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Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
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MARIA ANA SILVEIRA
Direito Administrativo II Regente: Fausto de Quadros
Faculdade de Direito de Lisboa
Ano lectivo 2011/2012
Bibliografia utilizada:
- Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, 10 reimpresso da edio de 2001,
Almedina
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
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PARTE I O PODER ADMINISTRATIVO
Captulo I Conceitos Fundamentais
1 O poder administrativo
1. O princpio da separao dos poderes
A expresso separao dos poderes tanto designa uma doutrina poltica como um princpio constitucional.
Corresponde, desde logo, doutrina poltica que teve e tem por objecto a estruturao do poder poltico
do Estado e que, como sabido, foi primeiro desenvolvida por Locke e subsequentemente celebrizada
por Montesquieu. Consistia e consiste tal doutrina, basicamente, numa dupla distino:
Distino intelectual das funes do Estado;
E a distino poltica dos rgos que devem desempenhar tais funes entendendo-se que para
cada funo deve existir um rgo prprio, diferente dos demais, ou um conjunto de rgos
prprios.
A separao de poderes , depois, um princpio constitucional caracterstico da forma de governo
democrtico-representativo e pluralista ocidental, e que a distingue da forma de governo democrtico-
popular de matriz comunista, a qual lhe contrape o princpio da unidade e da hierarquia dos poderes do
Estado.
Sendo certo que a Constituio portuguesa acolhe o princpio da separao dos poderes, quais so os
corolrios actuais deste princpio, na parte que tem a ver com as relaes entre a Administrao e a
Justia? So, em sntese, os seguintes:
i) A separao dos rgos administrativos e judiciais a separao das funes tem de traduzir-se
numa separao de rgos;
ii) A incompatibilidade das magistraturas - no basta que haja rgos diferentes: necessrio
estabelecer, alm disso, que nenhuma pessoa possa simultaneamente desempenhar funes em
rgos administrativos e judiciais;
iii) A independncia recproca da Administrao e da Justia este terceiro corolrio desdobra-se,
por sua vez, em dois aspectos: a independncia da Justia perante a Administrao e a
independncia da Administrao perante a Justia. Analisemos:
A independncia da Justia perante a Administrao significa que a autoridade
administrativa no pode dar ordens autoridade judiciria, nem pode invadir a sua esfera
de jurisdio decidindo questes da competncia dos tribunais. Existem,
fundamentalmente, dois mecanismos jurdicos para assegurar este postulado: o sistema
de garantias de independncia da magistratura (artigos 203 e 216 da CRP) e a regra
legal de que todos os actos praticados pela Administrao Pblica em matria de
competncia dos tribunais judiciais so nulos e de nenhum efeito, por estarem viciados
de usurpao de poder 133/2 alnea a) CPA;
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A independncia da Administrao perante a Justia significa hoje uma proibio
funcional de o juiz afectar a essncia do sistema de administrao executiva no pode
ofender a autonomia do poder administrativo (o ncleo essencial da discricionariedade),
nem a autoridade caracterstica do acto administrativo (em especial, a sua fora de caso
decidido, passado o prazo de impugnao). Por outro lado, significa tambm que os
tribunais comuns no so os tribunais competentes para conhecer os litgios em que
esteja em causa a actuao da AP no exerccio de uma actividade de gesto pblica.
2. O poder administrativo
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 18-19;
3. Manifestaes do poder administrativo
As principais manifestaes do poder administrativo so basicamente quatro:
a) O poder regulamentar;
b) O poder de deciso unilateral;
c) O privilgio da execuo prvia;
d) O regime especial dos contratos administrativos.
Analisemo-las.
A) O poder regulamentar
A Administrao Pblica, num sistema administrativo de tipo francs, como o nosso, tem o poder de
fazer regulamentos [artigo 199, alnea c); 227/1, alnea d) e 241 da CRP] aquilo a que chamamos
poder regulamentar e outros autores denominam de faculdade regulamentria. Estes regulamentos que
a Administrao tem o direito de elaborar so considerados como uma fonte de direito: colocado abaixo
da lei, do ponto de vista da hierarquia das fontes do direito, o regulamento , no obstante, uma fonte
de direito autnoma.
B) O poder de deciso unilateral
Enquanto no regulamento a AP nos aparece a fazer normas gerais e abstractas, embora inferiores lei,
aqui a AP aparece-nos a decidir casos individuais e concretos. Este poder um poder unilateral i.e. a AP
pode exerc-lo por exclusiva autoridade sua e sem necessidade de obter o acordo (prvio ou a
posteriori) do interessado.
Ou seja, a Administrao declara o direito no caso concreto, e essa declarao tem valor jurdico e
obrigatria, no s para os funcionrios subalternos, mas tambm para todos os particulares. Os
particulares devem obedincia aos actos administrativos pelos quais nos casos concretos a
Administrao pblica define o direito. Pode a lei exigir, e regra geral exige (100 e ss CPA), que os
interessados sejam ouvidos pela Administrao antes de esta tomar a sua deciso final. Pode tambm a
lei facultar, e na realidade faculta (158 e ss CPA), aos particulares a possibilidade de apresentarem
reclamaes ou recursos hierrquicos contra as decises da Administrao Pblica. Mas estas garantias
administrativas impugnatrias s vm, por definio, depois de a deciso j existir, e ela existe como
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deciso unilateral. Por ltimo, a lei permite que os interessados impugnem as decises unilaterais da
Administrao Pblica perante os tribunais administrativos, a fim de obterem a sua anulao ou
declarao de nulidade no caso de as mesmas serem ilegais e lesarem posies jurdicas subjectivas. Mas
a verdade que esse recurso contencioso s possvel depois de a deciso ter sido tomada
unilateralmente pela Administrao quer dizer, a Administrao decide, e s depois que o particular
pode recorrer da deciso. E no a Administrao que tem de ir a tribunal para legitimar a deciso o
particular que tem de ir a tribunal para impugnar a deciso tomada pela Administrao.
Esta uma das mais importantes manifestaes do poder administrativo, porventura a mais importante.
O professor Freitas do Amaral chama-lhe poder de deciso unilateral. Outros autores chamam-lhe
auto-tutela declarativa porque, nos termos que ficam expostos, a AP tem o direito de fazer justia por
suas mos (auto-tutela), nos casos da sua competncia, atravs da declarao do direito (auto-tutela
declarativa).
C) O privilgio da execuo prvia
Alm do referido, a lei d Administrao pblica a faculdade de impor coactivamente aos particulares
as decises unilaterais constitutivas de deveres ou encargos que tiver tomado e que no sejam por
aqueles voluntariamente cumpridas (ver 149/1 CPA).
Ou seja, a Administrao pblica tem, no apenas o poder de definir unilateralmente o direito, mas
tambm, salvo nalgumas matrias, o poder de promover por si prpria a execuo forada desse direito,
se o particular no se conformar voluntariamente com a definio feita.
Entretanto, o particular tem o poder de recorrer aos tribunais para impugnar a definio feita, pedindo
a anulao do acto administrativo. Mas este recurso no tem normalmente efeito suspensivo, o que
significa que, enquanto o acto administrativo legal ou ilegal, o particular tem de cumprir o acto. Se no
cumprir, a Administrao pblica pode impor coactivamente o seu acatamento.
Isto quer dizer, portanto, que a Administrao dispe, nos termos que foram expostos, de dois
privilgios: por um lado, na fase declaratria, o privilgio de definir unilateralmente o direito no caso
concreto, sem necessidade de uma declarao judicial; por outro lado, na fase executria, o privilgio de,
por via de regra, executar o direito por via administrativa, sem qualquer interveno prvia do tribunal.
o poder administrativo na sua mxima pujana: a plenitudo potestatis.
D) Regime especial dos contratos administrativos
A forma tpica de agir na Administrao , ainda nos nossos dias, o acto administrativo, a deciso
unilateral que declara autoritariamente o direito e que, impondo um dever ou um encargo, pode ser
depois imposta pela fora por via administrativa.
Por vezes, contudo, e actualmente de forma cada vez mais frequente, a lei considera que, em certas
matrias, no possvel ou conveniente que a Administrao pblica actue por via unilateral e autoritria.
H certos comportamentos que s se conseguem atravs do acordo dos interessados: criou-se ento a
figura tpica do contrato administrativo (178/1).
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4. Corolrios do poder administrativo
O primeiro, cujo alcance j se referiu anteriormente, traduz-se na independncia da Administrao
perante a Justia. Existem vrios mecanismos jurdicos para assegurar o respeito deste corolrio.
Em primeiro lugar, os tribunais comuns so incompetentes para se pronunciarem em termos
definitivos sobre as questes administrativas, ressalvadas as excepes legais;
Em segundo lugar, o regime dos conflitos de jurisdio permite retirar a um tribunal judicial uma
questo administrativa que indevida e erradamente nele esteja a decorrer (CPC 115 e ss).
Segundo corolrio do poder administrativo o foro administrativo i.e. a entrega de competncia
contenciosa para julgar os litgios administrativos no aos tribunais judiciais, mas aos tribunais
administrativos.
Terceiro corolrio a existncia de um Tribunal de Conflitos, que existe em Frana e Portugal (209/3
CRP), mas no existe em nenhum sistema de tipo ingls ou de administrao judiciria. Um tribunal de
conflitos um tribunal superior, de funcionamento intermitente (s quando surge um conflito), de
composio mista, normalmente paritria, e que se destina a decidir em ltima instncia os conflitos de
jurisdio que surjam entre os tribunais administrativos e os tribunais comuns.
2 Vinculao e discricionariedade no poder administrativo
5. O poder vinculado da Administrao + 6. A discricionariedade administrativa
J vimos que a Administrao est subordinada lei nos termos do princpio da legalidade. Mas a
verdade que a lei no regula sempre do mesmo modo os actos a praticar pela Administrao pblica:
umas vezes pormenoriza, outras vezes no associa situao jurdica por si definida uma nica
consequncia jurdica, antes habilita a Administrao a determinar ela prpria essa mesma consequncia.
