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Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
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A ESCOLA INCLUSIVA – ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA APLICAÇÃO DO MODELO DA
UNESCO À REALIDADE PORTUGUESA
L’ECOLE INCLUSIVE – QUELQUES REFLEXIONS SUR L’APPLICATION DU MODELE DE L’UNESCO
A LA REALITE PORTUGAISE
SILVA, Lino Moreira da ([email protected])
Universidade do Minho
RESUMO
A Declaração de Salamanca sobre Escola Inclusiva, de 1994, apresentou-se como um momento importante da educação a nível mundial, pois chamou a atenção para um dos mais graves problemas colocados à escola massificada dos nossos dias – a integração para todos.
Tal como foi apresentado pela Unesco, o modelo de Escola Inclusiva foi considerado promissor. Ele propunha-se pugnar pelo sucesso de todos os alunos, promovendo o sucesso escolar e o sucesso educativo, o mais possível à medida de cada um, no reconhecimento das diferenças de uns indivíduos em relação a outros.
Em Portugal, por variadas razões, e sobretudo num determinado sentido, desencadeou-se, de imediato, uma onda de adesão à Declaração de Salamanca. A nível das instâncias educativas e das escolas, declarou-se estar de acordo com ela e foram postas no terreno algumas medidas com a intenção de concretizar as suas directivas.
Passados que são mais de 10 anos sobre a Declaração de Salamanca, e num espírito de levantamento da situação e de balanço quanto à realidade educativa portuguesa, importará procurar apreciar o que se fez e destacar alguns aspectos, no âmbito dessa temática, sobre os quais o Autor se propõe reflectir: - Alcance e valimento do modelo da Escola Inclusiva. - Entendimentos e aplicações efectuados entre nós, decorrentes do modelo definido. - A actualidade e permanência da proposta apresentada. - Orientações e reorientações da proposta relativamente à realidade educativa que temos e à que pretendemos instituir. - Interligação do modelo proposto e aplicado com a construção de sucesso educativo na escola.
PALAVRAS-CHAVE
Escola Inclusiva. Sucesso Escolar. Sucesso Educativo. Realidade Educativa Portuguesa.
RESUME
La Déclaration de Salamanque sur l' École Inclusive, de 1994, s’est présentée comme un moment important de l’éducation au niveau mondial, puisqu’elle a attiré l’attention sur l’un des plus graves problèmes qui se posent à l’école massifiée de nos jours – l’intégration pour tous.
Ainsi présenté par l’Unesco, le modèle de l’École Inclusive a été considéré comme prometteur. Il se proposait de lutter pour le succès de tous les élèves, en promouvant le succès scolaire et le succès éducatif, le plus possible à la mesure de chacun, tout en reconnaissant les différences d’individu à individu.
Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
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Au Portugal, pour diverses raisons, et surtout dans un certain sens, s’est développée immédiatement une vague d’adhésion à la Déclaration de Salamanque. Au niveau des instances éducatives et des écoles, on s’est déclaré être en accord avec cette déclaration et quelques mesures avec une intention de concrétiser ses directives ont été mises en pratique.
Plus de dix ans après la Déclaration de Salamanque, et dans un esprit de repérage de la situation et de bilan de la réalité éducative portugaise, il s’impose de chercher à apprécier ce qui a été fait et mettre en relief certains aspects, dans le contexte de cette thématique, sur lesquels l’Auteur se propose de réfléchir: Portée et validité du modèle de l’École Inclusive. Entendements et applications effectués parmi nous, qui découlent du modèle défini. Actualité et permanence de la proposition présentée. Orientations et réorientations de la proposition par rapport à la réalité éducative qui est la nôtre et que nous prétendons instituer. Interrelation du modèle proposé et appliqué avec la construction du succès éducatif à l’école.
MOTS CLES
École Inclusive. Succès Scolaire. Succès Éducatif. Réalité Éducative Portugaise.
1. Introdução
A Unesco, na sua reunião de Salamanca, em 1994, lançou ao mundo mais um desafio, em
forma de proposta – tornarmos a escola que temos uma escola inclusiva.
