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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR DA REPÚBLICA MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DE PERNAMBUCO A COLÔNIA DE PESCADORES DE CABO DE SANTO AGOSTINHO Z-08, ASSOCIAÇÃO CIVIL SEM FINS LUCRATUVOS, ORGÃO DE CLASSE E REPRESENTAÇÃO DOS PESCADORES PROFISSIONAIS ARTESANAIS, inscrito no CNPJ, sob o nº 08.145.674/0001-96, sediada à Avenida Beira Mar nº 58, Gaibu, município de Cabo de Santo Agostinho, CEP 54.500-000, no Estado de Pernambuco, por seu representante legal infra-assinado, mandato e constituição anexos, vem à presença de V. Exa, expor e requerer a abertura urgente de inquérito civil público, contra prejuízos causados pelo COMPLEXO INDUSTRIAL E PORTUÁRIO DE SUAPE GOVERNADOR ERALDO GUEIROS - CIP SUAPE, pela COMPANHIA PERNAMBUCANA DE CONTROLE DE POLUICAO AMBIENTAL E DE ADM. DOS REC. HIDRICOS CPRH, pelo ESTADO DE PERNAMBUCO, pela SECRETARIA ESPECIAL DOS PORTOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA e pela empresa SERVIÇOS DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS LTDA - SOMAR, conforme segue : 1. DA INTRODUÇÃO A presente representação visa à abertura de Ação Civil Pública para resguardo dos direitos fundamentais dos pescadores artesanais de Cabo de Santo Agostinho e adjacências, em face de atos perpetrados pelos requeridos que estão promovendo a dragagem de aprofundamento dos acessos aquaviários ao Porto de Suape, sem que sejam devidamente ressarcidos os prejuízos causados sobre a atividade pesqueira da região. O ato ilegal em questão consiste na concessão de licenças para a implantação do empreendimento doravante denominado Projeto de Dragagem Portuária, sem que tenha sido estabelecida qualquer compensação para o impacto ambiental da vedação do exercício da atividade pesqueira durante as obras e o período de seus efeitos. Noticiamos por meio desta Representação os danos ambientais e sócio-econômicos decorrentes da atividade de dragagem planejada pelo CIP SUAPE, contratada pela SEP/PR, executada pela SOMAR Ltda e licenciada pela CPRH, sem que os impactos causados tenham sido devidamente avaliados e compensados, causando inegável prejuízo ao meio ambiente marinho e conseqüentemente ao exercício da atividade pesqueira.

Acp dragagem

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Page 1: Acp dragagem

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR DA REPÚBLICA

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DE PERNAMBUCO

A COLÔNIA DE PESCADORES DE CABO DE SANTO AGOSTINHO Z-08,

ASSOCIAÇÃO CIVIL SEM FINS LUCRATUVOS, ORGÃO DE CLASSE E

REPRESENTAÇÃO DOS PESCADORES PROFISSIONAIS ARTESANAIS, inscrito no

CNPJ, sob o nº 08.145.674/0001-96, sediada à Avenida Beira Mar nº 58, Gaibu, município de

Cabo de Santo Agostinho, CEP 54.500-000, no Estado de Pernambuco, por seu representante

legal infra-assinado, mandato e constituição anexos, vem à presença de V. Exa, expor e requerer

a abertura urgente de inquérito civil público, contra prejuízos causados pelo COMPLEXO

INDUSTRIAL E PORTUÁRIO DE SUAPE GOVERNADOR ERALDO GUEIROS - CIP

SUAPE, pela COMPANHIA PERNAMBUCANA DE CONTROLE DE POLUICAO

AMBIENTAL E DE ADM. DOS REC. HIDRICOS – CPRH, pelo ESTADO DE

PERNAMBUCO, pela SECRETARIA ESPECIAL DOS PORTOS DA PRESIDÊNCIA DA

REPÚBLICA e pela empresa SERVIÇOS DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS LTDA - SOMAR,

conforme segue :

1. DA INTRODUÇÃO

A presente representação visa à abertura de Ação Civil Pública para resguardo dos

direitos fundamentais dos pescadores artesanais de Cabo de Santo Agostinho e

adjacências, em face de atos perpetrados pelos requeridos que estão promovendo a

dragagem de aprofundamento dos acessos aquaviários ao Porto de Suape, sem que

sejam devidamente ressarcidos os prejuízos causados sobre a atividade pesqueira da

região.

O ato ilegal em questão consiste na concessão de licenças para a implantação do

empreendimento doravante denominado Projeto de Dragagem Portuária, sem que tenha

sido estabelecida qualquer compensação para o impacto ambiental da vedação do

exercício da atividade pesqueira durante as obras e o período de seus efeitos.

Noticiamos por meio desta Representação os danos ambientais e sócio-econômicos

decorrentes da atividade de dragagem planejada pelo CIP SUAPE, contratada pela

SEP/PR, executada pela SOMAR Ltda e licenciada pela CPRH, sem que os impactos

causados tenham sido devidamente avaliados e compensados, causando inegável

prejuízo ao meio ambiente marinho e conseqüentemente ao exercício da atividade

pesqueira.

Page 2: Acp dragagem

Não obstante, tenha havido a elaboração de projetos básicos ambientais,

apresentados como condição à concessão das licenças, estes foram insuficientes, uma

vez que não reparam os prejuízos causados aos pescadores em decorrência da

implantação de uma extensa área de exclusão da pesca, pela intervenção da dragagem, a

qual se configura ao mesmo tempo como uma das áreas de maior importância para a

pesca no litoral Pernambucano.

Nesse sentido, as licenças ambientais concedidas falharam ao não prever

condicionantes específicas que estabelecessem, previamente, a obrigação do

empreendedor de arcar com os prejuízos causados.

O Projeto de Dragagem Portuária foi parcialmente implementado, contudo com

previsão para intervenções ainda maiores. Pretende-se com esta Representação a

concessão de provimento liminar que obrigue os requeridos a promoverem a

indenização imediata das famílias de pescadores que foram atingidas durante as obras,

bem como o condicionamento imediato das licenças à elaboração de estudos

complementares que identifiquem os impactos diretos e indiretos, bem como quantos

são os atingidos pelos impactos, qualificando e quantificando o prejuízo causado para

que seja efetuado o ressarcimento futuro, compensando-se eventuais quantias pagas por

decisão liminar.

2. DO PROJETO DE DRAGAGEM PORTUÁRIA

O Projeto de Dragagem Portuária consiste em empreendimento destinado ao acesso

de embarcações através da implantação de canal de acesso, bacia de manobras, canal de

aproximação do braço sul (conclusão) e do canal de aproximação do braço norte (não

iniciado), para acesso ao Estaleiro Atlântico Sul, localizado na Ilha de Tatuoca, Porto

Suape. O acesso permitirá a navegação de embarcações de até 130 mil toneladas de

porte bruto, a fim de atender possíveis novos terminais a serem implantados na ilha de

Tatuoca, bem como à ampliação da navegabilidade de embarcações, elevando a

capacidade de 130 mil para até 170 mil toneladas de porte bruto, a fim de atender novo

píer petroleiro. Esta intervenção aumenta a profundidade de 12 para 20 metros criando

um canal de aproximação para os navios de maior porte. A presença de rochas no leito,

conforme se verifica adiante, deverá ainda demandar o serviço de derrocagem, para que

grandes pedras retiradas do fundo marinho sejam fragmentadas. A estimativa total do

projeto está entre R$ 110 milhões e R$ 300 milhões.

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Em janeiro de 2010, foi iniciada atividade de dragagem, conforme fotos em anexo

(ANEXO I), quando a imensa quantidade de solo marinho foi retirada para o

aprofundamento do canal construído para criar o acesso naval. O material extraído, ou

“bota-fora”, foi lançado sobre o leito marinho entre 200 metros e 5 milhas náuticas da

linha costeira, imediatamente à frente da Barra de Suape, e das localidades marinhas

conhecidas como Curuba, Oituba e Taçi, com extensão ao largo do litoral de 4 km.

