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apresentam Campanha de conscientização contra o assédio sexual durante o Carnaval de Recife e Olinda. Recife, 2017 #ACONTECEU no CARNAVAL #ACONTECEU no CARNAVAL

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apresentam

Campanha de conscientização contra o assédio sexual durante o Carnaval de Recife e Olinda.

Recife, 2017

#ACONTECEU noCARNAVAL

#ACONTECEU noCARNAVAL

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SUMÁRIO

1. I N T R O D U Ç Ã O 3

2 . J U S T I F I C AT I V A 5

3 . A C A M PA N H A 6

4 . R E L AT O S 11

5 . M A P E A M E N T O 13

6 . A N Á L I S E 17

7. E N C A M I N H A M E N T O S 20

8 . F I C H A T É C N I C A 21

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1. INTRODUÇÃO

A violência de gênero no carnaval é uma realidade recorrente e sistêmica nos dias de festa no sítio histórico de Olinda e pólos do Recife. Por violência de gênero compreendemos práticas “caracterizadas pela incidência dos atos violentos em função do gênero ao qual pertencem as pessoas envolvidas (...). A expressão violência de gênero é quase um sinônimo de violência contra a mulher, pois são as mulheres as maiores vítimas da violência”. Infelizmente, essa violência no carnaval é facilmente observável: são puxões de braço e de cabelo, rodinha insistindo para beijo forçado, estupros e diversas outras violências às quais mulheres são expostas simplesmente por saírem para “brincar o Carnaval”. Nós não aceitamos isso.

Da inconformidade com o cenário nasceu a campanha “Aconteceu no Carnaval”. O objetivo da campanha foi disponibilizar para mulheres cis e trans um canal seguro onde poderiam denunciar situações de assédio no carnaval e em seguida, ao término dos trabalhos, cobrar uma política pública para enfrentamento do problema. Essa iniciativa se deu a partir de parceria firmada entre as Redes Meu Recife e Mete a Colher.

A Rede Meu Recife é uma organização de fomento à participação política na cidade e mobilização de pessoas, fiscalizando o poder público. O Mete a colher é uma rede colaborativa que conecta mulheres que sofrem violência doméstica ou vivem em relações abusivas a mulheres que podem ajudar. As organizações, apesar de atuarem de

1 KHOURI, José Naaman. Considerações sobre a violência de gênero e violência doméstica contra a mulher. JusBrasil, 2006.Em:https://dp-mt.jusbrasil.com.br/noticias/3021506/artigo-consideracoes-sobre-a-violencia-de-genero-e-violencia-domestica-contra-a-mulher

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2 Uma pessoa cis é uma pessoa na qual o sexo designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de sexo + gênero designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de gênero, estão ‘alinhados’ ou ‘deste mesmo lado’ – o prefixo cis em latim significa “deste lado” (e não do outro), uma pessoa cis pode ser tanto cissexual e cisgênera mas nem sempre, porém em geral ambos.” Em: https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/09/17/o-que-sao-pessoas-cis-e-cissexis-mo/

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formas diferentes, têm em comum o fato de serem compostas em sua totalidade por mulheres que passaram por situações de assédio ou que já presenciaram o ato acontecer em plena folia. Nada mais coerente do que trabalhar juntas em prol de uma causa que urge, porém que ainda é constantemente invisibilizada e desassistida pelo poder público: a violência de gênero que não deixa marcas visíveis, o assédio.

Através de uma plataforma online, com o endereço www.aconteceunocarnaval.meurecife.org.br , a campanha recebeu relatos de assédio ocorridos durante quatro semanas (duas semanas pré-carnaval, os dias de folia propriamente ditos e uma semana pós-carnaval). Um grande diferencial da campanha foi a garantia de sigilo e a grande abertura para que a vítima contasse com espaço para se expressar com suas palavras. De parte das idealizadoras houve um interesse de que a campanha não ficasse somente nas vias digitais, atingindo uma parcela ainda reduzida da população. Por isso, para fins de maior alcance e inclusão social, foram realizadas ações de mídia massivas e também ações de rua durante dois dias de carnaval e prévias. A última ação presencial foi no dia 8 de março durante a concentração da Parada Brasileira de Mulheres, no Parque 13 de maio e que será detalhada mais à frente no presente documento.

