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MEMÓRIA E VERDADE Insira uma descrição aqui, insira uma descrição aqui aGente ANO 6 | NÚMERO 5 | NOVEMBRO 2012

Agente

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Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2012, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

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MEMÓRIA E VERDADEInsira uma descrição aqui, insira uma descrição aqui

aGenteANO 6 | NÚMERO 5 | NOVEMBRO 2012

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aGente Ano 6 | Número 5 | Novembro 2012

AINDA NÃO MUDOUpor Klaus Aires

EDITORIAL

Jornal aGente SUMÁRIO

Verra manti, ut virimmorum possena todiensimum, octandamdi ta acervium

prariae llertemus volum num mendame iae nonclabutem post vit, quam priurs cae adducone-que potem inat volin sultus, con-ditam horid clem ompere cum fex se interce niquis. Ipio vivas perehebatus se rente notius pa-tum tatia idit iam Rompotia reis, publinves atis adducturicas ina-tius, Catius, que cae ne aucotem maiocch umuleste ia? Ecidiena, sendet gracis. Opublin su inguli, que notia rei tast? Nam ium, vis, non niconsus in tuusupio hem sim mor ublicapere, nimurbiti-que inverfe ctuit, conscep ostatil venatu quam nostis. Catioratiam inente moendam duciam, nos huis, quit. Abem sum mentervit; hus ocrum est vivendum aurbi seriam ine audampere moreten teressedees ine apero consim senatat et ves ad adductus con-sis, vivit audestiem nonsunum acia paremum pere, non adhu-civ eribust iaelicont? Nos ateati, cota, dio, convo, atio, cae, ore

adem effrec ocris, portem, mus sultus iam estrum tum pecepop oenatam furo, que telum am te-rit? Nosticaute, ortatus hebatili tam.

Rissest racchilicum tam intra? Etratab unultor tiliam re iu st atisupica re nosulla remuspi cio-nerobus fina, se vere, omnem, ingulti quamdiem perti pra-tquo ublissi maciore nos essum sente, medi pon tabunti feceris erissolut Cupio nonc te num tur us oraed iamdium nonsumura conost? Opicesces ocupiones nentela venatorum diis a que tesi patursum, seniu mendum tem, oporem ducomni mulaber esterfe ndacess ilicae dius die-natquam, dius publiam, que te-mus? Ecursus, quostrachum re, condam Romanturae pultoru nuloctus fur, nocus, nicisquam locum pariocr ebunt.

Uc vivem. Quam ia octa L. Hili-cus merniu id a num sestrum for pubit vit pultu simis? Nihicaescer utus cordis los conis. Serobulin-tum publiam similiisquem tus?

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Reitor Julio Cezar Durigan

Diretor da FAAC Roberto Deganutti Coordenação do Curso deJornalismo Juarez Tadeu de Paula Xavier Professores Orientadores Ângelo Sottovia Aranha Tássia Zanini Supervisão Geral Clodoaldo Meneguello Cardoso

Observatório de Educação em Direitos Humanoshttp://www.unesp.br/observatorio_ses

[email protected]

ReportagensAline Ramos Arthur FerreiraFelipe Amaral Fernando Martins Gabriel Cortez Jéssica Frabetti Lucas Vieira Solon Neto Thales Schmidt Vinicius Martins Diagramação Vinicius Martins

Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação - UnespAv. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº14-01

CEP 17.003-360 - Vargem Limpa - Bauru-SP

Produzido por alunos de Comunicação Social/Jornalismo daFaculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Unesp/Bauru

Página 3Texto do Felipe AmaralCultura e o resgate da memória

Página 4Ditaduras na América LatinaCultura e censura

Página 5Frente Anticomunista de BauruO anticomunismo

Página 6Tortura e desaparecimentoEscrachos

Página 7Comissão da VerdadeNúmeros da ditadura

Página 8“A Brasa”Polícia Militar e a ditadura

Página 9Movimentos SociaisCasa da Eny

Página 10Entrevista: Nando, irmão de Zico

Página 11Anistia? O que é?Justiçamentos

Página 12Ensino da ditadura nas escolasO restou em Bauru?

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memória e verdade

ESSE É O TEXTO QUE PRENDE NOSSA ATENÇÃO!Aqui vem a linha-fina chamativa, pra que o Ensino Médio sinta vontade de ler isso

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por Felipe Amaral

CULTURA RESGATA MEMÓRIAS DA REPRESSÃOpor Vinicius Martins

Para estimular o debate, iniciativa cultural ajuda a retratar histórias da ditadura

Antes mesmo do nome “Co-missão da Verdade” ganhar força na política nacional,

alguns setores da sociedade já se mobilizavam para discutir o pe-ríodo de repressão no Brasil. Uma das bandeiras que promovem o resgate histórico dos 21 anos de chumbo do país foi levantada pe-los agentes culturais. Desde 1985, o cinema, o teatro e a literatura abordam assuntos como o de-bate político, que desencadeou a Ditadura Militar, a tortura, o de-saparecimento de opositores do Estado, a Anistia e as Diretas Já.

O projeto Memórias da Resis-tência é um exemplo desse resga-

te histórico-cultural do período. A iniciativa foi idealizada a partir da história de Cleiton Oliveira. Em 2007, o estudante de História e cortador de cana descobriu ar-quivos do Departamento de Or-dem Política e Social (DOPS) em uma casa abandonada no meio de um canavial. O local fica na cidade de Jaborandí-SP, em uma fazenda que pertenceu a um ex--delegado do departamento.

Em 2009, por meio do edital Mídias Livres, do Ministério da Cultura, Tito Bellini, professor de Cleiton, idealizou o projeto e de-cidiu inscrevê-lo para continuar as pesquisas sobre os arquivos.

Dessa forma seria possível au-mentar a visibilidade e a discus-são acerca do tema.

Memórias da Resistência con-siste em filme, livro, site e bole-tins bimestrais. Marco Escrivão, diretor do documentário, reforça a importância dos arquivos en-contrados e a meta do projeto: “o principal objetivo é dar visibilida-de àquele achado, que era inédito até então, segundo a própria his-toriadora do Arquivo Público de São Paulo. E, como consequência, fomentar o debate a respeito do resgate da memória”.

Marco destaca não só o pro-jeto, mas também o valor geral

da cultura no resgate de histórias da Ditadura Militar, desconheci-das para a sociedade. “A cultura é o instrumento de identidade de um povo, é dela que emanam as reflexões sobre as conjunturas da sociedade, logo seu princi-pal trabalho é cutucar as feridas, mexer e fazer doer para que elas efetivamente possam ser curadas e não escondidas.”, considera, lembrando que “para entender os problemas brasileiros atuais, seja a questão agrária, política, de segurança ou da educação, é preciso, em primeiro lugar, en-tender de onde esses problemas vieram”.

“Na ditadura o que foi de gente re-primida punida, marcada, torturada, presa e que teve sua vida rompida foi uma coisa impressionante. Pou-co ou nada se escreveu sobre esse período” disse tal pessoa que faz tal coisa. Uma nebulosa ainda obscure-ce os acontecimentos da ditadura, pouco sabemos e pouco procura-mos saber sobre ela. As ações do Estado trouxeram consequências profundas para sociedade, sentidas a longo prazo e, muitas vezes, não percebidas diretamente como asso-ciadas ao regime.

A ditadura militar no Brasil teve início no dia 1º de abril de 1964 depois de um golpe das Forças Ar-madas contra o então presidente do país, João Goulart. Na época, os

militares chamaram o golpe de re-volução e o justificaram afirmando que Goulart estava transformando o Brasil em um país comunista, princi-palmente porque ele prometia im-plantar um conjunto de mudanças que incluía a reforma agrária.

Os militares criaram uma junta militar, que assumiu o controle até o dia 15 de abril, quando o marechal Humberto de Alencar Castelo Bran-co assumiu a Presidência após elei-ção no Congresso realizada quatro dias antes. Ao contrário das ditadu-ras tradicionais, a brasileira não con-tou com um único presidente com mandato por tempo indeterminado. Ao todo, foram cinco presidentes militares eleitos indiretamente entre 1964 e 1985. Foram eles: Humberto de Alencar Castello Branco (1964 - 1967), Arthur da Costa e Silva (1967 - 1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974 - 1979) e João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979 - 1985).

Assim que o novo governo se estabilizou, os militares começaram a emitir os chamados AIs (Atos Ins-tuticionais), medidas que tentavam legitimar o golpe. Os 17 atos dimi-nuíram as liberdades da população, levando o país à ditadura. A violên-cia e a diminuição dos direitos dos cidadãos aumentaram com a im-plantação do AI-5. Com essa medi-da, ficou mais fácil para os militares cassar direitos políticos, censurar a imprensa e restringir a defesa de

acusados, por exemplo.Nesse período o congresso na-

cional ficou aberto na maior parte do tempo, porem ele não tinha mais autonomia, quando algum parla-mentar denunciava o governo, ele era cassado. Essa censura não ficou apenas no congresso, universitários e operários foram os que mais so-freram, com o governando chegan-do ate a fechar a UnB (universidade de Brasilia) por considerar os estu-dantes subversivos.