Ainda que não se tenha tratado de uma verdadeira inovação (dado que, desde sempre, a
"verdadeira escola" se propôs responder às necessidades da comunidade e dotar, pelo menos
a nível das intenções e preocupações (CNE, 1999), todos quantos a frequentam de
instrumentos e aptidões que lhes permitam integrar do melhor modo a estrutura social), a
Declaração de Salamanca sobre escola inclusiva apresentou-se como um momento importante
da educação a nível mundial.
Através da sua proposta, a Unesco chamava a atenção para um dos mais graves problemas
colocados à escola massificada dos nossos dias – o sucesso e a integração para todos.
Tal como foi apresentado pela Unesco, o modelo de Escola Inclusiva foi considerado
promissor. Ele propunha-se pugnar pelo sucesso de todos os alunos, promovendo o sucesso
escolar e o sucesso educativo, o mais possível à medida de cada um, no reconhecimento das
diferenças.
A proposta da Unesco foi bem clara. Os seus objectivos bem explicitados. O que faltava, e disso
estávamos necessitados, era levá-la à acção, tendo sido postas no terreno algumas medidas
nesse sentido.
Agora que estão passados mais de 10 anos sobre a Declaração de Salamanca, e num ambiente
de reflexão sobre o passado recente da educação em Portugal, importará procurar apreciar o
que se fez em matéria de inclusão, e sobretudo se continua ou não oportuna a proposta da
Unesco, e, em caso afirmativo, em que será necessário ainda intervir.
Nesse sentido, a presente comunicação vai focalizar alguns aspectos sobre a realidade da
Escola Inclusiva, tais como: Alcance e valimento do modelo da Escola Inclusiva. Entendimentos
e aplicações efectuados entre nós, decorrentes do modelo definido. Actualidade e
permanência da proposta apresentada. Reorientações da proposta relativamente à realidade
Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
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educativa que pretendemos instituir. Interligação do modelo proposto e aplicado com a
construção de sucesso educativo na escola.
2. Alcance e valimento do modelo da escola inclusiva
A Declaração de Salamanca sobre Necessidades Educativas Especiais, formulada em 1994
(Unesco, 1994), estribando-se em directivas anteriores, nomeadamente, na Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) e na Declaração Mundial sobre Educação
para Todos (1990), reconhece o direito de todos à educação.
Ainda que não deixe de lembrar, com relevância, as crianças com deficiências (detentoras,
cada uma a seu modo, de "necessidades educativas especiais"), reconhece que "as escolas se
devem ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais,
intelectuais, emocionais, linguísticas ou outras" (Unesco, 1994, p.41), e que a expressão
"necessidades educativas especiais" se refere "a todas as crianças e jovens cujas carências se
relacionam com deficiências ou dificuldades escolares".
A tónica do documento é posta em que a escola inclusiva se debate com o desafio de se ser
capaz de desenvolver uma pedagogia centrada nos alunos, susceptível de os educar a todos
com sucesso, e que uma escola assim, centrada nos aprendentes, é base de construção de
uma sociedade orientada para as pessoas, respeitando as diferenças e a dignidade de todos
(Unesco, 1994).
Tudo isto afecta, e é afectado, por realidades que o documento enuncia e comenta, tais como:
política e organização escolar, recrutamento e treino de pessoal docente, serviços externos de
apoio aos alunos, áreas de intervenção prioritárias, recursos necessários.
Como directrizes para a acção, são apontadas, nomeadamente: a cooperação entre
organizações (nacionais e internacionais, governamentais e não governamentais), o
lançamento de projectos-piloto que tenham por objectivo avaliar novas perspectivas e
capacidades de realização, as parcerias regionais ou entre países para promoção de iniciativas
conjuntas, o intercâmbio de dados, o reforço de estruturas regionais e internacionais, a
adequação das políticas educativas, a programação da intervenção, a formação de recursos
humanos, o apoio técnico às necessidades educativas especiais, a realização de seminários
avançados para gestores da educação e especialistas, a colaboração entre instituições de
formação, a realização de estudos comparativos, a publicação de documentos de referência, a
produção de materiais pedagógicos, a criação e a disseminação de documentos informativos, a
promoção de reuniões e conferências sobre temas pedagógicos, a cooperação técnica nacional
e internacional, o envolvimento de agências financiadoras nos projectos escolhidos...
