Ages Tao Da Aula

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  • A GESTO DAAULA UNIVERSITRIA

    NA PUCRS

  • Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Chanceler:Dom Dadeus Grings

    Reitor:Joaquim Clotet

    Vice-Reitor:Evilzio Teixeira

    Pr-Reitor de Administrao e FinanasPaulo Roberto Girardello Franco

    Pr-Reitor de Pesquisa e Ps-GraduaoJorge Luis Nicolas Audy

    Pr-Reitora de GraduaoSolange Medina Ketzer

    Pr-Reitor de ExtensoJoo Dornelles Junior

    Pr-Reitora de Assuntos ComunitriosJacqueline Poersch Moreira

    Conselho Editorial:Alice Therezinha Campos Moreira

    Ana Maria Tramunt IbaosAntnio Carlos Hohlfeldt

    Draiton Gonzaga de SouzaFrancisco Ricardo RdigerGilberto Keller de AndradeJaderson Costa da Costa

    Jernimo Carlos Santos BragaJorge Campos da Costa

    Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente)

    Jos Antnio Poli de FigueiredoLauro Kopper Filho

    Maria Eunice MoreiraMaria Helena Menna Barreto Abraho

    Maria Waleska CruzNey Laert Vilar Calazans

    Ren Ernaini GertzRicardo Timm de SouzaRuth Maria Chitt Gauer

    EDIPUCRS:Jernimo Carlos Santos Braga DiretorJorge Campos da Costa Editor-chefe

  • Marlene Correro GrilloAna Lcia Souza de Freitas

    Rosana Maria GessingerValderez Marina do Rosrio Lima (Org.)

    A GESTO DAAULA UNIVERSITRIA

    NA PUCRS

    Porto Alegre, 2008

  • EDIPUCRS, 2008

    Capa: Vincius Xavier

    Preparao de originais: Patrcia Arago

    Reviso: Albino Pozzer e Gilberto Scarton

    Editorao e composio:Phenix Produes Grficas

    Impresso e acabamento

    Freitas, Ana Lcia Souza deA gesto da aula universitria na PUCRS / Ana

    Lcia Souza de Freitas, Rosana Maria Gessinger;organizadoras, Marlene Correro Gillo, Valderez Marinado Rosrio Lima. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

    170 p.ISBN 978-85-7430-826-51. Professores Formao Profissional. 2. Educa-

    o. 3. Ensino Superior. 4. Aprendizagem. 5. Qualida-de no Ensino. 6. Pedagogia Universitria. I. Gessinger,Rosana Maria. II. Grillo, Marlene Correro. III. Lima,Valderez Marina do Rosrio. IV. Ttulo.

    CDD 370.71

    F866g

    Ficha Catalogrfica elaborada peloSetor de Tratamento da Informao da BC-PUCRS

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Proibida a reproduo total ou parcial desta obra sem autorizao expressa da Editora.

    Av. Ipiranga, 6681 Prdio 33Caixa Postal 1429

    90619-900 Porto Alegre RS BrasilFone/fax: (51) 3320-3523

    e-mail: [email protected]

  • Sumrio

    Apresentao ......................................................................... 7

    Introduo ............................................................................. 9

    A Docncia na Educao Superior da PUCRS ................ 13A qualificao da gesto da aula universitria e seusantecedentes ................................................................... 15

    Por que o professor faz o que faz na sala de aula? ........ 19O fazer pedaggico e as concepes de conhecimento 21

    O que o professor precisa saber para ensinar? ............. 33Constituio da identidade profissional, saberesdocentes e prtica reflexiva ........................................... 35O incidente crtico e a prtica reflexiva ....................... 43

    Como mobilizar o aluno para o aprender? ..................... 51A aula universitria como espao de parceria ............. 53O contrato didtico e a avaliao .................................. 59

    Como a avaliao pode contribuir para a aprendizagem? 65Dimenses conceituais e operacionais da avaliao ... 67Auto-avaliao como metacognio .............................. 83

    E na prtica, o que fazer? .................................................. 87A pesquisa em sala de aula ........................................... 89Aula expositiva .............................................................. 99A aula expositiva reinventada .................................... 103Atividades em grupo ................................................... 109Dirio de aula ............................................................... 119Estudo de caso ............................................................. 131Estudo de texto ............................................................ 139Mapa conceitual ........................................................... 145

  • Problematizao ........................................................... 157Seminrio ..................................................................... 165

    E agora, como prosseguir? .............................................. 169

  • Apresentao

    Por que o professor faz o que faz na sala de aula? Oque o professor precisa saber para ensinar? Como mobili-zar o aluno para aprender? Como a avaliao pode contri-buir para a aprendizagem? E na prtica, o que fazer? Taisquestionamentos encontram-se referendados ao longo daspginas desta obra, uma produo terica que as autoras,com base no dilogo permanente com os professores e ges-tores em assessorias pedaggicas, em cursos de qualificaoda gesto da aula oferecidos pela PROGRAD, em eventos decapacitao docente e em manifestaes de professores nosencontros do Projeto Reflexes oferecem comunidade daPUCRS. Os textos relacionam-se entre si pelo alinhamentocom as concepes terico-pedaggicas expressas no Proje-to Pedaggico Institucional PUCRS 2007, que fundamentama ao pedaggica na Universidade.

    O livro expressa a preocupao por parte da PROGRADcom a qualidade da aula de graduao, com a qualificaodos professores em seu tempo e em seu amanh, razo porque esta Pr-Reitoria elegeu como meta prioritria de suasaes a qualidade da aula.

    A busca da qualidade em todos os segmentos no caminho construdo com esforos isolados e espordicos,mas um esforo contnuo na busca de melhoras, cujos ho-rizontes so ilimitados. A gesto da aula universitria naPUCRS , pois, mais uma ao, que se soma a tantas outraspara a conquista desse ideal. E no seria demais lembrar que uma gesto focada na qualidade que garante a sustentabili-dade, eis que, quando somos confiveis, qualificados, asportas se abrem.

  • 8 Apresentao

    A leitura deste importante conjunto de textos permiteampliar e aperfeioar a formao continuada, mobilizandoiniciativas de qualificao da gesto da aula universitria einstigando novas autorias. Assim, estaremos fazendo emeducao o que deve ser feito, no apenas para competir como mundo fora da escola dinmico, cheio de atrativos, satu-rado de informao, cibercultural, que gera crescente desinte-resse pela sala de aula, devido obsolescncia do modelo tra-dicional de ensino , mas tambm para preparar nossos jo-vens, o homem para a poca em que ele mesmo criou e emque se encontra inserido.

    Solange Medina KetzerPr-Reitora de Graduao da PUCRS

  • 9A gesto da aula universitria na PUCRS

    Introduo

    Esta publicao tem origem na experincia do trabalhode formao docente desenvolvido pela Pr-Reitoria de Gra-duao da PUCRS (PROGRAD). De modo especial, o cursoDocncia na Educao Superior da PUCRS, realizado pelaCoordenadoria de Ensino e Desenvolvimento Acadmico,desde 2007, gerou a necessidade de sistematizar referenci-ais que contribuam para o aperfeioamento da docncia uni-versitria e para o desenvolvimento da identidade profissi-onal docente na PUCRS.

    A experincia com os cursos e outras atividades de for-mao e o acompanhamento, por meio do dilogo permanen-te, das demandas das Unidades Acadmicas, permitiu sinte-tizar questionamentos que representam preocupaes impl-citas nas manifestaes recorrentes entre os educadores. Taisquestionamentos, assumidos como orientadores para a orga-nizao desta publicao, constituem portas de entrada parao aprofundamento terico da reflexo sobre a prtica e ex-pressam a inteno de destacar o valor do conhecimento pe-daggico para a constituio do conhecimento profissionaldocente.

    O primeiro captulo, A Docncia na Educao Supe-rior da PUCRS, apresenta o histrico do trabalho de forma-o na PUCRS como ponto de partida para contextualizar areflexo atual, enfatizando o valor da experincia que nelase inscreve. A seguir, os demais captulos so apresentadospor questionamentos que traduzem a inteno de pr emdilogo o conhecimento pedaggico com a experincia pro-fissional docente na PUCRS.

    O segundo captulo, Por que o professor faz o que faz

  • 10

    na sala de aula?, desenvolve a compreenso de que, entreoutros elementos, a prtica do professor resulta de seu en-tendimento acerca de como ocorrem as relaes entre o en-sinar e o aprender. Embora nem sempre consciente, o modocomo o professor ensina bastante revelador das concep-es implcitas em sua prtica.

    O que o professor precisa saber para ensinar? o ques-tionamento que encaminha a reflexo do terceiro captulo,tomando como ponto de partida a compreenso de que oconhecimento especfico de cada rea de atuao elementonecessrio, mas no suficiente, ao ensino. Ou seja, constata-se que ensinar Fsica, por exemplo, diferente de ser fsicoe, portanto, para ensinar Fsica no basta saber Fsica, mas preciso saber torn-la ensinvel.

    Como mobilizar o aluno para o aprender?, questiona-mento que orienta a reflexo do quarto captulo, traduz ainteno de problematizar a participao ativa tanto do pro-fessor quanto dos alunos na construo de uma boa aula,considerando a co-responsabilidade de ambos como sujei-tos dos processos de ensinar e de aprender. Essa compreen-so desafia o pensamento em torno da aula universitria comoespao de parceria e a necessidade de reconstruir o contratodidtico tradicional, criando condies para o estabelecimen-to de um contrato didtico emancipatrio.

    Como a avaliao pode contribuir para a aprendiza-gem? o questionamento que organiza o quinto captulo,problematizando as relaes entre ensino, aprendizagem eavaliao, tendo em vista a promoo da autonomia. As di-menses conceituais e operacionais da avaliao e a auto-avaliao como metacognio so desafios que se apresen-tam inovao da aula universitria e alterao das rela-es professor-aluno-conhecimento.

    E na prtica, o que fazer? o questionamento que apre-senta o captulo destinado aos procedimentos didticos. Coma incluso deste ltimo captulo, no temos a inteno de

    Introduo

  • 11A gesto da aula universitria na PUCRS

    prescrever receitas nicas, mas, ao contrrio, ao dar visibi-lidade a um conjunto de alternativas para o que fazer nadinmica da aula, pretendemos despertar a curiosidade paraa sua reinveno. A pesquisa em sala de aula a reflexoinicial, justamente por considerar que a gesto da aula no algo esttico, nem se reduz aplicao de procedimentos,mas requer a ao-reflexo contnua e vigilante sobre a com-plexidade das relaes que se estabelecem entre as inten-es docentes e as expectativas discentes, bem como ao queemerge nessa interao. Trata-se de compreender que a aula, em si mesma, um processo dinmico, em que professor,alunos e o prprio objeto de conhecimento implicam-se en-tre si, (trans)formando-se no percurso de ensinar e de apren-der. Compreendida dessa forma, toda a ao docente pres-supe uma atitude investigativa a ser exercida na dinmicada aula.

    Entre tantas alternativas possveis, a aula expositiva o primeiro procedimento apresentado neste captulo. Aindaque essa no seja a maior expectativa de quem busca a refle-xo sobre procedimentos didticos, a aula expositiva oprocedimento mais usual e no pode ser desconsiderada.Os textos sobre a aula expositiva e a aula expositiva rein-ventada desafiam a atualizao desse procedimento, luzdas compreenses atuais acerca das relaes entre o ensinare o aprender, bem como das peculiaridades que se apresen-tam ao cenrio da aula de graduao hoje.