Apesar dos protestos ocorridos, a ditadura ainda teve popularidade especialmente por causa do milagre econômico que ocorreu na época, porem logo esse período passou e as greves e protestos voltaram. A

solução encontrada pelo então pre-sidente Ernesto Geisel foi abrandar a repressão. A ditadura deu início a uma transição gradual para a de-mocracia

O Brasil tem uma cultura po-litica de não se falar das torturas ocorridas no passado, em 1888 nos proibimos um crime coletivo, a es-cravidão. Dessa época sabe-se no máximo 10% do que aconteceu e não queremos saber mais. Duran-te quase quatro séculos, 5 milhões de negros foram escravizados. Esse não é um exemplo a se seguir, não podemos apagar a ditadura como fizemos com a escravidão, até por-que não se sabe quando uma nova ditadura pode surgir.

Legenda aqui

O QUE É GOLPE MILITAR?

O QUE É DITADURA?

Um golpe militar acontece quando as Forças Armadas ti-ram do poder do governante do país e passam a ocupar seu cargo e a governar con-forme seus interesses.

Termo usado para designar governos não democráti-cos, nos quais existe a con-centração do poder em uma única pessoa ou em um pequeno grupo. Nesse tipo de regime não há respeito pelas leis e pelas liberdades da população.

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A GRANDE ONDA DITATORIALpor Thales Schmidt

por Solon Neto

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A ditadura militar brasileira não foi um caso isolado.Na se-gunda metade do século XX

a América Latina passou por uma série de golpes de Estado organi-zados em sua maioria por militares. Para praticar essas ações, uma su-posta luta contra o comunismo foi a justificativa utilizada. A violência e a rebelião do exército foram as ma-neiras utilizadas para derrubar pre-sidentes eleitos democraticamente no continente.

Alguns episódios da época fo-ram marcos para a história da América Latina. O professor do De-partamento de Ciências Humanas da Unesp Bauru, e estudioso da América Latina, Luiz Fernando da Silva considera que o Golpe Militar nacional foi um evento chave: “o marco principal dos golpes milita-res na América Latina inicia-se em março 1964 com o golpe no Brasil”.

Outro movimento importante foi a Revolução Cubana liderada por Fidel Castro, os revolucionários da ilha caribenha derrubaram o ditador Fulgencio Batista e depois declararam que o novo governo cubano seria comunista. O episó-dio incomodou os Estados Unidos, que passaram a enxergar a Améri-ca Latina como um importante pal-co da Guerra Fria. A preocupação

norte-americana se traduziu em esforços para derrubar os governos vistos como contrários aos seus in-teresses comerciais e ideológicos.

Violência patrocinadaOs Estados Unidos e setores da

sociedade formaram uma impor-tante base de apoio dos regimes autoritários. Um dos principais ins-trumentos dos EUA para interferir na região foi a Escola das Américas, instituição de ensino militar loca-

lizada no Panamá onde era reali-zado o treinamento de oficiais de vários países latino-americanos. A casa foi responsável pela formação de importantes figuras das ditadu-ras da época, como o ditador mili-tar Leopoldo Galtieri, presidente da Argentina entre 1982 e 1983. “Hoje não resta dúvida alguma, na me-dida em que a documentação do Pentágono e do Departamento de Estado dos EUA está sendo aberta, da participação norte americana

nesses processos de ditadura. Nin-guém nega isso mais”, afirma Jes-sie Jane Vieira de Sousa, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e estudiosa da história da América.

Além do apoio dos EUA, empre-sas e setores da sociedade brasilei-ra também chegaram a contribuir com recursos para os aparatos re-pressivos da ditadura. Um dos ca-sos mais emblemáticos é do Grupo Folha, que emprestou carros para que policiais realizassem buscas de presos políticos. Jesse Jane comen-ta o apoio civil aos militares “Alguns setores empresariais, na mídia par-ticularmente, foram absolutamente alinhados com a ditadura militar”.

Sequência de golpes militares colocou ditadores latinos no poder

O QUE É GUERRA FRIA?Ataque ao palácio “La Moneda”, sede do governo chileno, durante o golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende em 1973

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Chile

O GOLPE CONTRA A CULTURAO controle ideológico da censura sobre os movimentos culturais

Um dos pontos mais mar-cantes do período ditatorial no Brasil foi a censura apli-

cada aos meios de comunicação e, principalmente, às artes. Qua-se tudo que era produzido pelos meios de comunicação e pelos produtores culturais, que abran-giam, entre outros, cinema, mú-sica e teatro, passava pelo crivo da censura.

A censura no Brasil é quase uma tradição que vem desde o século XIX, mas estruturou-se apenas em 1946, potencializada pelo Estado Novo de Getúlio Var-gas. Os militares, essencialmente a partir do ano de 1968 com o Ato Institucional nº5, acrescentaram outras leis e reformas administra-tivas para que a censura pudes-se agir no plano moral, político e ideológico. Era uma atuação ferrenha, que buscava formatar o que era veiculado pela imprensa,

e pelos meios de cultura, às ideo-logias do regime militar.

Esse regime fechado obrigava os artistas, principalmente os com engajamento político, a “falarem pelas entrelinhas”. Foi assim com músicas como a famosa “Para não dizer que não falei das Flo-res”, de Geraldo Vandré, ou com “Roda Viva”, de Chico Buarque.

A biografia de Chico Buar-que, escrita por Regina Zappa, demonstra que Chico não tinha tanto envolvimento com a mili-tância política, assim como admi-tiu em entrevistas recentes, como no documentário “Uma Noite em 67”. De fato, nem sempre era ne-cessário que o artista tivesse en-gajamento político para que fos-se censurado. É o caso de Odair José, famoso músico que prota-gonizou um dos momentos mais enigmáticos da censura. Uma de suas músicas, “Uma Vida Só”,

também conhecida pelo refrão “Pare de Tomar a Pílula” foi cen-surada pelo governo. Ele conta que suas músicas falavam muito sobre o cotidiano das pessoas, e o tema da “pílula” era um tabu: “O anti-concepcional era um grande tabu na cabeça das pes-soas. Ninguém falava do assunto confortavelmente, era como uma coisa proibida, e foi observando essa desconfiança popular que resolvi escrever sobre o tema”. A música foi censurada não só no Brasil, mas em todos os países da América Latina onde o disco foi lançado e só foi liberada no último lote. “O governo achou aquilo um absurdo já que eles ti-nham um projeto de distribuição de pílulas para ter um controle da natalidade, e proibiram a canção, mesmo com o meu argumento de que a minha música, por ser didática, até ajudaria”.

Para Odair José, “a sensação [de trabalhar sob censura] era horrível, pois para quem está vi-vendo um momento de criação, o pior era a auto-censura, pois você termina por não se expressar da forma correta sobre aquilo que está pensando”.

Sobre o prejuízo trazido pela censura aos movimentos cultu-rais, o professor Marcos Napoli, da USP, Univesidade de São Pau-lo, afirma que “a censura prejudi-cou o curso histórico dos movi-mentos culturais no Brasil. Aliada à repressão policial, a censura de-sorganizou o sistema cultural na primeira metade dos anos 1970, fazendo com que muitos artistas saíssem de cena e fossem para o exílio, em um momento que se estruturava a moderna indústria cultural brasileira e os movimen-tos culturais engajados se aden-savam”.

Guerra Fria é a designação atri-buída ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, compreen-dendo o período entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991). Em resumo, foi um con-flito de ordem política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência.

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memória e verdade

FRENTE ANTICOMUNISTA JÁ AGIA ANTES DO GOLPEpor Solon Neto

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A perseguição e o fanatismo dos conservadores de Silvio Marques

Ao longo do regime militar uma série de grupos antico-munistas se formou em vista

do avanço do comunismo. A insa-tisfação dos setores conservadores se condensou em valores para es-ses grupos, que surgiam mesmo antes do golpe militar de 1964 que deflagrou a ditadura no Brasil. Em Bauru, houve maior atuação de um grupo: a FAC, Frente Anticomunista de Bauru.

A FAC nasceu entre os anos de 1962 e 1963, liderada e organiza-da pelo professor de Direito da ITE, Instituição Toledo de Ensino, Sil-vio Marques Jr. O grupo atuou até 1968, perseguindo e prendendo qualquer cidadão cujas atitudes le-vantassem suspeitas de atividades comunistas. Liderando o grupo, Silvio Marques instaurou um clima de terror na cidade de Bauru, devi-do ao teor arbitrário das prisões e perseguições que ele e seu grupo efetuavam junto à polícia.