Pretende-se, através de uma escola inclusiva bem fundamentada e apoiada, o combate à
exclusão e o desenvolvimento de estratégias que procurem alcançar uma genuína igualdade
de oportunidades (S. Niza, 1996) para todos.
Refere ainda o documento da Unesco que o princípio fundamental das escolas inclusivas
consiste em as escolas se adaptarem aos vários estilos e ritmos de aprendizagem dos alunos,
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criando condições para que todos eles aprendam juntos, independentemente das dificuldades
e das diferenças que apresentem (Unesco, 1994).
Dito por outras palavras, a Declaração de Salamanca sobre Necessidades Educativas Especiais,
formulada em 1994, não nega a existência de "casos especiais", na escola. Estes, por serem
"especiais" (OCDE, 1995), merecem um tratamento "especial", já que levantam problemas
muito próprios, sendo reconhecida, entre outros aspectos, a necessidade de formação
profissional, de formação específica (M. Ainscow, 1994) e de divulgação de experiências, a
valorização da pluridisciplinaridade, a adopção de currículos inovadores (A. M. B. Costa, 1991,
pp.1-9).
Contudo, a Declaração de Salamanca vai mais longe que isto, e, pondo a tónica na educação,
reconhece para todos os indivíduos que frequentam a escola o direito a um tratamento
individualizado, à medida das suas "necessidades especiais", que não são naturalmente as
mesmas para cada ser humano. É que, "se os alunos são diferentes, aprendem de modo
diferente também" (L. M. Lieberman, 2003, p.93). E este modo de proceder passa pela
definição de políticas responsáveis, pela formação de meios humanos (sobretudo os
professores), pela disponibilização de meios materiais, pela delineação de estratégias
adequadas na escola e nas aulas… envolvendo toda a escola.
Mas, uma dezena de anos passados sobre a directiva da Unesco, nada indica que estejamos a
aproximar-nos das referências desejadas. A sociedade não criou as condições sugeridas para a
inclusão, e a escola "massificou-se sem se democratizar" (J. Barroso, 2003, p.31). Muito do
trabalho realizado na escola, porque não respondeu à diversidade com especificidade e
eficácia, perdeu sentido para alunos e professores, ficando-se muito longe da desejada
inclusão. Os índices de sucesso escolar e educativo e de adesão à escola e o grau de satisfação
provocado pela escola permanecem deficitários.
3. Entendimentos e aplicações efectuados entre nós, decorrentes do modelo
definido
A aplicação do modelo da Escola Inclusiva deve ser direccionada para todos os alunos, na
medida em que todos eles têm necessidades educativas especiais – ainda que alguns tenham
necessidades ainda "mais específicas" e sintam mais dificuldades em fazerem vingar os seus
direitos, revelando-se, por isso mesmo, mais imperativas as suas necessidades.
Segundo esse modelo, a inclusão é um processo que deverá ser posto ao serviço de uma
constante melhoria da escola, de modo a promover a participação, a aprendizagem, o sucesso
de todos os alunos.
Mas em Portugal, onde o modelo proposto pela Declaração de Salamanca foi recebido com
euforia (D. Rodrigues, 2003, p.90), o movimento da educação inclusiva começou por se
apresentar "fortemente vinculado ao campo da educação especial" (M. Ainscow & W. Ferreira,
2003, p.104). O mesmo aconteceu igualmente noutros países. Só que, enquanto na
generalidade da prática internacional se tem reconsiderado a posição, e os defensores da
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educação especial têm reconhecido que a resposta às necessidades educativas especiais terá
de abranger todos os alunos, entre nós isso não se tem verificado.
Nas nossas escolas, desde o primeiro momento que se tem entendido a problemática das
necessidades especiais sobretudo como resposta a alunos com deficiências (L. M. Correia,
1999, p.22). Tem sido sobretudo para eles que se tem direccionado a legislação existente
sobre necessidades educativas especiais (idem, ibidem, p.27), e com considerável profusão, de
modo que, em alguns casos, ela até se anula na sua eficácia. O risco que se correu, em muitos
casos afectando profundamente a eficácia e o sucesso, foi o de os alunos ditos 'normais' serem
relegados para plano secundário. Os apoios e os melhores cuidados vão para os alunos com
deficiências, ficando os outros entregues à sua sorte.