    A seguir, atividades em grupo, dirio de aula, estudode caso, estudo de texto, mapa conceitual, problematizaoe seminrio apresentam proposies que contribuem paraqualificar a gesto da aula, proporcionando possibilidades dealterao das relaes professor-aluno-conhecimento e cola-borando para a promoo da autonomia. Os textos podem serlidos isoladamente, mas precisam ser compreendidos no con-texto da intencionalidade que os articula, qual seja, refletirsobre a qualidade da gesto da aula universitria.

  • 12

    Direta ou indiretamente, cada um dos captulos con-tm a contribuio da experincia e da reflexo com os pro-fessores da PUCRS, bem como as nossas prprias aprendi-zagens no processo de trabalho com a formao docente. Aorganizao desta publicao permitiu retomar conceitos, re-ver prticas e perceber as infinitas possibilidades de altera-o da dinmica da aula, considerando a inteno de queprofessor e alunos sejam sujeitos ativos no processo de co-nhecimento. Trata-se da sntese de um percurso cujas apren-dizagens merecem ser ampliadas.

    Em conjunto, os textos desta publicao se complemen-tam para clarear conceitos e apresentar alternativas prti-cas, bem como para desafiar as autorias dos docentes daPUCRS na qualificao da aula. Esse o intuito do ltimocaptulo, no qual a breve reflexo introduzida pelo questio-namento E agora, como prosseguir? representa um convite continuidade dessa produo. Desse modo, pretendemossomar esforos para o xito de uma das metas prioritriasda PROGRAD, qual seja: a qualidade da gesto da aula uni-versitria.

    As autoras.Porto Alegre, julho de 2008.

    Introduo

  • 13A gesto da aula universitria na PUCRS

    A DOCNCIA NA EDUCAOSUPERIOR DA PUCRS

    Olhar para trs no umaforma nostlgica de querer voltar,

    mas um modo de melhorcompreender o presente para

    melhor construir o futuro.

    Paulo Freire

  • A qualificao da gesto da aulauniversitria e seus antecedentes

    Marlene Correro GrilloAna Lcia Souza de Freitas

    A melhoria da qualidade do ensino e o compromissocom a difuso da cultura so metas presentes nos documen-tos oficiais e na dinmica cotidiana da Universidade, man-tendo coerncia com os princpios da educao marista quefundamentam suas aes.

    A partir de 1976, essas metas serviram de base a ummovimento ainda incipiente de sistematizao de aes pe-daggicas, com a reestruturao da Superintendncia Aca-dmica quando foi criado, entre outros, o Setor Didtico Pe-daggico (SEDIPE). Posteriormente, no trinio 1982-1984, oSEDIPE ganhou maior destaque com uma nova formalizaoda Pr-Reitoria de Graduao, passando a assessorar, inici-almente, duas Unidades Acadmicas, a Faculdade de Admi-nistrao, Contabilidade e Economia (FACE) e a Faculdadede Psicologia (FAPSI) em carter experimental. Aos poucosfoi adquirindo credibilidade e confiana dos professorescomo um setor de apoio, o que permitiu a extenso das ati-vidades s demais Unidades Acadmicas.

    Reflexes sobre a prtica e o estudo de questes peda-ggicas entre os docentes colaboraram para o fortalecimentoe a ampliao do compromisso profissional, despertaram apreocupao com a qualidade do ensino e fortaleceram a ex-pectativa de um processo avaliativo. Ao mesmo tempo, comoresposta necessidade sentida, diversas Unidades Acad-

  • 16

    micas j realizavam, isoladamente, diferentes experinciasde avaliao.

    Em 1987, iniciou-se uma srie de estudos e de refle-xes para qualificar o ensino dos cursos de Graduao. Pormeio de uma ao participativa da comunidade acadmicacom sesses de estudos, painis e seminrios com especia-listas na rea, chegou-se deciso de promover um proces-so avaliativo que respondesse aos anseios da comunidade eao explicitado no Marco Referencial da PUCRS:

    Coerente consigo mesma e com o Marco Referencial, a PUCRSse dispe a um processo de permanente auto-avaliao do de-sempenho, em busca de seu aperfeioamento institucional edo cumprimento mais perfeito de seus objetivos (PUCRS,1981).

    Ficou assim configurada a gnese do primeiro Proces-so de Avaliao na PUCRS: Avaliao da Qualidade do En-sino compromisso da Comunidade Acadmica, realizadono perodo de 1987 a 1998. A seguir, outros processos avali-ativos ocorreram em diferentes instncias, assessorados pelaPROGRAD.

    A partir do segundo semestre de 2001, com a ediodas Novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Gradu-ao pelo Conselho Nacional de Educao, o SEDIPE pas-sou a assessorar as direes das Unidades Acadmicas e asCoordenaes de cursos no processo de reviso curricular ea promover aes de capacitao de professores e de gesto-res, mantendo a discusso e a reflexo permanentes sobre apedagogia universitria.

    Essas aes de capacitao foram sistematizadas noperodo de 2003 a 2004 atravs do Programa Pr-Docente,que deu continuidade qualificao dos professores e ges-tores.

    Em 2005, j na atual gesto, teve lugar uma nova rees-truturao na PROGRAD. Entre outras, foi criada a Coorde-nadoria de Desenvolvimento Acadmico, tendo como princi-

    GRILLO, M. C.; FREITAS, A. L. S. A qualificao da gesto da aula universitria e seus antecedentes

  • 17A gesto da aula universitria na PUCRS

    pal atribuio inovar os processos acadmicos ligados ao en-sino de graduao e sua relao com a pesquisa e a extenso.

    Foi criado desde ento o Programa de Capacitao Do-cente na PUCRS, que se realiza ao final de cada semestreletivo, reunindo docentes de todas as Unidades Acadmi-cas. Coordenado por duas Pr-Reitorias Pr-Reitoria dePesquisa e Ps-Graduao e Pr-Reitoria de Graduao oprograma tem um carter integrador ao mobilizar a comuni-dade acadmica em torno dos seguintes objetivos:

    fortalecer o compromisso da educao superior coma formao humana e profissional e com a construo deuma sociedade justa e solidria;

    favorecer a criao de uma cultura coletiva de produ-o de conhecimento nos diferentes contextos da Universi-dade e

    possibilitar espao de reflexo sobre a ao educati-va na PUCRS visando ao preparo pedaggico e excelnciaacadmica marcados pelo desafio inovador.

    A atualizao temtica permanente para os projetos deCapacitao Docente toma como referncia as metas priori-trias da PROGRAD e da PRPPG, os relatrios do projetoReflexes que se realiza semestralmente, o acompanhamen-to das Unidades Acadmicas e os resultados da Avaliaode Disciplinas.

    A prioridade de qualificao da gesto da aula univer-sitria orienta as aes da Coordenadoria de Ensino e De-senvolvimento Acadmico expressa no Programa Qualida-de na Gesto da Aula de Graduao. Operacionaliza-se atra-vs de atividades de educao continuada sob a forma decursos, de assessorias s Unidades Acadmicas e de outrasaes. Tendo como base a reflexo sobre a prtica, o conjun-to de tais atividades se configura como um processo privile-giado de acompanhamento e melhoria da ao docente.

    Entre tais atividades, podem ser destacados os cursosrealizados pela PROGRAD, em atendimento solicitao dos

  • 18

    professores, tais como: Epistemologia da Aprendizagem ePrtica Docente (2006), Avaliao da Aprendizagem na Edu-cao Superior: pressupostos tericos e procedimentos deavaliao (2006 e 2007), Avaliao da Aprendizagem naEducao Superior (2007), Iderio Pedaggico de Paulo Freire(2007), Ensinar e Aprender na Aula Universitria: leitura eproduo de textos acadmicos (2007).

    Merece ainda destaque o curso Docncia na Educa-o Superior da PUCRS realizado desde 2007, a cada se-mestre, com os professores ingressantes. A programao docurso tem como base a experincia acumulada no trabalhode formao continuada realizado pela PROGRAD, bemcomo os saberes mobilizados nesse percurso. Aperfeioar adocncia universitria e contribuir para a formao da iden-tidade profissional docente na PUCRS o objetivo geral queorienta o estudo dos pressupostos tericos explicativos daprtica docente, dos procedimentos didticos, da avaliaoe das tecnologias educacionais.

    Concluda a formao com a terceira turma do curso, oestudo com os novos docentes trouxe importantes contri-buies para o fortalecimento da identidade profissional naPUCRS, bem como para a organizao, no primeiro semes-tre de 2008, desta publicao: A gesto da aula universit-ria na PUCRS. Esta reveladora do conhecimento profissi-onal docente gerado na trajetria de qualificao da gestoda aula universitria e seus antecedentes, bem como do po-tencial do trabalho de formao continuada para o fortaleci-mento da identidade docente e para a produo do conheci-mento profissional.

    Referncia

    Marco referencial da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grandedo Sul. Teocomunicao, v. 11, n. 51, 1981. Porto Alegre, p. 93-96.

    GRILLO, M. C.; FREITAS, A. L. S. A qualificao da gesto da aula universitria e seus antecedentes

  • 19A gesto da aula universitria na PUCRS

    POR QUE O PROFESSOR FAZO QUE FAZ NA SALA DE AULA?

    A vida, diferentemente daspalavras cruzadas, compreendeespaos sem definio, espaos

    com falsas definies e,sobretudo, a ausncia de um

    quadro geral fechado (...) oconhecimento a navegao em

    um oceano de incertezas, entre osarquiplagos de certezas.

    Edgar Morin

  • O fazer pedaggico e asconcepes de conhecimento

    Valderez Marina do Rosrio LimaMarlene Correro Grillo

    Existem vrias formas de iniciar a reflexo sobre os pres-supostos epistemolgicos que subjazem aprendizagem e aotrabalho do professor. Poder-se-ia comear o estudo pela re-viso das teorias educacionais desenvolvidas ao longo do tem-po, situando, nos diferentes momentos histricos, as finali-dades da educao e os modelos pedaggicos prevalentes emcada um desses momentos. A reflexo poderia ter ainda comoponto de partida a anlise das principais correntes epistemo-lgicas, revendo as teorias do conhecimento, todas elas comrepercusses para a educao at os dias de hoje.

    Neste texto opta-se por partir do exame da prtica do-cente, colocando na gnese do debate a seguinte questo: porque o professor faz o que faz, em sala de aula?

    Docentes, novos ou experientes, no vacilam na res-posta quando perguntados sobre o que fazem em suas aulas.Enumeram de forma clara os contedos selecionados, ex-plicitam a seqncia em que os desenvolvem, indicam osprocedimentos didticos que utilizam e explicam os instru-mentos que elaboram para obter informaes sobre a apren-dizagem dos estudantes.