A organização de Silvio Marques era formada por homens e mulhe-res de várias faixas etárias, que se auto denominavam “legionários”. Eles recebiam treinamento de luta e tiro, e contavam com o apoio direto dos militares brasileiros, da polícia, e do governo dos Estados Unidos, que lhes enviava material de propaganda anticomunista.

Silvio Marques era um católico convicto e fervoroso, e acreditava que o comunismo era completa-mente contra os valores da igreja católica. O líder da FAC atribuiu a esse fato toda a perseguição e tor-

tura que operou, justificando casos como o de Edson Shinohara, que teve os dentes partidos à coronha-das de metralhadora depois de ser preso pela FAC.

Para Antonio Pedroso Jr., me-morialista bauruense, a FAC foi uma organização superestimada pelo próprio líder, Silvio Marques, que dizia ter dezenas de milhares de legionários inscritos em sua or-ganização. Apesar de ter muitos legionários, ele acredita que a or-ganização não tinha tanto poder, porém mantinha grande atuação.

Invasão do Jornal Última HoraEm 1964, ainda antes do golpe

militar, o jornal “Última Hora” pu-blicou uma matéria sobre os trei-namentos militares oferecidos pela FAC aos seus legionários. As fotos da matéria mostravam os legioná-rios empunhando armas nos trei-namentos. A matéria foi mal vista pelo grupo, levando-se em conta que o Última Hora era um jornal popular de cunho trabalhista, o que era o bastante para ser consi-derado comunista. No mesmo ano, pouco depois do golpe, a sucursal do Jornal Útima Hora foi invadida e completamente destruída pelos legionários da FAC. O ex-chefe de reportagem da sucursal bauruen-se, e hoje jornalista da Rádio 96FM, Zarcillo Barbosa, foi testemunha da invasão da sucursal em Bauru, localizada na rua Virgílio Malta. A invasão se deu no dia 15 de abril, pouco depois do fechamento às 22h. Os legionários da FAC vieram

de caminhão, todos encapuzados e armados com revólveres e ma-chados. Havia apenas dois jorna-listas no prédio, Laudze Menezes e o fotógrafo Celestino Distefano, que foram ambos imediatamente amarrados, encapauzados e tran-cados no laboratório fotográfico. Os “legionários” destruíram a re-dação a machadadas e tiros, inutili-zando textos, arquivos e máquinas

de escrever. Logo depois fugiram no mesmo caminhão em que vie-ram. A FAC tinha espiões que tra-balhavam dentro do próprio Última Hora, que foram avisados sobre a invasão a tempo. Segundo Zarcillo, esses jornalistas misteriosamen-te faltaram naquele dia. Na mes-ma noite, os legionários invadiram também a sede da Superintendên-cia pela Reforma Agrária, a SUPRA.

À direita, Silvio Marques: de olhos fechados para a liberdade

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PERIGO VERMELHO Como o anticomunismo se espalhou numa onda ideológicano país no período ditatorial

por Aline Ramos

Durante o período de Dita-dutra Militar a caça aos co-munistas foi um movimen-

to notável que influenciou na política nacional até os dias de hoje. O movimento anticomunis-ta tomou força por todo o país, porém a resistência ao comu-nismo vinha de anos anteriores. Apesar do Governo Militar caçar os comunistas durante o período ditatorial no Brasil, junto a eles estavam católicos, liberais, em-presários, nacionalistas, fascistas e socialistas democráticos que se reuniam por um ideal quando o comunismo parecia tomar força no país.

A percepção de um “perigo comunista” no Brasil passou por um processo de crescente

“concretização”, até atingir seu clímax com a Revolta de 1935. Assim, após a Revolução Russa de 1917, tiveram lugar no país a

criação do Partido Comunista do Brasil (depois Partido Comunista Brasileiro – PCB) em 1922; a con-versão do líder “tenentista” Luís Carlos Prestes ao comunismo, em maio de 1930, e sua ida para a União Soviética, no ano seguin-te; e o surgimento, em março de 1935, da Aliança Nacional Liber-tadora, dominada pelos comu-nistas. Se em 1917 o comunismo no Brasil era visto ainda como um perigo remoto, “alienígena” e “exótico”, aos poucos ele foi se tornando mais próximo.

Estourou em 1935, uma re-volta comunista em todo o país. Protagonizada principalmente por militares, os revoltos foram rapidamente derrotados pelas forças leais ao governo. O epi-sódio logo viria a ser nomeado, pelos vencedores, de “intentona” — intento louco, plano insensa-to, desvario —, nome com que

ficou, por muito tempo, consa-grado na história. Esse evento foi chave para um desencadeamen-to da institucionalização da luta contra o comunismo no interior das Forças Armadas. Desta re-volta, surgiu uma comemoração que ocorria todos os anos em homenagem as vitimas. O ritual de rememoração dos mortos leais ao governo, repetido a cada ano, tornava seu “sacrifício” pre-sente, renovava os votos dos mi-litares contra o comunismo e so-cializava as novas gerações nesse mesmo espírito.

Foi no quadro dessa cultura institucional, marcadamente an-ticomunista, que se viveu a di-tadura do Estado Novo e que se formaram os militares que, em 1964, assumiram o poder. Com campanhas para levar o antico-munismo a sociedade, o antico-munismo se fundamentou em

três bases, como aponta Sá Mot-ta no livro Em guarda contra o perigo vermelho : o anticomunis-mo no Brasil. Que são: catolicis-mo, nacionalismo e liberalismo.

O catolicismo empreendia uma luta em que “o desafio co-munista tinha origem na eterna luta entre bem e mal e na ação do grande tentador, Satanás”. A respeito do nacionalismo, Sá Motta chama atenção para a adoção, por parte dos conserva-dores, da ideia que a “nação” é um “corpo orgânico” fundamen-tal para a manutenção da ordem do país. E enfim, os liberais recu-savam, e até hoje recusam, o co-munismo por entender que ele ia contra a liberdade e praticava o autoritarismo político, “des-truindo o direito à propriedade na medida em que desapossava os particulares de seus bens e os estatizava”.

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AS SOMBRAS DA OPRESSÃO...por Vinicius Martins

ONDE VIVE O INIMIGOpor Aline Ramos

VLADIMIR HERZOGNa segunda metade do Sé-culo XX, diversos países da América Latina se fecharam

em regimes de característica au-toritária. Vários pontos eram se-melhantes entre esses governos, como o comando militar, a grande força usada para governar e, con-sequentemente, o uso de extrema opressão contra a oposição.

No Brasil não foi diferente. O regime militar impôs forte censura política e cultural. Passeatas e pro-testos em locais públicos foram re-primidos com violência. Centenas de pessoas eram presas por tenta-rem propagar ideias contrárias ao governo. Assim, o fortalecimento dos militares no poder teve suas consequências. Cada vez mais a repressão crescia e mais oposito-res e suspeitos iam para a cadeia.

A partir de 1968, com a institui-ção do AI-5 (Ato Institucional nº5), a repressão praticada pelo Estado aumentou. Membros da socieda-de civil eram mortos em atenta-dos ou simplesmente desapare-ciam de maneira forçada. Muitos presos foram torturados. O objeti-

vo era evitar que a oposição e suas ideias se fortalecessem. Com isso, o regime militar continuaria sobe-rano.

Carlos Roberto Pittoli, atual-mente advogado e ex-preso polí-tico da ditadura militar, fazia parte do exército na época do regime. “Em 1965 eu fui servir o exército, fui convocado pra isso, em Qui-taúna, no 4º Regimento de Infan-taria. Eu cheguei lá nervoso, preo-cupado, porque eu fui obrigado a servir. Era uma situação difícil, já fazia oito meses que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica estavam dominando tudo, controlando bem a situação para o lado deles”, recorda-se.

Apesar de servir ao exército, Pi-tolli tinha ligações com movimen-tos opositores ao regime, como o Movimento Nacionalista Revolu-cionário (MNR). O ex-sargento foi dedurado por um preso que falou a respeito de sua ligação e atua-ção em organizações de oposição. Como consequência, acabou pre-so e torturado: “fui levado para a escolinha (local onde aconteciam

as torturas nos quartéis) e lá es-tava o preso que me denunciou, jogado em uma cadeira, com a cabeça para trás, ele também foi torturado. Ali, me deram um soco, me amarraram e me torturaram, com choques e queimaduras”.

Após a sessão de tortura, Pit-toli continuou preso, em péssimas condições, assim como outros presos que passaram pelo mes-mo processo. Aqueles que não aguentavam as agressões acaba-vam mortos. Os corpos eram jo-gados no mar ou enterrados em valas comuns.

Em 1975, a morte do jornalista Vladimir Herzog foi um dos mar-cos para que a sociedade civil in-tensificasse o desejo por liberdade e o fim do autoritarismo no Brasil. Surgiram movimentos pela Anistia e pela redemocratização do país até o fim da Ditadura Militar. Mes-mo assim até hoje não há um es-clarecimento formal por parte do Estado para o desaparecimento e morte de centenas (ver box na página ao lado) de presos políti-cos no Brasil.