Nesse contexto, apresentamos o relatório final da campanha “Aconteceu No Carnaval”, que está estruturado em quatro seções. Primeiro apresentamos a campanha: o que foi, desempenho nas redes sociais, como foram as ações de rua, seção multimídia e impacto. Em um segundo momento, o que apresentamos são relatos representativos e estatísticas, em uma espécie de raio-x dos assédios por localidade e tipo de ocorrência. Na seção 3, tem lugar a análise dos dados levantados durante a campanha seguidos de nossas conclusões e anexos pertinentes. O tratamento dos dados permitiu um diagnóstico inicial da realidade que os dias de folia e diversão escondem. Esperamos que com esse trabalho possamos compreender melhor a violência contra a mulher em ambientes massivos, de festas e nos propomos a fazer isso juntas, pela vida das mulheres.

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2. JUSTIFICATIVA

O Estado de Pernambuco está vivendo um dos períodos mais perigosos da década. Os número não mentem e são terríveis: até o mês de maio de 2017 foram contabilizados pela Secretaria de Defesa Social 2.495 homicídios e 826 estupros. O número de ocorrências não para de crescer e a sensação de insegurança e medo está por toda a parte. Quando o medo é uma constante na vida das pessoas, sabemos quem mais está sofrendo com esses efeitos: as mulheres.

No momento de investigação e de preparação da campanha, já contávamos nos meses de janeiro e fevereiro com o registro de 295 casos de estupro no Estado de Pernambuco, sendo 28% deles somente em Olinda e Recife. Como pudemos constatar, esse número não para de crescer. As mulheres são as maiores vítimas desse tipo de violência, marcadamente de gênero, especialmente durante o carnaval. A folia de Momo é uma festa onde a permissividade e o machismo se fazem mais perceptíveis, sempre com a desculpa da brincadeira e da sexualização do corpo da mulher, que em tese “está disponível para ser espaço de uso” e de exercício da dominação masculina. E sem uma rede de atendimento e proteção à mulher que faça o serviço de forma ampla, com foco no enfrentamento, crimes de assédio são silenciados e esquecidos.

Considerando a lacuna que o poder público deixa na prevenção e enfrentamento da questão, as Redes Meu Recife e Mete a Colher se uniram para exercerem seus papéis enquanto grupos que promovem e apoiam pautas de gênero. Organizações que tem como princípio o respeito aos valores de direitos humanos não poderiam deixar de lado o enfrentamento da violência contra a mulher. Participar da vida política da cidade é também atuar cobrando ação do poder público e propondo saídas para as deficiências vivenciadas pelas cidadãs.

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3 Dados veiculados pela Cúpula da Secretaria de Defesa Social no dia 14/06/17. Divulgado em: http://www.diariodepernam-buco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2017/06/14/interna_vidaurbana,708793/sobe-para-2-495-o-numero-de-assassinatos-neste-ano-em-pernambuco.shtml

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3. A CAMPANHA

A campanha #AconteceuNoCarnaval nasceu da vontade em comum das redes Meu Recife e Mete a Colher em impactar o contexto machista e de violações dos direitos das mulheres, tendo como processo identificar os abusos que as mulheres sofrem durante o Carnaval. Não apenas identificando os tipos, mas os mapeando, dando visibilidade ao problema analiticamente.

As denúncias foram coletadas através do site da campanha, por hashtag nas redes sociais, como também na Parada Nacional das Mulheres, no dia 8 de março. Os relatos deveriam conter informações sobre o local que aconteceu, a data, além da narrativa do tipo de assédio. Com os relatos em mãos, as redes categorizaram os principais tipos de assédio sofridos para exigir do poder público políticas para prevenir violência de gênero durante o Carnaval.