    Tal preciso desaparece quando lhes solicitado quejustifiquem o seu fazer, que expliquem as bases tericas deseu trabalho. Boa parte dos professores no responde ade-quadamente a essa questo pela ausncia de conhecimento

  • 22

    sobre o conjunto de saberes que constituem a docncia. Poressa razo, tendem a fundamentar sua prtica pedaggica emmodelos de professores que tiveram durante o perodo es-colar ou em sugestes dadas por colegas mais experientesou, ainda, na representao de professor, difundida na soci-edade ocidental. Dito de outro modo, os docentes organi-zam seu trabalho usando como referencial o senso comumpedaggico, segundo o qual o domnio de uma rea espec-fica do saber veiculado nos contedos escolares condiosuficiente para ser professor, ou ainda, que os contedos deensino, articulados a procedimentos ensinados pela Didti-ca (as famosas tcnicas) possibilitam ao docente dar contada complexidade e das exigncias do cotidiano da aula uni-versitria, assegurando um desempenho eficiente.

    O modo como o professor desenvolve a docncia, em-bora no esteja claro para ele, amparado por concepes,explcitas ou no, podendo-se afirmar que os fundamentosdeterminantes dessa prtica esto organizados em torno detrs elementos: conhecimento, professor e aluno.

    A maneira como o professor concebe a relao entreeles d origem s formas fundamentais de organizao doensino, que diferem entre si pela nfase atribuda a cada umdesses componentes. Assim, pode-se distinguir uma peda-gogia centrada no professor, sendo o docente considerado otransmissor do conhecimento; uma pedagogia centrada noaluno, quando o discente assume maior evidncia, sendoresponsabilizado para gerir, de forma independente, a rela-o com o conhecimento, e uma pedagogia centrada na rela-o aluno, professor e objeto de conhecimento, quando anfase deixa de ser o professor e tambm o aluno para prio-rizar as relaes de ambos com o objeto de conhecimento,implicando-se mutuamente como sujeitos do processo.

    Neste texto, discorre-se sobre duas das formas de en-sino mencionadas, quais sejam: a pedagogia centrada no pro-fessor e a pedagogia centrada na relao aluno, professor,

    LIMA, V. M. R.; GRILLO, M. C. O fazer pedaggico e as concepes de conhecimento

  • 23A gesto da aula universitria na PUCRS

    objeto de conhecimento. Justifica esse enfoque a convicode que a primeira precisa ser revista criticamente porque,embora sua presena seja ainda intensa entre os docentes,no d conta da complexidade do ensinar e do aprender; e asegunda, porque, embora presente em menor escala, a quefundamenta os processos de ensinar e de aprender na pers-pectiva da construo do conhecimento.

    Apresentam-se, inicialmente, os indcios de uma aulatpica da pedagogia centrada no professor, seguida do apro-fundamento da compreenso dessa pedagogia, relacionan-do-a com a teoria de conhecimento que a fundamenta; nummomento posterior, o mesmo estudo realizado sobre osindcios de uma aula tpica da pedagogia centrada na rela-o aluno, professor e objeto do conhecimento.

    A aula tpica da pedagogia centrada no professor

    Indcios:

    O professor organiza o contedo e o expe aos alu-nos de forma clara, exigindo deles silncio e ateno, en-quanto explica a matria. Em sua exposio, ele definetermos e conceitos, d exemplos. Incentiva, ainda, os es-tudantes a tomarem notas e, na maioria das vezes, dispo-nibiliza o material visual que utilizou, bem como um textotratando sobre o tema, via de regra, excerto de um livroou artigo de peridico da rea.

    Durante a aula, responde s perguntas dos alunosaproveitando a ocasio para ampliar a explicao ou parareforar algum ponto importante. Os questionamentosque seguem outras direes ou que apresentam incorre-es do ponto de vista terico so pouco valorizados.

    Por fim, o professor prope exerccios ou atividadespara que os estudantes tenham oportunidade de fixar ocontedo, argumentando ser essa uma forma de auxiliara memorizao.

  • 24

    Por que o professor faz o que faz?Esse professor acredita que ensinar transferir conhe-

    cimentos e que sua responsabilidade apresentar, da formamais clara possvel, a realidade para o estudante. Acreditaainda ser possvel que este assimile tal realidade assim comoela se apresenta. Dessa crena decorrem dois outros enten-dimentos: (1) independentemente da natureza do contedo,a forma de ensinar sempre a mesma, no importando acomplexidade dos conceitos em jogo, tampouco as especifi-cidades das reas de conhecimento; (2) se a transmisso deconhecimento eficiente, a no-aprendizagem decorrenteda incapacidade de o estudante absorver o contedo, sejaporque no prestou ateno explicao, seja porque no sededicou a um programa de estudos que auxiliasse na fixa-o do contedo trabalhado.

    O professor entende, tambm, que o estudante no pos-sui conhecimento anterior sobre o que ser trabalhado, isto, ele semelhante a uma tabula rasa, e tudo acontece, emtermos cognitivos, devido estimulao. Dito de outro modo,devido repetio de eventos externos sobre seus sentidos.Nesse sentido, as experincias anteriores do aluno no au-xiliaro no processo, e perguntas aparentemente no relaci-onadas ao tema em estudo so irrelevantes. Assim, tambm,o professor se preocupa em oferecer oportunidades de o es-tudante fixar na forma de exerccios que propiciem a memo-rizao de definies, enunciados de leis e de teorias os con-ceitos estudados.

    Em nome da transmisso do conhecimento, o pro-fessor tende, ainda, a valorizar relaes hierrquicas, com-petindo a ele todas as decises sobre o contedo, a meto-dologia e a avaliao. Como ouvir o professor est na raizdesse modelo de aprender, o docente responsvel tam-bm por regular a intensidade e a natureza da interaoentre os alunos.

    LIMA, V. M. R.; GRILLO, M. C. O fazer pedaggico e as concepes de conhecimento

  • 25A gesto da aula universitria na PUCRS

    Teoria de conhecimentoEmpirismo a teoria de conhecimento que embasa a

    forma de organizao da aula apresentada anteriormente eexplica a origem do conhecimento idealizada por Aristte-les. Para ele existe uma realidade nica, exterior ao sujeito,e o conhecimento deve ser extrado dessa realidade, por meiode experincias sensoriais.

    Para os empiristas, o conhecimento uma descobertae o que foi descoberto j se encontrava presente na realida-de exterior (MIZUKAMI 1986, p.2). Conhecer reproduziro mundo exterior numa associao direta entre este mundoe as idias, que constituem o verdadeiro conhecimento. Nes-se processo, ver, ouvir e tocar os objetos cognoscveis es-sencial, tendo em vista que os sentidos nunca enganam.

    ainda relevante mencionar que, diferentemente dePlato, para Aristteles os sujeitos nascem sem conhecimen-to algum, sendo por ele chamado de tbula rasa, em refe-rncia placa de madeira contendo cera, que os sumriosutilizavam para escrever.

    A idia da aprendizagem por associao foi sendo mo-dificada ao longo dos tempos, nos sculos XVII-XVIII porfilsofos empiristas como Locke e Hume, e no sculo XXpelas teorias psicolgicas de aprendizagem, mas, em suaessncia, permanece presente at hoje nas instituies deensino e entre os professores (POZO, 1996).

  • 26

    A aula tpica da Pedagogia centrada na relao aluno, pro-fessor e objeto de conhecimento

    Indcios

    Para iniciar o trabalho com um novo contedo, o pro-fessor prope aos estudantes uma situao-problema cujaresoluo requer conhecimentos especficos que seroestudados. A situao elaborada relaciona-se a aconteci-mentos do cotidiano, da realidade do estudante e tem ainteno de mobilizar nele a reflexo e a criatividade.

    Em geral, o professor solicita que os estudantes re-nam-se em grupos e construam as possveis explicaes/solues ao problema proposto. No momento seguinte, odocente apresenta aos alunos atividades de natureza va-riada que permitam a ampliao do tema em estudo. Den-tre as proposies de trabalho destacam-se a experimen-tao, a pesquisa de campo, a leitura dirigida de livros,revistas cientficas ou textos produzidos pelo professor,a busca de informaes em diferentes fontes. Na seqn-cia da aula, o professor promove a apresentao coletivadas solues idealizadas pelos diferentes grupos em re-lao ao problema inicial, e a discusso tem a finalidadede qualificar o que est sendo dito pelos alunos, ao mes-mo tempo em que o professor complementa as idias ex-postas. Explica, se necessrio, algum tpico no compre-endido, desafia com outro conjunto de questionamentosas solues explicitadas que ainda apresentam fragilida-des. Por fim, o professor solicita aos alunos que sistema-tizem a aprendizagem efetuada, seja produzindo um pe-queno texto, seja elaborando um mapa conceitual ou, ain-da, um relatrio sobre a atividade realizada, dando rele-vncia, em qualquer das situaes, aos contedos con-ceituais estudados, ou ainda, qualquer outra proposioque mobilize a expresso de suas aprendizagens.

    LIMA, V. M. R.; GRILLO, M. C. O fazer pedaggico e as concepes de conhecimento

  • 27A gesto da aula universitria na PUCRS

    Por que o professor faz o que o que faz?O professor acredita que o aluno constri conhecimen-

    to na interao com o objeto cognoscvel e, por isso, organi-za o ensino de modo a garantir ao aluno o papel de protago-nista no processo de aprendizagem.

    Ao tomar como ponto de partida a problematizao,utilizando exemplos da realidade do aluno, o docente tem ainteno de propiciar ao estudante oportunidade de expli-citar suas idias iniciais sobre o tema. Tal movimento deixaclaro que, para o professor, o estudante no tabula rasa; ,sim, um sujeito possuidor de conhecimentos oriundos deexperincias, internalizados em distintos espaos sociais eculturais, incluindo-se a os ambientes escolarizados quetenha freqentado.

    O docente reconhece, ainda, que as teorias pessoaisdos alunos apresentam fragilidades, incompletudes, incon-gruncias ou, simplesmente, o que o aluno conhece sobre oobjeto cognoscvel est correto, mas aponta em direo dis-tinta do que est sendo estudado. essa a razo essencial dese iniciar o estudo encorajando a exposio de tais idias.

    O esclarecimento dos conhecimentos prvios do alunotem dupla finalidade: (1) para o discente, a tomada de consci-ncia dos prprios conhecimentos importante para que elepossa questionar os sentidos atribudos at ento, perceben-do incompletudes e motivando-se a buscar novos significa-dos; (2) para o professor, o reconhecimento das idias prvi-as dos alunos o auxilia a desempenhar a mediao entre osujeito aprendente e o objeto a ser conhecido, pois a apren-dizagem depende, fundamentalmente, da intensidade da re-lao existente entre o objeto do conhecimento, o aluno e oprofessor. Essa afirmao compartilhada por Freire e Shor(1996, p.124), ao dizer que [...] o objeto a ser conhecido colocado na mesa entre os dois sujeitos do conhecimento.

    Para que se efetive a interao equilibrada entre essestrs componentes, h contribuio do aluno com suas idi-

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    as prvias e do professor, com sua capacidade para selecio-nar e organizar os contedos e atividades, de modo a pro-mover a aproximao entre os conhecimentos prvios doaluno e o saber culturalmente organizado (COLL, 1996). Naverdade, a afirmao de que o aluno contribui com o seuconhecimento prvio encerra, em seu interior, a afirmaode que ele, para tanto, necessita estar motivado e disponvelpara a aprendizagem.

    preciso considerar, tambm, que a contribuio doprofessor no processo bem mais complexa do que se apre-senta primeira vista. A complexificao dos conhecimen-tos prvios, mediante aprendizagens significativas, exige doprofessor enorme competncia em seu papel orientador, pois necessrio que ele esteja, permanentemente, atento parapromover a ajuda adequada ao momento do processo em quese localiza o educando, visto que conhecer no adivinhar(FREIRE, 1980).