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A tortura e o desaparecimento forçado marcam o uso da violênciapela ditadura militar brasileira

Os Escrachos denunciam à sociedade onde moram supostos agentes da ditadura

Eles pediram a voz na pri-meira audiência conjunta da Comissão da Verdade Ru-

bens Paiva, da Assembleia Le-gislativa de São Paulo (Alesp), e a Comissão Nacional da Verdade que aconteceu no dia 12 de No-vembro de 2012. Seis jovens do Levante Popular da Juventude queriam contar que estão sendo processados pelo médico José Carlos Pinheiro após participa-rem de dois “escrachos” - mani-festações públicas - para divul-gar que ele teria colaborado com torturadores durante a ditadura militar. Com faixas, apitos, tam-bores e sprays de tinta, o grupo de jovens se dirigiu a frente do hospital que José Carlos Pinhei-ro trabalha em Aracaju (SE) para denunciar a suposta participação em sessões de tortura.

Essa e tantas outras manifes-

tações já ocorreram em onze estados no Brasil desde 2011. Chamadas de “Escrachos”, jovens denunciam em frente residências e locais de trabalho de suspeitos de participação em sessões de tortura durante a Ditadura Mili-tar. Os Escrachos são organiza-dos pelo Levante Popular da Ju-ventude, movimento social que nasceu em 2005 no Rio Grande do Sul.

A origem dos escrachos é an-tiga. A ideia surgiu em um acam-pamento em Córdoba durante a Páscoa de 1995 e se materializou meses mais tarde, num segun-do encontro, que reuniu mais de 400 jovens entre 18 e 25 anos. Ele nasceu de uma organização que reuniu os filhos dos desa-parecidos, prisioneiros mortos, exilados e políticos da ditadura: H.I.J.O.S (Crianças pela Identida-

de e Justiça contra o Esqueci-mento e Silêncio).

Os escrachos na Argentina ajudaram no julgamento dos cri-minosos da ditadura e na recupe-ração da história do país. Como coloca Lauro Duvoisin, integrante do Levante no Rio Grande do Sul. “Parece que houve uma quebra de continuidade geracional no Brasil. Na Argentina, desde muito tempo existe a luta das Madres (movimento semelhante às Mães de Maio no Brasil) que se tornou um símbolo continental”. E apon-ta a necessidade dos Escrachos serem feitos no Brasil: “embora exista a luta dos familiares, essa luta teve muito menos projeção social do que no caso da Argen-tina ou do próprio Chile”.

Mesmo informando a socie-dade sobre a importância de re-lembrar quem foram os agentes

na ditadura, os Escrachos possui seu lado perverso como defen-de o escritor Carlos Balmaceda: “são instrumentos políticos fas-cistas para identificar, classificar e castigar as pessoas”. O escritor não retira a importância do jul-gamento dos criminosos da dita-dura, porém, ressalta que este é um perigoso caminho.

O processo que os estudantes sergipanos estão sofrendo por terem feito um escracho pode estar ligado a esse caminho. O de condenar antes de qualquer julgamento, que é o objetivo das Comissões da Verdade que têm surgido em diversas cidades. O médico José Carlos Pinheiro, em nota oficial informou não ter par-ticipado e colaborado direta ou indiretamente de atos de tortura e alega que pode ter sido con-fundido.

Vladimir Herzog, croata naturalizado brasileiro, era

diretor de jornalismo da TV Cultura e morreu aos 38 anos após ser torturado nas de-pendências do Departamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Def-esa Interna, o DOI-CODI, órgão de repressão do regime militar. Tornou-se o caso mais famoso de tortura na ditadura. Sua morte, divulgada como suicí-dio (fato desmentido anos mais tarde), foi o estopim para que a sociedade intensificasse a luta pela democracia no Brasil.

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memória e verdade

NAS LUZES DA VERDADE!por Vinicius Martins

No dia 18 de novembro de 2011, a presidente da re-pública Dilma Rousseff

sancionou a lei que permitiu a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Essa comissão deve investigar, analisar e docu-mentar violações contra os direi-tos humanos ocorridas entre o período de 1946 e 1988, sobre-tudo durante a Ditadura Militar brasileira.

Composta por sete ministros - escolhidos pela presidência da re-pública – mais catorze assessores, a comissão foi instalada no dia 16 de maio de 2012. Desde essa data ela tem permissão para atuar durante dois anos. No fim desse período, a CNV deve organizar um relatório com todas as infor-mações levantadas nas investiga-ções.

A Comissão Nacional da Ver-dade não tem caráter jurídico, ou seja, não pode julgar nem punir acusados de violar os diretos hu-manos no período investigado. Também é função da delegação identificar corpos e o paradeiro de desaparecidos políticos do re-gime militar, além de locais e es-truturas usadas em crimes contra a humanidade.

Claudio Lemos Fonteles, um dos sete ministros da comissão nacional, acredita que a CNV tem papel político e social importante no resgate da memória brasileira. “Devemos internalizar em cada brasileira, em cada brasileiro, a consciência de que os Direitos Humanos devem ser protegidos; que a solução do arbítrio jamais deve voltar a ser experimentada no afã de tentar solucionar as di-vergências de pensamento e de

posições políticas que surjam en-tre nós; que a violência, portanto, não é, e jamais será, solução de conflitos. Essa é a nossa missão hoje e sempre”, explica.

Para auxiliar o trabalho da CNV, o órgão enviou recomendações para os 27 estados brasileiros criarem comissões estaduais. Até o momento São Paulo e Pernam-buco já têm delegações constituí-das.

Fonteles reforça a importância da criação de mecanismos regio-nais: “para auxiliar no trabalho da Comissão Nacional nos Estados, a existência de comissões estaduais

e de instituições comprometidas, como universidades e órgãos de classe, é fundamental para que em nosso país nunca mais acon-teça a nefasta experiência da su-pressão das liberdades pessoais e públicas”.

A Comissão da Verdade “Ru-bens Paiva” fundada no estado de São Paulo irá contribuir na apuração de violações dos direi-tos humanos. Diferentemente da CNV, o grupo paulista irá apurar

apenas casos que aconteceram entre 1964 e 1982. “Nós vamos investigar 140 casos de pessoas que eram do estado de São Paulo e foram assassinadas, como os ir-mãos Petit que eram da região de Bauru, por exemplo. Eles foram mortos no Araguaia. Serão casos de paulistas ou de pessoas que morreram aqui no estado durante o regime”, reforça o deputado es-tadual Adriano Diogo, presidente da comissão estadual paulista.

Comissão BauruenseAlém dos órgãos em nível na-

cional e estadual, há incentivo

para que municípios e univer-sidades criem seus grupos de apuração. Em Bauru, durante a II Jornada de Direitos Humanos da cidade, em 2012, foi propos-ta a criação de Grupo Memória e Verdade. A equipe, composta por sete membros, terá a função de levantar dados e informações cor-respondentes ao regime militar no município. Segundo os mem-bros, “as investigações abordarão as questões políticas da época, a

imprensa, a Frente Anticomunista (FAC), a atuação da Igreja Católica e de movimentos sociais e casos de perseguidos e presos políticos da cidade”.

AtrasoO Brasil é o último país latino-

-americano a criar um órgão de estudo e análise dos crimes con-tra a humanidade, cometidos pelo Estado, durante um regime militar. Na América Latina países como Argentina, Chile, Uruguai, Peru e Guatemala já apuraram e, em alguns casos, puniram infrato-res dos direitos humanos em seus períodos de repressão.

Estima-se que no mundo mais de 30 comissões da verdade te-nham sido criadas. Fora do con-tinente americano, uma das mais conhecidas é a da África do Sul. O mecanismo foi criado para apu-rar crimes cometidos entre 1948 e 1994, período que corresponde ao Apartheid, regime de segrega-ção racial comandado por uma minoria branca.

No Brasil, há a intenção de aprender com outras comissões do mundo, inclusive com as da América Latina. Segundo Cláudio Fonteles, da CNV, o diálogo com outras comissões é muito impor-tante. “Em setembro, a Comissão da Verdade realizou no Itamaraty um seminário com integrantes de Comissões da Verdade da Améri-ca Latina. Esse intercâmbio é fun-damental para dimensionar nosso trabalho. Dialogar com os outros países nos dá a vantagem de evi-tar a repetição de erros e mirar nos acertos, guardadas, é claro, as diferenças culturais e legislati-vas entre nossos países”, explica.