Figura 1: Aspecto da região aonde vem sendo realizados os serviços de dragagem do leito

marinho.

Através da Licença Ambiental, a CPRH permitiu a atividade de dragagem, sem, no

entanto, exigir a caracterização do meio socioeconômico, da atividade pesqueira

desenvolvida na região e os impactos decorrentes do empreendimento sobre estes

componentes.

De forma geral, não há qualquer programa de monitoramento pesqueiro e da pesca

artesanal, efetuado pela empresa, para o planejamento de suas intervenções e atividades

portuárias. Apesar de ser óbvio que a instalação de um porto afeta a vida marinha e

conseqüentemente a atividade de pesca, não houve qualquer preocupação do

empreendedor com a questão e, sobretudo, dos órgãos de licenciamento e fiscalização

ambientais. Neste caso está previsto a dragagem de um volume estimado em 4 milhões

de metros cúbicos de solo marinho.

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Pior que isto a CPRH, exigiu a elaboração apenas de um ATIA, Avaliação Técnica

de Impacto Ambiental e não de um EIA/RIMA completo. Como se verifica em outros

processos de licenciamento, o órgão ambiental de forma contumaz não aplica as

exigências legais, tentando sempre “facilitar” o processo de licenciamento, o que, por

outro lado, acaba sempre gerando danos graves ao meio ambiente, pois não são

previstos a integralidade dos impactos. De fato por se tratar de exigências tênues e

incompletas, nota-se que a obra não acompanha sequer um programa de comunicação

da dragagem o que fez com que os pescadores fossem surpreendidos pela atividade,

potencializando os prejuízos sofridos. O meio ambiente, afinal, não pode ser gerido por

meio de “arrumadinhos”.

Os falhos instrumentos autorizativos emitidos pela CPRH foram:

a Avaliação Técnica de Impacto Ambiental – ATIA, na Licença Prévia – LP

- nº 00259/2008, de 22/08/2008, com validade até 22/08/2009;

a Autorização nº 00200/2008 (Lei Estadual 12.916/05 e Decreto Estadual

28.787/05), com validade até 29/08/2009

Autorização nº 04.09.08.007297-4 com validade até 26/08/2010

a Licença de Instalação – LI – nº 00133/2009 de 06/02/2009, válida até o dia

06/02/2010

a Licença de Operação - LO, nº 03239/2008, de 16/09/2008, com validade

até 16/09/2009.

As Licenças e autorizações foram emitidas à Secretaria de Portos da Presidência da

República SEP/PR, cuja demanda de projetos é repassada pela parte constituída pelo

Complexo Industrial e Portuário de SUAPE, o qual planeja e administra o porto.

A partir da Lei Federal 11.610/2007, que cria o Programa Nacional de Dragagem,

foi disciplinada a contratação dos serviços de dragagem e derrocagem por meio da

Secretaria Especial de Portos e o enquadramento da modalidade na Lei Federal

8.666/1993, ou lei das licitações. Desta forma, as dragagens devem ser realizadas por

meio de licitação através de projetos padronizados e roteiros de responsabilidade da

SEP/PR.

De fato verifica-se que corre a licitação internacional para contratação dos serviços

de dragagem, a qual vem sendo realizada pela aludida Secretaria Especial, na

modalidade CONCORRÊNCIA PÚBLICA INTERNACIONAL SEP/PR N° 13/2009,

PROCESSO nº: 00045.000262/2007-32 (ANEXO DIGITAL).

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A execução do serviço deverá aprofundar ainda mais os problemas já causados aos

pescadores pela recente dragagem, realizada em janeiro de 2010. Conforme estabelece a

Lei de Licitações e de acordo com o próprio edital, recairá sobre a SEP/PR a

fiscalização do contrato e do cumprimento das exigências ambientais. Para isso o órgão

também realiza a CONCORRÊNCIA PÚBLICA NACIONAL SEP/PR 14/2009,

PROCESSO no 00045.001988/2009-54 (ANEXO DIGITAL), para contratação de

empresa especializada de engenharia para fiscalização do contrato relativo à execução

da obra.

O certame, relativo à contratação de serviços de dragagem previsto para o dia

07/10/2009, foi adiado pelo pedido de impugnação por empresa concorrente, qual seja a

SERVIÇOS DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS LTDA – SOMAR, alegando que as

planilhas apresentadas não eram compatíveis com a execução real do serviço, tendo em

vista a possibilidade de encarecimento da dragagem em função da variação de

resistência e dureza do solo marinho (ANEXO DIGITAL). Desta forma o certame foi

adiado para 20/10/2009 quando ocorreu a abertura de envelopes contendo propostas de

várias empresas, dentre elas a Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Mendes Junior,

Queiroz Galvão, Dragabrás e outras, na sede da SEP/PR em Brasília, onde compareceu

presencialmente apenas o representante da empresa SOMAR LTDA. Consta ainda na

ata de recebimento e abertura de envelopes que, a empresa supra, desistiu de participar

da licitação (ANEXO DIGITAL).

Contudo, foi observado pelos pescadores, conforme fotos em anexo (ANEXO I) que

a draga que operou na barra de SUAPE, em janeiro de 2010, causando os impactos

discutidos neste requerimento, foi a HAM 309, justamente da empresa SERVIÇOS DE

OPERAÇÕES MARÍTIMAS LTDA, desistente do processo licitatório.

Questionado o comandante da embarcação pelos pescadores, este informou que a

draga estava realizando a escavação de um canal para aprofundamento de 19,5 metros, o

que caracteriza o serviço que deveria ser contratado pela concorrência pública.

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Figura 02 – Navio HAM 309, dotado de draga de sucção hopper, pertencente à empresa

SOMAR Ltda, atracada no Porto do Recife, quando da realização da dragagem daquele porto

em abril de 2009.

Ocorre que, apesar desta empresa ter participado da licitação internacional, ela

desistiu, e assim, desconhecemos a adjucação de qualquer contrato e tampouco de sua

respectiva publicação junto à SEP/PR ou mesmo ao CIP SUAPE que justificasse a

execução do serviço de dragagem flagrado pelos pescadores.

De fato, conforme noticiado pela imprensa de Pernambuco, em abril de 2010,

(http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-economia/584058) o CIP SUAPE

argumentou o desconhecimento sobre o real nível de dureza das pedras que ocupam o

fundo do mar na área portuária, o que poderia encarecer a obra de dragagem em cerca

de 118%, aumentando o valor estimado de R$ 110 milhões para R$ 240 milhões. Na

ocasião a empresa informou que havia providenciando uma licitação para contratação

de serviço de sondagem geotécnica para solucionar o impasse. A notícia veiculada

indicava que NENHUMA participante da concorrência para dragagem demonstrou

interesse em realizar a obra devido às divergências de valores estimados entre a

Secretaria Especial dos Portos e o CIP SUAPE, colocando em dúvida a relação custo-

benefício do serviço.

O edital relativo ao contrato para realização do serviço de sondagem, foi realizado

em 13/02/2010, mais de 30 dias após o início da realização da dragagem executada pela

SOMAR Ltda. A abertura de novo certame para este fim está previsto apenas para o

final deste ano, o que afasta qualquer possibilidade do serviço flagrado corresponder a

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execução de obra, ainda que parcial ou sob pretexto de terceirização, no escopo da

CONCORRÊNCIA PÚBLICA citada. Chama a atenção o fato de que a dragagem foi

realizada com uma draga de sucção e aparentemente não houve necessidade de

derrocamento de pedras no leito, fato que tem embaraçado o processo licitatório.

