos estudos realizados, foi possível trabalhar e testar composições formais até se obter uma que contemplasse os requisitos estéticos e funcionais idealizados

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pelos autores. A partir do dimensionamento pode-se estabelecer o tamanho real que a escola teria em relação ao terreno existente e de que forma poderia ser criada uma melhor ambiência no local.

Figura 9: Diagrama da estrutura espacial do projeto final

Para o zoneamento funcional das áreas previamente dimensionadas, procurou-se entender Arquitetura Escolar como um complexo centro de desenvolvimento e transformação social, e desta forma, considerou-se a evolução da aprendizagem como parâmetro a ser refletido na concepção formal adotada e assim, como diretriz norteadora deste projeto (ver Figura 9). O ensino (em amarelo na Figura 9) progride conforme cada nível, das séries iniciais, no primeiro pavimento, ao ensino técnico, no último pavimento. Tal hierarquização permite uma melhor leitura e organização dos fluxos e também otimiza as questões de conforto acústico, diminuindo as interferências e ruídos das séries iniciais. Além disso, todas as salas estão dispostas de uma

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maneira que se tenham espaços para o convívio e a troca de experiência entre cada uma delas, já que de acordo com o pedagogo Paulo Freire (FREIRE, 2000), no processo de desenvolvimento é necessário que se proporcionem momentos para experiências e buscas. Os espaços de convivência também foram comentados pelo haitiano como algo positivo no projeto de escolas durante as entrevistas focalizadas. Além destes espaços de estares, prolongou-se a circulação horizontal criando-se espaços para circulação, encontros e leitura ao longo de todos os níveis (em cinza na Figura 9).

Os diferentes pavimentos da edificação são acessados por meio de uma escada e de uma plataforma elevatória (ambos em vermelho na Figura 9), possibilitando pessoas com diferentes habilidades a freqüentar quaisquer ambientes na escola, sem estigmatizar ou segregar ninguém, princípio que também está relacionado com o objetivo de integração cultural proposto por Steinfeld e Maisel (2012). Os sanitários foram dimensionados para uso de pessoas com cadeira de rodas, de forma a não impedir sua utilização em nenhum dos pavimentos. A localização dos sanitários próximo ao acesso vertical contribui para a orientação espacial dos usuários da escola, uma vez que fica mais fácil memorizar esta localização quando não há alterações nos diferentes pavimentos.

A Entrevista Focalizada originou diretrizes mais específicas, auxiliou a compreensão sócio-espacial de uma arquitetura escolar haitiana, ajudou na definição da técnica construtiva, da configuração espacial e do funcionamento do projeto.

Figura 100: Fachada Sul, lateral da escola.

Figura 11: Perspectiva da esquina. Acesso principal a esquerda.

O formato de “L” da estrutura da edificação proposta é composto de um lado pelos planos das salas de aula, e do outro pela torre com a circulação vertical e os sanitários. Estes dois elementos são interligados por meio de espaços livres de convivência e foram idealizados conforme o melhor aproveitamento do terreno e orientação solar. Além disso, destaca-se também nesta fachada sul o volume da biblioteca, que conforme a entrevista realizada é um espaço presente em poucas instituições escolares haitianas por conta de questões econômicas. (Figura 10).

O terreno do projeto apresenta um grande declive. Mesmo assim foi possível estabelecer o acesso principal e o pavimento térreo em um mesmo nível, eliminando barreiras e garantindo um acesso, com autonomia e segurança, a todos os alunos. Foi proposto um térreo livre conformando um pequeno pátio coberto para práticas de atividades, tendo em vista a constante citação da importância de atividades esportivas e coletivas na entrevista realizada (Figura 11). Aproveitou-se também o desnível existente para projetar uma arquibancada onde os alunos possam assistir apresentações coletivas e de danças, pois estas atividades também foram lembradas pelos alunos.

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Em relação à tecnologia construtiva, adotou-se em toda a edificação o bloco de concreto, pois conforme os estudantes e as pesquisas realizadas, esta seria a técnica de menor preço e de mais fácil execução.

Todos os entrevistados afirmaram serem poucas as instituições que possuíam biblioteca, apesar do restrito espaço para construção, conseguiu-se dimensionar um espaço acessível para o armazenamento de livros e para leitura (em verde na Figura 9).

A aplicação do método Seleção Visual, por sua vez, originou diretrizes que auxiliaram na linguagem arquitetônica a ser trabalhada. Assim, evitou-se utilizar esquadrias de vidros ou de bambus e optou-se por modelos que garantissem a segurança e que permitissem a ventilação natural. A relação entre edificação e pátio, aspecto citado significativamente durante a aplicação deste método, também foi constantemente trabalhada, já que além de trazer benefícios para o desenvolvimento dos alunos, proporciona o contato e controle visual da edificação por completo. As cores indicadas pelos participantes, o bege e o marrom, também foram consideradas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo apresentou a abordagem metodológica utilizada durante o processo inclusivo e as respectivas diretrizes projetuais levantadas durante a pesquisa. Desta maneira, se expôs como os princípios de inclusão social podem estar presentes no processo de um projeto arquitetônico, desde sua concepção até sua materialização.

Apesar de ter se procurado trabalhar com o desenho universal desde o princípio, as dificuldades sociais, geográficas e econômicas encontradas durante a realização deste trabalho restringiram muitos dos ideais e padrões confortáveis estudados pelos autores, evidenciando a dificuldade de se fazer um projeto inclusivo, mesmo considerando todos os seus princípios desde o início.

A necessidade da inclusão de todas as pessoas, capaz de otimizar a relação dos usuários com o espaço e, portanto, melhorar o exercício da atividade educacional, foi a base norteadora do projeto. Desta maneira, relata-se que mesmo com uma série de condicionantes, se atingiu o mínimo desejável e adequado para uma arquitetura escolar. Além disso, enfatiza-se que a compreensão da complexidade de fatores envolvidos nas variadas relações encontradas numa instituição de ensino também é essencial para a concepção de ambientes que atendam as especificidades de seus usuários, e permitam o pleno desenvolvimento de suas atividades.

Vale ressaltar que apesar dos resultados deste projeto estarem relacionados a uma Arquitetura Escolar para o Haiti, e desta maneira com imensuráveis condicionantes, acredita-se que este trabalho é capaz de fornecer diretrizes que podem servir de base a futuros projetos inclusivos, podem embasar a concepção de novos centros de educação, além de incentivar e alertar a importância de ter a inclusão de todos os usuários como premissa de projeto.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICAS

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