Site da campanha: http://www.aconteceunocarnaval.meurecife.org.br

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3.1 Inserções na mídia tradicional

A campanha ganhou destaque na mídia local e nacional, sendo veiculada em TV, rádio e jornal online e sites de entretenimento. Em apenas uma semana, as equipes do Meu Recife e Mete a Colher participaram de mais de 10 reportagens, de veículos variados, o que demonstra o grande interesse e preocupação dos meios de comunicação com a pauta. A mídia tradicional teve um grande peso no sucesso da campanha, pois é o veículo que atinge a maior parte da população. Segue a lista de inserções com links de acesso:

TELEVISÃO

TV Clube - Matéria no programa Agora é Hora

Rede Globo - Matéria no Bom Dia Pernambuco

RÁDIO

Rádio Jornal - entrevista ao vivo Universitária FM - entrevista no programa Redator Comunitário Frei Caneca - entrevista ao vivo no programa DifusoraRádio Olinda - entrevista ao vivo CBN Recife - entrevista ao vivo

INTERNET

JC Online - portal de notícias

Social 1 - blog de entretenimento

Por Aqui - portal de notícias locais

Portal Flores No Ar - revista online

Catraca Livre - portal de notícias

Vice - revista online

O Grito - revista online

Rádio Internet

total:

14 matérias

TV

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3.2 Redes Sociais

A campanha #AconteceuNoCarnaval teve uma presença muito forte nas redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter, com o objetivo de impactar pessoas de forma rápida e prática. O ambiente virtual é a principal via de trabalho das Redes e em um primeiro momento, as bases de ambas foram os primeiros públicos mobilizados. Para tornar o assunto relevante para os seguidores de ambas as páginas do Meu Recife e do Mete a Colher na rede social Facebook, principalmente as mulheres, foram feitas postagens com conteúdos relevantes e informativos, com linguagem acessível.

Por ser uma rede de alto alcance, o Facebook foi a ferramenta principal para a divulgação da campanha, onde foram apresentadas as diferentes formas de assédio/abuso e foram divulgados memes e comunicações que tirassem o peso e a culpabilização da vítima. A frequência de postagens era 1 por dia, com os seguintes tipos de conteúdos:

- Apresentação da campanha e seus objetivos

- Conscientização contra o assédio: misturando marchinhas de carnaval e ações típicas de assédio

- Fotos com o resultado da ação lambidaço

- Vídeo do resultado da ação lambidaço

- Relatos de mulheres que sofreram abuso

- Clipping do que estava sendo veiculado na mídia

4 Página da Rede Meu Recife no Facebook: https://www.facebook.com/MeuRecife/5 Página da Rede Mete a Colher no Fcebook: https://www.facebook.com/appmeteacolher/

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3.3 Ações de rua

Para além das redes sociais, a campanha ganhou corpo também nas ruas do Recife Antigo e Cidade Alta de Olinda, polos de alta concentração de pessoas durante o Carnaval. Foram realizados três diferentes tipos de ação de rua, tendo por finalidade testar formas e atingir diferentes perfis de público:

LAMBIDAÇO

As equipes espalharam lambe-lambes em tapumes com os dizeres Meu Corpo Não é Folia de Ninguém, em 10 pontos das duas cidades, para durante os 4 dias de festas as foliãs fotografarem e postarem nas redes sociais.

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FITINHAS DA SORORIDADE

foram distribuídas duas mil unidades de pulseiras distribuídas para mulheres no Recife Antigo, Blocos Bumba Meu Bowie e Essa Fada e no Sítio Histórico de Olinda. Com os os dizeres Moça, to aqui pra te ajudar: denuncie assédio usando #AconteceuNoCarnaval para incentivar as mulheres a se ajudarem mutuamente quando presenciassem alguma cena de assédio.