Por falta de informações desconhecemos qualquer outro processo de licitação que

não seja a concorrência pública para dragagem de aprofundamento de canal de

aproximação de navios. Apesar do processo de dragagem de licitação estar

aparentemente inconcluso, foi flagrado fotograficamente, em janeiro de 2010, dois

navios executando o serviço. Um pequeno que operava em frente ao Estaleiro Atlântico

Sul até a profundidade de 8 metros e o HAM 309 até as profundidades maiores. Tal

obra prejudicou profundamente os pescadores subtraindo-lhes a renda e o alimento.

SUAPE estaria contratando um serviço de sondagem, porém a dragagem foi executada

por uma draga de sucção, imprópria para o serviço de derrocagem. Não há notícia de

que o serviço flagrado faça parte do processo de concorrência já exposto. As licenças

expedidas de qualquer forma aplicar-se-iam à dragagem de SUAPE.

A possibilidade de irregularidade e até mesmo de inexistência de contrato válido,

ainda, corrobora o desdobramento do processo relativo à CONCORRÊNCIA PÚBLICA

NACIONAL 014/2009 destinada à contratação de serviço de engenharia para

fiscalização do contrato de dragagem. Esta licitação prevê o acompanhamento da

execução da obra e também das licenças, autorizações e programas ambientais

previstos, conforme consta na minuta de contrato exibido no edital (ANEXO

DIGITAL). Ao invés do certame acontecer em 03/12/2010 como previsto, este foi

adiado indefinidamente pelas questões técnicas levantadas no processo de licitação e

aqui já discorridas sobre obra. Assim s.m.j., também, não há qualquer contrato de

fiscalização da obra.

NÃO HAVENDO APARENTEMENTE CONCLUSÃO DO CERTAME DA

CONCORRÊNCIA PÚBLICA E NEM CONTRATO VÁLIDO CONHECIDO E,

AINDA ESTANDO SUSPENSA A CONTRATAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO DA

OBRA, COMO ENTÃO PODERIA TER SIDO REALIZADA A DRAGAGEM PARA

APROFUNDAMENTO DO CANAL DE APROXIMAÇÃO DE SUAPE EM

JANEIRO DE 2010?

A empresa SOMAR Ltda que vem sendo investigada pela Secretaria de Direito

Econômico por formação de cartel, tentou impugnar o certame e ainda por cima foi

desistente do processo. Estranhamente, em janeiro de 2010 passou a executar o serviço

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de dragagem, conforme as incontestáveis provas fotográficas e testemunhais colhidas

pelos pescadores. A imprensa, em adição, destacou a angústia que o ESTALEIRO

ATLÂNTICO SUL, e outras empresas já compromissadas, vinham sofrendo com o

atraso na contratação do serviço de dragagem, demonstrando descompasso entre as

necessidades empresarias e o processo de contratação do governo.

Em meio a tudo isso o meio ambiente e as populações tradicionais sofreram grave

revés, pois o cuidado ambiental é contrário a comportamentos apressados, precipitados,

improvisados e à rapidez insensata e vontade de resultado imediato. Não se trata de uma

tentativa de procrastinar o desenvolvimento, mas a busca, isto sim, pela segurança e a

continuidade da vida.

Diante de todas as dúvidas apresentadas sobre as formas com que vem sendo

conduzidas as obras portuárias do CIP SUAPE, resta inequívoco que “erros”

sistemáticos gerenciais e de planejamento vem trazendo uma excludente relação com os

usuários dos recursos naturais.

O pescador tradicional, alheio às acrobacias legais praticadas pelos gestores das

requeridas, vem na verdade sofrendo com o empobrecimento e risco alimentar, o que é

contrastante às cifras milionárias dos megaprojetos, cifras estas que são multiplicadas

sem qualquer cerimônia quanto se trata de suas viabilizações. Definitivamente o

crescimento econômico não atinge esta categoria, pelo contrário, regala o ônus mais

amargo do “progresso”.

A dragagem que se iniciou em janeiro de 2010, gerou uma área de exclusão da

pesca, justamente em uma das regiões costeiras mais produtivas, onde se desenvolviam

espécies como xaréus, agulhas, pargos, serras, ciobas, guarajubas e lagostas. O

lançamento de lama se deu sobre as áreas de reprodução da lagosta, justamente no

período de defeso da espécie, o que certamente causará diminuição expressiva de sua

população. É digno de nota destacar que a lagosta é o pescado de maior valor do Brasil,

representando significativa parcela das exportações do Nordeste.

O lançamento de lama proveniente do subsolo oceânico se deu justamente sobre as

formações conhecidas como cascalhos, cabeços e taçis, que consistem em substratos

orgânicos coralíneos e rochosos que servem como abrigo e atração para o pescado. O

volume total a ser retirado é da ordem de 4 milhões de metros cúbicos.

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Como prova da importância da área para a pesca, as cartas náuticas desta porção

inclusive sinalizam a presença de embarcações pesqueiras em função de ser esta região

um importante território de pesca, tanto para pescadores de Cabo, como das adjacências

(ANEXO II).

O ATIA do Projeto considera o impacto da dragagem temporário e reversível,

porém não determina prazos e tempo para o restabelecimento do ecossistema marinho

do qual depende a pesca.

3. DA CONTEXTUALIZAÇÃO

3.1 Da Atividade Pesqueira

A pesca exercida no Cabo de Santo Agostinho é quase que exclusivamente artesanal

realizada de forma familiar e tradicional onde o conhecimento é passado de pai para

filho. Na Colônia de Pescadores Z-08 estão associados 575 pescadores profissionais, o

que representa um número expressivo de empregos. Estas são responsáveis por parte

significativa do abastecimento pesqueiro da região metropolitana, alimentando uma

extensa cadeia produtiva que envolve o comércio varejista, além de bares, restaurantes e

hotéis. A atividade tem vínculos diretos com a indústria do turismo e com os aspectos

culturais e tradicionais de Pernambuco. De acordo com o Diagnóstico da Pesca de

Pernambuco a produção pesqueira do município as 150 toneladas de pescado/ ano.

Os pescadores artesanais se caracterizam como população tradicional e são

vulneráveis pela condição de hipossuficiência econômica, pela precariedade das

moradias, e pela baixa escolaridade, ou mesmo pelo analfabetimo. Também é notável na

Figura 3 -Exemplo de pluma de

sedimentos provocada pela dragagem,

nas proximidades do Porto de Recife.

Na superfície a pluma é menor.

Imagem: Globo Nordeste

Page 10: Acp dragagem

categoria a quantidade de mulheres e crianças que contribuem e se sustentam da

atividade. Este quadro se agrava quando nos deparamos com as quedas contínuas na

produção de pescado do estado, tanto em sua quantidade como também no tamanho dos

indivíduos capturados. Na última década, o que inclusive coincide (não por acaso) com

a obra de SUAPE, a categoria sofreu com uma queda significativa de produção e renda

o que é percebido por qualquer pescador, tornando a atividade atualmente bastante

precária.

Esta situação se agravou pela intervenção na dragagem, a qual não considerou o

modo de vida do pescador e acabou gerando não só mais uma forte redução da renda,

mas o risco alimentar, já que o pescado não é somente fonte de recursos, mas também

de alimentos para a categoria.

3.2 Dos Danos Ambientais

O material retirado do fundo das áreas dragadas não pode ser simplesmente

abandonado de volta ao oceano de qualquer forma. Todo esse material retirado, através

de dragagem, deve ser devolvido ao oceano em um lugar específico e demarcado para

esse fim, chamado de área de “bota-fora”.

O bota-fora originado pela execução do Projeto de Dragagem Portuária foi lançado

imediatamente nas proximidades da própria intervenção, atingindo áreas muito

próximas da linha costeira, a cerca de apenas 200 metros, e sobre áreas de cascalho,

cabeços, e tiças, onde se aglutina grande parte da biodiversidade marinha e do pescado

de interesse comercial.

Dessa forma, todo o volume retirado pela draga foi disposto em áreas de pesca e

perigosamente nas proximidades do litoral.