    Ao propor aos grupos de alunos atividades relaciona-das com o tema de estudo, o professor favorece a construode novos argumentos pelos estudantes, sempre com prop-sito de responder satisfatoriamente ao desafio previamenteapresentado. No importando o tipo de atividade proposta,o trabalho com argumentao exige que o professor organizeestratgias nas quais os alunos reflitam, confrontem seu pen-samento com as idias dos outros colegas, professor e te-ricos estudados em aula e comparem suas concepes emdistintos momentos do processo de aprendizagem. pormeio dessas atividades que o estudante demonstra sua com-preenso dos contedos conceituais trabalhados em aula,explicitando os conhecimentos construdos (LIMA, 2002).

    Por ltimo, o professor encaminha o trabalho de modoque o aluno organize novos conhecimentos que passam afazer parte de seu acervo cognitivo. Essa etapa, que podeconjugar oportunidades de o aluno comunicar suas apren-dizagens de forma oral e por meio da produo de textos, e

    LIMA, V. M. R.; GRILLO, M. C. O fazer pedaggico e as concepes de conhecimento

  • 29A gesto da aula universitria na PUCRS

    de romper com o ciclo cpia/memorizao, tem por finali-dade contribuir para a construo criativa do conhecimentotendo em vista que escrever significa registrar os caminhosda reflexo (BERNARDO, 2000, p. 55).

    Teoria de conhecimentoO construtivismo, posio epistemolgica que funda-

    menta a ao do segundo professor, concebe a origem do co-nhecimento na interao do sujeito com o objeto a ser conhe-cido. Essa teoria do conhecimento tem sua origem filosficaem Kant, em especial em sua afirmao de que existem cate-gorias a priori que guiam o olhar para a realidade, isto , im-pem-se a ela. Para ele, tanto a razo quanto os sentidos soimportantes para o sujeito conhecer o mundo e, nessa medi-da, a aprendizagem uma construo e no simplesmente umarplica do real, conforme ilustra a citao a seguir:

    A filosofia clssica e, mais especificamente, a teoria da Corres-pondncia afirmavam que a funo do intelecto consistia emconformar-se com a realidade, absorver com exatido, preci-so e imparcialidade aquilo que percebe em um mundo inde-pendente da mente. Kant mostra que o mundo dos fenmenoss existe medida que ns mesmos participamos de sua cons-truo (GILES, 1983, p.47).

    Pozo (1996) refora alguns importantes marcos dessateoria a partir de uma metfora de Jorge Luiz Borges (1899-1986), na qual o escritor se refere a um imprio, em que oscartgrafos reproduziram, fielmente, em um mapa, as pro-vncias e cidades daquele imprio, em tamanho natural.As geraes que os sucederam consideraram esse mapa in-til por suas dimenses e o deixaram entregue s intemp-ries, o que determinou a sua destruio. Analogamente, oautor diz que o conhecimento um mapa que o indivduotraa para se movimentar, para viver e interagir no mundoreal, um modelo que busca reconstruir o real, jamais re-produzi-lo. Prossegue ele que, dessa forma, os mapas queo indivduo constri no refletem uma verdade absoluta,

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    assim como nenhum conhecimento absoluto, e lana mode um exemplo do cotidiano para reforar essa afirmao.Exemplifica que, para um turista que deseja passear a ppor Greenwich Village, em Nova Iorque, o mapa que deta-lha as linhas do metr, daquela cidade, intil, emboracontenha uma representao correta dessas linhas. Nossasrepresentaes, portanto, so muito mais importantes pelapossibilidade de movimentao que nos do do que pelassemelhanas que possam ter com a realidade.

    Para finalizar

    As proposies de trabalho efetuadas pelo docente emaula so guiadas pelas concepes que ele possui sobre omodo como os sujeitos aprendem, existindo, portanto, coe-rncia entre as teorias pessoais do professor e as estratgiasde ensino por ele utilizadas. Reconhecer tais concepes condio para que o professor organize a prtica docente demodo a alcanar o principal objetivo do encontro regular comseus alunos: a aprendizagem. O cenrio contemporneo, com-plexo e marcado por mudanas, para alm da apresentaode informaes, nomenclaturas, definies e descries defenmenos a serem memorizados de forma descontextuali-zada, compreende o desenvolvimento de competncias comoaprender a pensar e a intervir de forma crtica e inovadorano enfrentamento dos problemas impostos pelo mundo davida.

    Situaes de ensino centradas no professor, denotan-do o que Porln (1998) chama de obsesso pelos conte-dos, so redutoras do processo de ensino a explicaes so-bre os pontos essenciais de uma determinada cincia e nocumprem seu papel na formao profissional ora pretendi-da. Por essa razo, defende-se aqui o ensino que no se res-tringe centralidade do professor, mas abre espao para oprotagonismo do estudante. Embora os papis do aluno edo professor sejam fundamentais e interdependentes, eles

    LIMA, V. M. R.; GRILLO, M. C. O fazer pedaggico e as concepes de conhecimento

  • 31A gesto da aula universitria na PUCRS

    so atores com papis distintos. O professor vai ajustandoa complexidade das tarefas de acordo com a capacidade doaluno naquele momento, mas o aluno que manifesta aoprofessor, pelas suas aes, os ajustes e os aportes neces-srios em cada fase. A aula transforma-se em um ambientede investigao e de desenvolvimento da capacidade de so-lucionar problemas por meio da reflexo e do relaciona-mento entre teoria e prtica.

    Referncias

    BECKER, F. Educao e construo do conhecimento. Porto Alegre:Artmed, 2001.

    BERNARDO, G. Educao pelo argumento. Rio de Janeiro: Rocco,2000.

    COLL, C. Um marco de referncia psicolgico para a educao esco-lar: a concepo construtivista da aprendizagem e do ensino. In:COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Org.). Desenvolvimentopsicolgico e educao: psicologia da educao. v. 2. Porto Alegre:Artes Mdicas, 1996.

    FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia. O cotidiano do professor. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1980.

    FREIRE, P. Cartas Guin-Bissau. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

    GILES, T. R. Filosofia da Educao. So Paulo: E.P.U., 1983.

    LIMA, V. M. R. A sala de aula do educar pela pesquisa: uma histriaa ser contada. 2002. 225 f. Tese (Doutorado em Educao) Faculda-de de Educao, PUCRS, Porto Alegre, 2002.

    MIRAS, M. Um ponto de partida para a aprendizagem de novoscontedos: os conhecimentos prvios. In: COLL, C. et al. O constru-tivismo na sala de aula. Porto Alegre: Artmed, 2003.

    MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. So Pau-lo: E.P.U, 1986.

    PORLN, R. Construtivismo y escuela: hacia un modelo de en-seanza-aprendizaje basado en la investigacin. 5. ed. Sevilla: Da-da Editorial, 1998.

    POZO, J. I. Aprendices y maestros. Madrid: Aliana Editorial, 1996.

  • O QUE O PROFESSOR PRECISASABER PARA ENSINAR?

    O caminho que o professorescolheu para aprender foi

    ensinar. No ato do ensino ele sedefronta com as verdadeiras

    dificuldades, obstculos reais,concretos, que precisa superar.

    Nessa situao ele aprende.

    lvaro Vieira Pinto

  • Constituio da identidade profissional,saberes docentes e prtica reflexiva

    Marlene Correro GrilloRosana Maria Gessinger

    Faz parte do senso comum a idia de que ensinar seaprende ensinando e, conseqentemente, no preciso pre-parar-se para ser professor. No entanto, tal idia no se sus-tenta, pois a docncia representa um desafio e exige conhe-cimentos, competncias e preparao especfica para o seuexerccio.

    A constituio da identidade profissional docente umprocesso contnuo que decorre do quadro de referncia doprofessor, a partir do qual ele percebe, interpreta e atribuisignificado sua atividade. Fundamenta-se no significadosocial, num contexto especfico e num momento histrico,e no significado pessoal que ele confere sua prpria ativi-dade docente, baseando-se em histrias de vida, cosmovi-ses e valores pessoais (PIMENTA e GHEDIN, 2002).

    A identidade do professor define-se no equilbrio en-tre as caractersticas pessoais e profissionais e vai sendoconstituda, tambm, a partir das relaes sociais que se es-tabelecem com os alunos, com as famlias, com a instituioeducativa, enfim, com as pessoas com as quais convive nocotidiano e de alguma forma influenciam essa construo.Nesse processo, ao longo de sua carreira estudantil e profis-sional, o professor vai construindo saberes e constituindo oreferencial terico que fundamenta suas aes. Dele fazem

  • 36

    parte suas teorias pessoais, seus conhecimentos tcitos, suascrenas e suposies.

    Tardif (2002) define o professor ideal como algumque (1) conhece sua matria de ensino, entendida como area do conhecimento em que atua, a disciplina que lecio-na e o programa conforme consta no currculo; (2) possuiconhecimentos relativos s Cincias da Educao e Peda-gogia e (3) desenvolve um saber prtico oriundo de suaexperincia profissional docente propriamente dita. Talexperincia se traduz numa pluralidade quando, na docn-cia acadmica, o professor tambm um profissional darea que ensina. Dito de forma simplificada, o professor aquele cuja docncia se constri equilibradamente sobreos saberes do conhecimento especfico, da Pedagogia e daexperincia. um saber plural, constitudo pelo amlgamade um eixo especfico, um eixo pedaggico e um eixo expe-riencial. A nfase maior a um desses eixos vai influenciarde forma diversa a prtica desenvolvida.

    O eixo especfico responsvel pelo domnio do co-nhecimento da especialidade profissional, de onde se origi-nam os saberes disciplinar e curricular da rea de atuaodo professor. O saber disciplinar produzido pelos pesqui-sadores e cientistas e est em permanente reconstruo nasociedade e na Academia. fonte da formao profissional, epara se constituir em disciplinas, sofre modificaes, recor-tes e adaptaes, transformando-se em saber curricular. Re-sultam da os contedos que integram os programas de ensi-no, em consonncia com as especificidades de cada curso.

    Esse eixo trata do conhecimento adquirido no percur-so acadmico, ainda no perodo de formao universitria eprofissional, e considerado por muitos como condio pri-meira para ensinar, embora isso no seja suficiente. A com-petncia para ensinar implica conhecer a histria e os fun-damentos da disciplina, as relaes e as interfaces com ou-tras reas, o que auxilia na criao de exemplos, analogias,

    GRILLO, M. C.; GESSINGER, R. M. Constituio da identidade profissional, saberes docentes...

  • 37A gesto da aula universitria na PUCRS

    metforas, didatizando-se o saber disciplinar e ajustando-oao saber curricular, que se apresenta formalizado nos pro-gramas escolares.

    O eixo pedaggico o que caracteriza a profisso deprofessor por tratar de contedos especficos da docncia;envolve fundamentos pedaggicos, que se voltam para o alu-no que aprende, para a forma como ele aprende e se relacio-na consigo mesmo, com os outros e com o prprio saber;fundamentos epistemolgicos, que tratam da natureza do co-nhecimento, e fundamentos filosficos, que se detm na vi-so de homem e de mundo. Tais fundamentos se articulamnaturalmente ao significado da educao na sociedade, en-tendida como uma prtica social vinculada a um projeto his-trico, o que, na maioria das vezes, no do conhecimentode profissionais de outras reas.