MAPEAMENTO DO ASSÉDIO

na semana pós-carnaval, as Redes Meu Recife e Mete a Colher fizeram uma ação durante a Parada Mundial das Mulheres. A ação consistia em apresentar mapas do Recife Antigo e Olinda onde as mulheres marcavam os locais onde mais sofreram ou presenciaram assédios e abusos durante o Carnaval.

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4. RELATOS

A campanha capturou 66 relatos entre os dias 17/02 e 12/03. As denúncias chegaram até a equipe através do site, do uso da hashtag #AconteceuNoCarnaval nas redes sociais, comentários em posts do Facebook e Instagram, mensagens privadas nas respectivas redes, e também na Parada Internacional das Mulheres, onde foram disponibilizados formulários de respostas em papel (coleta presencial). A diversidade dos métodos de coleta teve o intuito de verificar o impacto e a receptividade do público de mulheres, testando diferentes formas de abordagem.

A partir dos relatos pudemos produzir importantes indicativos de estatísticas, cruzando os dados coletados no formulário de denúncia. O padrão foi mantido tanto na coleta via google forms quanto presencial para manter o controle de qualidade das informações e preservar o parâmetro. As perguntas contidas eram as seguintes:

- O que aconteceu? (obrigatória e aberta)

- Onde? (obrigatória e aberta)

- Foi com você mesma? (obrigatória e fechada)

- Foi fazer a denúncia? (obrigatória e fechada)

- Idade (opcional)

- Email (opcional)

- Nome (opcional)

- Quer contar mais alguma coisa pra gente? (opcional)

O resultado dos relatos trouxe questões urgentes, tais como omissão de socorro policial e um número grande de assédio à casais de mulheres. Segue abaixo algumas das denúncias que recebemos. São depoimentos breves, porém fortes e representativos dos tipos mais comuns de situações por nós constatadas:

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4.1 Citações

“Sábado de carnaval. Estava com a minha irmã e um cara tentou beijá-la a força. Enquanto eu estava tentando salvar a minha irmã, o amigo desse cara tentou me agarrar e

puxou o meu sutiã.”

“Domingo de Carnaval. Minha amiga e eu estávamos passando pela rua da rua da Bica dos Quatro Cantos, em Olinda, quando um cara pede pra tirar uma foto comigo, estava fantasiada de

mulher Maravilha, achei natural porque o dia inteiro muitos haviam feito o mesmo pedido. Foi quando ele me pediu um beijo e eu disse não, então ele me agarrou e me beijou a força e saiu

comemorando, acredito tratar-se de uma aposta. Me senti violada, agredida. Hoje passamos pela mesma rua e tiramos a

foto do agressor, na casa há uma faixa com a frase: Casa da Esbórnia.”

“Segunda de Carnaval. Duas mulheres (um casal de namoradas), foram primeiro assediadas e depois agredidas com tapas por um cara enorme, de quase 2 metros. Após a agressão, ainda abriram um corredor pro cara passar. Haviam 10 policiais sem identificação no local, que se negaram a prestar socorro, dizendo que não era sua função fazer isso. As meninas foram ao Núcleo de Apoio na Praça do Carmo, e lá disseram que era só informação turística, que não podiam ajudar.”

“Terça de Carnaval. Enquanto eu caminhava, em meio à multidão, tive minha genitália

apalpada por um cara desconhecido.”