Tendo em vista a falta de transparência do projeto, não há cálculos do volume

deslocado até o momento, mas deverá alcançará cerca de 4 milhões de m3, segundo

informações da SEP/PR. O volume retirado já pode ser considerado expressivo, já que a

profundidade de 20 metros necessária para a navegação de grandes embarcações

somente se inicia a partir de 5 milhas náuticas da costa. Assim essa profundidade foi

escavada pela draga até a frente da barra de Suape, na linha costeira, o que certamente

gerou imensas quantidades de bota fora.

Como já dito, o fundo oceânico desta região é caracterizado por cascalhos e

formações rochosas areníticas, conhecidas como cabeços, e tiças que servem como

perfeito substrato oceânico para inúmeras espécies comerciais e também para espécies

Page 11: Acp dragagem

ameaçadas de extinção como o mero (Epinephelus itajara), as tartarugas marinhas e

espécies raras de estrela do mar. O local é ainda considerado berçário de lagostas, o

pescado de maior importância para a economia do Nordeste. Os jovens crustáceos

passam a maior parte da vida jovem em esconderijos naturais nesta região.

Com o lançamento da lama, que forma os sedimentos do subsolo marinho, o leito foi

recoberto de material particulado argiloso e fino, com abundância de componentes

orgânicos, o que produziu um forte turvamento da água, e que não foi restabelecido

totalmente até os dias de hoje. A alteração de imediato produziu coceira nos banhistas e

mergulhadores, mas os verdadeiros malefícios foram: a mortalidade de peixes,

crustáceos e outros invertebrados, o desaparecimento da vida bentônica (aquela

associada ao fundo), e o impedimento da recolonização pelo soterramento dos habitats,

transformando a área antes rica em pescado, em uma área estéril.

Animais marinhos com pouca capacidade de locomoção, que vivem no fundo do

mar podem sofrer alteração e geralmente morrem devido à escavação. Já animais

pelágicos, como peixes, tartarugas, camarões, golfinhos, etc. devido à movimentação e

ao transporte dos sedimentos, têm sua vida afetada, gerando estresse, redução da

produtividade e até a morte. Além disso, devido ao elevado barulho causado pelas

obras, as espécies podem simplesmente abandonar a área.

A mudança na turbidez, na disponibilização de nutrientes e contaminantes na coluna

de água não tem efeito passageiro imediato, mas perduram por períodos consideráveis

os quais variam conforme as características físicas e biológicas da região.

Ao ser depositado na área de bota-fora, os sedimentos não descem simplesmente em

direção ao fundo do mar, mas devido às correntes e ao ar contido, parte desse material

pode se deslocar por muitos metros de distância, podendo atingir outras áreas. Assim as

alterações marinhas também alcançam áreas praianas e estuarinas onde atingem a

produção de mariscos, caranguejos e outros animais de importância econômica.

Desconhecemos qualquer preocupação com o monitoramento do material de “bota-

fora” para se verificar o potencial efeito desses sedimentos sobre a vida marinha local,

ou mesmo a recuperação do ecossistema.

3.3 Da Fundamentação Legal

A Resolução CONAMA 237/97, define a dragagem do leito oceânico, como

atividade potencialmente poluidora e subordinada ao licenciamento ambiental.

Page 12: Acp dragagem

A Resolução CONAMA 01/86, a qual estabelece as definições, as

responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação

da Avaliação de Impacto Ambiental, traz em seu artigo 5º: “O estudo de impacto ambiental,

além de atender à legislação, em especial, os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional

do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais:

I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a

hipótese de não execução do projeto;

II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e

operação da atividade;

III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos,

denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual

se localiza;”.

Verificamos que os estudos que compõe o ATIA elaborado para o Projeto de

Dragagem Portuária de SUAPE não definem os limites da área geográfica de influência

direta e indireta do empreendimento. Como a intervenção é realizada justamente no

leito oceânico, fica extremamente claro que os impactos ambientais, não estão

confinados apenas em sua área de implantação, e tampouco ao momento instantâneo da

intervenção.

Ainda a Resolução CONAMA 01/86 traz em seu artigo 6º: “O estudo de impacto

ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:

I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos

recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da

área, antes da implantação do projeto, considerando:

a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a

topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as

correntes atmosféricas;

b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies

indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as

áreas de preservação permanente;

c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia,

destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de

dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses

recursos.

II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação,

previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando:

os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo

prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e

sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais

III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de

controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.

Page 13: Acp dragagem

lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e

negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.

É mais uma vez óbvio que os estudos do meio sócio-econômico foram

desprezados, pois de outra sorte os impactos sobre a pesca seriam previstos e

devidamente mitigados, já que a atividade pesqueira é a mais diretamente influenciada

pelas intervenções do meio aquático, mais que qualquer outra.

O EIA/RIMA incompleto (ATIA), por outro lado, torna a licença ambiental

distante de seu objetivo legal que é garantir o controle dos impactos ambientais dos

empreendimentos potencialmente poluidores/degradadores. Os impactos sentidos até

agora são evidentes, lógicos e previsíveis, e as devidas medidas compensatórias não

foram tomadas.

Em relação ao processo de licenciamento temos que a Resolução CONAMA

237/97 é clara em seu artigo 10º : “O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às

seguintes etapas: (...)

(...) III - Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA , dos documentos, projetos e

estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias;”.

COMO PÔDE ENTÃO O ÓRGÃO AMBIENTAL LICENCIAR OS

EMPREENDIMENTOS E TODAS AS SUAS ETAPAS DE IMPLANTAÇÃO SEM O

CUMPRIMENTO DA NORMA QUE REGULAMENTA A ELABORAÇÃO DA

AVALIAÇÃO AMBIENTAL?

Este por sua vez é instrumento essencial da Política Nacional do Meio Ambiente

estabelecido pela Lei Federal 6.938/81. O licenciamento ambiental não é mera

formalidade cartorial, mas sim um instrumento para garantia constitucional ao meio

ambiente equilibrado e à saudável qualidade de vida e que foram exatamente os direitos

tolhidos irresponsavelmente dos pescadores de Cabo de Santo Agostinho.

Assim, carregado de vícios graves, os processos de licenciamento

ambiental do empreendimento vem se desenvolvendo sem que haja a garantia justa e

proporcional da compensação e da promoção de medidas atenuantes e mitigadoras dos

impactos ambientais. E no caso aqui referido, a pesca e a relação ambiental do HOMEM

com o mar, apesar de amplamente conhecida, simplesmente foi desprezada, e seus

aspectos negativos deixaram de ser observados, bem como, por conseguinte, não foram

adotadas as respectivas e justas soluções para os problemas originados.

Os programas ambientais normalmente desenvolvidos no caso de

dragagens portuárias, e que constam como aspectos obrigatórios de termos de

referências para o licenciamento ambiental e que estranhamento não alcança o estado de

Page 14: Acp dragagem

Pernambuco, são principalmente os programas de compensação e mitigação dos

impactos sofridos pelo meio ambiente e pela população atingida, programa de

monitoramento dos impactos, que incluem principalmente o “bota-fora” e áreas

balneárias, além de um programa de comunicação social.

3.4 Dos Danos Sociais e Prejuízos Materiais

Como já destacado, os pescadores de cabo de Santo Agostinho, pela falta de um

programa de comunicação foram surpreendidos pela dragagem quando já haviam

colocado seus petrechos de pesca no mar, ocasionando a perda de armadilhas (covos),

redes e outros equipamentos. Mesmo após a intervenção, na tentativa de continuar sua

atividade profissional, promoveu a continuidade de estragos aos petrechos, pelo

desconhecimento das áreas de bota-fora, sendo comum a perda e os danos em redes e

outros materias pelo arraste da lama, dos fragmentos de pedras e pela modificação do

relevo marinho ao qual estavam acostumados.