Ou, por outras palavras, a regulamentao legal da actividade administrativa umas vezes precisa,
outras vezes imprecisa. Vejamos, com dois exemplos, as situaes extrema que possvel encontrar a
este respeito.
Primeiro exemplo: consideremos o chamado acto tributrio i.e. o acto pelo qual a Administrao fiscal
faz a liquidao dos impostos directos e declara ao contribuinte qual o montante que tem de pagar, a
ttulo de um determinado imposto.
Nesta matria de impostos, como se sabe, as leis definem a incidncia do imposto, a matria colectvel,
a taxa devida, etc. A Administrao fiscal o que tem de fazer apenas apurar o rendimento dessa
pessoa, fazer os descontos legais e, sobre o montante que da resultar aplicar a percentagem
correspondente taxa de imposto em causa. Em casos como estes, a lei regula todos os aspectos da
aco administrativa. A Administrao desempenha tarefas puramente mecnicas, at chegar a um
resultado que o nico resultado legalmente possvel.
Aqui dizemos que a lei vincula totalmente a Administrao. Ela no tem possibilidade de efectuar
qualquer escolha. O acto administrativo um acto vinculado. Trata-se, sem dvida, de um acto de
autoridade, de uma manifestao do poder administrativo, porque uma deciso unilateral que define o
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direito no caso concreto, e o define em termos que so obrigatrios, quer para as autoridades
administrativas, quer para os particulares e designadamente para o seu destinatrio, mas um acto
vinculado. A lei regular em todos os aspectos aquilo que a Administrao deve fazer.
Segundo exemplo, este no plo oposto: a nomeao de um governador civil, nos termos do artigo 3 do DL
252/92 de 19 de Novembro. O Governo, atravs do Conselho de Ministros, e por proposta do Ministro da
Administrao Interna, pode escolher os governadores civis. De acordo com aquela disposio legal, o
Governo pode, de facto, escolher qualquer cidado portugus, desde que seja maior, para desempenhar
as funes do governador civil. Ou seja, a nomeao um acto discricionrio em bastantes aspectos. No
o em todos porque o Governo no pode nomear estrangeiros, nem menores, nem incapazes em virtude
de uma anomalia psquica: mas pode nomear qualquer cidado portugus, maior e no pleno gozo dos seus
direitos.
Aqui estamos na situao oposta anterior. A lei praticamente nada diz, nada regula, e atribiui uma
significativa margem de autonomia Administrao Pblica. esta que tem de decidir segundo os
critrios que em cada caso entender ser mais adequados prossecuo do interesse pblico. Aqui a lei
no pormenoriza o sentido da actuao da Administrao pblica.
Temos, portanto, num caso actos vinculados, no outro actos discricionrios. Vinculao e
discricionariedade so assim as duas formas tpicas pela qual a lei modela a actividade da Administrao
pblica.
7. Idem: conceito
Para a definio dos conceitos mencionados podem adoptar-se, e tm sido adoptadas pela doutrina, duas
perspectivas diferentes:
A perspectiva dos poderes da Administrao;
A perspectiva dos actos da Administrao.
De novo deparamos aqui com a diferena entre a perspectiva da teoria da organizao e a teoria da
actividade. Se nos colocarmos na teoria da organizao, analisaremos os poderes; se nos colocarmos na
teoria da actividade, analisaremos os actos.
Focando, antes de mais, a primeira perspectiva a dos poderes julgamos hoje correcto dizer-se: o
poder vinculado quando a lei no remete para o critrio do respectivo titular a escolha da soluo
concreta mais adequada. E ser discricionrio quando o seu exerccio fique entregue ao critrio do
respectivo titular, que pode e deve escolher o procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado
realizao do interesse pblico protegido pela norma que o confere.
Se adoptarmos a segundo perspectiva a dos actos diremos, de uma forma mais simplificada, que os
actos so vinculados quando praticados pela Administrao no exerccio de poderes vinculados, e que so
discricionrios quando praticados no exerccio de poderes discricionrios.
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Mas importa, desde j, fazer aqui uma preveno da maior importncia. que, em bom rigor, no h
actos totalmente vinculados, nem actos totalmente discricionrios. Os actos administrativos so sempre
o resultado de uma mistura ou combinao, em doses variadas, entre o exerccio de poderes vinculados e
o exerccio de poderes discricionrios.
Por exemplo, no caso do acto tributrio, a vinculao quase total, mas, mesmo assim, ainda h uma
pequena zona em que existe discricionariedade: que a lei d normalmente um prazo Administrao
pblica para praticar esses actos, e dentro desse prazo a Administrao pode escolher livremente o
momento, o dia e a hora, em que pratica o acto. uma margem mnima de discricionariedade, mas existe.
No segundo exemplo, a autonomia conferida ao Governo bastante ampla. Mas a lei estabelece diversas
condicionantes: por exemplo, diz que a competncia para nomear Governadores Civis pertence ao
Conselho de Ministros, por proposta do MAI. O aspecto da competncia para a prtica do acto um
aspecto vinculado. Em segundo lugar, como s podem ser nomeados GV portugueses maiores de 18 anos,
se o Governo nomear um estrangeiro, ou nomear um menor, o acto ilegal porque era vinculado quanto a
esse aspecto. Em terceiro lugar, o fim do acto administrativo sempre vinculado. A norma que confere
um poder discricionrio confere-o para um certo fim: se o acto pelo qual se exerce esse poder for
praticado com a inteno de prosseguir o fim que a norma visou, este acto legal; se o acto for
praticado com um diverso daquele para que a lei conferiu o poder discricionrio, o acto ilegal. Porque o
fim sempre vinculado no poder discricionrio. Finalmente, a referida deciso administrativa tem de
respeitar directivas dimanadas de certos princpios gerais de Direito vinculativos da actividade da
Administrao. Portanto, a discricionariedade no total.
Por isso dizamos que, em rigor, no h actos administrativos totalmente vinculados, nem actos
administrativos totalmente discricionrios. Todos os actos administrativos so em parte vinculados e em
parte discricionrios. Assim, quando na linguagem corrente se fala em actos vinculados, est-se no fundo
a pensar em actos predominantemente vinculados; e quando se fala em actos discricionrios, est-se no
fundo a pensar em actos predominantemente discricionrios.
8. Idem: fundamento e significado
No seria uma exigncia lgica do princpio da legalidade que tudo estivesse minuciosamente regulado
pela lei e que no fosse deixada nenhuma margem de discricionariedade aos rgos da Administrao?
A) A verdade que isso seria, no plano prtico, impossvel e mesmo inconveniente. H casos em que a lei
pode regular todos os aspectos e nesses casos, a actuao da Administrao pblica uma actuao
mecnica, dedutiva; uma actuao que se traduz na mera aplicao da lei abstracta ao caso concreto,
por meio de operaes lgicas, inclusive por operaes matemticas. Mas na maioria dos casos o
legislador reconhece que no lhe possvel prever antecipadamente todas as circunstncias em que a
Administrao vai ter de actuar: nem lhe possvel consequentemente dispor acerca das melhores
solues para prosseguir o interesse pblico.
E s mencionadas razes prticas acrescem razes jurdicas. que o poder discricionrio visa, antes de
tudo, assegurar o tratamento equitativo dos casos individuais. Juridicamente, o poder discricionrio
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fundamenta-se, afinal, quer no princpio da separao de poderes, quer na prpria concepo do Estado
Social de Direito, enquanto Estado prestador e constitutivo de deveres positivos para a Administrao,
que no prescinde, antes pressupe, uma margem de autonomia jurdica.
a conjugao desta dupla ordem de razes que justifica uma abertura no grau de densidade das
normas, atravs do qual se confere Administrao competncia para assegurar uma melhor adequao
da deciso s circunstncias concretas.
B) E qual o significado do poder discricionrio? Hoje, o poder discricionrio, como todo o poder
administrativo, no um poder inato, um poder derivado da lei: s existe quando a lei o confere e na
medida em que a lei o configura. Mas mais: para alm de s existir com fundamento na lei, o poder
discricionrio s pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir, s pode ser exercido para o fim
com que a lei o confere, e deve ser exercido de acordo com certos princpios jurdicos de actuao. Por
ltimo, o poder discricionrio controlvel jurisdicionalmente: h meios jurisdicionais para controlar o
exerccio do poder discricionrio.
Por todas estas razes, o poder discricionrio no uma excepo ao princpio da legalidade, mas sim
uma das formas possveis de estabelecer a subordinao da Administrao lei.
9. Idem: Natureza jurdica
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 79-84;
10. Idem: mbito
Cabe agora analisar quais os aspectos que a discricionariedade pode abranger, na actuao da
Administrao pblica. J sabemos, alis, que a competncia e o fim so sempre aspectos vinculados no
acto administrativo: ento o que que pode ser discricionrio num acto da Administrao? Iremos
enunciar os aspectos que podem ser discricionrios, o que no significa que todos estes aspectos sejam
sempre discricionrios. Pois bem, os aspectos que podem ser de discricionariedade so os seguintes:
a) O momento da prtica do acto;
b) A deciso de praticar ou no um certo acto administrativo;
c) A determinao dos factos e interesses relevantes para a deciso;
d) A determinao do contedo concreto da deciso a tomar trata-se daquilo que designado por
discricionariedade de escolha de uma entre vrias condutas positivas possveis, que elas se
encontrem preditas em alternativa na norma (discricionariedade optativa), quer o legislador se
limite a estabelecer um ncleo mnimo identificador do gnero de medida, deixando ao executor
a inveno do contedo completo do acto (discricionariedade optativa);
e) A forma a adoptar para o acto administrativo;
f) As formalidades a observar na preparao ou na prtica do acto administrativo;
g) A fundamentao ou no da deciso (ver 124 CPA);
h) Por fim, a faculdade de apor ou no, no acto administrativo condies, termos, modos e outras
clusulas acessrias (121 CPA), bem como a determinao do respectivo contedo.