    Esse eixo ainda possibilita a compreenso de referen-ciais e paradigmas que fundamentam as prticas docentes, bemcomo das demandas da sociedade contempornea, em especialem relao s novas tecnologias da informao e do conheci-mento. Auxilia no entendimento de que o ensino est respon-savelmente articulado aprendizagem, embora sejam proces-sos distintos, e de que os saberes especficos da docncia soconstrudos, melhorados e ampliados num processo de forma-o continuada. Inclui ainda conhecimento de noes espec-ficas sobre sistema escolar e sua gesto, organizao curricular,legislao e relao da ao docente com o projeto pedaggico eo marco referencial institucional (BOCCHESE, 2002).

    O eixo experiencial refere-se ao saber da experinciadocente. Rene crenas, concepes prvias, conhecimen-tos implcitos resultantes da tradio pedaggica, da vivn-cia como aluno, como professor ou como profissional de umarea especfica, e ainda do contato com colegas mais experi-entes. Esse tambm um componente da formao profissi-onal e um fundamento da epistemologia da prtica, um cam-po emergente do conhecimento profissional docente oriun-

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    do, ao mesmo tempo, do conhecimento prtico e das cinci-as da educao. O saber acumulado historicamente pelo co-letivo de professores, segundo Porln e Toscano (2001), tam-bm exerce forte impacto nesse eixo.

    Nessa perspectiva, a experincia entendida no comotempo de servio, mas no sentido proposto por Larrosa (2004,p.163) como aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou quenos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma.Existe, portanto, um componente fundamental da experin-cia, que a sua capacidade de formao e transformao.Alm disso, a prtica que efetivamente sustenta o eixo em-prico no qualquer prtica. a prtica sustentada por umcorpo de conhecimentos tericos sempre em constituio,que a explica e estabelece a relao dialtica teoria/prtica.Ao ser iluminada pela teoria, a prtica torna a teoria maisclara, compreensvel e revigorada (GRILLO, 2005).

    Diferentemente de outras profisses que tm um cor-po unificado de saberes reconhecidos como requisitos in-dispensveis para o exerccio de uma profisso , a docn-cia universitria, ao ser desenvolvida sem conhecimento dossaberes que lhes so inerentes, leva a equvocos conceituaise fragilizao do ensino. Nesses casos, o professor ensinasem clareza sobre o que ser professor e, conseqentemen-te, corre o risco de agir com autoritarismo ou como refm doaluno, pela insegurana causada pela ausncia de identida-de profissional (PIMENTA e GHEDIN, 2002).

    O professor, portanto, necessita fundamentar sua pr-tica nos saberes da docncia saberes cientficos, pedaggi-cos e experienciais , os quais, em dilogo com os desafiosdo cotidiano, sustentam e possibilitam o desenvolvimentoda identidade de um profissional reflexivo, crtico e pes-quisador, articulado a contextos mais amplos, consideran-do o ensino como uma prtica social.

    Entre os desafios do cotidiano enfrentados pelo pro-fessor, reconhece-se a permanente evoluo do conhecimento

    GRILLO, M. C.; GESSINGER, R. M. Constituio da identidade profissional, saberes docentes...

  • 39A gesto da aula universitria na PUCRS

    e da tecnologia, bem como o impacto desse desenvolvimen-to nos processos de ensino e de aprendizagem. Cada vez maisos avanos da informtica e das novas e dinmicas tecnolo-gias de informao e comunicao se instalaro em espaosonde existam cidados competentes para utiliz-las. Portan-to, a capacitao de professores nessa rea uma exignciaque se impe, mesmo que tais conhecimentos ainda no se-jam especificados na literatura pedaggica como mais umeixo do conhecimento profissional docente.

    A reflexo sobre a prtica como uma nova racionalidade

    A nfase na reflexo que fundamenta o eixo experien-cial explicada em parte pela rejeio racionalidade tcni-ca, segundo a qual a docncia voltada para a soluo dequestes concretas encontradas na prtica pela aplicao ri-gorosa de teorias e de tcnicas cientficas. O professor, nes-sas condies, um profissional tcnico, que no necessitachegar ao conhecimento, mas dominar rotinas de interven-o derivadas desse conhecimento (SACRISTN e PREZGMEZ,1998).

    Entretanto, situaes singulares, conflitivas, imprevis-tas e incertas caracterizam a docncia e no podem ser re-solvidas unicamente pela aplicao de prescries, regrasou tcnicas didticas. No existe um manual que apresenteum modelo de docncia a ser seguido com solues para oensino, porque no existe, igualmente, um problema origi-nado de uma nica causa, relativo a uma nica questo. Oque existe so situaes variadas e difusas, de difcil apre-enso pelo professor, que constantemente surpreendidopelo inslito, pelo inesperado e pela urgncia em respondera uma situao emergente (SCHN, 2000).

    Em contraposio viso instrumental e reducionistada docncia e por conta da ausncia de uma racionalidadeque garanta a certeza do que d certo, do mtodo infalvel ouda teoria que comanda a prtica, exigida uma nova postura

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    do professor. A sua atividade necessita estar pautada na re-flexo atenta sobre a situao vivenciada, no confronto coma teoria e com experincias vividas, as quais, apesar de nose repetirem, servem de referncia ao docente para que pos-sa ir consolidando o conhecimento profissional. Nessa pers-pectiva, ele age reflexivamente, toma decises, amplia co-nhecimentos, assume pela reflexo a autoria de suas aes,tornando-se um pesquisador que analisa criticamente a suaprtica, apoiado na teoria. O reconhecimento do professorcomo produtor de conhecimento , ao mesmo tempo, umaafirmao da crena em sua autonomia intelectual e em seucompromisso com propsitos educativos e ticos mais am-plos e emancipadores.

    Para Freire (1998, p.44), a reflexo sobre a prtica ummomento fundamental, pois pensando criticamente a pr-tica de hoje ou de ontem que se pode melhorar a prximaprtica. Para o autor, o saber que a prtica espontnea pro-duz um saber ingnuo. Porm, atravs da reflexo sobre aprtica e com apoio na pesquisa, esse saber vai paulatina-mente se tornando cada vez mais crtico.

    Nesse contexto, a pesquisa no se identifica com a pes-quisa acadmica que obedece a projetos e a formalidades ri-gorosas. assumida como princpio metodolgico e comoinstrumento promotor de debates sobre situaes-problema,vivncias e questes especficas da profisso, apoiados emteorias gestadas nas pesquisas acadmicas e analisadas e dis-cutidas em encontros de reflexo.

    A prtica reflexiva do professor, portanto, no podeser solitria, j que a construo de novos saberes e da auto-nomia profissional se d no coletivo do trabalho, no qual osprofessores se apiam e se auxiliam mutuamente. Alm dis-so, a reflexo deve estar inserida nas relaes institucionaise sociais, sob pressupostos explcitos dos projetos educati-vos nos quais se expressam interesses e contradies diver-sas (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2004).

    GRILLO, M. C.; GESSINGER, R. M. Constituio da identidade profissional, saberes docentes...

  • 41A gesto da aula universitria na PUCRS

    Entretanto, preciso estar atento para no se incorrerno equvoco de subestimar-se o conhecimento terico emfavor do conhecimento prtico. O saber docente no se limi-ta apenas prtica. A teoria tem importncia na formaodos docentes por possibilitar-lhes pontos de vista variadospara uma ao contextualizada, com perspectivas de anlisee de compreenso do contexto, da organizao e de si pr-prios. A falta de uma justificativa terica que sustente a pr-tica leva o professor a agir de forma intuitiva e amadora,reproduzindo muitas vezes modelos de forma acrtica, semjulgar a sua adequao situao vivenciada. Aes docen-tes que dicotomizam teoria e prtica precisam ser questio-nadas, pois entre elas deve existir uma relao dialticanuma perspectiva crtica, que leva Luckesi (1996) a afirmarque prtica sem teoria cai no ativismo por apoiar-se no sen-so comum, e teoria sem prtica torna-se verbalismo.

    Por outro lado, a reflexo sobre a prtica insuficiente seno avanar no sentido de uma nova prxis profissional, naqual a reflexo, a crtica e a pesquisa articulam-se para compre-ender os processos educativos, contribuir para a emancipaoindividual e coletiva e para a transformao da sociedade.

    Referncias

    BOCCHESE, Jocelyne. Professor ou multiplicador? Uma leitura dodiscurso institucional sobre o conhecimento desejvel do professorde Portugus. 2002. 192 f. Tese (Doutorado em educao) Faculda-de de Educao, PUCRS, Porto Alegre, 2002.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prti-ca educativa. 8. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1998.

    LARROSA, Jorge. Linguagem e educao depois de Babel. Belo Hori-zonte: Autntica, 2004.

    LUCKESI, Cipriano C. Avaliao da aprendizagem escolar. 3. ed.So Paulo: Cortez, 1996.

    GAUTHIER, Clermont. (Org.). Por uma teoria da Pedagogia: pesqui-sas contemporneas sobre o saber docente. Iju: UNIJU, 1998.

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    GRILLO, M. Saberes docentes, identidade profissional e docncia.In: ENRICONE, D.; GRILLO, M. Educao superior: vivncias e vi-ses de futuro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.

    PIMENTA, Selma G.; GHEDIN, Evandro. (Org.). Professor reflexivono Brasil: gnese e crtica de um conceito. So Paulo: Cortez, 2002.

    PRLAN, Rafael; TOSCANO, Jos. El saber prctico de los profeso-res especialistas: aportaciones desde las didcticas especficas. InMOROSINI, Marlia (Org.). Professor do Ensino Superior Identida-de, docncia e formao. Braslia: Plano Editora, 2001.

    RAMALHO, Betania L.; NUEZ, Isauro B.; GAUTHIER, Clermont.Formar o professor, profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios.2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2004.

    SCHN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo designpara o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

    TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formao profissional. Petr-polis, RJ: Vozes, 2002.

    GRILLO, M. C.; GESSINGER, R. M. Constituio da identidade profissional, saberes docentes...

  • 43A gesto da aula universitria na PUCRS

    O incidente crtico e a prtica reflexiva

    Marlene Correro GrilloValderez Marina do Rosrio Lima

    Jocelyne da Cunha Bocchese

    H mais de vinte anos, um professor de uma escolasuperior de engenharia americana afirmava saber como en-sinar seus alunos a construir barcos, entretanto sentia-seincapaz de ensin-los a decidir sobre o melhor tipo de barcoque deveria ser construdo. Da mesma forma, outro profes-sor de uma escola de administrao afirmava sua convicoquanto necessidade de ensinar seus alunos a tomarem de-cises em situaes de incerteza, mas reconhecia ser exata-mente isso o que ele no poderia fazer (SCHN, 1992).

