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EDITOR-COORDENADOR: ADALBERTO MEIRELES / [email protected] SÁB SALVADOR 29/5/2010 SEG PERSONA TER POP QUA VISUAIS QUI CENA SEX CINE HOJE LETRAS DOM SHOP 2 GASTRONOMIA FESTIVAL DE COMIDA PERUANA REÚNE CHEFS EM SALVADOR 10 LETRAS CONSIDERADO COMO LIVRO DO ANO E OBRA-PRIMA DO CHILENO ROBERTO BOLAÑO (FOTO), ROMANCE 2666 É LANÇADO NO BRASIL 4 Jerry Bauer / Divulgação LITERATURA O autor angolano mais traduzido no mundo volta a Salvador e ao universo afro-brasileiro retratado por Jorge Amado, escritor que admira Agualusa, ficção e memória VITOR PAMPLONA José Eduardo Agualusa caminha pela feira de São Joaquim, na Cidade Baixa. Observa as pes- soas. Um vendedor de frutas e as cores de seu tabuleiro, um açogueiro com avental lambu- zado de sangue, talvez uma ve- lha e hierática senhora comer- ciante de ervas e de imagens de orixás. O candomblé o fascina, tanto quanto os habitantes da feira – personagens que o escritor an- golano mais traduzido no mun- do (20 idiomas) cataloga para histórias futuras. O relato não é uma completa ficção. Aconteceu num dia qual- quer, de um ano passado re- cente. Aos 49 anos, depois de oito romances, uma novela, se- te livros de contos e crônicas, três livros infantis, três peças teatrais, um livro de reporta- gens e um relato de viagens, Agualusa se reencontra com a Bahia nesta semana, a convite da editora Cia. das Letras. O autor, que se define como “afro-luso-brasileiro“, partici- pou ontem de um seminário so- bre Jorge Amado, de quem foi leitor precipitado e afetivo, ain- da na adolescência. Depois de morar em Luanda, Lisboa e Rio de Janeiro – onde escreveu O ano em que Zumbi tomou o Rio (Gryphus, 2002) –, o escritor se firmou como um dos principais nomes da litera- tura em língua portuguesa. Seu último livro é Barroco tro- pical (Cia. das Letras, 2009), um relato fantástico e futurista de Luanda em 2020, cidade ainda mais caótica do que hoje. Agua- lusa conversou com A TARDE so- bre literatura, a Bahia de Jorge Amado e o Brasil do futuro. LEIA ENTREVISTA NA PÁGINA 3 O escritor já lançou romances, contos, peças e reportagens, dentre outros gêneros Jordy / Divulgação

Agualusa, ficção e memória

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Entrevista com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, ma qual ele fala da influência de Jorge Amado, de impressões sobre a literatura brasileira contemporânea e a visão do Brasil no mundo

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Page 1: Agualusa, ficção e memória

EDITOR-COORDENADOR: ADALBERTO MEIRELES / [email protected]

SÁBSALVADOR29/5/2010

SEG PERSONATER POPQUA VISUAISQUI CENASEX CINEHOJE LETRASDOM SHOP 2 GASTRONOMIA FESTIVAL DE COMIDA

PERUANA REÚNE CHEFS EM SALVADOR 10

LETRAS CONSIDERADO COMOLIVRO DO ANO E OBRA-PRIMADO CHILENO ROBERTOBOLAÑO (FOTO), ROMANCE2666 É LANÇADO NO BRASIL 4

Jerry Bauer / Divulgação

LITERATURA O autor angolano maistraduzido no mundo volta a Salvador eao universo afro-brasileiro retratado porJorge Amado, escritor que admira

Agualusa,ficção ememória

VITOR PAMPLONA

JoséEduardoAgualusacaminhapela feira de São Joaquim, naCidade Baixa. Observa as pes-soas. Um vendedor de frutas eas cores de seu tabuleiro, umaçogueiro com avental lambu-zado de sangue, talvez uma ve-lha e hierática senhora comer-ciante de ervas e de imagensde orixás.

O candomblé o fascina, tantoquanto os habitantes da feira –personagens que o escritor an-golano mais traduzido no mun-do (20 idiomas) cataloga parahistórias futuras.

O relato não é uma completaficção. Aconteceu num dia qual-quer, de um ano passado re-cente. Aos 49 anos, depois deoito romances, uma novela, se-te livros de contos e crônicas,três livros infantis, três peçasteatrais, um livro de reporta-gens e um relato de viagens,Agualusa se reencontra com aBahia nesta semana, a conviteda editora Cia. das Letras.

O autor, que se define como“afro-luso-brasileiro“, partici-pou ontem de um seminário so-bre Jorge Amado, de quem foileitor precipitado e afetivo, ain-da na adolescência.