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Comissão da Verdade pretende resgatar memória do Regime Militar no Brasil, o país é o último do continente a investigar crimes do Estado

NÚMEROS DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA

Fonte: Grupo Tortura Nunca Mais e Livro “O Golpe de 64 e a Ditadura Militar” (CHIAVENATO, 1997)

* * *

*Dados aproximados

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aGente Ano 6 | Número 5 | Novembro 2012

por Lucas Vieira

O jornal “A Brasa” foi cria-do entre os anos de 1967 e 1968 pelos estudantes

Irineu Bastos, Milton Dota, Sér-gio Antunes e Paulo Sérgio Gal-vão Nogueira, todos alunos do curso de direito da Faculdade Direito de Bauru.

O jornal começou como uma brincadeira interna na facul-dade, criado para o fim de en-tretimento e sátira dos acon-tecimentos que envolviam o universo acadêmico dentro do campus. Além disso, tinha um conteúdo altamente colabo-rativo, qualquer aluno tinha a oportunidade de opinar ou

acrescentar algum conteúdo.O conteúdo tinha cunho hu-

morístico e criticava tanto a po-litica interna do campus, quan-to a própria estrutura politica do país na época. Esse tipo de temática obrigava seus autores a viver no anonimato, devido a isso, o lema principal do jornal era “circula onde pode e quan-do pode”.

O “A Brasa” se sustentava a partir do dinheiro dos próprios alunos, principalmente os que estavam começando. Aque-les que possuíam algum tipo de negócio na época pagavam para anunciar no jornal.

Dentre os integrantes da equipe, vale destacar a atuação do cartunista Antônio Carlos Nicolielo, que expunha seu tra-balho de forma voluntária. Ele começou sua carreira no ramo artístico-jornalístico, divulgan-do suas charges nesse periódi-co. Hoje em dia é reconhecido no ramo e possui fama interna-cional.

Uma das principais dificulda-des que os produtores do jornal encontravam era sua impres-são. Muitas gráficas ficavam receosas em imprimí-lo, justa-mente pelo seu caráter crítico e gozador.

O “A Brasa” era muito popu-lar na época e recebia críticas muito positivas dos alunos do campus, porém não era muito bem visto por alguns profes-sores, em especial aqueles em que a crítica atingia. Nenhum aluno foi acusado ou punido diretamente, mas alguns do-centes deixavam claro sua posi-ção negativa na própria sala de aula, criticando veementemen-te a iniciativa dos alunos.

Esse projeto teve seu fim quando a equipe principal de estudantes, os mesmos que o idealizaram e o mantinham se formaram, em 1969.

A atuação da Polícia Militar brasileira preocupa diver-sas entidades ao redor do

mundo. Em relatório, a ONU de-clarou que o Brasil deveria “abo-lir o sistema separado de Polícia Militar, aplicando medidas mais eficientes para reduzir a incidên-cia de execuções extra-judiciais”. A Anistia Internacional, organi-zação não governamental que defende os direitos humanos, também divulgou que agentes da lei praticam tortura e execu-ções. A Human Rights Watch, outra organização não governa-mental envolvida na promoção dos direitos humanos, apontou o “abuso policial” como um pro-blema crônico nas terras brasi-leiras.

Mas, qual é a origem da Po-lícia Militar em São Paulo? Fun-dada em 1970, durante o regime militar, a PM surgiu quando o governo uniu a antiga Força Pú-blica e a Guarda Civil. Desde en-tão, a PM ainda guarda muito do regime ditatorial brasileiro. Para Luís Antônio de Souza, professor da Unesp Marília e coordenador do Observatório de Segurança Pública, “existe um legado auto-ritário muito forte na área poli-cial e na justiça criminal de uma forma geral”.

Os números da violência no estado assustam, segundo a Se-cretaria de Segurança Pública. Só no ano de 2012, as Polícias do

Estado de São Paulo já mataram 251 pessoas e 24 policiais mor-reram. O Instituto Sou da Paz le-vantou o perfil de quem morreu em confrontos com a polícia na cidade de São Paulo nos últimos 10 anos, e concluiram que 93% das vítimas moravam na perife-ria da capital paulista, 60 % ti-nham entre 15 e 24 anos e 54% eram negros. Luís Antônio Souza observa que os excessos da po-lícia atingem de forma diferente os setores da sociedade “esses abusos afetam pobres que não têm poder, os não brancos, os jovens de periferia”.

Sociedade autoritáriaUma das iniciativas possíveis

do Estado para monitorar a atua-ção das forças policiais é o uso de ouvidorias, sendo que a fun-ção desta é receber denúncias e sugestões da população so-bre a atuação policial. São Paulo foi pioneiro nessa experiência e criou a Ouvidoria de Polícia do estado de São Paulo em 1995. Também é trabalho da ouvido-ria elaborar tabelas com os nú-meros das denúncias no estado, assim, desde 1998 é divulgada a soma das queixas que a institui-ção recebe ao longo do ano.

O cargo de Ouvidor de Polícia de São Paulo é uma indicação do Governador do estado a partir de uma lista votada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos

da Pessoa Humana (Condepe).Luiz Gonzaga Dantas, atual ou-vidor de polícia de São Paulo, comenta o quadro da seguran-ça pública no Brasil: “temos mais tempo de autoritarismo do que de democracia na história do Brasil. Nós temos uma socieda-de autoritária, logo, temos uma polícia que pensa parecido com essa sociedade”.

Federalização edemocratização

Caminha no Congresso o Pro-jeto de Lei 3734/12, que busca reformular as políticas de segu-rança pública brasileiras ao criar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Nesse novo sis-tema, o governo federal será

responsável por definir as regras do modelo de segurança pública para os estados brasileiros se-guirem.

Alguns estudiosos do tema entendem a não federalização da segurança pública como uma das fontes dos atuais problemas enfrentados na área.É o caso de Jacqueline Muniz, professora da Universidade Católica de Brasília e conselheira do Fórum Brasilei-ro de Segurança Pública. “A falta de um pacto federativo na área de segurança pública favorece que se possa ter retrocessos na democratização da segurança, e a democratização é desejavel e necessária para que se rompa de vez com nosso passado”, analisa Jacqueline.

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POLÍCIA MILITAR FOI CRIADA NA DITADURApor Thales Schmidt

Instituição recebeu críticas da Anistia Internacional, ONU e Human Rights Watch

“A BRASA”, MORA! Circulou onde pôde e quando pôde.

Ação da Polícia Militar na periferia

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AÇÃO PELEGApor Gabriel Cortez

Em Bauru, estudantes foram às ruas, mas sindicatos ficaram no assistencialismo

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Durante a ditadura militar, os sindicatos foram reprimidos com veemência pelo Estado.

Em 13 de março de 1964, dezoi-to dias antes do Golpe, a Confe-deração Geral do Trabalho (CGT) realizou o Comício das Reformas, na estação Central do Brasil (RJ), e propôs aos sindicatos e associa-ções de trabalhadores uma greve geral. A mobilização não se con-cretizou, pois os ferroviários foram os únicos a atender ao chamado. A ditadura interveio, então, em 432 sindicatos e cassou o manda-to de dez mil sindicalistas. A CGT foi fechada e suas principais lide-ranças, presas ou exiladas. Uma lei antigreve foi decretada e o gover-no passou a fixar os índices de rea-juste salarial.

Essa repressão ao movimento operário e aos sindicatos também ocorreu na cidade de Bauru e atin-giu, particularmente, aos ferroviá-rios que apoiavam João Goulart e suas reformas, como lembra o pro-fessor de História da Unesp Bauru Célio Losnak. “No dia 1º de abril de 1964, eles fizeram uma reunião na sede da Associação Profissio-nal dos Ferroviários da Noroeste do Brasil (NOB). A polícia atacou o local e, usando bombas de efeito moral, dissolveu a reunião. Houve

repressão e muitos ficaram presos e responderam a interrogatórios e a inquéritos”, conta.

Segundo o historiador, os mo-vimentos sindicais que ocorreram na cidade tiveram apenas uma relação assistencial com o operá-rio: “até os anos 80, os movimen-tos sindicais bauruenses estavam amarrados à estrutura do Governo Federal. As negociações salariais eram submetidas ao Ministério do Trabalho e ao controle político dos militares e o espaço de manobra dos sindicatos era muito restrito. Eles não tinham uma autonomia significativa”.

No período de 1979 a 1980, mesmo com as lutas dos metalúr-

gicos do ABC, a quase totalidade dos Sindicatos em Bauru ainda era controlada por direções pele-gas (alinhadas aos interesses dos militares). Havia muita dificuldade para os trabalhadores se organi-zarem em virtude da repressão. Em 1984, a Associação dos Ferro-viários da NOB foi transformada em Sindicato dos Trabalhadores e Empresas Ferroviárias de Bauru e Mato Grosso do Sul, e sua primei-ra direção também teve uma con-cepção pelega de ação.