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11. Idem: Limites
O poder discricionrio da Administrao pode ser limitado juridicamente por duas formas diferentes: ou
atravs de limites legais ou atravs da chamada auto-vinculao.
A) Os limites legais so aqueles que resultam da prpria lei. Os aspectos h pouco referidos so aspectos
em que a lei pode conferir discricionariedade Administrao ou pode no a conferir, impondo em vez
disso uma vinculao. Assim, a lei estabelece mais ou menos limitaes, conforme entender. Alm disso,
os princpios constitucionais relativos ao exerccio da actividade administrativa (266/1 CRP)
condicionam qualquer deciso administrativa discricionria.
B) Por outro lado, pode haver limites que decorram da auto-vinculao. Com efeito, no mbito da
discricionariedade que a lei confere Administrao, esta pode exercer os seus poderes de duas
maneiras diversas:
Pode exerc-los caso a caso, adoptando em cada caso a soluo que lhe parecer mais ajustada ao
interesse pblico. Nesta hiptese, a Administrao reserva-se o direito de apreciar
casuisticamente as circunstncias e o s condicionalismos de cada caso concreto e ser em
funo dessas circunstncias e condicionalismos que a Administrao tomar a sua deciso;
Mas a Administrao pode proceder de outra maneira: na base de uma previso do que poder vir
a acontecer, ou na base de uma experincia sedimentada ao longo de vrios anos de exerccio dos
seus poderes, a Administrao pode elaborar normas genricas em que enuncie os critrios a que
ela prpria obedecer na apreciao de cada tipo de caso.
Estas normas genricas podem ter a natureza de regulamentos, ou podem ser normas genricas de outro
tipo, mas correspondem sempre ideia de que a Administrao anuncia previamente os critrios de
acordo com os quais vai exercer o seu poder discricionrio. Se a Administrao faz normas que no tinha
a obrigao de fazer, mas fez, ento deve obedincia a essas normas, e se as violar comete uma
ilegalidade o princpio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
Por outro lado, cumpre chamar a ateno para o seguinte: a possibilidade de auto-vinculao da
Administrao pblica no ilimitada. Primeiro, a Administrao no pode auto-vincular-se com
desrespeito do artigo 112/5 da CRP i.e. o instrumento normativo atravs do qual se auto-vincula no
pode cumulativamente ter eficcia externa e interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar
qualquer dos preceitos legais que conferem um poder discricionrio. Depois, pode haver casos em que a
lei queira que a Administrao exera efectivamente caso a caso o seu poder de apreciao das
circunstncias concretas.
.
Conclui-se, por conseguinte, que, nos casos em que exista, o poder discricionrio s pode ser exercido
dentro dos limites da lei ou dentro dos limites que a Administrao se tenha validamente imposto a si
mesma.
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12. Idem: Controlo do exerccio do poder discricionrio
Modalidades a actividade da Administrao est sujeita a vrios tipos de controlos, que podem ser
classificados das seguintes formas:
Controlos de legalidade: so aqueles que visam determinar se a Administrao respeitou a lei ou a
violou;
Controlos de mrito: so aqueles que visam avaliar o bem fundado das decises da Administrao,
independentemente da sua legalidade;
Controlos jurisdicionais: so aqueles que se efectuam atravs dos tribunais;
Controlos administrativos: so aqueles que so realizados por rgos da Administrao.
Como se cruzam estas classificaes? Da forma seguinte:
o controlo de legalidade em princpio tanto pode ser feito pelos tribunais como pela prpria
administrao, mas em ltima anlise compete aos tribunais;
o controlo de mrito s pode ser feito, no nosso pas, pela Administrao.
E o que , em bom rigor, o mrito dos actos administrativos? Costuma-se dizer que no mrito do acto
administrativo se compreendem duas ideias: a ideia de justia e a ideia de convenincia.
O que a justia de um acto administrativo? a adequao desse acto necessria harmonia
entre o interesse pblico especfico que ele deve prosseguir, e os direitos subjectivos e os
interesses legalmente protegidos dos particulares eventualmente afectados pelo acto;
Quanto convenincia do acto, a sua adequao ao interesse pblico especfico que justifica a
sua prtica ou necessria harmonia entre esse interesse e os demais interesses pblicos
eventualmente afectados pelo acto.
Note-se que a justia dos actos administrativos, que anteriormente pertencia ao respectivo mrito,
passou, entretanto, para o campo da legalidade: o que resulta do artigo 266/2 CRP, ao proclamar como
princpio geral de direito o princpio da justia. A violao deste passou assim a constituir uma
ilegalidade.
mbito como que estes vrios controlos incidem sobre o poder discricionrio da Administrao? Os
poderes conferidos por lei Administrao ou so vinculados ou discricionrios ou so em parte
vinculados e em parte discricionrios.
O uso de poderes vinculados e em parte discricionrios que tenham sido exercidos contra a lei
objecto dos controlos de legalidade;
O uso de poderes discricionrios e em parte vinculados que tenham sido exercidos de modo
inconveniente objecto dos controlos de mrito.
A legalidade de um acto administrativo ou seja, a conformidade dos aspectos vinculados do acto com a
lei aplicvel pode ser sempre controlada pelos tribunais administrativos, e pela Administrao. O
mrito de um acto administrativo ou seja, a conformidade dos aspectos discricionrios do acto com a
convenincia do interesse pblico s pode ser controlado pela Administrao.
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Impugnao de actos discricionrios entende-se hoje pacificamente que os actos discricionrios, por
isso que so sempre tambm em certa medida praticados no uso de poderes vinculados, podem ser
atacados contenciosamente com fundamento em qualquer dos vcios do acto administrativo. Assim:
Podem ser impugnados com fundamento em incompetncia, visto que a competncia sempre
vinculada;
Podem ser impugnados com fundamento em vcio de forma, nomeadamente por preterio de
formalidades essenciais que devessem ser observadas antes de tomada a deciso e, em
particular, por falta de fundamentao;
Podem ser impugnados com fundamento em violao da lei, designadamente por ofensa de
quaisquer limites impostos ao poder discricionrio, por lei ou por auto-vinculao em de modo
muito especial, por violao dos princpios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, boa
f, justia e imparcialidade;
E podem ainda ser impugnados com fundamento em quaisquer defeitos da vontade,
nomeadamente erro de facto, que o mais frequente.
Parece ser mais claro, lux do que ficou exposto, o que foi anteriormente afirmado i.e. que no h em
rigor controlo jurisdicional do exerccio do poder discricionrio:
Por um lado, o controlo administrativo de mrito sobre o bom ou mau uso do poder discricionrio;
Por outro, controlo jurisdicional de legalidade sobre o acatamento ou no das prescries legais
no exerccio de poderes administrativos que, para alm desses aspectos vinculados, sejam
poderes discricionrios.
O desvio de poder no , pois, como normalmente se diz, a nica ilegalidade possvel no exerccio de
poderes discricionrios sim, apenas, a ilegalidade tpica do exerccio de poderes discricionrios fora
do seu fim. Mas h outras.
De tudo isto se pode concluir que o reforo do controlo jurisdicional do poder discricionrio da
Administrao no ser nunca obtido em larga escala pelo canal do desvio de poder, mas antes atravs do
alargamento dos casos de incompetncia, vcio de forma e violao de lei no plano do exerccio de
poderes discricionrios.
O que se torna necessrio no permitir aos tribunais que controlem o mrito da aco administrativa,
mas sim, para alm de reforar os controlos administrativos de mrito, sujeitar progressivamente novos
aspectos da actividade da Administrao a princpios e critrios jurdicos que a vinculem, de tal modo
que os tribunais os possam abranger no mbito de um normal controlo jurisdicional de legalidade.
13. Distino entre o poder discricionrio e figuras afins
Abordemos agora um problema que tem sido bastante discutido entre ns, a saber, a relao entre a
discricionariedade e a interpretao de conceitos indeterminados. Conceitos indeterminados, recorde-
se, so aqueles cujo contedo e extenso so em larga medida incertos. A sua utilizao pelo legislador
, hoje em dia, frequentssima. assim porque a lei precisa de se abrir mudana das concepes sociais
e s alteraes da vida trazidas pela sociedade tcnica i.e. precisa de adaptar-se e de se fazer
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permevel aos seus prprios fundamentos tico-sociais. O que importa saber se a interpretao de
conceitos indeterminados uma actividade vinculado ou discricionria e, por conseguinte, sindicvel ou
no pelos tribunais.
O Professor Freitas do Amaral defendeu que a interpretao de conceitos jurdicos indeterminados era
uma figura afim da discricionariedade i.e. uma realidade conceitual e regionalmente distinta desta. Uma
mais ntida percepo da heterogeneidade dos conceitos indeterminados leva-o hoje a afirmar de modo
mais desenvolvido que estes no tm efectivamente todos a mesma feio e, designadamente, que alguns
deles so, claramente, um instrumento de que a lei se serve para atribuir discricionariedade
Administrao. H, de facto, que distinguir situaes.
I) Assim temos, de um lado, o caso daqueles conceitos indeterminados cuja concretizao envolve
apenas operaes de interpretao da lei e de subsuno. Conceitos legais existem, na verdade,
cuja indeterminao somente condicionada pela linguagem e, portanto, solucionvel atravs de
raciocnios teortico-discursivos. A lei que os prev no atribui, pois, qualquer autonomia vontade
do decisor.
II) Doutro lado, temos a situao daqueles conceitos indeterminados cuja concretizao apela j para
preenchimentos valorativos por parte do rgo administrativo aplicador do Direito. Porm, nesta
sede, devem distinguir-se duas hipteses:
Em primeiro lugar, existem conceitos cuja concretizao no exige do rgo administrativo
uma valorao eminentemente pessoal, mas sim uma valorao objectiva.