Depois de morar em Luanda,Lisboa e Rio de Janeiro – ondeescreveu O ano em que Zumbitomou o Rio (Gryphus, 2002) –,o escritor se firmou como umdos principais nomes da litera-tura em língua portuguesa.

Seu último livro é Barroco tro-pical (Cia. das Letras, 2009), umrelato fantástico e futurista deLuanda em 2020, cidade aindamais caótica do que hoje. Agua-lusa conversou com A TARDE so-bre literatura, a Bahia de JorgeAmado e o Brasil do futuro.

LEIA ENTREVISTA NA PÁGINA 3

O escritor jálançouromances,contos, peças ereportagens,dentre outrosgêneros

Jordy / Divulgação

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3SALVADOR SÁBADO 29/5/2010 2

“O MUNDO QUE JORGEAMADO DESCREVEU TÃOBEM FOI ABANDONADO“

Robson Fernandes / Agência Estado

O escritor angolanoAgualusa apontaque a literaturabrasileira atual estácentrada no eixoRio-São Paulo

Seus livros se situam num espa-ço multicultural. Foram as mes-tiçagensqueteatraíramprimei-roemJorgeAmado?

Exatamente.Foiessavivênciaque a Bahia tem, sobretudoSalvador. Essa junção de pes-soas de origens diferentes,negros africanos e povos indí-genas. Foi também o fato deJorge Amado ser um dos pri-meiros autores a trabalharcom a herança africana. Foipraticamente o primeiro au-tor contemporâneo africanode língua portuguesa. Em An-gola, descobrimos em Jorgequeerapossível fazer literatu-racomatradiçãoafricana.

Quelivrosdeleleuprimeiro?Acho que Capitães da Areia.Jorge Amado é uma paixãode adolescência, dos 13, 14anos.Oquemeapaixonoufoiver personagens e tradiçõesde origem africana. Depois,as histórias são muito boni-tas. Jorge tem uma dificulda-de, mas tem uma arte de con-tar. E esta arte de contar estápresente muito em África eemAngola.Aoralidade.

Não se faz muita sociologia coma obra de Amado, deixando deladoasuaatualidadeliterária?

É possível que você tenha ra-zão. À vezes, descobrem, in-clusive, coisas que não estãolá e esquecem do essencial,dessa capacidade de contarhistórias e se aproximar daspessoas. O que os grandes li-vros têm é dar-nos a ver ummundo novo. E Jorge Amadotem esta capacidade com aspessoas humildes, as minhaspersonagensfavoritas.

Os personagens populares e aparticipação política fizeramcom que Jorge Amado fosseconsiderado panfletário. Comovocêvêhojetaiscríticas?

Euachoqueéumavisãoinjus-ta.Veja,aprovaéqueoslivrosultrapassam fronteiras, sãocapazes de encantar pessoasdegeografiasmuitodiversas.

A presença da África na forma-ção social do Brasil não resultouem laços mais fortes com a Áfri-cacontemporânea.Porquê?

Acho que as coisas estão amudar. Essa aproximação

tem ocorrido, acompanhadapelo crescimento (econômi-co)daÁfricaaustral,emparti-cular Angola e África do Sul.Hoje, em Angola, há muitasempresas brasileiras presen-tes. E com isso há uma aproxi-maçãocultural,hágrandenú-mero de brasileiros que en-contrammanifestaçõescultu-raisquelhesinteressam.

Esse interesse, no campo literá-rio, ainda não é muito restrito avocêePepetela?

Mas há interesse por outrosautores africanos, como o(moçambicano)MiaCouto.OOndjaki (escritor angolanoradicado no Rio de Janeiro),embora seja jovem, já temumpúbliconoBrasil.Ehá inte-resse por autores não lusófo-nos. Na última vez que estivena Flip, em Paraty, vi dois prê-mios Nobel africanos, o Coet-zee e a Nadine Gordimer (am-bos sul-africanos). Creio quemuitacoisamudoueasedito-rasperceberam.

Você também fundou uma edi-tora no Brasil, a Língua Geral.Quais novos autores brasileirosdespertamoseuinteresse?

Eu gosto muito em particularde um livro da Christiane Tas-sis,chama-seSobreaneblina.É um livro sobre a fragilidadeda memória. Conta a históriade um homem que tem umtumor no cérebro e sabe quevai perder a memória. Elecontrata uma ex-namoradapara colher depoimentos so-bre outras ex-namoradas queele teve para um dia poderlembrar de si próprio, nãoperder a identidade. É muitoinventivo.

A nova literatura brasileira émais urbana e soturna. O Paísperdeudiversidade?