Este foi apenas o começo dos prejuízos, já que o pescado está completamente

desaparecido, o que tem determinado a drástica queda na renda dos pescadores. Assim

acostumados à renda mensal superior a R$ 1.500,00 reais por mês, obtida quase que

exclusivamente na região piscosa de SUAPE, os pescadores vêm enfrentando meses em

que a produção é simplesmente nula. O dano não se estende apenas ao pescado

capturado no mar, mas a produção marisqueira, que é fortemente influenciada pela

qualidade das águas.

Deve-se entender ainda que a atividade de pesca não somente se refere

exclusivamente à coleta de pescado, mas ao planejamento da empreitada que requer

recursos para compra de combustível, alimentos, equipamentos, manutenção e

depreciação de embarcações as quais compõe os instrumentos e meios do exercício da

pesca. Assim os prejuízos também se refletem nos gastos com as inúmeras tentativas

frustradas de pesca, as quais não se obtêm êxito e acabam endividando cada vez mais a

categoria.

Os pescadores vêm-se obrigados a fazer alguns “bicos” para complementar à

renda, em atividades bastante diversas das quais estão acostumados. Porém é importante

destacar que a pesca artesanal é atividade tradicional, passada de pai para filho, e que

não se aprende da noite para o dia. Infelizmente os profissionais são assediados com

subempregos oferecidos por SUAPE a fim de cooptar alguns pescadores, e atenuar o

conflito que vem se estabelecendo. A postura da empresa, contudo, não tem obtido

Page 15: Acp dragagem

êxito, pois os pescadores sabem o quanto é honrosa a profissão e nela não vêm nada de

desmerecedor para que seja trocada pela de faxineiro em SUAPE. Ao contrário dela

dependem a tradição de Pernambuco e o peixe que é servido às mesas, o que os

caracteriza como importantes produtores de alimento.

Além disso, rege nossa Constituição que os recursos naturais, dentre eles o

pescado, é bem comum do povo. Ao exercerem profissionalmente a pesca, submetendo-

se às regras de uso, garantem sua perpetuação e seu acesso a todos. Assim não podem

ser privados deste direito constitucional sob qualquer circunstância, e que se constitui

no simples direito de um homem pescar um peixe no mar.

Agrava a situação o fato de que os requeridos, por omissão ou dolo, vêm produzindo

continuamente prejuízos à categoria, quer seja pelo afastamento dos peixes pelo tráfego

marítimo, pela alteração da deriva litorânea, pelo lançamento de óleos e substâncias

nocivas, pela destruição de recifes de corais, pelo acúmulo de toxicidade em

sedimentos, pela alteração na qualidade das águas, ou pelo aumento dos custos de

deslocamento para que as embarcações pesqueiras não ingressem na área de uso

portuário.

Podemos resumir os prejuízos sofridos pela atividade pesqueira da seguinte forma:

a) diminuição drástica da quantidade e qualidade do pescado;

b) tempo que se leva para chegar aos locais de pesca, considerando as restrições de

navegação em parte já homologadas pela Marinha;

c) modificação das espécies de peixes existentes disponíveis;

d) queda do turismo, perda dos atrativos turísticos e do consumo;

e) desconfiança quanto à possibilidade de ingestão de peixes impróprios devido à

poluição gerada pelo empreendimento no mar;

f) perdas materiais dos pescadores, em decorrência de dívidas contraídas pela

impossibilidade de pescar;

Page 16: Acp dragagem

g) miséria e dissolução familiar pela impossibilidade de sustento das famílias

através da pesca;

h) fatores físicos causados pelos navios e obras, que afugentam os peixes;

i) danos às redes de pesca causados pelo bota fora, pelo lixo naval e pelas

embarcações da empresa;

j) exclusão social e não consideração dos pescadores na preservação do patrimônio

cultural, natural e humano

4. DO CONFLITO SOCIOAMBIENTAL

Todo o objeto da presente lide envolve, na verdade, a existência de um verdadeiro

conflito socioambiental entre os pescadores e as empresas e os órgão ambientais

requeridos. Tal conflitou iniciou-se com a concepção do Projeto de Dragagem Portuária

a qual surpreendeu os pescadores em plena atividade profissional com a destruição da

vida marinha e da conseqüente subsistência e renda. Esta situação óbvia e

absolutamente previsível foi simplesmente negligenciada no ATIA e na concessão da

licença, acarretando em prejuízos econômicos e no agravamento da situação do

pescador, já vulnerável pela falta de políticas públicas e pelos impactos ambientais

relacionados com a poluição, o desmatamento e o aterramento dos manguezais de

SUAPE.

Em função da necessidade alimentar básica e endividamento dos pescadores de

Cabo de Santo Agostinho, as lideranças e movimentos dos pescadores procuraram a

administração do CIP SUAPE, na figura do Diretor de Engenharia e Meio Ambiente,

RICARDO PADILHA a fim de que fosse tomada as providências. Assim, desde janeiro

que marca o início da dragagem, os pescadores vinham tentando chamar a atenção da

empresa quanto aos prejuízos à pesca. O diretor neste período apresentou sempre

informações, pouco precisas e inconclusivas.

Com o agravamento da situação alimentar e de renda dos pescadores, estes

planejaram no início de julho um protesto com a finalidade de paralisar

temporariamente as atividades portuárias, com bloqueio de embarcações, a fim de que a

administração de SUAPE iniciasse alguma negociação.

Page 17: Acp dragagem

Sabendo da organização do protesto a empresa iniciou diálogo, o qual foi somente

formalizado em 5 de agosto de 2010, através de reunião registrada em ata (ANEXO III),

por exigência dos pescadores, e que ocorreu na Diretoria de Engenharia e Meio

Ambiente. Nesta ocasião foi exposta a insatisfação da categoria em função das inúmeras

intervenções que se iniciaram no ano de 2.000 com a dinamitação dos corais que

compõe a formação de Muro Alto, e que desde então nunca considerou a atividade

pesqueira no planejamento da empresa.

Naquele momento foi apresentada uma minuta de Termo de Acordo Coletivo, na

qual se apresentava os valores necessários ao ressarcimento de prejuízos materiais e

perda da renda causada pela dragagem para o período compreendido entre janeiro e

julho do presente ano. Também foi apresentada a necessidade de apoio financeiro com a

finalidade de manutenção de renda mínima para os pescadores, tendo em vista que a

área de pesca foi atingida de tal maneira, que hoje se encontra estéril. Além disso, se

considerou como renda mínima a renda bruta necessária não somente para o sustento da

família, mas também para a manutenção da atividade, já que uma embarcação parada

necessita de maior manutenção. Faz-se necessário esclarecer que sem esta manutenção

os pescadores correm risco de morte em alto-mar, pois dependem do bom estado dos

cascos e dos motores para realizarem suas atividade e retornarem à suas casa.

Ainda nesta reunião, foi exposta pela comissão de pescadores a necessidade de

estudos prévios e de monitoramento quantos aos impactos ambientais ocasionados pelo

porto, bem como a situação de precariedade alimentar da categoria.

A empresa exigiu algumas comprovações a cerca de dados da associação, às quais

foram prontamente atendidas. Porém em 30 de agosto, não percebendo qualquer

vontade de manifestação da empresa, foi realizado novo comunicado, conforme decisão

em Assembléia, cobrando agilidade na resposta da empresa para a questão.

Em 2 de setembro, por e-mail, o diretor de engenharia e meio ambiente respondeu

informando que o pleito estava sendo analisado pela departamento jurídico.

Em 10 de setembro foi encaminhado mais um novo comunicado, conforme decidido

em Assembléia, o qual insistiu em um posicionamento da empresa quanto ao

atendimento da minuta de acordo coletivo, informando a situação de penúria que se

encontram os profissionais da pesca.

Por fim, em 13 de setembro, se decidiu em assembléia por determinar prazo máximo

e improrrogável, através de comunicado formal para que SUAPE se manifestasse sobre

Page 18: Acp dragagem

o assunto. O prazo findou em 17 de setembro, sem qualquer pronunciamento da

empresa.