Em segundo lugar, temos aquelas hipteses em que claramente o legislador remete para a
Administrao a competncia de fazer um juzo baseado na sua experincia e nas suas
convices, que no determinado, mas apenas enquadrado por critrios jurdicos. Quer
dizer, a Administrao tem a de, considerando as circunstncias de interesse pblico,
descobrir, segundo o seu critrio, a soluo mais adequada. Deve naturalmente entender-
se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autnomo da vontade
do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de
verificar se a soluo encontrada obedeceu s exigncias externas postas pela ordem
jurdica.
S em concreto, por interpretao da lei, se pode determinar a que tipo se reconduz certo conceito
indeterminado.
Em suma: se a concretizao administrativa de conceitos indeterminados traduz muitas vezes o
exerccio de uma actividade de interpretao da lei, noutras, porm, traduz o exerccio de uma
verdadeira discricionariedade, sendo que, quando assim sucede, o tribunal no pode reapreciar o acto da
Administrao para lhe substituir outro. Se o fizesse, estaria a exercer a funo administrativa, e no
j a funo jurisdicional: haveria dupla administrao, o que seria contrrio ao princpio da separao de
poderes e, portanto, inconstitucional.
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
13
14. Idem: figuras afins do poder discricionrio
Frequentemente, a lei remete de modo expresso nos seus dispositivos para normas extra-jurdicas.
Quando assim sucede, deve entender-se que no estamos no terreno da discricionariedade, mas sim no
campo da vinculao. Porque, ao remeter para normas extra-jurdicas, a lei f-las suas, incorpora-as na
ordem jurdica e portanto torna-as juridicamente obrigatrias, em termos tais que a violao dessas
normas , para todos os efeitos, uma violao da lei que para elas remete. H uma vinculao jurdica a
normas extra-jurdicas, sendo estas relevantes e obrigatrias para a Administrao porque a lei as fez
suas.
Captulo II O Exerccio do Poder Administrativo
I Introduo
18. Modos de exerccio do poder administrativo
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 147- 150;
2 O Regulamento Administrativo
19. Noo
Os regulamentos administrativos so as normas jurdicas emanadas no exerccio do poder
administrativo por um rgo da Administrao ou por outra entidade pblica ou privada para tal
habilitada por lei. A noo apresentada encerra trs elementos essenciais:
A) Do ponto de vista material, o regulamente administrativo consiste em normas jurdicas. Quando se
afirma que o regulamento tem natureza normativa, estamos a encar-lo enquanto regra de conduta da
vida social, dotada das caractersticas da generalidade e da abstraco. Mas, para alm da norma que ,
o regulamento uma norma jurdica: quer isto dizer que o regulamento administrativo no um mero
preceito administrativo, trata-se de uma verdadeira e prpria regra de direito, que, nomeadamente,
pode ser imposta mediante a ameaa de coaco e cuja violao leva, em geral, aplicao de sanes,
sejam elas de natureza penal, administrativa ou disciplinar.
B) Do ponto de vista orgnico, o regulamento , por via de regra, ditado por um rgo de uma pessoa
colectiva pblica integrante da Administrao pblica. Mas no s. Sendo o poder regulamentar um poder
caracterstico da funo administrativa e sendo esta funo, por vezes exercida quer por pessoas
colectivas pblicas que no integram a Administrao (ex. Parlamento) quer por entidades de direito
privado tambm essas outras entidades podem exercer, a ttulo excepcional, poderes regulamentares.
C) Em ltimo lugar, e como elemento funcional, cumpre referir que o regulamento emanado no exerccio
do poder administrativo. Porque se trata do exerccio do poder administrativo deve ter-se presente que
a actividade regulamentar uma actividade secundria, dependente e subordinada face actividade
legislativa. Enquanto norma secundria que , o regulamento administrativo encontra, pois, na
Constituio e na lei o seu fundamento e parmetro de validade. Consequentemente, se o regulamento
contrariar uma lei ilegal; e se entrar em relao directa com a Constituio, violando-a em qualquer dos
seus preceitos, padecer de inconstitucionalidade.
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20. Espcies
As espcies de regulamentos administrativos podem ser apuradas luz de quatro critrios
fundamentais:
a) Um primeiro que atende sua relao com a lei;
b) Um segundo, que atende ao seu objecto;
c) Um terceiro, que atende ao mbito da sua aplicao;
d) E um quarto, que atende projeco da sua eficcia.
A) Do ponto de vista da relao dos regulamentos administrativos face lei h que distinguir duas
espcies:
Regulamentos complementares ou de execuo
Regulamentos independentes ou autnomos
Como a prpria designao sugere, os regulamentos complementares ou de execuo so aqueles que
desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurdica constante de uma lei. E nessa medida, completam-na,
viabilizando a sua aplicao aos casos concretos. Estes regulamentos so o desenvolvimento, operado por
via administrativa, da previso legislativa, tornando possvel a aplicao do comando primrio s
situaes concretas da vida tornando, no fundo, possvel a prtica dos actos administrativos individuais
e concretos que so seu natural corolrio.
Os regulamentos complementares ou de execuo podem, por sua vez, ser espontneos ou devidos. No
primeiro caso, a lei nada diz quanto necessidade da sua complementarizao: todavia, se a
Administrao o entender adequado e para tanto dispuser de competncia, poder editar um
regulamento de execuo. No segundo, a prpria lei que impe Administrao a tarefa de desenvolver
a previso do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execuo so, tipicamente, regulamentos secundum
legum, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que no podem ser seno o
aprofundamento.
Independentes ou autnomos so, diferentemente, aqueles regulamentos que os rgos administrativos
elaboram no exerccio da sua competncia, para assegurar a realizao das suas atribuies especficas,
sem cuidar de desenvolver ou completar nenhuma lei em especial. Quer dizer, so regulamentos em que a
lei se limita a definir a competncia subjectiva e objectiva, sem necessidade de definio do contedo
dos comandos normativos a emitir pelo regulamento. No fundo, a sua misso estabelecer
autonomamente a disciplina jurdica que h-de pautar a realizao das atribuies especficas cometidas
pelo legislador aos entes pblicos considerados.
Os regulamentos independentes so, afinal de contas, expresso da autonomia com que a lei quer
distinguir certas entidades pblicas, confiando na sua capacidade de autodeterminao e no melhor
conhecimento de que normalmente desfrutam acerca das realidades com que tm de lidar.
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
15
A classificao em apreo est hoje claramente reflectida no artigo 112/6 e 7 da CRP. Estes preceitos,
por um la do, consagraram a distino entre estas duas espcies de regulamento e, por outro,
formularam exigncias formais importantes em relao a cada uma delas. Assim, desde 1982:
Exige-se, para a validade de qualquer regulamento complementar, que ele indique expressamente
a lei que visa regulamentar;
E exige-se, para a validade de qualquer regulamento independente, que ele indique
expressamente a lei ou as leis que atribuem especificamente competncia para a emisso do
regulamento i.e. as leis de habilitao.
B) Quanto ao objecto, h que referir fundamentalmente os regulamentos de organizao, os
regulamentos de funcionamento e os regulamentos de polcia. Esta classificao assenta naquela outra
classificao das normas administrativas em normas orgnicas, funcionais e relacionais.
Os regulamentos de organizao so aqueles que procedem distribuio das funes pelos vrios
departamentos e unidades de uma pessoa colectiva pblica, bem como repartio de tarefas pelos
diversos agentes que a trabalham. Versam, pois, sobre a organizao da mquina administrativa.
Quanto aos regulamentos de funcionamento, tantas vezes misturados num mesmo diploma com os
anteriores, so aqueles que disciplinam a vida quotidiana dos servios pblicos. Os regulamentos que
procedem em particular fixao das regras de expediente denominam-se regulamentos procedimentais.
Por seu turno, os regulamentos de polcia so aqueles que impem limitaes liberdade individual com
vista a evitar que, em consequncia da conduta perigosa dos indivduos, se produzam danos sociais (ex:
regulamentos de trnsito, regulamentos sobre a utilizao de material eltrico). Os regulamentos de
polcia assumem grande relevncia no domnio da administrao local, cumprindo a esse propsito
distinguir entre as posturas que so regulamentos locais, de polcia, independentes ou autnomos e os
regulamentos policiais que, diversamente, so regulamentos locais, de polcia, mas complementares ou
de execuo.
C) Quanto ao mbito da sua aplicao, h que distinguir entre regulamentos gerais, locais e institucionais.
Os regulamentos gerais so aqueles que se destinam a vigorar em todo o territrio continental; os
regulamentos locais so aqueles que tm o seu domnio de aplicao limitado a uma dada circunscrio
territorial (regulamentos regionais, regulamentos autrquicos) e os regulamentos institucionais so os
que emanam de institutos pblicos ou associaes pblicas, para terem aplicao apenas s pessoas que
se encontram sob a sua jurisdio.
D) Por ltimo, os regulamentos dividem-se, quanto projeco da sua eficcia, em regulamentos internos
e externos. So regulamentos internos os que produzem os seus efeitos jurdicos unicamente no interior
da esfera jurdica da pessoa colectiva pblica de que emanam. So regulamentos externos aqueles que
produzem efeitos jurdicos em relao a outros sujeitos de direito diferentes i.e. em relao a outras
pessoas colectivas pblicas ou em relao a particulares.
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
16
Assim, por exemplo, h regulamentos de organizao que so internos; mas todos os regulamentos de
polcia so externos. Ao contrrio do que se passa com os regulamentos externos, no vale para os
regulamentos internos o princpio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
21. Distino entre regulamento e lei
Como se distinguem entre si a lei e o regulamento administrativo? E que importncia prtica tem o saber
fazer essa distino?
Critrios de distino: antes de mais necessrio ter conscincia do relativismo da delimitao entre a
lei e o regulamento. Quer dizer, um tal limite no ditado por postulados tcnico-jurdicos de valor
absoluto, antes resulta, em cada momento histrico, do tipo de organizao poltico-administrativa de
cada Estado.