    Essas duas afirmaes nada tm de inusitado para aque-les que participam da discusso acadmica sobre a forma-o de professores; antes a reforam, corroborando a aceita-o da insuficincia do conhecimento exclusivamente te-rico para sustentar a ao docente. Hoje, reconhece-se queprticas pedaggicas no podem ser ensinadas como formasinfalveis. A instabilidade do cotidiano escolar torna invi-vel a segurana do que d certo, da teoria que determina aprtica, levando-nos a aceitar a teoria nascida da prtica reale identificada na experincia concreta (SNYDERS, 1974).

    Observam-se, no cotidiano, situaes problemticasvariadas e difusas, nem sempre apreendidas em sua totali-dade pelo professor. Este freqentemente surpreendidopelo inesperado e pressionado pela urgncia em dar umaresposta imediata e adequada. Tais episdios resultam docruzamento de variveis das mais diversas naturezas e exi-

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    gem, por sua vez, um cruzamento particular de saberes cons-trudos a cada momento, a partir do conhecimento acadmi-co e da experincia, o que inviabiliza a aplicao de solu-es j testadas para acontecimentos que nunca so os mes-mos.

    A deciso do professor, ento, vai depender da leituraque ele faz da realidade naquele exato momento, da interfe-rncia de subjetividades e ainda do habitus (BOURDIEU,1972), que traduz sua relao com a cultura e o mundo esintetiza experincias particulares, valores e rotinas. Signi-fica que o enfrentamento competente1 de uma vivncia pro-blemtica exige, na maior parte dos casos, novas respostas,quando se constata que a situao vivenciada afasta-se deoutras usuais.

    Tal enfrentamento possvel graas ao processo de re-flexo na ao (SCHN, 1992) desenvolvido pelo professor,concomitantemente construo paulatina do conhecimen-to prtico. Este se origina na experincia vivida, delimita-do pelo contexto e transcende o saber antigo. o conheci-mento da prtica, a partir da reflexo sobre a prpria prtica(ZABALZA, 1994). Por isso mesmo, traduz decises pessoaisdo professor diante de incidentes incertos e presentes nosacontecimentos que se sucedem em toda a situao de ensi-no. E o professor necessita buscar permanentemente o senti-do de cada um desses acontecimentos e de seu conjunto.

    Ao assumirmos que o docente reflete sobre sua prticae produz conhecimento, reconhecemos a relevncia da au-tonomia intelectual do professor para fazer julgamentos etomar decises diante da seqncia ininterrupta de epis-dios do cotidiano escolar. No uma tarefa simples, pois,por no existirem prticas pr-estabelecidas e indiscutveis,o docente necessita de sensibilidade para identificar situa-

    1 O conceito de competncia utilizado no sentido atribudo por Perrenoud, 1999:saber e saber fazer em situao.

    GRILLO, M. C.; LIMA, V. M. R.; BOCCHESE, J. C. O incidente crtico e a prtica reflexiva

  • 45A gesto da aula universitria na PUCRS

    es problemticas, de discernimento para perceb-las dife-rentes e de criatividade para liberar-se do convencional eproduzir novas respostas alternativas, nunca com a certezado acerto.

    Como diz Freire (1996, p. 160),

    o ensinar e o aprender no podem dar-se fora da procura [...]no importa com que faixa etria se trabalhe, o nosso trabalho realizado com gente [...] em permanente processo de busca [...].E, porque lido com gente, no posso recusar minha atenodedicada problemtica mais pessoal deste ou daquele aluno.

    O que um incidente crtico

    Um acontecimento momentneo aparentemente natu-ral pode ser um repositrio de sentimentos, tendncias, va-lores no-explcitos, individuais ou grupais. Se analisadosob um olhar mais profundo, esse acontecimento pode aju-dar o professor a interpretar a realidade concreta, a explicaras prprias aes e a ampliar um conhecimento, ou a cons-truir um novo, que venha a se tornar sua teoria prpria.

    com base nesses entendimentos que Tripp (1993) de-fende o conceito de incidente crtico como um procedimen-to que favorece o desenvolvimento pessoal e profissional doprofessor ao lhe tornar explcito como ele aprende a ensinaro que ensina e por que o faz de determinada maneira.

    Ainda segundo o mesmo autor, cada ocorrncia umincidente crtico em potencial, necessitando apenas ser ana-lisada criticamente para assim ser considerada. Isso porqueos incidentes so crticos na medida em que ensejam umainterpretao do seu significado, dando respostas a questescomo: o que aconteceu?, o que determinou cada aconteci-mento?, por que isso ocorreu?, o que poderia ser diferen-te ou modificado?, que julgamentos podem ser feitos?.

    Trata-se de uma anlise que vai alm da simples dis-cusso sobre um fato particular, por exigir uma reflexo so-bre algo com significado mais geral; constitui uma forte con-

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    tribuio melhoria da prtica docente, se aproveitada todaa riqueza que o incidente crtico contm.

    Como exemplo de incidente crtico, apresentamos umepisdio que ocorreu numa aula de Metodologia do EnsinoSuperior, com alunos de diferentes reas de conhecimento.Nessa oportunidade, um grupo de alunos da rea de Infor-mtica os professores do dia responsvel por coordenaras atividades daquela aula, apresentava aos colegas as pos-sibilidades de uso da informtica na educao. Em vista dis-so, a aula aconteceu na prpria Faculdade de Informtica,em sala-laboratrio com computadores suficientes para queos mais de quarenta alunos se acomodassem em duplas di-ante dos monitores, experimentando alguns pela primeiravez o uso da ferramenta chat em sala de aula.

    A idia do grupo coordenador era fazer com que os par-ticipantes, aps assistirem a um vdeo com a palestra de umaespecialista sobre a importncia das novas tecnologias naeducao, utilizassem o chat para discutir as principais idiasda palestrante, ao mesmo tempo em que se familiarizavamcom as novidades oferecidas pela nova forma de interaoem aula. Entretanto, assim que os equipamentos ficaram dis-ponveis para dar incio atividade, o que se viu foi algo se no impossvel, pelo menos inesperado: a maioria dosparticipantes, protegida pelo anonimato com a adoo de nicknames, preferiu usar a oportunidade para brincar com oscolegas a discutir a palestra, apesar de insistentes chama-das dos coordenadores do trabalho e de seus esforos paraque a proposta inicial fosse desenvolvida a contento.

    importante salientar que nem todos participaram dabrincadeira: alguns integrantes do grande grupo tentaramdesenvolver a tarefa, mas logo desistiram. Outros, surpre-endidos e at mesmo chocados com o que acontecia, preferi-ram se omitir a atender aos pedidos dos coordenadores, viachat. Por outro lado, a professora da turma procurou nointerferir no processo, at ver esgotadas todas as chances de

    GRILLO, M. C.; LIMA, V. M. R.; BOCCHESE, J. C. O incidente crtico e a prtica reflexiva

  • 47A gesto da aula universitria na PUCRS

    sucesso do grupo encarregado da atividade em suas tentati-vas de reconduzir o trabalho. Somente aps uns 40 minutosde brincadeira, as mquinas foram desligadas, e a turmafoi solicitada a discutir o incidente. Nesse momento, porestarem todos ainda mobilizados pelo acontecimento, asmanifestaes no foram conclusivas: alguns diziam no terentendido a proposta; outros alegaram no saber manejar ade-quadamente a ferramenta; outros, ainda, reclamaram vee-mentemente da demora na reao do grupo coordenador (e,indiretamente, da professora), o qual deveria, desde logo terdado um basta brincadeira.

    As consideraes formuladas pelos ps-graduandos docentes ou futuros docentes em suas anlises sobre o ocor-rido na aula de Informtica constituem um exemplo de como possvel, a partir da reflexo sobre a prtica, ampliar o co-nhecimento profissional dos docentes para que possam me-lhorar a qualidade dos julgamentos e das decises a seremtomadas em situaes novas, marcadas pela instabilidade.

    Apesar de a atividade estar centrada na utilizao denovas tecnologias no ensino superior, a oportunidade cria-da pelo incidente crtico suscitou, alm do previsto, umasrie de reflexes sobre a autoridade do professor que sequer interacionista, o uso que o aluno pode (ou no) fazer daliberdade de aprender, os contratos tcitos ou explcitos que se estabelecem entre os participantes de uma situaode ensino, a (im)possibilidade de controle do professor detudo o que acontece em sala de aula, a capacidade do profis-sional para lidar com o imprevisto e a identidade do aluno-mestre diante da turma sob sua responsabilidade.

    O incidente crtico visto de uma maneira mais ampla

    Assim como no exemplo apresentado, sabe-se que noexistem solues prontas para resolver de forma satisfat-ria as situaes de conflito que podem ocorrer no cotidianoescolar. So situaes para as quais no h uma nica solu-

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    o, at porque no existe uma causa nica, mas que, nempor isso, prescindem da pronta resposta do professor, o qual,para agir com discernimento, deve ser capaz de formularjuzos situacionais, apoiando-se em valores, concepes deensino e esquemas mentais decorrentes de experincias jvividas. A qualidade dos juzos feitos pelo professor depen-de da qualidade da reflexo sobre a situao enfrentada, etal reflexo exige um conhecimento profissional dinmico,adquirido em relao ativa com a prtica (DOMINGO, 1987).

    possvel, a partir da reflexo sobre a prtica, ampliaro conhecimento profissional dos docentes para que possammelhorar a qualidade dos julgamentos e das decises a se-rem tomadas em situaes novas e inesperadas. O que sedeseja, nesse caso, fortalecer o pensamento do professor,tornando-o mais consciente das variveis intervenientes naecologia da sala de aula, e no apresentar prescries parasolucionar os problemas da prtica.

    Da a importncia da anlise do conjunto de causasque possam ter contribudo para a ocorrncia do incidente,dos fins que orientam as decises tomadas e, sobretudo, dosvalores que subjazem aos julgamentos realizados. S assim,conforme Domingo (1987, p.210), poder ocorrer a passa-gem de uma perspectiva utilitria em que o principal cri-trio para a seleo e a avaliao das aes docentes aquiloque funciona rpido para uma perspectiva crtica, emque o professor, como investigador do seu prprio fazer, tor-na-se capaz de superar a dicotomia entre teoria e prtica,integrando os conhecimentos tericos e os saberes proces-suais que melhor se ajustam a cada situao.

    Esse , portanto, o processo que, segundo Perrenoud(1999), caracteriza a construo das competncias do pro-fessor, uma vez que essas no se formam com a assimilaode conhecimentos, mas com a produo de disposies e deesquemas que mobilizam conhecimentos na situao, comdiscernimento e no momento adequado.

    GRILLO, M. C.; LIMA, V. M. R.; BOCCHESE, J. C. O incidente crtico e a prtica reflexiva

  • 49A gesto da aula universitria na PUCRS

    A oportunidade criada pelo incidente crtico tem po-tencial para suscitar uma srie de reflexes sobre as ques-tes surgidas na prtica que podem, se bem conduzidas,nutrir-se de teoria (DEMO, 1998), em seminrios e estu-dos orientados, para retornar prtica, agora como conheci-mento prtico enriquecido e reelaborado pela socializaodas experincias, pela reflexo conjunta e pela reformula-o conceitual que esta possibilita.

    Nessa perspectiva, o incidente crtico passa a ser vistocomo uma oportunidade mpar para a constituio do co-nhecimento profissional. Suas possibilidades podem ser ex-ploradas tanto nos cursos de formao docente quanto pe-los professores j em exerccio, para os quais os contratem-pos surgidos em aula deixam de constituir fonte de embara-o ou de perturbao para se transformarem em refernciaprivilegiada para a investigao de sua prpria prtica.