Estudantes, políticos e religiosos protestam

Célio Losnak explica também que os movimentos sociais se

mobilizaram em três frentes em Bauru: o MDB (Movimento De-mocrático Brasileiro), como único movimento político organizado; as Comunidades Eclesiais de Base, ala mais popular da Igreja Católica que estudava a bíblia de acordo com a realidade de mazelas vividas pela comunidade; e o movimento estudantil, cuja principal vertente se organizou na Fundação Educa-cional de Bauru, a antiga FEB (atual Unesp). O movimento estudantil ressurge em 1978 e, segundo Los-nak, “foi uma mobilização centra-da nas questões dos alunos, mas que, em alguns momentos fazia manifestações de rua”.

Fábio Negrão liderou os estu-dantes, entre 1978 e 1982, e con-ta que a principal luta política do grupo era pela anistia ampla, ge-ral e irrestrita. No dia 21/08/1980, Negrão participou de uma ma-nifestação a favor do ensino pú-blico gratuito e da liberdade de expressão, na Praça Ruy Barbosa. “A gente estava em menos de 100 pessoas e a polícia militar fechou a praça. Ao invés de tentarmos des-cer para o terminal rodoviário, que estava sendo inaugurado naquele dia, com a presença do presidente (João Baptista) Figueiredo, fomos obrigados a recuar”, recorda.

De calça clara, no meio da faixa, Fábio Negrãoenfrenta os militares na Rua Batista de Carvalho

ENTRE E SINTA-SE EM CASApor Arthur Ferreira

O meretrício mais famoso do Brasil era muito mais que uma “casa de diversão”

Eny Cezarino morreu no final de agosto de 87. Tentava, com sua última aliança de

brilhantes, pagar o médico. Eny morreu aos 69 anos e não po-dia morrer com outra idade. Ela foi dona do bordel mais famoso do Brasil, frequentado por gran-des nomes da política e grandes empresários e faz até hoje Bauru não ser só uma cidade lanche.

Sua casa foi muito mais que um meretrício. Homens podero-sos visitavam à Eny, pois a come-moração com chave de ouro era obrigatória após o fechamento de acordos de grandes empre-sas e indústrias de porte. Segun-do a pesquisa de Lúcia Helena Ferraz Sant’Agostino, a Bardahl e a Dedini ali promoviam suas convenções de final de ano para diretores e representantes, além das reuniões para os delegados

das convenções políticas, no pe-ríodo da ditadura militar.

Nicola Avallone Jr, ex prefeito de Bauru, contou à Revista Bau-ru e Região (Ano I nº1, set/93) que até o candidato era definido dentro do pólo mais importante da cidade. Príncipes visitaram o bordel. Um episódio marcante na vida de Eny foi quando um delegado aliado a Jânio Qua-dros, derrotado nas eleições na cidade, fechou o estabelecimen-to, que foi reaberto horas depois por Nicolinha na presença de um juiz. “Eny era um elemento agregador e não desagregador”. As milhares de faces da casa da Eny fizeram ela ser conhecida internacionalmente, afinal a ca-fetina teve uma grande sacada política. Ela ajudava creches e escolas e “cedia” sua casa para encontros corporativos.

Conta Lucius de Mello, autor da biografia da agenciadora, que o segredo do sucesso de Eny era a discrição. “Ela foi an-tes de tudo uma grande política. Sabia se relacionar muito bem com a clientela. Conjugava de forma muito inteligente o verbo cafetinar, ou seja, percebia os desejos dos homens e das mu-lheres. Eny guardava segredos, era cúmplice dos clientes, eles confiavam nela. Naquela épo-ca, a prostituição tinha glamour. As prostitutas eram apontadas nas ruas, chamadas de pecado-ras pela igreja e pela sociedade que era muito menos tolerante com elas do que hoje. Eny enca-rava isso com um certo sucesso. Aproveitava a fama para apa-recer bem diante de todos. En-sinava suas meninas a se com-portarem e se vestirem como

estrelas de cinema. Iam assistir filmes no cine da cidade para copiar os modelos e os trejeitos das divas de Hollywood como Elisabeth Taylor, Marilyn Mon-roe, Sophia Loren.”

Boatos que os aposentos do Eny’s Bar já tinham sido visitados por pelo menos dois terços de todas as assembléias legislativas de São Paulo, muitos governa-dores de Estado e prefeitos da região, grandes agricultores do ramo sucroalcooleiro com seus filhos e até um Presidente da República.

A casa da Eny foi muito mais que um prostíbulo. O diferencial dela foi a participação política de sua dona. Era uma casa que funcionava como curral eleitoral ou fonte de inspiração para ar-tistas, sem deixar de cumprir sua função primordial: sexo pago.

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“ERA UMA RETALIAÇÃO SILENCIOSA”Irmão de Zico fala sobre sua trajetória no futebol e o que enfrentou na ditadura

Nascido em Quintino Bocaiu-va (RJ), Fernando Antunes Coimbra teve cinco irmãos,

dos quais três, assim como ele, es-colheram ganhar a vida com o fute-bol. Zeca, o mais velho, se destacou jogando no Fluminense; Edu, o do meio, no América-RJ e Zico, o caçu-la, no Flamengo. Nando trilhava o mesmo caminho, mas seu posicio-namento político mudou um pouco os rumos dessa história.

Além de jogador, o irmão de Zico foi integrante do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), do pedagogo Paulo Freire, sendo, por isso, consi-derado subversivo pelo regime mili-tar. A cada clube que chegava, Nan-do recebia uma desculpa diferente para não ser escalado. Ao todo, fo-ram nove anos de carreira, passando por clubes como Madureira, Ceará, Belenenses e Gil Vicente – estes dois últimos em Portugal, onde chegou, inclusive, a receber ameaças da polí-cia política do ditador Salazar.

No dia 30 de Agosto de 1970, Nando foi preso e passou quatro dias no DOI-CODI, onde foi interro-gado e torturado. Quase quarenta anos depois, em Julho de 2011, veio a sua reabilitação pública: Fernando Antunes Coimbra se tornou o pri-meiro ex-jogador de futebol anistia-do pela Comissão de Anistia do Mi-nistério da Justiça. Em entrevista ao Jornal aGente, Nando conta o que sentiu na pele:

Comissão de Anistia Nacional“Na verdade, essa comissão é o re-conhecimento de uma perseguição que minha família sofreu na qual o principal visado era eu. Tudo come-çou quando nós passamos no con-curso do plano Nacional de Alfabe-tização, criado pelo grande Paulo Freire. Logo em seguida estourou a Ditadura e eles consideraram o PNA subversivo. A partir dali, nós passa-mos a ser considerados subversivos. Mas eu já estava começando no futebol e fui obrigado a esquecer o PNA”.

Interferência da ditadura“No início de 1966 eu me profissio-nalizei, jogando pelo Santos de Vi-tória (ES). Foi ali que começou a per-seguição. Mas eu não quis acreditar que aquilo era verdade. Eu bem no campeonato, fomos vice-campeões do torneio da capital. O treinador caiu, inexplicavelmente. Assumiu um capitão ou major do exército, não me lembro. Eles começaram a entrar

no futebol e, em uma semana, eu fui afastado. Voltei para o Rio e assinei contrato com o América, onde já jogavam o Edu e o Antunes. O trei-nador, que era o Evaristo de Mace-do, falou que estava com medo de colocar no ataque três irmãos por-que podia gerar uma ciumeira. Tudo bem, respeitamos. Dali eu fui em-prestado ao Madureira, no campeo-nato de 1967. Me destaquei, mas fui, novamente, convidado a me retirar, por outro diretor. O presidente era meu amigo e falou que não podia fazer nada, como o presidente do Santos de Vitória. Aí fiquei parado, até começar o campeonato do ano seguinte. Em 1968 eu fui para o Cea-

rá Sport. Lá não houve nada. Sempre fui tratado maravilhosamente, inclu-sive o livro da minha história é feito pelo Centro Cultural do Ceará. Mas a proposta do Belenenses era muito boa e fui para Portugal. Cheguei lá, a PID foi atrás de mim, a Polícia Po-lítica. Consegui voltar fugido para o Brasil. Mas eu fiquei sem campo de atuação, tanto lá, quanto aqui. Até que, em 1971, meu pai falou com o presidente do CND, que era o gene-ral Sizeno Sarmento, e disse que não aguentava mais a perseguição que eu estava sofrendo. O Edú já tinha deixado de ser convocado para a Se-leção de 70. Esse general prometeu ao meu pai que iria estudar o caso. Um mês depois eu mesmo atendi o telefone, era ele, dizendo que esta-va tudo ok comigo. Eu estava com uma proposta do Gil Vicente de Portugal e fui para lá, em 1971. No aeroporto eu passei normalmente, porque não passava, né. Cheguei lá em um inverno rigoroso e comecei a ter uma distenção atrás da outra, até que tive uma muito séria na virilha

e o jeito foi retornar para o Brasil. Aí eu desisti mesmo, porque o Zico já estava despontando e a gente em casa tinha certeza de que ele ia ser um dos melhores do mundo. Então, a minha preocupação a partir daí foi preservar meus irmãos, que já esta-vam sendo prejudicados pela inter-ferência da ditadura. E não adiantou, porque nesse mesmo ano, o Zico foi inexplicavelmente cortado da Sele-ção Olímpica. Há pouco tempo, tive-mos a confirmação do treinador de que recebeu ordens para isso. Por isso ele não participou da Olimpíada de 72, em Munique. Foi a maior frus-tração da vida dele. Ele quis parar de jogar. Meus irmãos não deixaram,

convenceram ele. Mas, realmente, é uma mágoa grande, porque se cortou o talento de um garoto de 18 anos que não cometeu crime ne-nhum”.