Um primeiro critrio, de que partia a escola clssica francesa, assenta na diferena entre princpios e
pormenores lei caberia a formulao dos princpios, ao regulamento a disciplina dos pormenores. Mas
o critrio vago, pois no permite traar com rigor a distino entre princpios e pormenores; alm de
que nada impede que haja pormenores numa lei e princpios num regulamento.
Um segundo critrio entre ns sustentado por Marcello Caetano reconhecendo haver algumas
afinidades no plano material entre o regulamento e a lei, considera possvel distingui-los porque ao
regulamento falta a novidade, que caracterstica da lei. Os regulamentos complementares ou de
execuo so, caracteristicamente, normas secundrias que completam ou desenvolvem leis anteriores,
sem as quais no podem ser elaboradas; e os regulamentos independentes ou autnomos, embora no se
destinem a regulamentar determinada lei em especial, so feitos para a boa execuo das leis em geral
i.e. visam a dinamizao da ordem legislativa, no seu conjunto. Mas este critrio encerra tambm uma
dificuldade precisamente a dos regulamentos independentes ou autnomos. Estes no pressupem na
sua base nenhuma lei, a no ser a lei de habilitao; e para alm disso, estes regulamentos so
inovadores, criam direito.
Um terceiro critrio baseia-se na identidade material entre lei e regulamento substancialmente os
regulamentos so lei. Assim, a distino entre ambos s pode ser feita no plano formal e orgnico. Ou
seja, tanto a lei como o regulamento so materialmente normas jurdicas; a diferena vem da diferente
posio hierrquica dos rgos de onde emanam e, consequentemente, do diferente valor formal de uma
e da outra (a lei pode revogar o regulamento; o regulamento no pode revogar a lei e, se a contrariar,
ilegal).
O Professor Freitas do Amaral entende, luz dos dados do nosso direito positivo, que este ltimo o
critrio correcto. Apenas por aspectos orgnicos e formais , pois, possvel estabelecer a diferena
entre lei e regulamento. Portanto, luz do direito positivo vigente, lei todo o acto que provenha de um
rgo com competncia legislativa e que assuma a forma de lei, ainda que o seu alcance seja estritamente
individual ou contenha disposies de caracter regulamentar. regulamento todo o acto dimanado de um
rgo com competncia regulamentar e que revista a forma de regulamento, ainda que seja independente
ou autnomo e, por conseguinte, inovador.
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
17
Importncia da distino - a utilidade prtica da distino entre lei e regulamento cifra-se basicamente
em trs pontos:
1. Fundamento jurdico: a lei, em regra, baseia-se unicamente na Constituio; o regulamento s
ser vlido se uma lei de habilitao atribuir competncia para a sua emisso (112/7 CRP);
2. Ilegalidade: em regra, uma lei contrria a outra lei revoga-a, ou ento coexistem ambas na ordem
jurdica com diversos domnios de aplicao; um regulamento contrrio a uma lei ilegal;
3. Impugnao contenciosa: a lei, regra geral, s pode ser impugnada contenciosamente com
fundamento em inconstitucionalidade; o regulamento ilegal , em regra, impugnvel
contenciosamente junto dos tribunais administrativos e com fundamento em ilegalidade
propriamente dita. Excepcionalmente, o regulamento pode ser, no entanto, impugnado
directamente perante o Tribunal Constitucional.
22. Distino entre regulamento e acto administrativo
Regra geral, a distino fcil de fazer e reconduz-se distino entre norma jurdica e acto jurdico.
Tanto o regulamento como o acto administrativo so comandos jurdicos unilaterais emitidos por um
rgo competente no exerccio de um poder pblico de autoridade: mas o regulamento, como norma
jurdica que , uma regra geral e abstracta, ao passo que o acto administrativo, como acto jurdico que
, uma deciso individual e concreta.
A norma jurdica geral i.e. define os seus destinatrios por meio de conceitos ou categorias universais,
sem individualizao de pessoa, e abstracta i.e. define as situaes da vida a que se aplica tambm por
meio de conceitos ou categorias. Pelo contrrio, o acto administrativo individual i.e. reporta-se a uma
pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas, e concreto i.e. visa regular uma certa
situao bem caracterizada.
Na maior parte dos casos, a distino feita nestes termos fcil de aplicar. Por vezes, contudo, torna-se
muito difcil. Consideremos trs dificuldades principais:
1. Comando relativo a um rgo singular (PR, por exemplo): norma, e no acto, se dispuser em
funo das caractersticas da categoria abstracta e no da pessoa concreta do titular do cargo;
2. Comando relativo a um grupo restrito de pessoas, todas determinadas ou determinveis: norma,
e no acto, desde que disponha por meio de categorias abstractas, tais como promoo,
actuais, funcionrios, etc; ser acto se contiver a lista nominativa dos indivduos abrangidos,
devidamente identificados;
3. Comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de pessoas, mas para ter aplicao
imediata numa nica situao concreta (por exemplo, a ordem dada por certa CM aos habitantes
de certa povoao para que hoje, por ter nevado, limpem a rua em frente das suas casas): trata-
se de uma norma, por haver generalidade.
Importncia da distino: qual a utilidade da distino entre regulamento e acto administrativo? Ela
manifesta-se sobretudo nos pontos seguintes.
1. Interpretao e integrao: o regulamento interpretado e as lacunas so integradas, de
harmonia com as regras prprias da interpretao e integrao das normas jurdicas; para o acto
administrativo, h outras regras especficas aplicveis em matria de interpretao e integrao
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18
2. Vcios e forma de invalidade: tambm podem no coincidir. Nesta matria, o paradigma aplicvel
ao regulamento o das leis; o modelo seguido no acto administrativo, ainda que com grande
numero de particularidades, o do negcio jurdico;
3. Impugnao contenciosa: para alm de os regulamentos poderem ser considerados ilegais em
quaisquer tribunais, ao contrrio do que sucede com o acto administrativo, os termos da
impugnao contenciosa de regulamentos e de actos administrativos so diferentes, quanto
legitimidade, aos prazos, s regras processuais, etc;
23. Fundamento do poder regulamentar
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 174-177;
24. Limites do poder regulamentar
Os limites do poder regulamentar so, desde logo, aqueles que decorrem do posicionamento dos
regulamentos na hierarquia das fontes de direito:
a) Em primeiro lugar, os princpios gerais de Direito;
b) Em segundo lugar, a Constituio;
c) Os princpios gerais de Direito Administrativo
d) Em seguida, a lei (princpio da legalidade). O regulamento no pode contrariar um acto legislativo, j
que a lei tem absoluta prioridade sobre os regulamentos a vertente do princpio da legalidade que,
como vimos, se costuma designar como princpio da preferncia de lei. O princpio da legalidade seria
contudo puramente formal se, em matrias importantes ainda no reguladas por lei, o regulamento
pudesse adiantar-se na respectiva disciplina jurdica. Da que, alm da prevalncia ou preferncia de
lei, ele se manifeste igualmente sob outra vertente muito importante: o princpio da reserva de lei.
Significa isto duas coisas. Em primeiro lugar, que o poder regulamentar se no pode desenvolver
naquelas reas que constitucionalmente estejam reservadas lei (principio da reserva material de
lei). Os nicos regulamentos que nas matrias reservadas lei se admitem so os regulamentos de
execuo, ainda que raramente. No domnio da reserva de lei parlamentar, o Governo s pode,
portanto, sob pena de inconstitucionalidade, editar normas inovadoras sob a forma de DLs e mediante
autorizao da AR. Em segundo lugar, o princpio da reserva de lei significa que o exerccio de
qualquer actividade administrativa regulamentar tem de ser precedido de uma lei habilitante
(precedncia de lei).
Concluindo, deve entender-se que s pode haver regulamentos independentes se uma lei
expressamente habilitar certo rgo administrativo (competncia subjectiva) a fazer um regulamento
sobre certa matria administrativa (competncia objectiva) entre a Constituio e o regulamento
independente tem de estar sempre o legislador. Todos os regulamentos devem tambm mencionar as
concretas leis que os habilitam, a preterio do dever de citao da lei de habilitao equivale
ausncia de um elemento formal constitucionalmente necessrio, pelo que tais regulamentos padecem
de inconstitucionalidade formal.
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E) Constitui tambm limite ao pode regulamentar a disciplina jurdica constante dos regulamentos
editados por rgos que se situem num plano superior ao do rgo que editou o regulamento. Assim, os
regulamentos do Governo prevalecem sobre todas as outras normas administrativas, mesmo
posteriores, em caso de conflito, sem prejuzo da competncia regulamentar especial dos rgos das
regies autnomas, quando as leis gerais no reservem para o Governo a sua regulamentao (227,
alnea d) 2 parte CRP): efectivamente, se tal reserva de regulamentao no ocorrer, deve admitir-
se, uma vez que no se estabelece na Constituio qualquer relao de supremacia dos regulamentos
nacionais relativamente aos regulamentos regionais, que os regulamentos regionais podem revogar os
regulamentos nacionais.
Quanto s autarquias locais, a regra a de que prevalecem os regulamentos emanados da autarquia de
grau superior (241 CRP). Nestes termos, um regulamento de freguesia deve obedincia a um
regulamento municipal, e este, por sua vez, dever obedincia a um regulamento regional (se houver
regio). Por outro lado, dentro de cada autarquia, os regulamentos tm o mesmo valor, resolvendo-se
o eventual conflito pela prevalncia da norma posterior.
F) Em sexto lugar, constitui limite do poder regulamentar a proibio de o regulamento dispor
retroactivamente. A esta limitao escapam, naturalmente, os regulamentos em relao aos quais a lei
haja concedido Administrao a faculdade de regular retroactivamente. Constitui igualmente
excepo o caso de o regulamento administrativo que se pretenda aplicar retroactivamente consagrar
um regime mais favorvel para os particulares.
