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Acompanhamento psicológico da obesidade

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Esse texto foi construído a partir de uma revisão bibliográfica com o objetivo de pesquisar sobre o papel do psicólogo no tratamento da obesidade, delimitar o objetivo de seu trabalho e definir os seus limites e possibilidade. Buscou-se como referencial teórico a abordagem cognitivo-comportamental de acordo com as diretrizes brasileiras de obesidade. www.obesidadeemagrecimento.blogspot.com.br

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Psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Obesidade e Emagrecimento, atuando no tratamento clínico e cirúrgico da obesidade. Autora do blog: www.obesidadeemagrecimento.blogspot.com.brContato: [email protected]

ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO DA OBESIDADE

Por Psicóloga Daniela Souza

Dados da literatura e experiência prática comprovam o caráter multifatorial da doença obesidade, abordando os fatores biológicos, endócrinos, nutricionais, comportamentais, psiquiátricos e psicológicos para o entendimento e manejo clínico do paciente obeso. Atualmente no Brasil, a literatura sobre Psicologia, Psiquiatria e Obesidade é bastante vasta. Porém torna-se extremamente difícil delimitar os alcances, limites e possibilidades dos aspectos psicológicos e psiquiátricos desses pacientes, já que os estudos são inconclusivos, indefinidos e tendenciosos. De acordo com Soares & Silva (2009), a variabilidade das descobertas não é surpreendente, dada as diferentes metodologias e medidas da saúde mental adotadas, combinadas com a heterogeneidade da população com obesidade e a atenção a potenciais moderadores da relação entre a obesidade e as perturbações mentais.

Segundo Segal et al. (2002), a obesidade não é classificada como um transtorno psiquiátrico. Apesar da obviedade da afirmação, ela se faz necessária, dado que a obesidade foi, por muito tempo, compreendida como uma manifestação somática de um conflito psicológico. Estudos de larga escala na comunidade sugerem que não há diferenças significativas no funcionamento psicológico entre pessoas obesas e não-obesas.

Vários autores referem complicações psicológicas associadas à obesidade. Travado et al. (2002) por exemplo, cita Stunkard e Wadden (1992), que referem a distorção da imagem corporal, baixa auto-estima, discriminação/ hostilidade social, sentimentos de rejeição e exclusão social, problemas funcionais e físicos, história de abuso sexual, perdas parentais precoces, história familiar de abuso de álcool, ideação suicida, problemas familiares/conjugais, sentimentos de vergonha e auto-culpabilização, agressividade/ revolta, insatisfação com a vida, isolamento social, absentismo, psicossomatismo, entre outros. Os mesmos autores também citam em diversos estudos a baixa qualidade de vida, a que acresce a co-morbidade frequente desta população.

Os estudos sobre as características psicológicas desta população referem como alterações mais frequentes, a nível psicopatológico e de personalidade, a perturbação borderline e a nível emocional, as de tipo depressivo, sendo as de tipo ansioso as segundas mais prevalentes. O psicoticismo é praticamente inexistente. A Compulsão Alimentar (binge-eating) é uma das alterações comportamentais mais perturbadoras, sendo o ritual alimentar acompanhado, na maioria destes doentes, por reações emocionais de irritabilidade, desinibição e raiva (Travado et al., 2002).

Duchesne (1995) menciona a importância de fatores como a depressão, a ansiedade e a compulsão nos quadros de Obesidade e Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), sendo essas as co-morbidades mais amplamente investigadas. A compulsão alimentar é frequentemente desencadeada por estados de humor disfóricos, estados ansiosos, intensa fome e grande dificuldade no controle dos impulsos. Pacientes portadores desse problema apresentam baixa autoestima e aumento da ansiedade interpessoal, percebendo-se como inadequados tanto no seu funcionamento social como no pessoal. Possuem significativo comprometimento da saúde, sendo que com frequência se observa a co-morbidade de transtornos de personalidade.

Estudos epidemiológicos constatam que cerca de 30% dos pacientes obesos que procuram tratamentos para emagrecer são portadores do transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), sendo que os demais obesos apresentam outros padrões

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alimentares, como, por exemplo, hiperfagia, e representam uma população clinicamente diferente. É importante ressaltar que indivíduos com diagnóstico de TCAP apresentam diversos graus de obesidade, já que o diagnóstico clínico não é limitado a indivíduos com sobrepeso. Obesos com TCAP constituem uma subpopulação que possui uma resposta menos efetiva aos tratamentos comportamentais convencionais para perda de peso e apresenta altos índices de transtornos do humor e de ansiedade (Costa et al., 2009).