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5. MAPEAMENTO - Gráficos e Análises

A partir do cruzamento de dados chegamos aos seguintes indicativos estatísticos sobre assédio no carnaval, ressaltando porém, que os mesmos não se pretendem a ser exaustivos, pois a coleta possui caráter experimental. Seguem os resultados constatados e análise em primeira instância:

5.1 Locais mais inseguros para as mulheres no Carnaval de Recife e Olinda

Marco Zero: 5 relatos

Praça do Arsenal: 2 relatos

R. Madre de Deus: 1 relato

R. Mariz de Barros: 1 relato

Av. Rio Branco: 1 relato

É importante ressaltar que havia um ponto de atendimento específico para mulheres, com a equipe técnica do Centro Clarice Lispector, na Rua do Observatório durante os dias de folia. O local era pouco visível e acreditamos

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que isso dificultou um pouco o processo de chegada das vítimas. Até o presente momento não possuímos informações sobre a quantidade de atendimentos realizados pelo ponto, que foi o único do modelo na cidade do Recife. Dizemos único porque as demais alternativas implicariam em deslocamento da vítima (não garantido pois não havia pontos de triagem), tendo no 0800, o Liga Mulher, de fato como o instrumento mais democrático de orientação e apoio descentralizado. O mesmo só funcionava das 7h às 19h. Fora as iniciativas já citadas não foram encontradas medidas de proteção presenciais para mulheres além do quadro normal de atendimento. Em um momento onde as condições de busca por ajuda eram desfavoráveis tanto pela mobilidade reduzida em razão de engarrafamentos, quanto pela desinformação que ainda persiste sobre locais de atendimento, nos perguntamos quantas denúncias não foram registradas em razão da falta de espaços de apoio e de uma ação mais dirigida da polícia para coibir esse tipo de crime. Recebemos inclusive um relato onde uma das vítimas foi assediada por um policial militar em exercício. Assustador não é? Mas não tanto quanto Olinda.

R. Treze de Maio: 7 relatos

R. do Bonfim: 6 relatos

Mercado da Ribeira: 5 relatos

Varadouro: 3 relatos

Praça de São Pedro: 3 relatos

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Em Olinda o número de assédios relatados foi substancialmente maior que o de Recife. Levantamos aqui a hipótese de que, mesmo possuindo apenas um, a presença de um centro de combate presencial teve efetividade e isso se refletiu nos números de ocorrências. Verificamos que a concentração dos assédios e deu principalmente em dois locais: Rua Treze de Maio e Rua do Bonfim. Os dois pontos possuem grande circulação, sendo o primeiro local conhecido como o espaço LGBT no Sítio Histórico. Casais de lésbicas foram agredidos, vítimas de lesbofobia e estupro em um espaço que anteriormente era porto seguro desse grupo. Isso ilustra um caráter “predatório” nesses espaços, onde casais de mulheres foram perseguidos e sistematicamente violentados. Sobre o Bonfim, é um espaço conhecido por ser frequentado por grupos economicamente mais favorecidos e as vítimas eram mulheres de orientação heterossexual em sua maioria. O perfil dos casos se desenhou como uma violência mais “sutil”, onde os abusos eram cometidos no momento da passagem, do cruzamento de pessoas, quando, devido ao grande número de pessoas na rua, muitas vezes o rosto do agressor não era claramente visualizado.

Constatamos uma maior desorientação das vítimas em Olinda. Sobre o atendimento à mulher vítima de violência, não encontramos ações presenciais de rua durante os dias de folia, tendo o Centro Márcia Dangremon como principal e único ponto de atendimento divulgado. Recebemos também denúncias de policiais trabalhando não-identificados, defasagem de policiais mulheres para fazer a primeira recepção e negativa de socorro/orientação para esse público de mulheres. Em um dos casos, as vítimas foram orientadas por policiais (após dizerem que não tinham responsabilidade para resolver a questão) a ir em um centro de atendimento que ficava no Carmo, onde lhes foi dito que ali era apenas para turistas e não para atendimento.