Tendo se esgotado a possibilidade de acordo extrajudicial, em 20 de setembro

realizou-se protesto na praia de SUAPE com lideranças dos movimentos de pescadores

e de várias colônias que utilizam a área como reduto pesqueiro. Na ocasião todos os

manifestantes foram até a sede do CIP SUAPE para serem atendidos. Apesar da

relutância da empresa, finalmente ocorreu uma reunião com o diretor de engenharia e

meio ambiente RICARDO PADILHA e INALDO CAMPELO, diretor de administração

e finanças.

Figura 4 – Protesto de

pescadores na praia de Suape

realizada em 20 de setembro

Figura 5 – Protesto de

pescadores na sede do CIP

SUAPE

Page 19: Acp dragagem

Na reunião foi informada a impossibilidade de atendimento da justa reinvidicação

de ressarcimento dos danos civis causados pela empresa aos pescadores. A empresa que,

diga-se de passagem, é pública, destacou que somente poderia executar o que era legal,

esquecendo-se que suas atividade ILEGAIS é que levaram ao conflito socioambiental

estabelecido pelos prejuízos materiais e pela perda da renda mínima para sobrevivência.

SUAPE, não apenas agora possui uma dívida financeira com os pescadores, mas

também MORAL, adquirida com seus atos irresponsáveis e que tem levado a

precariedade social, em oposição aos pujantes investimentos que recebe.

Diante deste impasse, bem como da evidente inexistência de contraproposta do CIP

SUAPE, via outra não restou, senão recorrer ao Poder Judiciário através do Ministério

Público para que decida a lide gerada.

5. DOS PRINCÍPIOS

Sabe-se que o art. 3º, I, da Lei 6.938/81 (que estabelece a Política Nacional de Meio

Ambiente) define meio ambiente como sendo o conjunto de condições, leis, influências

e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em

todas as suas formas. Como corolário dessa definição legal, é importante ressaltar que a

expressão meio ambiente não se restringe aos seus aspectos referentes a áreas onde

existam fauna e flora selvagens, abrangendo também, áreas urbanas ou rurais já

modificadas pela mão humana.

Há que se ter em mente, desta feita, que o homem é componente importante na

definição de meio ambiente, seja ele urbano, rural ou silvícola, abandonando-se assim a

visão romântica e puramente preservacionista de que o Direito Ambiental visa apenas

proteger a vida selvagem. Portanto, qualquer degradação ou poluição, em qualquer área,

Figura 6 – Reunião entre

pescadores e Diretoria do CIP

SUAPE

Page 20: Acp dragagem

é passível de abordagem pela ótica ambiental, tratando-se, em outras palavras, de uma

necessária perspectiva socioambiental, bem ilustrada pelas seguintes palavras de Juliana

Santilli:

“O socioambientalismo nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que as políticas públicas ambientais

só teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem

uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos

naturais.”

Dentro desta dinâmica, enquanto instrumento de concretização do princípio da

precaução, o licenciamento ambiental deve respeitar essa necessária interface entre

homem e natureza, de modo a permitir a avaliação adequada de quais são os impactos

causados por determinado empreendimento.

No caso em questão, haja vista a existência de comunidade de pescadores artesanais

na área de influência direta do empreendimento, o Licenciamento Ambiental do Projeto

de Dragagem Portuária não respeitou a referida interação entre homem e natureza

quando da elaboração do ATIA. Daí decorre a pertinência da presente demanda, na

medida em que busca adequar, antes que seja tarde demais, os processos de

licenciamento ambiental em questão ao respeito dos direitos fundamentais das

comunidades de pescadores, em uma perspectiva conservacionista que atende ao

princípio do desenvolvimento sustentável , ou seja, aquele que satisfaz as necessidades

da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem

as suas próprias necessidades, conforme estabelece o caput do artigo 225 de nossa

Constituição.

É, neste sentido, o licenciamento ambiental procedimento administrativo que visa a

compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental, concretizando

este ideário de desenvolvimento sustentável. Para tanto, vale-se o licenciador do Estudo

de Impacto Ambiental, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente que

possibilita a formação de sua vontade, legal e conscientemente. Salienta J. F.

Chambault:

“A função do procedimento de avaliação não é influenciar as decisões administrativas sistematicamente a

favor das considerações ambientais, em detrimento das vantagens econômicas e sociais suscetíveis de

advirem de um projeto. O objetivo é dar “às Administrações Públicas uma base séria de informação, de

modo a poder pesar os interesses em jogo, quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do ambiente,

tendo em vista uma finalidade superior”.

Como vimos não houve o cumprimento das diretrizes para elaboração do EIA

estabelecidos pela Resolução 01/86 CONAMA, em especial os artigos 6º, II, e 9º, VI,

aqui substituído pelo insuficinente ATIA. Dentre seus dispositivos, destaca-se o que

Page 21: Acp dragagem

estabelece que ele deverá “identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas

fases de implantação e operação da atividade”.

Ocorre que a mesma Resolução 01/86 também estabelece que o EIA deverá prever a

“definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos” (art. 6º, III).

É justamente neste ponto que a avaliação dos impactos ambientais do

empreendimento é falha, erro este que tem gerado todo o conflito socioambiental já

narrado supra. Isto porque, as medidas transcritas possuem conteúdo apenas preventivo

e mitigador dos riscos para a trafegabilidade marítima. Esquece-se o EIA/RIMA que a

criação da zona de exclusão não traz apenas riscos para a trafegabilidade marítima, pois

é óbvio que nesta mesma área há impossibilidade de pesca.

A doutrina consagrada de Paulo Affonso Leme Machado é clara ao afirmar que

“entre as medidas mitigadoras previstas nos arts. 6º, III, e 9ª, VI, da Resolução 1/86

COMPREENDE-SE, TAMBÉM, A COMPENSAÇÃO DO DANO AMBIENTAL

PROVÁVEL.

A compensação é uma forma de indenização. Mesmo que a compensação não

fosse prevista no EIA, ela é devida pelo princípio da responsabilidade objetiva

ambiental (art. 14, §1ª, da Lei 6.938/81)”

Se os pescadores de determinada região tem, de uma hora para outra, subtraídos

de maneira significativa os espaços em pescam, é claro que pescarão menos e,

conseqüentemente, terão suas rendas diminuídas. Em sendo as rendas diminuídas pelo

impacto de determinado empreendimento, é de clareza solar que o seu responsável deve

arcar com o respectivo ressarcimento, devendo tal obrigação ter sido prevista no

EIA/RIMA e chancelada em uma das condicionantes das licenças ambientais

concedidas.

Inclusive neste contexto, foi editado pelo Executivo Federal o Decreto 6.040/07,

o qual institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e

comunidades tradicionais, aplicável perfeitamente às comunidades de pescadores

artesanais, o qual dispõe ser um dos objetivos do Estado, a garantia aos povos e

comunidades tradicionais do acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam

para a sua reprodução física, cultural e econômica (artigo 3º, I). Além disso, o

instrumento normativo é expresso ao assegurar os direitos dos povos e das comunidades

tradicionais afetadas direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos

(artigos 3º, IV).

Page 22: Acp dragagem

Além de ofender os dois princípios do Direito Ambiental já mencionados, o da

Precaução e da Sustentabilidade, o caso concreto traduz também ofensa ao Princípio do

Poluidor/Pagador (artigo 225, § 3º da Constituição Fedetal, artigo 4º, VII e 14, 1º da Lei

6.938/81), posto que uma externalidade causada pelos empreendimentos não foi

devidamente internalizada em seus custos econômicos, sendo tal encargo indevidamente

suportado pelos titulares do direito ao meio ambiente, em especial a coletividade de

pescadores de Cabo de Santo Agostinho.