Retaliação sofrida“Muita! Quando eu estava no Bele-nenses fui procurado no hotel por dois agentes da PID. Eles disseram que sabiam muita coisa da minha vida no Brasil e que queriam meus documentos. Eu disse que estavam na embaixada. Foi a minha sorte. Eles falaram que iam voltar, porque estavam me acompanhando. Eu fi-quei apavorado. Eu estava demoran-do para assinar o contrato por uma questão de cifras. No dia seguinte, um diretor comentou a visita que eu recebi no hotel e disse que como eu era filho de português eu poderia até ir para a Guerra na África. Pô, eu tomei um susto. Eu sozinho, com 22 anos, em outro país, em uma época em que a comunicação era prati-camente zero. Me apavorei e voltei para o Brasil”.

Família e perseguiçãoQuando eu fui preso, em 1970, eu fui para o DOI-CODI, na rua Barão de Mesquita. Meus irmãos, o Edu e o Antunes, foram para a porta do quartel. O Antunes gritava que que-ria ficar preso comigo. Minha mãe foi para o portão também. Mas por sorte a imprensa respeitou e não di-vulgou nada. Era proibido mas eles davam um jeito de publicar. Não pu-blicaram. Então, a coisa ficava assim, muito nebulosa. Agora, claro, eles foram prejudicados. O Edú não era mais convocado para a Seleção Bra-sileira. O Zico, a partir de 1974, de-pois que meu nome limpou, a car-reira dele deslanchou no Flamengo e como não havia mais nada contra mim, acabou a perseguição. Parecia uma coisa sádica, era um prazer sá-dico de prejudicar”.

Mordaça estratégica“Era uma retaliação silenciosa. Você não tinha como reagir, você tinha que enfrentar aquilo. Eu tenho ami-gos na imprensa que nunca sou-beram de nada. Isso foi um segre-do guardado quase quarenta anos, que pegou de surpresa a opinião pública. Em compensação, veio o reconhecimento, o reconhecimento de quem não tem culpa no cartó-rio, que apenas foi prejudicado. Um reconhecimento que demora mas chega, e chegou em vida, graças a Deus”.

Tortura premeditada“A tortura existiu. Por exemplo, nós chegamos em uma quinta-feira, à noite, no DOI-CODI e ficamos dois dias em pé, com as mãos na cabeça, num corredor que parecia mais um curral do que outra coisa. Quando o braço começava a cansar e des-cia, eles vinham com a espingarda e cutucavam as costas da gente. Era uma dor intensa. Toda hora eles en-terravam um capuz para interroga-tório. Era só humilhação, uma coisa terrível.”

Alerta à juventude“Não esqueçam de amar profunda-mente a democracia. A democracia e a liberdade de expressão.O que é mais importante, é valorizar essa democracia que a nossa geração deixou para eles, para que nunca mais volte o sofrimento que nós passamos. Viver numa democracia é a melhor coisa do mundo. E hoje, uma das melhores que existe é a do Brasil. Viva essa democracia!”

por Gabriel Cortez

Nando (à direita) ao receber o pedido oficial de desculpas dogoverno brasileiro dos conselheiros da Comissão Nacional de Anistia,

Sueli Belatto e Mário Albuquerque.

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O HOMEM QUE DORMIU COM O INIMIGOpor Arthur Ferreira

A história de quando a esquerda começou a matar a própria esquerda

Os anos setenta no Brasil foram de muito sangue. Muito. Tanto que grupos

armados da esquerda come-çaram os “justiçamentos”, exe-cuções de possíveis militantes traidores. O primeiro deles foi um dos comandantes da ALN, Márcio Leite de Toledo que, com 26 anos foi morto com mais de dez tiros. Estava des-contente com os destinos da luta armada, a qual se distan-ciava do povo passo a passo.

Após a morte de Carlos Ma-righella, em 69 e a morte segui-da de tortura do jornalista Joa-quim Câmara Ferreira, ambos delatados por companheiros, a ALN decidiu começar com os justiçamentos, afim de evitar mais perdas.

O justiçamento fazia parte da cartilha revolucionária dos anos da ditadura e em Cuba era uma

prática rotineira. Che Guevara conta, com precisão científica, em seus diários como matou um colega que fraquejara. Um caso semelhante a um justiça-mento já tinha acontecido em 1936, quando Elza Fernandes, 16 anos, foi enforcada a mando de Luis Carlos Prestes por sus-peita de trair os comunistas.

Filho de integralista, da famí-lia dona do Instituto Toledo de Ensino em Bauru, Márcio Lei-te de Toledo já havia treinado guerrilha em Cuba. “Ele era o ‘matraqueiro’, responsável por dar cobertura aos colegas na ação com uma metralhadora”, diz Lídia Guerlenda, em entre-vista a Folha. “Éramos quatro, e ele deixou a metralhadora no banco do carro, pôs a mão no bolso e ficou assobiando. Talvez fosse uma maneira de aliviar a tensão, sei lá, mas a atitude dele

deixou todos indefesos.”, mos-trando a displicência de Márcio.

Como comandante da ALN, Carlos Eugênio Paz participou da morte de Márcio. “A ALN estava vivendo anos terríveis, começamos a perceber que tí-nhamos que tomar medidas de defesa”, Carlos Eugênio contou na sede estadual do PSB, no largo da Carioca para a Folha. “Se fosse detectado que uma pessoa ia ser presa ou cair, aju-dando com informações que levassem à derrubada da orga-nização, oferecíamos a oportu-nidade de deixar o país, como fizemos com Márcio. Como ele não aceitou, a organização iria justiçar.”

“Márcio foi o primeiro. Não havia maneira de enfrentar a questão. A ALN tomou essa medida corretamente, medidas que só se tomam em tempos de

guerra. É uma medida extrema e irreversível, temos que convi-ver com ela.”

Márcio não queria mais luta armada. Deixara uma carta em um dos seus bolsos manifes-tando essa vontade. O cadáver era então um argumento da es-querda para que a organização fosse resguardada. Dois dias antes de morrer, Márcio visita-ra um primo, que disse à Folha que o primo queria juntar todas as oposições contra a ditadura: “E comentou o desejo de, antes do recuo, armar uma operação contra o delegado Sérgio Fleury, o grande carrasco da esquerda brasileira”, disse Francisco José de Toledo, primo do militante justiçado, considerado um he-rói por seu irmão, já que tinha consciência das circunstâncias e mesmo assim continuou na op-ção que havia tomado.

ANISTIA PARA QUEM?por Jéssica Frabetti

Depois de 30 anos da assinatura da lei de Anistia no Brasil o debate sobre suas limitações

Luptusda aut ipiet audae om-nis dolendi psandis aut que landist eris adi omnia as

rehent alignis as entur, am, te-molore cuptis evero quam, se-ritat emporepe vendion sequas eumqui dolenihitat pel im aut aut quas ipsaerum dolorerias doloris dolorrum doluptaquod quodita tiusci occus, aut as int.

Ciam fugia nimet ut quatquo molorest illeceres mil eosandem accabore, voluptatem volori se magnihilit experum, nobitas se-

quiss equamen digendignim re-ped moluptaturem vel mil iurepe-rem ventis accatibusant landanit velestr unditii ssequatis simus essintur, qui vellati dolores inc-to qui que precuptation nitis illo omnimpor simenis atus nobit aut quasperum lat faccupt atendel luptam niminim ium quam com-moluptat rem quiam, qui optatqu atquiat emperum id essint aut ex-periberro toresedit dit is sunt.

Otassim ut mi, odic tes volupta tquosan danihil iducipitem quam,

inum fugita nobit optat lant eos dolorep elibus pellissimint que eati in prest, tet qui blaccusam, consequas eiur? Sam unti ari-busdae veriam con nim fuga. Ut alibus adi nissi dem nitium cus est abor asped que ex es rerum entis alignisquam et rae et quidi-ci tibust fugit endio debitaspis il iliquidundam es duciae voluptio-net moluptatur sit que qui volo coribusa volluptur suntia nullige ndignihil iliquae digende viducia plaborest, quo blaborrupta pere-ro que eum fugia quo eos aut de doluptatur si offic tem quo et qui nos inveri reicipi citatet la vollup-tas eatento eossimus undipsandis et evellique sanienda venda volo-rum simus re explit peribus abori-tation cone porum, quundis illaut la cuptatusa cus consequ idelitate volorem eos alitatqui consequia dolest abore que peruptasim et ipsamus aspel mi, as arum ut ex-plia duntur serspic te rent dolo-ressecti dolupta quatusam, sendi-pis magniaectius im rem fuga. Et dolluptat as doles nustia dolores eossimusa quam quatemp ore-pudictore la net re sapellesto te velignam susciisqui voluptatium

illiquidi aut odia nonsed earum volessition rem reruptatum ere volupta ssitaest rest volor as aut quaepre scillan daectaqui to vent dolor acest, quianih itiatus, volu-tempor as quates as imus volup-tur? Quis eritas denimol uptaqui quis ullore sunt.