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beijo forçado

passada de mão nos genitais ou seios

agressão física

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1510

6

65

puxão no braço

abraço forçado

agressão verbal

5.2 Tipos de assédios mais sofridos durante o Carnaval de 2017.

Tratamos até o presente momento a tipificação criminal de estupro, como algo normalizado, no sentido de exercitar a nomenclatura. A maior parte das denúncias recebidas podem ser classificadas como tal, dado que a Lei 12.015/09, atualização que incluiu em sua descrição os “Crimes contra a dignidade sexual”. O crime de estupro consiste no ação de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (CP, art. 213, caput). Estamos falando de um crime hediondo. Estamos aqui trazendo relatos de situações que se enquadram tanto como estupro, como na Lei Maria da Penha e o fato é que nenhuma dessas denúncias foi formalmente realizada, porque ainda vivemos em um processo pedagógico, onde nem todas as vítimas sabe que foi vítima de um crime.

6 Lei que dispõe sobre o crime de Estupro na íntegra em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm

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6.1 Processo da campanha e de dados

6.1.1 Sobre o desempenho da campanha:

Foi verificado que a adesão em ações feitas em campo foi bem maior que a apenas via rede social, aumentando em mais de 60% quando executadas nas ruas. As razões encontradas foram várias, mas a mais grave é que ainda se evita falar sobre a questão a todo o custo. Chegamos inclusive a ouvir que “mulheres não iriam querer falar sobre isso para não estragar o seu carnaval” de uma das participantes. Outros pontos são a segurança que a mulher tem de contar sua história para outra mulher presencialmente (aumentando a sensação de acolhimento) e o fato de que muitas pessoas estão nas ruas e ficam sem acesso à internet rápida, o que dificulta a abertura do site.

6.1.2 Ações de campo

A ação de distribuição das fitinhas da sororidade teve grande adesão. A ação foi feita por mulheres e as fitinhas só foram distribuídas para esse público. O rosa pink foi escolhido por chamar bastante a atenção e por ser uma cor distinta dos já tradicionais lilás e roxo, além de ser uma das cores da campanha (amarelo, verde e rosa). Durante as distribuições nas ruas, aconteceu um processo de voluntariado espontâneo onde muitas das mulheres se dispuseram a levar fitas para amigas/parentes.

Outra ação que merece destaque foi a do Lambidaço, que consistiu em colar lambe-lambes em locais estratégicos das cidades de Olinda e Recife. Simbolicamente foi uma ação importante, pois mobilizou voluntárias a contarem suas histórias pessoais de assédio/abuso e de participar deixando a marca da campanha pelas cidades. Contamos com a participação do Coletivo Deixa Ela em Paz na ação.

6. ANÁLISE

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De modo geral, as ações de rua tiveram maior impacto em termos verificáveis de números, mas acreditamos que isso só foi possível diante das ações de divulgação prévias que prepararam o público da rua, afinal quando abordadas muitas das mulheres perguntavam se era a campanha da televisão e a partir daí a base de diálogo foi aberta.

6.1.3 Ações online/mídia

Como já explanado anteriormente, a campanha teve uma ótima repercussão nas nas redes sociais. Acreditamos que o sucesso de recepção desses canais foi o fato da pauta feminista estar em alta, constituindo informação de interesse público, com apelo. Ressaltamos que essa não foi a primeira campanha contra o assédio no carnaval que aconteceu nesse ano e fazemos referência à outras campanhas como “Carnaval sem assédio”, “Respeita As Mina” e o 180. O diferencial de nossa campanha foi ser a primeira do gênero com esse foco no Estado.

6.2 Sobre a apreensão dos dados e observação em campo

No processo de apreensão de dados e observação em campo detectamos alguns pontos que já esperávamos encontrar, até pelo contexto violento em que está imerso o Estado de Pernambuco:

- Insegurança em relação à mobilidade para os espaços de brincadeira e nos locais

- Falta de atendimento e de efetivo adequado (de mulheres) da polícia,

- Insuficiência das iniciativas ofertadas pelo poder público na defesa da mulher. Por exemplo, o centro do Recife Antigo só possuía um posto de atendimento, na rua do Observatório, que não teve divulgação suficiente e era um só pro Carnaval do Recife inteiro! Não houve postos descentralizados. O Hospital da Mulher ajuda, mas não resolve a questão, até por sua natureza. Porque não previne, só remedia.