Enfim, tem-se que o não estabelecimento nas licenças ambientais, do Projeto de

Dragagem Portuária, da obrigação de indenizar os pescadores pelos prejuízos causados

na fase de implantação dos empreendimentos pela criação de uma zona de exclusão da

pesca ao longo do canal de aproximação de navios ofende frontalmente a Constituição

da República que prescreve que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (art. 225, § 3º).

A norma constitucional, em louvável atenção ao princípio em comento, instituiu

a responsabilidade civil ambiental independente da aferição da culpa do

poluidor/degradador. Tal preceito normativo estabelece que aquele que aufere os

benefícios de uma atividade deve amargar o ônus de ter de reparar os danos por ela

causados. Em reforço, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente estabeleceu, como

um de seus fins, a imposição ao poluidor de recuperar e ou indenizar os danos causados,

nos termos do artigo 14, § 1º da Lei 6.938/81:

“§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,

independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente

e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade

para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

Edis Milaré bem define a essência do Princípio do Poluidor/Pagador:

“Assenta-se este princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria

econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo

resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos

devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, conseqüentemente, assumi-los. Busca-se,

no caso, imputar ao poluidor o custo total da poluição por ele gerada, engendrandose um mecanismo de

responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e

pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos.”

No caso concreto, uma externalidade negativa dos empreendimentos, qual seja, a

exclusão temporária da área de pesca, deve ser internalizada através da indenização dos

pescadores, sob pena de somente estes suportarem um ônus sem que tenham sido

beneficados por qualquer bônus gerado.

Page 23: Acp dragagem

Trata-se da adoção da teoria do risco integral, compatível com o âmbito de

proteção outorgado pelo artigo 225, caput, da Constituição Federal ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade

de vida, submetendo-se à reparação do dano todo aquele que causar, direta ou

indiretamente, prejuízo ambiental, independentemente da existência de dolo ou culpa na

conduta.

Sobre os elementos ensejadores da responsabilidade em sede de dano ambiental,

assim se manifestou José Afonso da Silva:

“Na responsabilidade fundada na culpa, a vítima tem que provar não só a existência do nexo entre o dano

e a atividade danosa, mas também e especialmente a culpa do agente. Na responsabilidade objetiva por

dano ambiental, basta a existência do dano e nexo com a fonte poluidora ou degradadora”.

Ocorrido o dano ambiental, automaticamente surge a obrigação legal, sob o

ponto de vista civil, de recuperação do meio ambiente e indenização por danos

ambientais impossíveis de recuperação, além da aplicação de medidas de ordem

administrativa e penal, se for o caso.

Qualquer poluição e/ou prejuízo ocasionado ao meio ambiente faz com que surja

a necessidade, até para se buscar a efetividade da Constituição, ou seja, a aplicabilidade

em concreto das normas constitucionais, do acionamento dos órgãos ambientais e dos

poluidores, inclusive perante o Poder Judiciário, para a solução da contenda e para a

aplicação do direito ao caso concreto.

Enfim, a própria atitude do empreendedor, ao negociar com os pescadores uma

reparação, conforme narrado supra, demonstra que ele próprio reconhece a existência do

direito. A questão que se coloca é que tal obrigação deve ser imposta pelo Poder

Público, sob pena de ser encarada como mera liberalidade do empreendedor, que ainda

se arvora de cumpridor de seu papel social no caso em questão.

6. DA LEGITIMIDADE DAS PARTES

Sendo a COLÔNIA DE PESCADORES DE CABO DE SANTO AGOSTINHO

Z-08, órgão de classe e representação dos pescadores profissionais artesanais, cujo

reconhecimento emana do Art. 1º da Lei Federal 11.699/2008, é legítima representante

dos pescadores atingidos pelo empreendimento.

Outrossim, todos os requeridos apresentam legitimidade passiva para a presente

demanda. O requerido CPRH é legitimado passivo, uma vez que concedeu as licenças

Page 24: Acp dragagem

ambientais aqui guerreadas, depois de deixar de exigir o EIA/RIMA do Projeto,

solicitando em substituição um insuficiente ATIA.

De outra parte, as dragagens são obras planejadas e administradas pelo requerido

CIP SUAPE, sendo inegavelmente imputável a esta empresa pública a legitimidade

passiva para a presente demanda, uma vez que é responsável pela proposição da

execução dos empreendimentos impactantes. Também se figura a legitimidade a figura

do GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, que é o ente federativo diretamente

responsável pela gestão da empresa pública.

A SEP/PR é a responsável pela padronização, regulamentação e contratação dos

serviços de dragagem, de acordo com que estabelece o Plano Nacional de Dragagem.

Também recai sobre esta legitimada o fato dos aspectos legais e exigências ambientais

constem como cláusulas contratuais e sejam fiscalizadas dentro dos princípios que

regem a probidade administrativa. A empresa SERVIÇOS OPERACIONAIS

MARÍTIMOS LTDA. é a executora da obra e responsável direta pelos impactos

negativos ainda que ela tenha atuado, se for o caso, tão somente em cumprimento às

exigências formuladas pelo órgão ambiental estadual.

No ponto, insta ressaltar que o contato realizado inicialmente pelos pescadores

foi diretamente com a tripulação do HAM 309, o qual executava a dragagem para a

empresa beneficiária.

Por fim, ressalte-se que a responsabilidade em razão dos danos causados à

comunidade de pescadores é objetiva, nos termos da Lei 6.938/81 que dispõe que “o

poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos

causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade” (art. 14, § 1º).

7. DO DANO MORAL COLETIVO CAUSADO AOS PESCADORES

Conforme exaustivamente exposto, dúvidas não há quanto ao dano material

gerado às comunidades de pescadores artesanais de Cabo de Santo Agostinho pelo

impedimento de suas atividades nas áreas de pesca do município, sem que fossem

devidamente ressarcidos.

De outro lado, todo o clima de insegurança gerado em torno da existência do

conflito socioambiental supra narrado, aliado ao descaso com o qual a SUAPE recebeu

as reivindicações dos pescadores artesanais atingidos é causador de um inegável dano

moral de natureza coletiva, na medida em que atinge o sentimento coletivo da

comunidade em comento, violando os valores por ela compartilhados e causando danos

Page 25: Acp dragagem

aos seus atributos íntimos como a honra, a imagem e sua identidade enquanto população

tradicional.

Conforme exposto os pescadores ainda tentam ostentar com orgulho a profissão

que receberam de seus ascendentes e têm procurado passar para seus filhos. Hoje, no

atual momento de penúria, com o espaço do pescador se fechando, não vêem

perspectiva futura positiva no ofício da pesca artesanal.

Conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, “o dano moral, à luz da Constituição vigente,

nada mais é do que a violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, da honra, da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição

inseriu em seu art. 5º, I e X, a plena reparação do dano moral.”

O dano moral coletivo se assenta, exatamente, na agressão a bens e valores

jurídicos que são inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível. Fatos como os

que foram praticados pelos requeridos, abalam o patrimônio moral da coletividade, pois,

no caso, todos os membros da comunidade de pescadores, a que o ordenamento jurídico

conferiu especial proteção, acabam se sentido ofendidos e desprestigiados diante do

tratamento excludente a eles conferidos pelo processo de licenciamento, capitaneado

pelo órgão ambiental estadual.

Assim, os danos morais coletivos advindos das intempéries do processo de

licenciamento ambiental devem ser devidamente reparados pelas requeridas,

considerando sua responsabilidade advinda das normas constitucionais e civis que, de

forma ampla, regulam a matéria.

8. DA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Decorrente da necessidade alimentar dos requerentes e dos amplos mecanismos

destinados a viabilizar a tutela específica dos direitos e interesses envolvidos, nos

termos dos artigos 83º e 84º do CDC solicitamos a aplicação da tutela inibitória como

forma preventiva para impedir a prática do ilícito, a sua continuação ou repetição,

evitando dano irreparável aos direitos fundamentais dos pescadores artesanais.