Campos (1993 apud Cataneo et al. 2005) identificou as seguintes características psicológicas em adultos obesos por hiperfagia: passividade e submissão, preocupação excessiva com comida, ingestão compulsiva de alimentos e drogas, dependência e infantilização, primitivismo, não aceitação do esquema corporal, temor de não ser aceito ou amado, indicadores de dificuldades de adaptação social, bloqueio da agressividade, dificuldade para absorver frustração, desamparo, insegurança, intolerância e culpa. No que diz respeito às crianças obesas, esta autora afirma ainda que elas são mais regredidas e infantilizadas; tendo dificuldades de lidar com suas experiências de forma simbólica, de adiar satisfações e obter prazer nas relações sociais, de lidar com a sexualidade, além de uma baixa auto-estima e dependência materna.

Diante do exposto, qual o papel do psicólogo no tratamento da obesidade? Quais os objetivos e os seus alcances? Quais os seus limites e possibilidades de inserção na equipe multidisciplinar?

A partir da explanação sobre os aspectos psicológicos e psiquiátricos da obesidade, verifica-se uma rede complexa de sintomas e queixas expressas de forma subjetiva, sendo muitas vezes de difícil compreensão para o profissional que pretenda realizar uma intervenção.

Assim, o ponto de partida é, a partir de uma escuta e relação terapêutica bem estabelecida, a avaliação do paciente, incluindo o seu histórico individual e familiar de peso e co-morbidades; motivações, objetivos e expectativas do paciente com o tratamento; Orientar quanto a forma e estilo de tratamento; Informar e orientar sobre o seu estado atual da doença; Identificar processos psicológicos associados ao peso, seja como causadores ou mantenedores.

O processo de avaliação psicológica também pode ser bastante útil no estabelecimento de diagnósticos diferenciais e co-morbidades existentes e, embora se considere a entrevista clínica o nosso melhor instrumento, a construção de um diagnóstico apresenta-se, na maior parte das vezes, complexa. O uso de instrumentos com reconhecidas propriedades psicométricas é um importante aliado nessa tarefa, conferindomaior confiabilidade e validade ao diagnóstico, permitindo que sejam respondidas as hipóteses de forma mais objetiva e científica e menos intuitiva (Costa et al., 2009).

É importante destacar o desempenho do psicólogo como um profissional da área de promoção, prevenção e recuperação, destacando-se o de promotor de saúde. Sendo assim, também é a sua função a promoção de uma atitude global de valorização da saúdefísica e mental do paciente. Envolve avaliar o seu estilo de vida e sua saúde, intervindo ativamente, ultrapassando os limites dos aspectos psicossociais associados à obesidade.

Para isso, a literatura esclarece que as intervenções cognitivo-comportamentais cumprem esse objetivo, desenvolvendo a motivação e um conjunto de estratégias para ultrapassar os obstáculos de implementação de exercício físico e alimentação equilibrada constituindo um tratamento psicológico eficaz e para a diminuição de peso.

No tratamento psicoterápico, a terapia cognitivo-comportamental vem mostrando eficácia por trabalhar a partir da estrutura cognitiva do paciente com objetivos de organizar as estratégias para mudança de comportamento e estilo de vida, em princípio, relacionados ao autocontrole de comportamentos alimentares (Abreu, 2003).

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A avaliação e correção dos pensamentos inadequados, que contribuem tanto para a etiologia quanto para a manutenção da obesidade, são procedimentos disparadores e frequentes no processo psicoterapêutico para a modificação comportamental. A reestruturação cognitiva, imagens orientadas, o treinamento da auto-instrução, a determinação de objetivos, o estímulo ao auto-reforço e resolução de problemas são alguns procedimentos inter-relacionados, de base cognitiva, incorporados a outros programas comportamentais (Abreu, 2003).

Com base nesta orientação, os sistemas de crenças de indivíduos obesos determinam sentimentos e comportamentos desencadeados por pensamentos disfuncionais acerca do peso, da alimentação e do valor pessoal; por exemplo, a crença de que ser magro está associada a autocontrole, competência e superioridade interfere diretamente na constituição da auto-estima da pessoa, ou mesmo, a crença de que ser magro é fundamental para a solução de problemas da vida e que, portanto, pessoas obesas seriam infelizes e malsucedidas, são significações que também são encontradas neste grupo (Abreu, 2003).