Desse modo, no domínio das leis e das práticas, as atenções têm sido voltadas mais para a
integração dos diversos tipos de deficiência do que para o melhor sentido a conferir à inclusão
para todos, na escola. Ao mesmo tempo, alguns dos principais índices de inclusão teimam em
não se revelar, permanecendo profundamente enraizados, apesar dos esforços feitos
(Eurydice, 1995; V. Fonseca, 1999), factores como o insucesso, sobretudo em disciplinas de
base, e o abandono precoce da escola.
Isto, por si só, impede a construção de sucesso educativo para que uma escola
verdadeiramente inclusiva terá de contribuir.
Com o que salientamos, não se trata de retirar validade aos esforços instituídos com as
necessidades educativas especiais para as deficiências, mas de fazer estender esses esforços,
na generalidade, às necessidades educativas de todos os alunos, que também têm direitos,
não sendo eles apenas de alguns.
O problema encontra-se muito longe de estar resolvido, quer a nível dos debates, quer das
intervenções, impondo-se uma nova postura perante a realidade.
4. A actualidade e permanência da proposta apresentada.
A necessidade de "inclusão" faz, hoje, parte de um dos muitos chavões pedagógicos que
invadiram a escola, a que se diz "sim", passando-se à margem da reflexão crítica necessária
para que, em vez de lugares comuns, tenhamos práticas efectivas.
Um esforço essencial nesta matéria tem vindo a ser desenvolvido pela Unesco, cujos esforços
têm convergido no sentido de uma nova concepção de escola, como espaço de formação sem
segregações nem exclusões, sendo sempre uma escola para todos.
Mas tem-se avançado muito pouco. Daí que, apesar das dificuldades (PNUD, 2005), continue a
fazer todo o sentido preocuparmo-nos com a construção de uma verdadeira escola inclusiva.
É reconhecido (J. Barroso, 2003, p.27) que a escola exclui sobretudo por 4 ordens de factores: -
por não deixar entrar os que estão fora (desigualdade de oportunidades), - por pôr fora os que
estão dentro (insucesso e abandono escolar), - por excluir "incluindo" (pela imposição de
modelos únicos e genéricos), - por ter deixado de fazer sentido (os alunos não encontram
justificação para a escola e abandonam-na).
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Após Salamanca 1994, tornou-se comum adoptar uma "retórica inclusivista" (D. Rodrigues,
2003, p.99). Todavia, as famílias (a primeira escola, para as crianças) não viram solucionados os
seus principais problemas, e os espaços de exclusão continuam a ser uma realidade para
muitos.
As sociedades (a escola complementar da escola instituída), sobretudo as ocidentais, também
não resolveram os principais problemas que as afectam (P. Mittler, 2000). Elas continuam a ser
espaços de exclusão, internamente (a distância entre ricos e pobres) e externamente (os
desníveis entre uns países e os outros), de nada adiantando falar em inclusão praticando-se o
contrário.
Por seu lado, a massificação da escola e os efeitos da globalização desumanizada que nos
tocou em sorte vieram intensificar os problemas existentes, criando-se ainda maiores entraves
à inclusão.
Como se vê, continua necessário focalizar o tema da escola inclusiva e trabalhar no sentido de
a pôr verdadeiramente ao serviço de toda a comunidade educativa (Y. Bertrand & P. Valois,
1991). Os objectivos da Escola Inclusiva continuam perfeitamente actuais, sendo a escola,
dentro da nossa utopia educativa, uma referência essencial, com vista à construção de uma
sociedade mais justa e equitativa, à transformação da realidade que temos numa realidade
mais à medida do humano, onde cada aluno deverá ser integrado consoante a sua condição e
as suas especificidades.
5. Reorientações da proposta da educação inclusiva, relativamente à realidade
educativa que pretendemos instituir
Uma das principais vocações da escola é tornar-se num espaço de transformação da
sociedade. Uma sociedade onde a consciência ingénua seja substituída pela consciência crítica,
no sentido da conscientização como "desenvolvimento crítico da tomada de consciência",
defendida por Paulo Freire (P. Freire, 1980, p.26), que continua pleno de actualidade. Uma
sociedade onde a cidadania, a democracia, a solidariedade, a liberdade, a paz… numa palavra,
a educação… ganhem cada vez mais sentido.