Eu acho que é uma literaturamuito centrada no eixoRio-São Paulo. Creio que mui-tas das grandes histórias doBrasil estão noutros lados.Voltando a Jorge Amado, elefoi o último grande escritorbrasileiro a trabalhar de for-ma obsessiva e consequentecom personagens afro-brasi-leiros, personagens que qua-se desapareceram da moder-na literatura brasileira, o que

é uma coisa extremamenteestranha. Este mundo queJorge Amado descreveu tãobem foi abandonado. Elenão teve seguidores, o que éparadoxal se entendermosque ainda continua a ser o au-tor brasileiro mais lido nomundo.

Você já falou que o Brasil conti-nua um país colonizado, no sen-tido de que esconde sua africa-nidade. Nesse sentido, a litera-tura brasileira contemporâneaécolonizada?

Àsvezesdá ideiadisso,dequeo Brasil ainda tem uma certavergonha de seu patrimônioafricano. Ainda se encostamaisàEuropadoqueàÀfrica.A matriz africana é, no entan-to, aquilo que tem de melhorna cultura brasileira: é agrande música brasileira, osamba, o Carnaval, o can-domblé, a capoeira. É o quefazsucessoforadoBrasil,por-que as pessoas querem o queé autêntico e diferente. É es-tranho que não haja mais au-tores brasileiros jovens a tra-balhar essa realidade. Quan-tos autores baianos você temcompresençanopaís,tirandoJoão Ubaldo, porta-vozesdesse universo extremamen-te interessante? Quando voua Salvador sinto que a cidade

está cheia de histórias e per-sonagens as quais os escrito-res brasileiros ainda nãopegaram.

Sua relação com o Brasil é anti-ga, desde a adolescência vocêvisitaoPaís.Comovêa inserçãodo Brasil como um jogador depesonocenáriointernacional?

Sou muito otimista. O Brasil éum dos poucos países domundo que superou a crise eestá a crescer nesse momen-to. Mas tenho a impressão deque o País ainda não assimi-lou sua própria grandeza. OBrasil precisa tomar consciên-cia,emprimeiro lugar,dequejá é uma grande potência. Eagora precisa decidir um ru-mo a tomar, o que já vem fa-zendo. Mas precisa fazer demaneira mais dinâmica. OBrasil jáse afirmouno mundoda melhor maneira possível,atravésdacultura.OsEstadosUnidos da América, porexemplo, se afirmaram atra-vés da força. Com a força veioa cultura, mas primeiro foi aforça bruta, como o impérioportuguês há 500 anos fezsua afirmação através deguerras, da força. O Brasilnão, conseguiu uma coisa ex-traordinária. Você vai hoje aoJapão, a qualquer país africa-no, os brasileiros são bem re-

cebidos. Porque são reconhe-cidos como pessoas que vie-ram do país do futebol, dosamba, o país do Jorge Ama-do. Isso é cultura. Enquantoqueumamericanoéreconhe-cido como alguém do paísque invadiu o Iraque, quebombardeou o Japão combombas atômicas. Essa é agrande diferença e a enormegrandezadoBrasil.

OquefaltaaoBrasildizer?Anda é preciso mais dinamis-mo.OBrasilnãotemumains-tituição como o Instituto Ca-mões, de Portugal, para fazera promoção da língua, da cul-tura e dos escritores brasilei-ros. Todos os países impor-tantestêm,aAlemanhatemoInstituto Goethe, a Espanha oInstituo Cervantes, os france-sestêmaAliançaFrancesa.EoBrasil não tem equivalente, oque é inacreditável. A línguaportuguesa só tem algumapresença no mundo hoje de-vidoaofatode95%dosfalan-tes serem brasileiros. O Brasiltem que se distinguir como omotor dos países lusófonos.Os outros todos orbitam ouvão ter que orbitar em tornodele, mesmo Portugal. O Bra-sil tem que assumir essa res-ponsabilidade, tem que assu-mirasuaestatura.

VITOR PAMPLONA

“Procuram-se herdeiros literários de Jorge Amado“. Quem segurao cartaz é o escritor angolano José Eduardo Agualusa, em visita aSalvador para participar de um seminário sobre o autor baiano.Nascido no Huambo, cidade no planalto de Angola com grandepresença portuguesa, Agualusa passou a infância na fronteira entreo mundo selvagem e o civilizado: onde terminava sua casa co-meçava a floresta. Mas a casa tinha uma biblioteca. E nela Agualusaencontrou os primeiros volumes de Jorge Amado. Nesta entrevista,ele fala da paixão pelo escritor baiano, lamenta a ausência depersonagens afro-brasileiros na literatura nacional contemporâneae comenta o papel do Brasil no cenário global do século 21.

ENTREVISTA José Eduardo Agualusa

Às vezes, dá a ideiade que o Brasilainda tem umacerta vergonha deseu patrimônioafricano

Tenho a impressãode que o Brasilainda não assimiloua sua grandeza. Eletem que assumir asua estatura

Tem Vitalmedno Arraiá da Capitá