G) Por ltimo, o poder regulamentar est sujeito a limites de competncia e de forma. Sendo a
Constituio e a lei que determinam a competncia dos rgos, sofrer de inconstitucionalidade ou
ilegalidade orgnica um regulamento editado por um rgo que no disponha de poderes para tal. Da
mesma maneira, tendo poderes para editar regulamentos, o rgo competente est vinculado s
formas e formalidades que, para a actividade regulamentar, tenham sido constitucional ou legalmente
fixadas.
25. Competncia e forma
Vamos ver agora quem so os titulares do poder regulamentar e a que forma ou formas devem
submeter-se os regulamentos administrativos.
1. Regulamentos do Governo: ao Governo compete, nos termos do artigo 199 alnea c) da CRP fazer
os regulamentos necessrios boa execuo das leis e, bem assim, nos termos da alnea g) do
mesmo preceito praticar todos os actos e tomar todas as providncias necessrias promoo
do desenvolvimento econmico-social e satisfao das necessidades colectivas.
Em relao ao exerccio da competncia do Governo, a regra de que ela h-de ser actuada pelo
Ministro da pasta respectiva, s intervindo o Conselho de Ministros quando a lei expressamente o
preveja. Portanto, cada Ministro, em princpio, que dever editar os regulamentos
administrativos necessrios boa execuo das leis ou satisfao das necessidades colectivas.
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
20
Excepcionalmente, o Conselho de Ministros pode dispor de competncia regulamentar: desde logo,
aquela que por lei lhe seja atribuda; depois, aquela outra que decorrer da circunstncia de um
assunto ser levado a Conselho de Ministros e o Conselho de Ministros entender que deve
pronunciar-se sobre ele.
Qual a forma dos regulamentos do Governo? H vrias formas possveis.
Decreto regulamentar (forma solene de regulamento do Governo);
Resoluo do Conselho de Ministros;
Quando o regulamento dimanado de um ou mais ministros em nome do Governo, estamos
perante a portaria.
Quando o regulamento dimana de um ministro em nome do seu ministrio, e no em nome
do Governo, estamos perante o despacho normativo;
Finalmente, tambm os despachos simples podem conter matria regulamentar, embora
no seja adequado que o faam.
2. Regies Autnomas: tanto a assembleia legislativa regional, como o governo regional dispem de
poder regulamentar. A competncia regulamentar das Regies Autnomas enunciada no artigo
227/1, alnea d) da CRP. Ver tambm artigos 231 e 232. A CRP no define a forma que devem
revestir os diversos actos dos rgos de governo prprio das regies, fazem-no os seus estatutos
politico-administrativos.
Os artigos 34/1 do Estatuto Poltico-Administrativo da Regio Autnoma dos Aores e 41/1 do
Estatuto Poltico-Administrativo da Regio Autnoma da Madeira estendem a forma de decreto
legislativo regional aos regulamentos da assembleia legislativa regional de adequao das leis
gerais provindas de rgos de soberania que no reservem para estes o respectivo poder
regulamentar. Trata-se, de acordo com o professor Freitas do Amaral, uma soluo
constitucionalmente duvidosa (pgina 189).
Os regulamentos do governo regional assumem, nos temos dos artigos 61/1 do Estatuto dos
Aores e 70/1 do Estatuto da Madeira, a forma de decreto regulamentar regional.
3. Autarquias locais: quanto s autarquias locais, j se viu que elas dispem de poder regulamentar,
directamente atribudo pelo artigo 241 CRP.
Segundo a lei 169/99 o poder regulamentar das autarquias pertence, no que toca autarquia
paroquial, assembleia de freguesia [12/2 j)] e, no que toca autarquia municipal, assembleia
municipal [53/2 a)]. A CM tem tambm, nos termos, entre outros preceitos, das alneas a), m), q),
s), z) do artigo 64/1 da lei 169/99 competncia para aprovar regulamentos.
Os regulamentos das autarquias assumem formas muito diversificadas consoante o seu objecto.
Os mais tpicos so as posturas.
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
21
4. Finalmente, tm, nos termos das respectivas leis orgnicas ou estatutos, competncia
regulamentar os institutos pblicos e associaes pblicas.
26. Requisitos procedimentais em matria de regulamentos administrativos (artigos 115 a 119 CPA)
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 192-194;
27. Publicao
Dos regulamentos haver naturalmente que dar conhecimento a todos os seus destinatrios potenciais
(princpio da publicidade). Nos termos do artigo 199/1 alnea h) da CRP, so publicados no Dirio da
Repblica os decretos regulamentares e os demais decretos e regulamentos do Governo, bem como ()
os decretos regulamentares regionais. A referncia genrica a demais decretos e regulamentos do
Governo abrange no apenas os diplomas do CM mas tambm os de cada um dos membros do Governo
(ex: as portarias ministrais). No parece que a expresso se deva entender como abrangendo os
regulamentos internos, bastando para estes a adequada divulgao no servio a que se apliquem.
A falta de publicidade dos regulamentos referidos determina a sua ineficcia jurdica (119/2 CRP).
Quer dizer: os actos carecidos de publicidade so vlidos mesmo sem ela, sendo ela apenas requisito de
eficcia (no obrigatoriedade e no oponibilidade a terceiros), mas no requisito de validade.
Quanto aos regulamentos autrquicos, so publicados em boletim prprio da autarquia, quando exista, ou
em edital afixado nos locais do estilo, conforme dispe o artigo 91 da Lei 169/99.
28. Vigncia dos regulamentos
Os regulamentos que devam ser publicados no Dirio da Repblica iniciam a sua vigncia na data que neles
estiver fixada, ou faltando tal fixao, cinco dias aps a publicao para o Continente e dez dias depois
para as Regies Autnomas da Madeira e dos Aores.
28.1. Idem: modificao e suspenso
A modificao e a suspenso dos regulamentos cabe quer aos rgos que os elaboram, quer aos rgos
hierarquicamente superiores com poder de superviso, quer ainda aos rgos que, nos termos da lei,
assumam poderes tutelares com esse contedo, relativamente aos que os hajam editado. A modificao e
a suspenso dos regulamentos deve respeitar um processo idntico ao da sua elaborao, com excepo
naturalmente das que no tenham razo de ser para o acto suspensivo ou modificativo.
Por outro lado, a modificao e a suspenso podem tambm ser efectuadas pelo legislador, segundo o
princpio de que nada vedado lei, no que toca criao de normas, ressalvando-se os limites
constitucionais. H todavia um limite modificabilidade e suspensividade dos regulamentos: quando
elaborados em consequncia de expresso obrigao imposta por lei Administrao, esta no pode
modifica-los sem, concomitantemente, editar novas regras e, por maioria de razo, no poder, pura e
simplesmente, suspend-los.
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
22
28.2. Idem: inderrogabilidade singular
A Administrao pode modificar, suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral e
abstracta. O que Administrao no permitido fazer, no que toca a regulamentos externos,
derrog-los sem mais em casos isolados, mantendo-os em vigor para todos os restantes casos. Os
regulamentos externos obrigam no s os particulares, como a prpria Administrao que os elaborou.
Chama-se a isto o princpio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
Esta regra justifica-se por fora do princpio da legalidade da Administrao e tambm no princpio da
igualdade.
28.3. Idem: termo
Os regulamentos podem cessar a sua vigncia por:
Caducidade
Revogao
Deciso contenciosa
Analismo-las sucessivamente.
A) Caducidade: so casos em que o regulamento caduca i.e. cessa automaticamente a sua vigncia, por
ocorrem determinados factos que ope legis produzem esse efeito jurdico. Os principais casos de
caducidade so:
Se o regulamento for feito para vigorar durante certo perodo, decorrido esse perodo o
regulamento caduca;
O regulamento caduca tambm se forem transferidas as atribuies da pessoa colectiva para
outra autoridade administrativa, ou se cessar a competncia regulamentar do rgo que fez o
regulamento.
O regulamento cessa ainda a sua vigncia por caducidade se for revogada a lei que se destinava a
executar, sem que esta tenha sido substituda por outra. No caso de substituio da lei,
subsistir o regulamento at que um novo regulamento seja elaborado na parte em que se
mostrar materialmente conforme disciplina instituda pela lei nova. assim por fora do
principio da eficincia administrativa.
B) Revogao: o regulamento tambm deixa de vigorar noutro tipo de casos, em que um acto voluntrio
dos poderes pblicos impem a cessao dos efeitos, total ou parcial, do regulamento. So eles:
Revogao, expressa ou tcita, operada por outro regulamento, de grau hierrquico e forma
idnticos;
Revogao, expressa ou tcita, por regulamento de autoridade hierarquicamente superior ou por
regulamento de forma legal mais solene;
Revogao, expressa ou tcita, por lei.
Note-se que, nos termos do artigo 119/1 do CPA, expressamente proibida a revogao de
regulamentos de execuo no acompanhada de emisso simultnea de novo regulamento. Pretende-se
com esta regra evitar vazios em matria regulamentar que inviabilizem a efectiva aplicao das leis. Por
Direito Administrativo II (FDL) Maria Silveira
23
outro lado, exige o n2 do mesmo artigo que nos regulamentos se faa sempre meno especificada das
normas revogadas, exigncia esta que pretende combater a prtica das revogaes implcitas no domnio
da actividade regulamentar da Administrao Pblica.
C) Deciso contenciosa: os regulamentos deixam tambm de vigor, total ou parcialmente, sempre que um
tribunal para tanto competente declare a respectiva ilegalidade, os declare nulos ou os anule, no todo ou
em parte.
3 O Acto Administrativo
I Conceito, natureza e estrutura
29. Origem e evoluo do conceito de acto administrativo
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 203-208;
30. Concepes doutrinais acerca do conceito de acto administrativo
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 208-210;
31. Definio do acto administrativo
Comearemos por indicar os elementos do conceito de acto administrativo. Trata-se de:
Um acto jurdico;
Um acto unilateral;
Um acto de um rgo administrativo;
Um acto materialmente administrativo;
Um acto decisrio;
Um acto que versa sobre uma situao individual e concreta.