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por Fernando Martins

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aGente Ano 6 | Número 5 | Novembro 2012 memória e verdade

O regime militar no Brasil vi-gorou entre 1964 e 1985, mas suas marcas ainda es-

tão expostas em diversos lugares da socidade. Além das histórias que marcam vidas, ficaram ruas, praças e bairros com nomes de ex-militares e construções que, na época, foram financiadas pelo regime.O jornalista Zarcilo Barbosa lem-bra que a amizade entre os ad-ministradores da cidade e os membros da Presidência da Re-pública rendeu bons frutos ao se-tor financeiro da cidade: “Graças a esse bom convívio político, Bauru conseguiu muita verba para obras como a continuação da avenida Nações Unidas e a construção da rodoviária”.Olhando para o mapa da cida-de, também encontramos alguns desses resquícios da ditadura e al-gumas ruas ainda homenageiam pessoas ligadas a essa turbulenta fase do país, segundo o historia-dor Irineu Azevedo Bastos, que pesquisa em parceria com o De-partamento de Água e Esgoto (DAE) os nomes de ruas da cida-de. “Há endereços em referência tanto a pessoas que bateram, quanto também as que apanha-ram durante a ditadura”.No Jardim Quinta Ranieri, há a rua

Irmãos Petit, que remete à histó-ria de Lúcio, Jaime e Maria Lú-cia Petit, mortos na Guerrilha do Araguaia pela repressão militar. A rua Hermes Camargo Batista, lo-calizada no bairro Jardim Europa, também leva o nome de um ex--guerrilheiro da Vanguarda Popu-lar Revolucionária.Também até hoje há homenagens feitas a torturadores, militares e pessoas com ligações negativas ao período da ditadura. Antônio Pedroso lembra de um caso pe-culiar. “Um dos nomes de logra-douros mais polêmicos é o que leva o nome de Sílvio Marques Júnior, localizado no bairro Novo Jardim Pagani. Sílvio era professor de Direito no Instituto Toledo de Ensino, a ITE, e foi o fundador da Frente Anti-Comunista na cidade na década de 60”, explica.Antônio Pedroso cita ainda outro caso que gera discussão: “uma dessas menções inexplicáveis está no Instituto Médico Legal de Bauru, que leva o nome de Jair Romeu, legista do exército que assinava autópsias de torturados, amenizando as agressões ou alte-rando a causa da morte”.Outro local bem conhecido é o bairro Geisel, que faz homena-gem ao presidente Ernesto Geisel, penúltimo presidente militar, um

dos responsáveis pela abertura política do país durante seu man-dato.

Erro CorrigidoEm 1980, na cidade de São Carlos, um decreto assinado pelo pre-feito Antonio Massei mudaria o nome da rua de “travessa G” para “Rua Sergio Paranhos Fleury”, homenageando um dos maiores torturadores que o país já teve.Só em 2009, Lineu Navarro, presi-dente da Câmara na época, apre-sentou o projeto que mudou o nome do logradouro para “Dom Hélder Câmara”, justamente por ser um bispo que sempre lutou a favor dos direitos humanos.

Não foi atentadoMuitos não sabem, principalmen-te os mais jovens, mas a avenida Nações Unidas já explodiu qua-se que por inteira. E mais, qua-se causando um acidente com o presidente da república, Ernesto Geisel, que visitava Bauru no dia. Era 13 de agosto de 1976, depois de um acidente, um caminhão de combustível que tombou na ave-nida Otávio Pinheiro Brizola, pró-ximo à USP, derramou óleo pela tubulação de toda a avenida Na-ções Unidas.Por volta das 13 horas, uma hora

depois de Ernesto Geisel ter aca-bado de sair da cidade rumo a Jaú, a Nações Unidas explodiu, literal-mente, como lembra a professora doutora Terezinha Zanloch: “Foi tudo pelos ares e na época hou-ve toda aquela desconfiança de atentado, tanto que Bauru ficou sob investigação da polícia fede-ral por cerca de um mês, mas o caso foi confirmado como apenas um acidente”.Rogerio Pereira Arcangelo, pro-prietário da lanchonete Lelo’s, fundada meses antes da explo-são, conta sobre esse dia e como a explosão o forçou a trocar de endereço: “Eu acompanhei a pas-sagem do presidente pela cidade, mas na hora da explosão eu já es-tava em casa. Ouvi um estrondo e depois vi que danificou o asfal-to todinho da avenida, formando crateras. Os coqueiros caíram, os bueiros estouraram, assim como os canos d’água. Assim, mesmo sem danificar o trailer, tive que mudar para a Nuno de Assis, onde fiquei até a Nações Unidas ser recuperada, quando me insta-lei embaixo do viaduto da aveni-da Duque de Caxias, onde traba-lhei durante 17 anos”, recorda-se o comerciante que há mais de 32 anos serve Bauru com seu cardá-pio de lanches e batidas.

O QUE RESTOU DA DITADURA EM BAURUpor Fernando Martins

INDIVIDUALISMO OFUSCA POLÍTICA NAS ESCOLASPara professores, livros explicam a ditadura mas há pouco interesse

Nesta edição do aGente são apresentados vários aspectos do período da ditadura e a

sua importância. Mas será que esse assunto é tratado com o devido cui-dado e relevância nas escolas?

A Secretaria de Educação do Es-tado de São Paulo explicou, em en-trevista ao aGente, que em 2008 foi proposto um currículo básico para as escolas da rede estadual nos ní-veis de Ensino Fundamental II e Mé-dio.

O objetivo era apoiar o trabalho do professor em sala e contribuir para a melhoria da qualidade de aprendizagem, para garantir uma base comum de conhecimentos e competências de acordo com a realidade da rede, orientando as es-colas no que concerne à promoção das competências necessárias para enfrentar os desafios sociais. O cur-rículo articula, dessa forma, compe-tências com conteúdos disciplinares.

A Proposta Pedagógica contida no currículo prevê ações entre as disciplinas, estímulo à vida cultural da escola e o fortalecimento de suas relações com a comunidade. Um dos materiais de apoio para o pro-fessor trabalhar em sala são os Ca-dernos do Professor e Aluno, orga-nizados por disciplina/série(ano) nos quais são apresentadas as Situações de Aprendizagem com métodos e estratégias de trabalho e sugestões para avaliação e recuperação.

Lucia Isabel Aparecida Soares, responsável pelo conteúdo de His-tória na Diretoria de Ensino de Bau-ru, comenta sobre esse currículo proposto e os cadernos do profes-sor e do aluno e destaca sua eficácia: “Esse currículo foi pensado de forma que, ao final dessa abordagem, es-ses jovens tenham a compreensão exata do significado desse período de regime militar e de qualquer ou-tro de nossa história e o que cada

época representa no presente para todos os brasileiros”.

Para Luis Fernando Cerri, pro-fessor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a importância de um estudo sobre o tema sem escolha de lado é essencial. “Não se trata de de-fender esta ou aquela versão, deste ou de outro personagem da época ou seus discursos, mas de abrir es-paço para os estudos sérios que sur-giram na ciência política e na história e que caracterizaram e definiram o papel histórico do regime militar”, observa.

Já sobre o material didático atual, Luis Cerri acredita que tem melhora-do na sua qualidade sob a vigilância ativa dos especialistas recrutados pelo Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educa-ção, que cria um guia para ser enca-minhado às escolas, que escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto

político pedagógico.Outra questão importante para

entender como o assunto é tratado nas escolas, é reconher que o jovem, hoje, é afastado de questões polí-ticas. Para Fabio Pallotta, professor de História da Universidade Sagra-do Coração, isso é um problema da geração: “O jovem realmente está cada vez mais distante de assuntos políticos, e parte disso eu atribuo ao individualismo das novas gerações, ao uso abusivo das redes sociais e também pelo ensino nas escolas ser direcionado apenas para o vestibu-lar, não se voltando para questões políticas.

A solução mais próxima para essa situação, encontrada por Luis Cerri, seria convencer esses cidadãos do presente e do futuro de que não há saída individual para os nossos pro-blemas, mas apenas saídas coletivas e solidárias, só assim será possível aproximar esses jovens da política.