No caso em questão, peticionamos pela concessão de tutela inibitória que

obrigue as requeridas a indenizarem os pescadores que sofrem com imposição de uma

área de exclusão de pesca. A medida de natureza urgente serve a diminuir a situação de

penúria dos pescadores, justificando-se pela urgência na resolução do problema, uma

vez que existe situação fática capaz de gerar um dano grave e de difícil reparação

(fumus boni juris e periculum in mora).

Page 26: Acp dragagem

A ação dos requeridos avilta o reconhecimento do direito ao exercício da

atividade da pesca artesanal, à medida que impõe a existência de uma área de exclusão

sem que os prejuízos causados sejam compensados, sendo certo que uma reparação

posterior poderá de nada mais adiantar, ainda mais quando se pensa que, o que se

pretende com a presente ação é também garantir que a atividade de pesca artesanal

continue existindo no futuro.

Ademais, há prova inequívoca da prática ilícita de concessão de licença

ambiental em desacordo com a legislação ambiental, já comentada, e quiçá dos prórpios

instrumentos de contratação e uso do dinheiro público. Ressalte-se, por fim, que, em

sede de ação civil pública destinada a promover a tutela do meio ambiente, o já referido

princípio da precaução impõe, com maior rigor, o deferimento da medida liminar

necessária à salvaguarda do patrimônio socioambiental da coletividade, uma vez

presentes os seus requisitos ensejadores.

Este princípio por si só assume o requisito do periculum in mora, nas ações

ambientais coletivas, uma significação diversa daquela apresentada nas lides que

envolvem interesses individuais disponíveis.

9. DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto pedimos:

I. A concessão de indenização a cada associado, em caráter urgente, pelos

prejuízos materiais e pela perda de renda e dos meios de subsistência

advindos da impossibilidade do exercício da pesca na região afetada pela

dragagem, iniciada em janeiro de 2010, a qual se constitui no principal

território de pesca de Cabo de Santo Agostinho.

II. A concessão de apoio financeiro mensal aos associados da Colônia de

Pescadores de Cabo de Santo Agostinho pela impossibilidade do exercício

da pesca até que o ecossistema se restabeleça e recupere a normalidade da

produção pesqueira.

III. A suspensão das licenças concedidas até a complementação dos estudos de

referência adotados comumente para obras de dragagem e que deverão

possuir os seguintes componentes:

Page 27: Acp dragagem

a) simulação dos efeitos sobre as correntes marinhas e outras alterações

hidrodinâmicas, aparecimento de pontos de acumulação ou erosão e

alterações morfosedimentares

b) modelagem da pluma de sedimentos, cálculo das situações críticas de

suspensão de sedimentos e intervalos de dissipação, com a elaboração de

um programa de monitoramento do bota-fora;

c) análise da feição do fundo resultante da deposição do material dragado e

análise de amostras de acordo com a Resolução CONAMA 344/07;

d) análise de parâmetros da qualidade dos sedimentos, da turbidez, da

disponibilização de nutrientes e contaminantes na coluna d’água,

derramamento acidental de óleo no mar e contaminação ambiental

devido a disposição inadequada de resíduos gerados nas embarcações;

e) caracterização do meio biótico, e avaliação da interferência da obra na

Biota Marinha (Comunidade Bentônica e Pelágica), interferência na

Biota Marinha devido ao Derramamento Acidental de Óleo no Mar e

aumento do fluxo e porte das embarcações

f) diagnóstico do meio sócio econômico; diagnóstico participativo da pesca

e do lazer, com análise da interferência na atividade pesqueira e náutica,

possibilidade de acidentes com embarcações, aumento do tráfego e

prejuízo à balneabilidade das praias devido ao derramamento acidental

de óleo;

g) cadastramento de pescadores não associados a esta Colônia, para fins de

reparação de danos e prejuízos, já que a atividade é exercida como modo

de subsistência por inúmeros não associados.

h) elaboração de um programa de comunicação social, para manter os

pescadores, com parte interessada, informados das atividades e

intervenções marinhas que afetem a pesca e a navegabilidade na região,

bem como do conteúdo de estudos elaborados e os processos de

aprovação.

IV. A suspensão de novos licenciamentos ou novas intervenções de dragagem

até que seja estabelecido os mecanismos compensatórios aos pescadores e os

estudos estejam devidamente aprovados pelo órgão ambiental em processo

absolutamente transparente e público para as comunidades.

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V. A inclusão de condicionantes, nas futuras Licenças Ambientais que

prevejam os impactos e compensações da implementação de SUAPE sobre

pesca e sobre a vida marinha em geral.

VI. A fiscalização ambiental em tempo integral de novas dragagens.

VII. A abertura de procedimento criminal contra os dirigentes responsáveis das

instituições requeridas, conforme estabelece a Lei 9.605/98, nos termos de

seu artigo 2º e a Lei 8.429/92 sobre atos de improbidade administrativa.

VIII. A verificação das circunstâncias em se deu a contratação da dragagem

ocorrida em janeiro de 2010, bem como a auditagem dos processos

licitatórios e de licenciamento ambiental.

10. DA CONCLUSÃO

Cabe ressaltar que o pescador é o morador original, era quem primeiro estava

aqui e hoje está acuado, oprimido e perdendo o seu espaço. Por outro lado, não há

ressarcimento para o pescador no que tange ao cerceamento do seu direito de pescar.

Esta situação tem submetido a categoria à situação de endividamento, pela

impossibilidade de pagamento das contas básicas de luz, água e gás, além de se

submeterem à vulnerabilidade alimentar, já que sequer conseguem capturar no mar o

suficiente para subsistência.

A categoria que obtinha ganho diário de no mínimo R$ 56,50 (cinqüenta e seis

reais e cinqüenta centavos), considerando uma realidade já depauperada pelas

intervenções anteriores do porto, hoje vieram a passar fome nos meses de inverno e tem

grande dificuldade de manter-se de maneira digna. Muitos tiveram seus petrechos de

pesca perdidos pela intervenção portuária, e carecem de meios para manutenção de suas

embarcações, equipamentos e outros meios profissionais.

A causa de toda esta situação ameaçadora vem da inobservância da legislação

ambiental, da imperícia no exercício do serviço público e na nebulosidade que envolve

contratos públicos e execuções de serviços potencialmente poluidores.

A proteção ambiental não pode se descurar da existência de certas populações

afetadas, que vivem ligadas a bens ambientais específicos, em razão do qual criaram

hábitos e modos de vida peculiares.

Apesar das conseqüências e prejuízos individuais e à moral coletiva, os

pescadores ainda tentaram acordo amigável com a parte principal, que é a responsável

pela gestão e administração portuária, o CIP SUAPE. Ao final de mais de dois meses de

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negociação, não obtiveram qualquer atenção da requerida, e por tudo isso, só restou a

litigância judicial para que sejam restabelecidos os direitos constitucionais retirados dos

pescadores artesanais de Cabo de Santo Agostinho.

Solicitamos para isso tão somente a justa compensação ambiental e financeira, a

transparência de contratos, bem como a realização dos estudos obrigatórios, que foram

omitidos do processo de licenciamento do empreendimento e se não devidamente

realizados, poderão a vir causar danos maiores do que já causaram à coletividade.

É o que temos a apresentar, contando com vossa presteza, para nos opormos a

incrível velocidade com que se dão ações desenvolvimentistas a todo o custo sem

observar as minorias desassistidas. Pois aqui, não se trata de denúncia contra o

desenvolvimento tão necessário, mas sim de justiça social e o direito ao meio ambiente

saudável.

TERMOS EM QUE PEDE E ESPERA DEFERIMENTO

Cabo de Santo Agostinho, 28 de setembro de 2010

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LAILSON EVANGELISTA SOUZA

CPF 399.536.204-84

PRESIDENTE DA COLÔNIA DOS PESCADORES Z-08 DO CABO/PE