    Referncias

    BOURDIEU, P. Esquisse dune thorie de la pratique. Genve: Droz,1972.

    DEMO, P. Educar pela pesquisa. 3. ed. Campinas: Autores Associa-dos, 1998.

    DOMINGO, J.C. De estudiante a profesor: socializacin y aprendiza-je en las enseanzas. Educacin, Madrid, (282), p. 203-231, 1987.

    FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prticaeducativa. So Paulo: Paz e Terra, 1996.

    PERRENOUD, P. Construir as competncias desde a escola. PortoAlegre: Artes Mdicas, 1999.

    SCHN, D. La formacin de profesionales reflexivos. Barcelona: Pai-ds, 1992.

    SNYDERS, G. Pedagogia progressista. Coimbra: Almedina, 1974.

    TRIPP, D. H. Critical incidents in teaching: developing professionaljudgement. London: Routledge, 1993.

    ZABALZA, M. Dirios de aula. Porto: Porto Editora, 1994.

  • COMO MOBILIZAR O ALUNOPARA O APRENDER?

    O fundamento emocionaldo racional uma limitao? No!

    Ao contrrio, sua condio depossibilidade.

    Humberto Maturana

  • A aula universitriacomo espao de parceria

    Marlene Correro GrilloValderez Marina do Rosrio Lima

    A representao mais tradicional de aula universitria a que a descreve como um espao limitado a quatro pare-des onde ocorre a transmisso e a assimilao de conheci-mentos formalizados. Em algumas oportunidades, tm lu-gar demonstraes, experimentos, projees iniciadas peloprofessor para que os alunos observem, discutam ou questi-onem. Trata-se de uma modalidade de ensino centrada noprofessor, no seu conhecimento e em suas experincias.

    A diversidade de representaes sobre a aula pode aindafazer entend-la como um lugar de aprendizagem do aluno, emque ele aprende a se expressar e a defender suas idias, a dis-cutir e a compartilhar; como um espao de encontro permeadode expectativas, de afeto e de conflitos que, sem descurar aaprendizagem do contedo, caracteriza a aprendizagem do hu-mano; como um espao de ensino e de aprendizagem onde pro-fessores e alunos so sujeitos, pois aprendem e ao mesmo tem-po ensinam; como um espao de comunidade que se abre parao contexto social e poltico, relacionando questes sociais eproblemas do cotidiano com questes tericas, tornando-se umespao de aprendizagem da cidadania (GRILLO, 2006).

    Seja a aula predominantemente centrada no professorou na interao professor-aluno com o conhecimento, emqualquer dessas circunstncias sempre ocorre um encontro.Gusdorf (1967) j escreveu que nenhum encontro neutro esempre secretamente esperado. A experincia pedaggica

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    sempre um encontro e, como tal, um desequilbrio entreos que dela participam, podendo tornar-se um momento deparceria ou de resistncia, dependendo da relao existenteentre o projeto do professor e o do aluno (MEIRIEU, 2002).

    A experincia pedaggica

    Ao se preparar para a atividade pedaggica, o profes-sor toma como ponto de partida o objeto do ensino e da apren-dizagem, bem como o horizonte ao qual ele pretende chegar.Por j ter vivido experincias gnosiolgicas, pedaggicas edidticas, ele se autoriza a selecionar abordagens e procedi-mentos de ensino mesmo antes de se encontrar com os alu-nos. Entretanto, essa experincia prvia no significa queele domine todas as dimenses e todos os recursos desseconhecimento para ensin-lo. Por isso Freire e Shor (1986)afirmam que o professor sempre reaprende o material aoestud-lo com os alunos. Articula conhecimento, projeto eobjetivos: esse o seu compromisso e o momento em que serevelam suas teorias pessoais e suas convices.

    No incio, o professor no sabe se o aluno quer apren-der o que foi programado para ensinar, nem se aceita os pro-cedimentos que lhe esto sendo propostos, apesar de pesso-almente reconhec-los como necessrios. Entende-se entopor que pode surgir um movimento de resistncia do aluno,se o projeto do professor no for ao encontro do seu prprioprojeto. A resistncia explicada por um princpio de pro-tagonismo presente no iderio de todos ns, segundo o qualningum, nesse caso o professor, pode impor ao outro a acei-tao de suas concepes; ningum pode aprender pelo ou-tro, ningum pode agir no lugar do outro, ou seja, decidirpela liberdade do outro (MEIRIEU, 2002).

    O professor que no reconhecer no aluno o direito atal movimento realiza uma experincia pedaggica provade alunos, em que esses no tm espao para manifestarsuas idias e expectativas. Assemelha-se aplicao do cur-

    GRILLO, M. C.; LIMA, V. M. R. A aula universitria como espao de parceria

  • 55A gesto da aula universitria na PUCRS

    rculo de transferncia de que nos falam Freire e Shor (1986):uma forma autoritria de pensar o ensino que no leva emconsiderao a formao da autonomia e revela falta de con-fiana na capacidade dos alunos.

    Uma interpretao apressada dessas afirmaes pode-ria provocar questionamentos como: o professor ento svai ensinar o que o aluno quer aprender?. Ou, como issopode ser aceito, se o aluno no conhece os contedos queconstituem a disciplina?. Ou, ainda, como se est postu-lando a aceitao pelo aluno do projeto do professor?.

    Apesar de esses questionamentos parecerem manifestara impotncia do professor diante da liberdade do aluno, essasuposta impotncia, antes de ser uma limitao ou fragilidade,representa a verdadeira competncia da experincia pedaggi-ca: o professor que se reconhece como educador, com uma iden-tidade profissional consolidada, competente para fazer me-diaes entre o j conhecido pelo aluno e o novo, entre a conti-nuidade e a inovao no ensino, entre a incerteza e a ousadia.Tambm se faz competente para tornar os saberes significati-vos e capazes de possibilitar ao aluno constituir-se como pes-soa e como profissional. Reconhece-se com capacidade e comautonomia para tomar decises, lidando responsavelmente comreformulaes do estabelecido a priori, seja durante o ensinodesse contedo, seja apresentando de formas inovadoras ummesmo tema para vrias turmas que, embora estejam num mes-mo nvel, apresentam especificidades que as diferenciam. Essaatuao docente a mediao pedaggica realizada com o alu-no e o conhecimento objeto de ensino. Assim, muito prov-vel que a resistncia do aluno ceda lugar parceria.

    O professor cria ferramentas e um espao novo paraque o aluno ocupe, por adeso deliberada, o seu prprio lu-gar nesse encontro pedaggico: o lugar de seu protagonis-mo. Essas ferramentas podem se apresentar sob a forma dereorganizao, de reviso ou de validao de contedos, combase em novos estudos ou em pesquisas, de integrao comacontecimentos cientficos, tecnolgicos ou polticos que de-

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    mandam o apoio da teoria estudada, a qual ilumina a prticae melhor compreendida pelos alunos.

    A mediao pedaggica e o dilogo

    freqente o aluno, no incio das aulas, mostrar-sedesinteressado por no encontrar significado no que o pro-fessor se prope a ensinar. No entanto, faz parte do proces-so educativo auxiliar o aluno a realizar sua formao por meioda aprendizagem de contedos originados em saberes retira-dos da totalidade da cultura produzida e acumulada pela hu-manidade. Tais saberes so identificados pelos responsveispela educao numa sociedade e em pocas determinadas comoos mais adequados e necessrios a um projeto especfico, si-tuado e datado, seja ele social, poltico, pedaggico, que re-percute em concepes de cidadania, de profisso, de univer-sidade. No cotidiano da ao educativa, encontram-se tam-bm saberes oriundos de prticas sociais e de diversas outrasprocedncias, como as vividas no ambiente social e familiar.

    Entretanto, como afirma Forquin (1993), a cincia dosbio, assim como a obra do escritor ou do artista e o pensa-mento do terico no so diretamente comunicveis ao alu-no. A simples seleo dos saberes e recursos disponveis nacultura num dado momento insuficiente e inadequada; necessria a mediao dos professores, a longa pacincia deaprendizagens metdicas, a elaborao de saberes interme-dirios que so tanto imagens artificiais quanto aproxima-es provisrias, mas necessrias. Esses saberes sofrem umasrie de recortes, adaptaes, ampliaes ou simplificaesat chegarem a constituir o conhecimento acadmico, o dis-ciplinar, os contedos programticos, disponveis em pro-gramas e em livros didticos. Faz-se necessrio tambm tor-n-los assimilveis, passveis de compreenso e de apren-dizagem pelo aluno, o que exige do professor a realizao deuma verso didtica desses saberes, ou seja, um trabalho cui-dadoso de didatizao, conforme explicam Chevallard (1985)

    GRILLO, M. C.; LIMA, V. M. R. A aula universitria como espao de parceria

  • 57A gesto da aula universitria na PUCRS

    e Lopes (1997), respectivamente, em seus estudos sobretransposio didtica e mediao didtica.

    esse o grande desafio apresentado ao docente: conver-ter o saber erudito e cientfico em conhecimento acadmico edisciplinar, de modo a torn-lo significativo para o aluno. Re-quer a criao de atividades prticas que solicitem esses co-nhecimentos, tais como estudos de caso, soluo de proble-mas, questionamentos, alm da apresentao de exemplos e deanalogias, sem reducionismos ou simplificaes, mantendofidelidade ao saber de referncia. preciso que nessa tarefa demediao didtica sejam criados pelo professor nexos entre osnovos conhecimentos e o que o aluno j sabe. O movimento demediao favorecido pela relao dialgica que se instauraentre professor e alunos pelo encontro com o conhecimento.

    O dilogo propicia aproximao e reflexo solidrias aoreunir docente e estudantes em torno do ato comum de apren-der, o que facilita ao professor o conhecimento das experinci-as e das necessidades dos alunos. Por outro lado, a presena decada um, com semelhanas, diferenas e no exerccio do dilo-go, estreita o carter de mutualidade entre os participantes efortalece o desejo de aprender, do despertar desse desejo comocondio da realizao do ensino. Conforme Moyss (1994), insuficiente o professor reconhecer o assunto como relevante esignificativo; necessrio tambm o reconhecimento pelo alu-no. Assim ele estar em condies de se apropriar do contedoe reconstru-lo. Essa uma das muitas competncias exigidasao docente: mobilizar o empenho do aluno, na maioria das ve-zes um adolescente recm-sado do ensino mdio, para reali-zar atividades cuja finalidade est muito distante de suas ex-perincias prvias. A desconsiderao desse movimento podeexplicar a disperso e o desinteresse do aluno.

    Por isso Petitjean (1988) afirma que um programa de en-sino s tem vitalidade pela maneira como submetido ao pro-cesso de mediao didtica pelo professor. preciso que ele seresponsabilize por fazer de tal programa uma realidade, quequeira e saiba faz-lo, mostrando ao aluno o significado e a

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    utilidade do que est sendo apresentado para ele aprender. No suficiente ainda o professor prescrever o que necessriofazer; preciso competncia para avaliar essas prescries eque esteja a par das questes concretas para as quais essas pres-cries devem trazer solues provisrias, mas necessrias.