Ou seja, o acto administrativo o acto jurdico unilateral praticado, no exerccio do poder
administrativo, por um rgo da administrao ou por outra entidade pblica ou privada para tal
habilitada por lei, e que traduz uma deciso tendente a produzir efeitos jurdicos sobre uma situao
individual e concreta. Ver artigo 120CPA.
32. Anlise da definio: a) Acto jurdico
Em primeiro lugar, o acto administrativo um acto jurdico i.e. uma conduta voluntria produtora de
efeitos jurdicos. Sendo o acto administrativo um acto jurdico, so-lhes em regra aplicveis os
princpios gerais de direito referentes aos actos jurdicos em geral. Por outro lado, e uma vez que o acto
administrativo um acto jurdico em sentido prprio, isso significa que ficam de fora do conceito, sob
este aspecto:
Os factos jurdicos involuntrios;
As operaes materiais;
As actividades juridicamente irrelevantes.
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33. Idem: b) Acto unilateral
Em segundo lugar, o acto administrativo um acto unilateral. Ou seja, um acto jurdico que provm de
um autor cuja declarao perfeita independentemente do concurso de vontades de outros sujeitos. Por
vezes, a eficcia do acto administrativo depende da aceitao de um particular interessado, mas essa
aceitao funciona apenas como condio de eficcia do acto no integra o contedo do prprio acto,
nem condio da sua existncia ou perfeio.
Ficam, pois, fora do conceito de acto administrativo todos os actos bilaterais da Administrao e,
nomeadamente, todos os contratos por ela celebrados, sejam ou no contratos administrativos.
34. Idem: c) Acto praticado por um rgo administrativo
O acto administrativo um acto praticado por um rgo administrativo, o que significa que se trata de
um acto praticado ou por um rgo da Administrao Pblica em sentido orgnico ou, por outro lado, por
um rgo de uma pessoa colectiva privada, ou por um rgo do Estado no integrado no poder executivo,
por lei habilitados a praticar actos administrativos. Vejamos estas vrias situaes.
Em primeiro lugar, so actos administrativos os actos dimanados de rgos da Administrao em sentido
orgnico ou subjectivo i.e. os actos praticados pelos rgos das pessoas colectivas pblicas que compem
a Administrao Pblica. Note-se, no entanto, que no qualquer funcionrio pblico ou agente
administrativo que pode praticar actos administrativos: s um pequeno nmero deles tem o poder
jurdico de praticar actos administrativos, poder esse que lhes advm directamente da lei ou que lhes
conferido mediante delegao de poderes. Os indivduos que por lei ou delegao de poderes tm aptido
para praticar actos administrativos so rgos da Administrao; as nossas leis denominam-nos tambm
autoridades administrativas. Em segundo lugar, so tambm administrativos, por fora da lei, certos
outros actos jurdicos unilaterais que decidem situaes individuais e concretas.
a) So, em primeiro lugar, administrativos certos actos praticados por rgos de pessoas colectivas
que no se integram na Administrao Pblica em sentido orgnico. Como sabemos, determinadas
pessoas colectivas privadas colaboram intimamente com a AP na prossecuo das atribuies
desta. Por fora disso, a lei atribui-lhes competncia para praticar actos administrativos. Assim,
na exacta medida em que tais entidades possam por lei praticar tais actos, estes sero
administrativos e, por conseguinte, esto sujeitos quer a impugnao contenciosa junto dos
tribunais administrativos, quer ao regime procedimental e substantivo delineado no CPA.
b) Por outro lado, so tambm, por fora da lei, actos administrativos certos actos jurdico-pblicos
praticados por rgos do Estado no pertencentes ao poder executivo i.e. rgos integrados no
poder moderador, no poder legislativo ou no poder judicial. O artigo 26/1 alneas b) d) do
ETAF admite recurso de actos de vrios rgos do Estado integrados no poder moderador, no
poder legislativo ou no poder judicial para o Supremo Tribunal Administrativo. Por outro lado, nos
termos do artigo 2/1 CPA aplica-se directamente aos actos em matria administrativa
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praticados pelos rgos do Estado que, embora no integrados na Administrao Pblica,
desenvolvam funes materialmente administrativas.
Todavia, deve entender-se que a mencionada aplicao, mesmo com adaptaes, pode no ter
lugar se a isso se opuserem princpios mais fortes, decorrentes da natureza, dos fins ou das
exigncias prprias da misso fundamental dos poderes do Estado que praticarem tais actos.
Por ltimo, cabe referir que no so actos administrativos, por no provirem de um rgo da
Administrao Pblica ou de um rgo legalmente habilitado a praticar actos administrativos, os actos
praticados por indivduos estranhos Administrao Pblica, ainda que se pretendam fazer passar por
rgos desta. o caso dos usurpadores de funes pblicas. Nestes casos, se um individuo sem
qualquer vnculo com a Administrao se faz passar por rgo desta e pretende praticar actos
administrativos, trs consequncias jurdicas decorrem da:
A primeira que tais actos no valem como actos administrativos (so inexistentes);
A segunda que o autor deste tipo de actos pratica o crime da usurpao de funes, ficando
sujeito a responsabilidade penal;
A terceira que o mesmo individuo, se constitui em responsabilidade civil, nos termos gerais do
direito, para com as vtimas do seu embuste, cabendo-lhe indemnizar todos os prejuzos que por
esse facto tiver causado a outrem.
35. Idem: d) exerccio do poder administrativo
S os actos praticados no exerccio de um poder pblico i.e. ao abrigo de normas de direito pblico, para
o desempenho de uma actividade administrativa de gesto pblica, que so actos administrativos. Daqui
resulta, em consequncia, que:
1. No so actos administrativos os actos jurdicos praticados pela Administrao Pblica no
desempenho de actividades de gesto privada. o que estabelece o ETAF no seu artigo 4/1
alnea f). Por exemplo, no um acto administrativo a denncia de um contrato de arrendamento
jurdico-privado celebrado pela Administrao com um particular.
2. Tambm no so actos administrativos, por no traduzirem o exerccio do poder administrativo,
os actos polticos, os actos legislativos e os actos jurisdicionais, ainda que praticados por rgos
da Administrao [ETAF, artigo 4/1 alneas a) e b)]. , designadamente, o que sucede com a
referenda ministerial da promulgao presidencial de um decreto (acto poltico interno), entre
outros.
36. Idem: e) Produo de efeitos jurdicos sobre uma situao individual num caso concreto
Finalmente, o acto administrativo visa a produo de efeitos jurdicos numa situao individual e
concreta. Que quer com isso dizer-se? Este ltimo elemento do conceito de acto administrativo tem em
vista estabelecer a distino entre os actos administrativos, quem tm contedo individual e concreto, e
as normas jurdicas emanadas da AP, nomeadamente os regulamentos que, como vimos, tm contedo
geral e abstracto.
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Por norma, o acto administrativo versa sobre uma situao individual e concreta: por isso, um (pretenso)
acto administrativo que no contenha em si mesmo a individualizao do destinatrio a que se aplica e do
caso sobre que versa no pode valer, perante a ordem jurdica, como acto administrativo, ou pelo menos
como acto vlido e eficaz.
Ficam, portanto, fora do conceito de acto administrativo, os actos normativos de carcter material: quer
os actos legislativos (CRP 112/1), quer os regulamentos, que so actos normativos praticados por rgos
da prpria Administrao Pblica.
37. Continuao: o problema dos chamados actos colectivos, plurais e gerais
A distino entre actos genricos ou normativos e actos administrativos j foi explicitada e comentada.
Na maioria dos casos no uma distino difcil de fazer. Mas, por vezes, surgem dificuldades prticas
de aplicao. Vejamos algumas.
A) Em primeiro lugar, deparamos com os chamados actos colectivos i.e. os actos que tm por
destinatrio um conjunto unificado de pessoas. Um exemplo: quando o Governo toma a deciso de
dissolver um rgo colegial, sujeito ao seu poder de superintendncia ou tutela, est a praticar um acto
colectivo, ou seja, ou acto que tem por objecto um conjunto unificado de pessoas todos os membros do
rgo que foi objecto de dissoluo. O Professor Freitas do Amaral entende que se trata de um acto
administrativo. Tal acto no uma norma: no se trata, a, de formular regras gerais e abstractas. A
regra geral e abstracta dir: sempre que se verifiquem as circunstncias tais e tais, o Governo pode
dissolver os rgos tais e tais.
Mas quando o Governo, por aplicao dessa norma, no exerccio dos poderes por ela conferidos, dissolve
um determinado rgo colegial, estamos perante um acto administrativo, um acto individual e concreto,
no obstante dirigir-se a um conjunto de pessoas.
Em rigor, portanto, sob a aparncia externa de um acto administrativo dirigido a vrias pessoas, o que na
realidade existe na ordem jurdica so tantos actos administrativos quantas as pessoas abrangidas pela
dissoluo.
B) Vm, depois, os actos plurais i.e. os actos em que a Administrao Pblica toma uma deciso aplicvel
por igual a vrias pessoas diferentes. Um exemplo: um despacho ministerial nomeia vinte funcionrios
pblicos para vinte vagas que existem numa determinada direco-geral. Tambm neste caso, sob a
aparncia de um nico acto administrativo, o que existe, na realidade, so vrios actos administrativos.
No se trata, em rigor, de um acto de nomeao de vinte funcionrios, mas sim de vinte nomeaes de
outros tantos funcionrios. Aqui tambm no h qualquer norma jurdica, o que h um conjunto de actos
administrativos individuais e concretos.
C) Em terceiro lugar, aparecem os chamados actos gerais i.e. aqueles actos que se aplicam de imediato a
um grupo inorgnico de cidados, todos bem determinados, ou determinveis no local. Ora, estes actos
gerais tambm no devem ser considerados como actos genricos. No so normas jurdicas: so ordens
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concretas, dadas a pessoas concretas e bem determinadas, ou imediatamente determinveis. So um
feixe de actos administrativos que se reportam a vrias situaes individuais e concretas.