A escola existe para responder a essas necessidades dos indivíduos e da sociedade – uma
escola criativa e acolhedora, defensora dos valores da liberdade, da solidariedade e da justiça,
proporcionadora de igualdade de oportunidades para todos, empenhada na educação e na
formação. É a essa escola que todos deverão ter acesso, cabendo-lhes serem apoiados
segundo as suas necessidades.
Sendo preciso motivar para a inclusão, formar para ela, criar condições para que ela seja
instituída, passando-se dos conceitos à prática, a dificuldade está em definirmos
coerentemente onde intervir e como intervir para tornarmos a escola cada vez mais inclusiva.
Feitas as reflexões de fundo que explicitamos, importa definir estratégias e passar à acção.
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Não se esquece a necessidade de inclusão física e cidadã e o papel devido à família e às
estruturas complementares da sociedade, de que nem a escola nem os alunos podem ficar
desligados. Mas algumas áreas especiais merecerão, no nosso entender, ser relevadas.
a) Motivar as escolas para os problemas da inclusão.
Ainda impera, em muitas das nossas escolas, o sentimento de que a inclusão abrange apenas
as deficiências, e de que estas últimas respeitam a indivíduos "menores". Em teoria, aceita-se
e propaga-se que a escola é espaço de diversidade e que todos os cidadãos são iguais em
direitos e deveres. Mas, na prática, os desempenhos não são tão claros como isso. Imperioso
se torna, pois, sensibilizar para estas realidades, pois só pode haver verdadeira inclusão e
resposta para as situações suscitadas onde houver motivação para isso.
b) Pugnar pela autonomia das escolas na definição de parte dos currículos.
Tratando-se a escola de um espaço de formação básica dos cidadãos, não será defensável que
pelo menos a escolaridade obrigatória seja dotada de total autonomia na definição dos seus
currículos. Todavia, já será recomendável que lhe seja confiada a delineação de uma parte
desses currículos, numa perspectiva de complementaridade de um figurino curricular de
definição nacional. Desse modo se cumprirá, sem descontinuidades, a definição do novo
paradigma educacional da escola pluridimensional, de que fala a Escola Cultural (M. F. Patrício,
1993, p17).
Impõe-se o conhecimento continuamente actualizado da escola pela própria escola, e a partir
daí a resposta a ser dada para os casos considerados especiais só poderá partir da própria
escola. O previsível conflito entre um currículo nacional e os currículos localizados resolver-se-
ia através do estabelecimento de um núcleo duro curricular nacional, a ser complementado,
em equilíbrio, com contributos curriculares para as necessidades localizadas.
Insiste-se em que o problema vai muito para além das necessidades educativas especiais, no
sentido da resposta às deficiências, mas considera-se que todos os alunos são especiais, e
nesse sentido todos têm direito a um empenhamento personalizado por parte da escola.
c) Sensibilizar e formar os professores.
Primeiro que tudo, importará que se formule um estímulo à auto formação, necessariamente
fundamentada, mas sem deixar de ser suscitada pelas práticas (D. Schön, 1987). Depois, vem a
formação institucionalizada, promovida pela escola e pelas entidades responsáveis. Isso
consegue-se, não com medidas acidentais, e por vezes até de feição mais dura, mas motivando
os professores e instituindo uma avaliação justa e transparente dos seus desempenhos.
Igualmente se revela necessária a formação continuada dos professores e a instituição, na
escola, das práticas da supervisão pedagógica. São falhas, no nosso sistema de ensino, que se
têm revelado decisivas na falta do sucesso a obter.
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d) Envolver as famílias na escola.
Se é indispensável a melhor disponibilidade e sensibilização dos professores, é igualmente
decisivo o envolvimento das famílias na causa da inclusão, de modo que elas não olhem a
escola como um espaço onde guardam os filhos, mas um espaço de formação e educação de
que têm o direito de usufruir, mas para o qual têm também o dever de prestar contribuição.
e) Dinamizar projectos mobilizadores.