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- Os agressores comumente se escondem no anonimato dos corredores de passagem, em ruas estreitas. Quando atacam, normalmente em grupos, se comportam como se estivessem pegando algo que está disponível. Diante da recusa na conjunção ou “ficada”, as mulheres são agredidas, estupradas e intimidadas. É preciso coibir os crimes no ambiente em que são perpetrados e dar acolhimento à mulher in loco, quando ela mais precisa.

A falta de foco nas políticas de enfrentamento e prevenção é um fato bastante grave na política do Pacto Pela Vida no geral. Isso se reflete diretamente na falta de uma gama de ações que são necessárias para que a mulher vítima de violência seja acolhida em um momento em que as regras do jogo estão borradas pela cultura machista que reside no Carnaval. Se em dias comuns os pontos de apoio não são acessados, durante os dias de folia, tudo isso é maximizado.

7 Maiores informações em: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/7-dicas-para-se-divertir-no-carnaval-e-re-speitar-as-minas/

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7. ENCAMINHAMENTOS

Apesar do Carnaval de 2017 ter sido mais seguro comparado aos anos anteriores, os números da violência contra a mulher não diminuíram. Os números continuam em uma crescente assustadora e os casos de estupro não param de subir. E nos pegamos a pensar mais uma vez: se fossem registrados os estupros tais como tipificados em lei, em que número estaríamos atualmente?

O caminho para a mudança no quadro de violência contra a mulher é o foco na prevenção. É preciso fortalecer ainda mais a rede de mulheres já existente e estimular o surgimento de novas redes. É nesse sentido que colocamos a importância do fomento da participação da sociedade civil organizada na formulação de políticas públicas voltadas à prevenção da violência contra a mulher.

É importante que o foco não seja apenas no carnaval, mas também em outras grandes festas. Também é preciso treinar policiais de forma adequada para a orientação e encaminhamento da mulher vítima de violência ao centro responsável, assim como reforçar o quantitativo de policiais mulheres na ação de rua ostensiva. Ressaltando a importância de que os operadores da lei usem etiquetas nominais, pois também são autores de abuso e precisam possuir identificação no exercício de sua função. Também é preciso estimular as denúncias formais, para alimentar as estatísticas e mapear os pontos de risco com maior qualidade.

O processo de construção da campanha #AconteceuNoCarnaval foi colaborativo. As Redes Meu Recife e Mete a Colher uniram energias e expertises para dar um primeiro passo importante para a mudança de fato. Dado à carência e ao quadro captados durante a campanha, verificamos a necessidade de continuar com a iniciativa e realizaremos no próximo ano, 2018, novamente o #AconteceuNoCarnaval. Queremos ampliar parcerias com coletivos de mulheres que trabalhem na defesa de direitos e aumentar o diálogo com o poder público para que alcancemos resultados ainda mais efetivos para o próximo carnaval. Esperamos que o relatório contribua para o ajuste de questões de ordem procedimental e que vejamos em 2018 mais mulheres sabendo como e onde podem procurar atendimento de forma fácil e prática.

Porque querer um carnaval seguro para as mulheres não é um sonho, é o nosso objetivo.

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8. FICHA TÉCNICA

Construção de Relatório: equipes Mete a Colher e Meu Recife

Análise de dados e redação final: Camila Fernandes

Revisão: Isabel Cavalcanti

Design da Campanha: Jade Jofilsan e Aline Silveira

Assessoria de Imprensa: Renata Albertim

Realização: Redes Meu Recife e Mete a Colher

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Page 22: #ACONTECEU no CARNAVAL - s3-sa-east-1.amazonaws.com · contabilizados pela Secretaria de Defesa Social 2.495 homicídios e 826 estupros. O número de ocorrências não para de crescer