Diferentemente, se um determinado comando administrativo no permite a identificao dos seus
destinatrios individualizadamente ou no permite que se proceda a essa individualizao in loco e se
dirige a categorias, ou classes, ou grupos de sujeitos mesmo restritos (ex: comerciantes, funcionrios,
estudantes) uma norma, um comando geral, um acto genrico, no um acto geral i.e. um feixe de
decises concretas e individuais.
38. O papel da vontade no acto administrativo
Vide manual Curso de Direito Administrativo, Volume II, pginas 240-242;
39. Estrutura do acto administrativo
A estrutura do acto administrativo compe-se de quatro ordens de elementos: elementos subjectivos,
formais, objectivos e funcionais.
A) Elementos subjectivos
O acto administrativo tpico pe em relao dois sujeitos de direito: a Administrao pblica e um
particular ou, em alguns casos, duas pessoas colectivas pblicas ou duas pessoas colectivas privadas.
Existem, no entanto, excepes a esta regra:
o caso dos actos administrativos multipolares, direccionados erga omnes, com eficcia em
relao a terceiros, susceptveis de afectar mltiplos particulares, como sucede, por exemplo,
com as decises de construo de uma central atmica ou de um aeroporto;
E o caso dos actos reais (v.g. a classificao de um bem como sendo do domnio pblico) aqui
no h um sujeito destinatrio de uma deciso administrativa ou, melhor, todos os sujeitos so
destinatrios, pois o acto dirigido erga omnes.
Atendendo s situaes tpicas, cumpre referir que um dos sujeitos que o acto relaciona uma pessoa
colectiva pblica que integra a Administrao ou, por vezes, uma pessoa colectiva privada titular de
poderes de autoridade que com ela colabora: dela que o acto emana. Em rigor, a essa pessoa colectiva
pertence a autoria jurdica do acto. Contudo, a lei portuguesa considera que o autor do acto
administrativo , no a pessoa colectiva pblica cujo rgo o praticou, mas o rgo que tiver praticado o
acto.
O outro sujeito que, por via de regra, o acto administrativo pe em cena o destinatrio do acto que, as
mais das vezes, um particular, mas tambm pode ser uma pessoa colectiva pblica.
B) Elementos formais
Todo o acto administrativo tem sempre necessariamente uma forma i.e. um modo pelo qual se exterioriza
ou manifesta a conduta voluntria em que o acto consiste.
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No se deve, no entanto, confundir a forma do acto com a forma dos documentos em que se contenha a
reduo a escrito de actos administrativos. Na verdade, se a grande maioria de actos provenientes de
rgos singulares so praticados sob forma escrita, j nos rgos colegiais as deliberaes so, em
regra, tomadas oralmente, havendo depois que reduzi-las a escrito.
Alm da forma do acto administrativo, h ainda que assinalar as formalidades prescritas pela lei para
serem observadas na fase da preparao da deciso (procedimento administrativo) ou na prpria fase da
deciso. Consideram-se formalidades todos os trmites que a lei mandar observar com vista a garantir a
correcta formao da deciso administrativa, bem como o respeito pelos direitos subjectivos e
interesses legtimos dos particulares.
As formalidades, ao contrrio da forma, no fazem parte do acto administrativo, em si mesmo
considerado: so-lhe anteriores, contemporneos ou posteriores, mas no so elementos do acto.
Contudo, como a lei, em regra, apenas permite aos particulares atacar contenciosamente a inobservncia
de formalidades atravs da impugnao do acto administrativo a que elas respeitem, tudo se passa na
prtica como se as formalidades fizessem parte do prprio acto.
C) Elementos objectivos
Os elementos objectivos do acto administrativo so o contedo e o objecto. O contedo do acto
administrativo a substncia da conduta voluntria em que o acto consiste. Concretizando, fazem parte
do contedo do acto administrativo:
A deciso essencial tomada pela Administrao;
As clusulas acessrias;
Os fundamentos da deciso tomada.
O objecto do acto administrativo consiste na realidade exterior sobre que o acto incide. Assim, por
exemplo, na expropriao, o contedo do acto a deciso de expropriar, mas o objecto o terreno
expropriado.
D) Elementos funcionais
Finalmente, o acto administrativo comporta trs elementos funcionais: a causa, os motivos e o fim.
A causa a funo jurdico-social de cada tipo de acto administrativo (vertente objectiva) ou, noutra
perspectiva, o motivo tpico imediato de cada acto administrativo (vertente subjectiva). Por exemplo, a
causa da nomeao o preenchimento de lugares vagos nos quadros do funcionalismo. Os motivos so
todas as razes de agir que impelem o rgo da Administrao a praticar um certo acto administrativa
ou a dot-lo de um determinado contedo.
Em que diferem os motivos da causa? A causa corresponde ao motivo tpico imediato; os motivos, em
geral, englobam, alm deste, os chamados motivos mediatos e atpicos.
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Quanto ao fim, trata-se do objecto ou finalidade a prosseguir atravs da prtica do acto administrativo.
H que distinguir entre o fim legal ou seja, o fim visado pela lei na atribuio de competncia ao rgo
da Admnistrao e o fim efectivo, real, prosseguido de facto pelo rgo administrativo num dado caso.
40. Idem: elementos, requisitos e pressupostos
Elementos so as realidades que integram o prprio acto, em si mesmo considerado, e que uma anlise
lgica permite decompor. Dividem em:
Elementos essenciais aqueles sem os quais o acto no existe ou no pode produzir quaisquer
efeitos;
Elementos acessrios que podem ou no ser introduzidos no acto pela Administrao.
Requisitos so as exigncias que a lei formula em relao a cada um dos elementos do acto
administrativo, para garantia da legalidade e do interesse pblico ou dos direitos subjectivos e
interesses legtimos dos particulares. Dividem-se em:
Requisitos de validade cuja inobservncia se traduzir na invalidade do acto;
Requisitos de eficcia cuja inobservncia se traduzir na ineficcia do acto.
Pressupostos so as situaes de facto de cuja ocorrncia depende a possibilidade legal de praticar um
certo acto administrativo ou de o dotar com determinado contedo.
41. Menes obrigatrias no acto administrativo
O CPA enumera, de forma sistematizada, o conjunto de menes obrigatrias do acto administrativo no
seu artigo 123. Da leitura destes preceitos decorrer que h cinco menes que a lei exige em todo e
qualquer acto administrativo:
A indicao do autor do acto;
A identificao do seu destinatrio ou destinatrios;
O contedo da deciso;
A data da deciso;
E a assinatura do seu autor ou do seu representante.
E, por outro lado, que h trs menes que s so exigidas quando for caso disso:
A meno da delegao ou subdelegao de poderes (quando exista);
A enunciao dos antecedentes de facto que originaram o acto administrativo (quando
relevantes);
E a fundamentao da deciso (quando exigida por lei).
Por no conterem elementos essenciais, so nulos os actos enunciados no artigo 133/1 do CPA.
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II Espcies
42. Tipologia dos actos administrativos
De acordo com o Professor Freitas do Amaral, os actos administrativos dividem-se em dois grandes
grupos: os actos primrios e os actos secundrios.
Consideram-se actos primrios aqueles que versam pela primeira vez sobre uma determinada situao da
vida. Podem dar-se vrios exemplos: nomear um funcionrio, conceder a um particular uma licena para
construir uma casa, etc. Assim, quando a Administrao se pronuncia pela primeira vez sobre uma
situao da vida, a est um acto primrio.
Os actos secundrios, por seu turno, so aqueles que versam sobre um acto primrio anteriormente
praticado: tm por objecto um acto primrio preexistente, ou ento versam sobre uma situao que j
tinha sido regulada atravs de um acto primrio. o caso, por exemplo, da revogao de um acto
administrativo anterior, ou da suspenso de outro acto, etc.
43. Actos primrios: a) actos impositivos
Os actos impositivos so aqueles que impem a algum uma certa conduta ou a sujeio a determinados
efeitos jurdicos. H que distinguir entre quatro espcies principais de actos impositivos:
a) Os actos de comando
b) Os actos punitivos
c) Os actos ablativos
d) Os juzos
So actos de comando aqueles que impem a um particular a adopo de uma conduta positiva ou
negativa. Assim, se impem uma conduta positiva so ordens; se impem uma conduta negativa so
proibies.
Actos punitivos so aqueles que impem uma sano a algum. Actos ablativos so aqueles que impem a
extino ou a modificao do contedo de um direito (ex: nacionalizaes de empresas, expropriaes de
terrenos).
Juzos so os actos pelos quais um rgo da Administrao qualifica, segundo critrios de justia,
pessoas, coisas ou actos submetidos sua apreciao. Como exemplo deste juzo podem citar-se as
classificaes, aas graduaes, as valoraes, as notaes, etc.
44. Actos primrios: b) actos permissivos
Actos permissivos so aqueles que possibilitam a algum a adopo de uma conduta ou a omisso de um
comportamento que de outro modo lhe estariam vedados. Os actos permissivos distribuem-se por dois
grandes grupos: os actos que conferem ou ampliam vantagens (1) e os actos que eliminam ou reduzem
encargos (2).
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Dentro da primeira categoria (1) h a considerar seis espcies principais:
a) A autorizao
b) A licena
c) A concesso
d) A delegao
e) A admisso
f) A subveno
A) A autorizao o acto pelo qual um rgo da Administrao permite a algum o exerccio de um
direito ou de uma competncia preexistente. Aqui, portanto, a situao a seguinte: algum titular de
um direito subjectivo, mas a lei estabelece que esse direito s pode ser exercido mediante autorizao,
dada caso a caso pela autoridade administrativa competente. Ou seja, o particular j titular do direito,
mas o respectivo exerccio est condicionado pela necessidade de obter uma autorizao da
Administrao Pblica.
B) A licena o acto pelo qual um rgo da Administrao atribui a algum o direito de exercer uma
actividade privada que por lei relati