Portanto, o desafio da psicoterapia cognitiva é compreender como diversos fatores interagem entre si em cada caso ou situação e, associada e integrada a outras terapias, favorecer a melhora no manejo do sintoma para que o paciente possa dispor de um repertório qualitativamente mais amplo para responder às demandas da vida (Vasques et al., 2004).

Quando o indivíduo obeso apresenta co-morbidade do espectro psiquiátrico, a associação medicamentosa à dietoterapia e psicoterapia torna-se imprescindível, ficando bem indicado o uso de antidepressivo associado ou não com estabilizador de humor. Os agentes antiobesidade são mais indicados para obesidade sem co-morbidade psiquiátrica e como coadjuvantes na presença de co-morbidades. As drogas anorexígenas, apesar de eficazes, devem ser usadas com cautela e por curto período de tempo. Apesar de o tratamento do ponto de vista psiquiátrico da obesidade estar em evidência, é necessário maior investimento no desenvolvimento do acompanhamento em longo prazo (Vasques et al., 2004).

Em suma, a Psicologia pode dar uma significativa contribuição para a prevenção e tratamento da obesidade, realizando intervenções cognitivo-comportamentais que assegurem modificações eficazes em todo o seu estilo de vida e melhor controle das co-morbidades (biológicas e psiquiátricas). A saúde e a doença não são eventos resultantes de processos somente biológicos, mas, sobretudo resultado do repertório cognitivo-comportamental de cada indivíduo. Salienta-se a importância de estabelecimento de objetivos tanto a curto como em longo prazo. Sem mudanças bem estruturadas,dificilmente o tratamento torna-se eficaz.

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Referencia Bibliográfica

Abreu, C.N.; Roso, M. E cols. (2003). Psicoterapias Cognitiva e Construtivista, novas fronteiras da prática clínica. Artmed, Porto Alegre.

Cataneo, C.; carvalho, A.M.P.; galindo, E.M.C. ( 2005) Obesidade e aspectos psicológicos: maturidade emocional, autoconceito, lócus de controle e ansiedade. Psicol.: Reflex. Crít., v.18, n.1, p.39-46.

Costa, F. S., Bandeira, D. R., Trentini, C., Brilmann, M., Friedman, R., & Nunes, M. A. (2009). Considerações acerca da avaliação psicológica das comorbidades psiquiátricas em obesos. Psicologia em Estudo.Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCwQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.scielo.br%2Fscielo.php%3Fpid%3DS1413-73722009000200009%26script%3Dsci_arttext&ei=-DWTT9fVAYeI8QTa2tXqAw&usg=AFQjCNGxe0MNDn7qJywtvhTqvMEvflTb5Q [Acesso em: 21 de Abril de 2012].

Duchesne, M. (1995). Transtornos alimentares. Em Rangé, B. (Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos. Campinas: Editorial Psy II.

Segal, A., Cardeal, M. V. & Cordás, T. A. (2002) Aspectos psicossociais e psiquiátricos da obesidade. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo.Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CC0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.hcnet.usp.br%2Fipq%2Frevista%2Fvol29%2Fn2%2Fpdf%2F81.pdf&ei=WTaTT6yBKomS9QSuhqypBA&usg=AFQjCNETw6Ixl00Jc0ZiUAgiiZ--zb02Mg [Acesso em: 21 de Abril de 2012].

Travado, L., pires, R., Martins, V., Ventura, C., & Cunha, S. (2004) Abordagem psicológica da obesidade mórbida: caracterização e apresentação do protocolo de avaliação psicológica. Análise Psicológica, Portugal.Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCYQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.scielo.oces.mctes.pt%2Fpdf%2Faps%2Fv22n3%2Fv22n3a10.pdf&ei=bDaTT6yNN5Sc8QTStL2BBA&usg=AFQjCNFojUYa65Ws_RLVXiMPPj3e20yVVQ [Acesso em: 21 de Abril de 2012].

Vasques, F., Martins, F. C., & Azevedo, A. P. (2004). Aspectos psiquiátricos do tratamento da obesidade. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo.Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CEAQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.scielo.br%2Fpdf%2Frpc%2Fv31n4%2F22408.pdf&ei=gjaTT6naC4ic8QSM7PSDBA&usg=AFQjCNG78rDqlXexKU9ehGAjhpKfRl9ObA [Acesso em: 21 de Abril de 2012].