O trabalho com projectos, se já é importante na escola enquanto produto, é-o ainda mais
enquanto processo. Ainda que a metodologia que ele implica não possa abranger toda a
escolaridade, ela não deixa de ser imprescindível como resposta às necessidades especiais. É
que seguir a dinâmica dos projectos é trabalhar segundo moldes personalizados, definidos em
liberdade, dependendo da iniciativa de cada um, implicando responsabilidade e criatividade. A
dinamização de projectos poderá decorrer do trabalho das aulas, e porventura até de
iniciativas do meio, mas terá toda a vantagem em ser confiada à biblioteca escolar, enquanto
espaço directamente vocacionado para a dinamização educativa da escola.
f) Adequar estratégias na sala de aula.
Um dos principais factores que contribuem para a inclusão, na sala de aula, é o modo de
intervenção dos professores e as estratégias (combinação adequada de objectivos,
metodologias, actividades, materiais, avaliação) por eles aplicadas. Sendo os alunos todos
diferentes, a diversificação de estratégias é essencial para que se produzam os melhores
resultados. Não basta que o professor seja competente na dimensão científica; é preciso
sobretudo que seja um bom organizador de aprendizagens e seja competente em termos
profissionais. Entra, aqui, a sua capacidade de adequar o conhecimento que tem das matérias
(o mais possível um conhecimento profundo e sempre actualizado) com as especificidades da
turma e dos alunos, "visando valores de sustentabilidade, qualidade, participação e autonomia
para todos os seus alunos" (D. Rodrigues, 2003, p.99), desenvolvendo com eles estratégias de
individualização do ensino e estratégias especiais.
Há que desfazer do mito do aluno padrão, do conhecimento como reprodução, do recurso à
memória como principal factor do saber. Só desse modo se conseguirão alunos motivados,
capazes de incutirem em si o acto individual de aprender, de serem criativos, inovadores,
empreendedores, geradores de dinâmica, a todos os níveis, para si mesmos e para a
sociedade.
g) Repensar os modos de integração das deficiências.
Importa saber distinguir inclusão de integração das deficiências, na escola regular. A segunda
faz parte da primeira, mas não se lhe reduz. Reconvimos com a Unesco em que é necessário
integrar aqueles que se tornam notados pelas suas diferenças, e levar essa integração o mais
longe possível, no seio da estrutura do ensino regular (Unesco, 1994). Mas é preciso
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reconhecer que há cuidados a ter, definíveis caso a caso, e que a partir de certos limites se
estará a prejudicar, tanto a parte integrada como a parte integradora, sem se estabelecer
onde terminam os direitos de uns e começam os direitos de outros.
A existência de estruturas escolares especiais (reconhece-se que foi um erro, entre nós, a
construção de escolas fora do espaço integrador das escolas regulares) terá ser considerada
em concomitância com o apoio de especialistas nas estruturas escolares regulares. Mas a
existência de estruturas escolares regulares, sobretudo em situações de formação profissional,
não se revelará suficiente para os alunos com necessidades especiais, no sentido da resposta a
dar às deficiências.
Não se pode reunir os casos especiais de qualquer maneira, e chamar a isso integração ou
inclusão. Seja qual for o tipo de inclusão que se pretenda, não serão dispensáveis
desempenhos rigorosos e exigentes abrangendo todos, sendo necessário instituir níveis de
exigência graduais, fazendo evoluir os alunos de uns níveis para outros. Isto com o máximo de
apoios para todos, para que todos consigam atingir sucesso no patamar mais alto que se lhes
adeqúe.
6. Interligação da proposta de inclusão, da Unesco, com a construção de sucesso
educativo na escola
Como nos é dado concluir (e insistir) a partir do documento da Unesco sobre escolas inclusivas,
a necessidade de inclusão não afecta só alguns, mas todos os frequentadores da escola. A
razão está em que todos os alunos são diferentes, e por isso todos são especiais, merecendo,
por isso, o olhar atento da escola. Mesmo assim, existem alunos que são especiais entre os
especiais, merecendo desse modo uma atenção ainda mais cuidada, por parte da escola.
Mas importa, sobretudo, que as atenções especiais dadas a quem quer que seja, na escola,
não redundem em falta de atenções que seriam devidas a outros.