    Cabe ao professor desafiar o aluno a acolher o que lheest sendo apresentado, mostrar-lhe o alcance do compromissoque ele est assumindo e seus impactos em seus projetos fu-turos. Compete-lhe tornar o encontro na aula universitriano uma obrigao enfadonha, em que o aluno perde seu tem-po, colocando em segundo lugar outras prioridades, mas fa-zer com que ele se sinta convidado a participar espontanea-mente da experincia, sem imposies nem constrangimen-tos. um empreendimento que vale a pena se tentar e que,segundo Meirieu (2002), requer a coragem de comear, embo-ra no haja uma regra definida para realiz-lo.

    RefernciasCHEVALLARD, Yves. La transformation didactique : du savoir sa-vant au savoir enseign. Grenoble: La pense sauvage, 1985.FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura. Porto Alegre: Artes Mdi-cas, 1993.FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia. O cotidiano do profes-sor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.GRILLO, Marlene. Percursos da constituio da docncia. In: ENRI-CONE, Delcia (Org.). A docncia no ensino superior. 2.ed. Porto Ale-gre: EDIPUCRS, 2008GUSDORF, Georges. Professor, para qu? Lisboa: Livraria MoraisEditora, 1967.LOPES, A. R. C. Conhecimento escolar em Qumica processo demediao didtica da cincia. Qumica Nova, So Paulo, n. 5, p.563-566, set./out. 1997.MEIRIEU, Philippe. A pedagogia entre o dizer e o fazer: a coragem decomear. Porto Alegre: Artmed, 2002.MOYSES, Lcia. O desafio de saber ensinar. Campinas: Papirus, 1994.PETIJEAN, A. La transposition didactique en franais. Pratiques,Paris, n. 97-98, p. 7-34, juin. 1998.

    GRILLO, M. C.; LIMA, V. M. R. A aula universitria como espao de parceria

  • 59A gesto da aula universitria na PUCRS

    O contrato didtico e a avaliao

    Ana Lcia Souza de FreitasRosana Maria Gessinger

    Como mobilizar o aluno para o aprender? Esse umquestionamento implcito em grande parte do que professo-res manifestam como angstias oriundas do compromissocom a aprendizagem dos estudantes. Tal inquietao decor-re da constatao de uma das conseqncias do ensino tra-dicional: a relao de heteronomia dos alunos com o conhe-cimento. Trata-se de perceber os prejuzos de um processoeducativo cuja dinmica, centrada no professor, reduz a aodo estudante em seu potencial de aprendizagem.

    Preocupados com a aprovao, os alunos buscam corres-ponder s expectativas de cada professor e, freqentemente,distanciam-se da aprendizagem. Na prtica, a obteno de notacomo expectativa imediata altera a finalidade da avaliao. Con-seqentemente, as atividades desvinculadas da obteno denota no tm o devido reconhecimento de seu valor formativo.Desenvolve-se assim a cultura do estudar para a prova emdetrimento da experincia do estudo como componente intrn-seco da aprendizagem. Como alterar essa relao?

    Na anlise dessa questo, preciso considerar que, emgrande parte, o tipo de avaliao realizada condiciona as re-laes estabelecidas no processo de ensinar e de aprender.De igual modo, a alterao das prticas avaliativas requer aalterao das prticas de ensino. Sendo assim, a reflexo so-bre a qualidade das relaes estabelecidas com o conheci-mento implica analisar o processo de ensino em suas con-cepes e prticas.

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    O questionamento acerca da mobilizao dos alunospara o aprender est relacionado com o contrato didticoestabelecido, de modo implcito ou explcito. Mas o que vema ser o contrato didtico? Para Chevallard (1985), consisteem um conjunto de regras, na maioria das vezes implcitas,presentes na relao didtica que se estabelece entre os alu-nos, o saber e o professor. Embora o termo contrato, no sen-tido usual, remeta idia de regras consolidadas para asse-gurar a estabilidade, o contrato didtico consiste numa ne-gociao que inclui regras e compromissos assumidos deli-beradamente. Tais regras so passveis de mudanas, poden-do ser revistas, modificadas ou at mesmo desaparecer, dan-do lugar a novas regras. O contrato didtico tem, portanto, afuno de gerenciar as relaes entre os elementos constitu-tivos da relao didtica, sem cristaliz-las em regras defi-nitivas (JONNAERT e BORGHT, 2002).

    Na relao didtica, professor e alunos ocupam posi-es assimtricas em suas relaes com o saber. O tipo derelao inicial dos alunos com o saber dever se modificargradativamente por conta das situaes de ensino e de apren-dizagem vivenciadas por eles e pelo professor. Segundo Jon-naert e Borght (2002, p.171), por uma srie de regras dojogo estabelecidas pelo contrato didtico que o aluno faz atrajetria da dependncia em face do professor at sua auto-nomia em relao ao saber. O contrato didtico tem, por-tanto, um carter dinmico, na medida em que gera mudan-as de relaes com o saber, o que a sua principal funo.

    O estabelecimento do contrato didtico se d num es-pao de dilogo, sendo influenciado pelo contexto e pelasconcepes de ensino, de aprendizagem, de cincia e demundo dos envolvidos. Requer uma negociao em que asresponsabilidades so compartilhadas, medida que os alu-nos assumem-se cada vez mais como protagonistas do seuprocesso de aprendizagem. Para tanto, a explicitao do con-trato fundamental por proporcionar que os alunos com-

    FREITAS, A. L. S.; GESSINGER, R. M. O contrato didtico e a avaliao

  • 61A gesto da aula universitria na PUCRS

    preendam os motivos para estudar determinado contedoou desenvolver uma atividade.

    A incapacidade de os alunos darem sentido discipli-na, aos saberes, aos valores e s atividades da mesma, aliada expectativa por uma aplicao imediata do conhecimento,pode gerar desinteresse, indisciplina ou o estudo com a nicafinalidade de obter nota. Por outro lado, o comprometimen-to com o contrato didtico produz o interesse pelo contedoe/ou pelas atividades propostas que, por sua vez, produzemo contrato didtico.

    Em toda a ao didtica existe um contrato que, de modoimplcito ou explcito, permeia as relaes estabelecidas. Ocontrato didtico tradicional naturalizou-se como inquestio-nvel, fortalecendo relaes de natureza bancria que, segun-do Paulo Freire, reduzem as relaes professor-aluno-conhe-cimento ao ato de depositar. Assim, nas relaes de ensinare de aprender, os alunos tornam-se meros depositrios e osprofessores meros depositantes, de tal modo que

    a nica margem de ao que se oferece aos educandos a dereceberem os depsitos, guard-los e arquiv-los. (...). No fundo,porm, os grandes arquivados so os homens(...). Educador eeducandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida vi-so da educao, no h criatividade, no h transformao, noh saber. S existe saber na inveno, na reinveno, na buscainquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mun-do, com o mundo e com os outros (FREIRE, 1987, p.58).

    A heteronomia produzida pelas relaes de naturezabancria se anuncia em alguns indcios, tais como: a culturada passividade dos alunos; a falta de hbito de leitura; aescrita com pouca elaborao pessoal; a regulao das aesem funo da obteno de nota; a lgica da precedncia dateoria prtica e a noo de professor como um facilitador.Esses componentes se configuram como obstculos assun-o da co-responsabilidade no desenvolvimento do contra-to didtico e restringem possibilidades de desenvolvimen-to da autonomia dos sujeitos envolvidos.

  • 62

    O objetivo da reconstruo do contrato didtico demodo a qualificar as relaes com o conhecimento decorreda conscincia dos limites de prticas educativas de nature-za bancria e requer a proposio de procedimentos didti-cos que promovam o desenvolvimento da autonomia dosalunos, em dois sentidos complementares: (1) uma maiorresponsabilizao dos alunos por sua aprendizagem; (2) aassuno da autoformao como um importante componen-te de seu desenvolvimento profissional.

    O ponto de partida de reconstruo do contrato did-tico tradicional a problematizao da participao dos alu-nos na dinmica da aula e tem como finalidade enfatizar suaco-responsabilidade nos processos de ensinar e de apren-der. Em contraposio perspectiva tradicional, a perspec-tiva emancipatria compreende que professor e alunos sosujeitos de conhecimento e, embora tenham responsabili-dades diferentes, ambos so aprendizes e tm participaoativa nessa relao que tem como base o dilogo.

    O contrato didtico caracteriza-se como um fortaleci-mento mtuo, mas no prescinde da diretividade da media-o docente. No se trata do convencimento do professor eda aceitao passiva dos alunos, mas da possibilidade deque se vivencie positivamente a tenso entre a obrigatorie-dade e a autonomia, baseados no comprometimento de am-bos com o que foi estabelecido.

    As aes do professor com relao aos procedimentosdidticos utilizados so sustentadas pelo contrato didtico, jque existe uma intencionalidade na seleo ou na criao dasestratgias a serem usadas nas atividades de ensino, visandopromover a aprendizagem. Trata-se de uma opo intencionale fundamentada, e no de uma mera variao. Nesse processo,devem-se levar em conta os saberes que os alunos trazem paraa situao de aprendizagem, sem esquecer que ensinar no transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a suaproduo ou a sua construo (FREIRE, 2005, p. 47).

    FREITAS, A. L. S.; GESSINGER, R. M. O contrato didtico e a avaliao

  • 63A gesto da aula universitria na PUCRS

    O incio de cada semestre suscita expectativas entreprofessor e alunos, nem sempre convergentes. O gerencia-mento das divergncias e das tenses que delas decorremorienta o estabelecimento do contrato didtico, visto que,para que o mesmo possa ser efetivado, no basta o professorestar disposto a ensinar, mas necessrio os alunos estaremdispostos a aprender.

    Para que haja o envolvimento de todos, ao iniciar asatividades letivas, importante investir um tempo para fir-mar coletivamente os compromissos que sero assumidospelos atores envolvidos, explicitando os motivos que levama tal proposio. Estabelecer o contrato didtico , portanto,mais do que apresentar o plano e o cronograma aos alunosno primeiro dia de aula; realizar uma negociao perma-nente na gesto da aula ao longo de todo o semestre. Essaatitude fundamental para superar as prticas de educaobancria e avanar na direo de prticas emancipatrias.

    Referncias

    CHEVALLARD, Y. La Transposition Didactique: du savoir savant ausavoir enseign. Grenoble: La Pense Sauvage, 1985.

    FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prticaeducativa. 31. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2005.

    _______. Pedagogia do oprimido. 22. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987.

    JONNAERT, P.; BORGHT, C. V. Criar condies para aprender: osocioconstrutivismo na formao de professores. Porto Alegre: Art-med, 2002.

  • COMO A AVALIAO PODECONTRIBUIR PARA A

    APRENDIZAGEM?

    Reconhecer-se comoignorante, no sentido da ausncia

    de conhecimentos relevantes, assumir uma identidade que se

    fundamenta na desvalorizao desi como indivduo e como sujeitosocial. Tem um sentido oposto

    percepo de que todo oconhecimento provisrio eparcial, o que faz com que o

    desconhecimento ou a ignornciaatue no sentido de ampliar o saber

    individual e/ou coletivo.

    Maria Teresa Esteban

  • Dimenses conceituais eoperacionais da avaliao

    Marlene Correro GrilloValderez Marina do Rosrio Lima

    Apesar