Sem excepção de nenhum tipo, o que se pretende é a construção de sucesso educativo para
todos (estando o sucesso institucional integrado no sucesso educativo), a formação e a
educação devidas a todos quantos frequentam a escola.
Nesse sentido, tendo todos igual direito a serem atendidos consoante as suas necessidades, é
devido à escola, antes de mais, um empenhado esforço de coordenação. E o sucesso de cada
aluno vai depender, em grande medida, do dinamismo que cada escola for capaz de imprimir à
sua comunidade educativa e do modo como esta for capaz de exercer sobre cada um uma
intervenção adequada.
Mais especificamente, é preciso atender aos meios humanos de apoio. Equipas de
Coordenação, docentes das diversas áreas curriculares, docentes de apoio educativo e,
dependendo dos casos, terapeutas, psicólogos, técnicos especializados..., sendo determinante
a melhor cooperação entre todos.
Outros factores de grande importância para o sucesso educativo numa escola inclusiva são a
disponibilização de meios materiais de apoio, a adequação (diversificação e flexibilização) de
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currículos e avaliações, a maior cooperação entre a escola, as famílias dos alunos e a
comunidade envolvente.
Serão, sem dúvida, meios (institucionais, humanos, materiais) que envolvem algum dispêndio
financeiro, mas uma boa planificação de custos (fundamental em educação) poderá reduzir ao
mínimo tal dispêndio. A preparação da sociedade do futuro merece bem esse esforço.
7. Conclusões
A escola de hoje é uma escola massificada. Trata-se de uma circunstância positiva, se
atendermos a que essa massificação resulta da consumação do direito de todos a participarem
da educação e da formação proporcionadas pela escola. Mas embora massificada, a escola não
pode ignorar que aqueles que a frequentam não são indivíduos padronizados, mas todos eles
são diferentes, e por isso mesmo detentores de necessidades educativas especiais.
Por isso, a escola, para não ser segregadora, terá de atender o mais possível a cada aluno
como um caso especial.
Foi esse o grande desafio lançado pela Declaração de Salamanca, em 1994.
De então para cá, se porventura não foi muito o que mudou, pelo menos adquiriu-se uma
nova sensibilidade para estas realidades.
Todavia, em Portugal a escola inclusiva tem sido entendida, mais como resposta à integração
de quantos são especiais, no sentido de serem portadores de deficiências limitadoras (e sem
dúvida que esses cidadãos não podem ser segregados e que lhes devem ser proporcionados
todos os meios e todas as condições), do que no verdadeiro e original sentido da integração
para todos.
Só assim se explica que, apesar dos meios envolvidos, ainda tenhamos tão elevados índices de
insucesso (com reflexos claros na falta de sucesso educativo) e abandono precoce da escola.
A proposta da Unesco sobre Escola Inclusiva tem já alguns anos, mas continua actual. Segundo
ela, é preciso pugnar por uma escola para todos, e não apenas para alguns, quer eles sejam
portadores de deficiências, quer não, respondendo à diversidade e proporcionando igualdade
de oportunidades consoante as necessidades de cada um.
Daí que, desejando-se a inclusão de todos no mesmo sistema de ensino, terá de ser dada
resposta organizada e especializada a todos quantos frequentam a escola. Sendo fácil chegar a
esta conclusão, o difícil é pôr em prática medidas que permitam combater a exclusão na
escola.
Embora não seja possível definir, em modelo acabado, o que deve ser uma escola verdadeira e
totalmente inclusiva (pois cada situação tem a sua realidade), há aspectos que é preciso
relevar. Importa apostar num acompanhamento individualizado da aprendizagem, tanto de
alunos “regulares” como de alunos portadores de deficiências. Para uns e para outros, não
poderão faltar os apoios necessários na justa medida das suas necessidades. Importa motivar
as escolas e as comunidades educativas para os problemas da inclusão, pugnar pela sua
Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
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autonomia na definição parcial dos currículos, formar professores, dinamizar projectos
mobilizadores, adequar estratégias na sala de aula às situações especiais.
Só assim conseguiremos uma escola verdadeiramente inclusiva, que abranja realmente todos,
sem discriminação de ninguém nem de nenhum tipo.
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