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Jagunços, topologia, tipologia (Euclides e Rosa)1
João Camillo PennaUFRJ
Foi sem dúvida Euclides da Cunha quem flagrou, pela primeira vez, a
topografia da margem e da marginalidade brasileira, sob a forma de uma dupla
margem geográfico-histórica, a selva amazônica do Alto Purus e a cidade sitiada de
Canudos. Em ambos os casos, um espaçamento ao mesmo tempo aberto e fechado,
isolado, regressivo, e exterior à ordem da história, é o palco de um massacre
sistêmico. No caso do Alto Purus, o predador é o caucheiro da fronteira; no caso de
Canudos, o “homizio”2, impermeável ao juízo do futuro--já que a “história não iria até
ali”--permite que os soldados pagos pelo governo da Quarta expedição entreguem-se
com maior liberalidade ao “matadouro”, i.e. o extermínio de todos os canudenses
homens (mas não só) em idade de lutar, sobreviventes da Campanha de Canudos. A
margem é insular, fechada em si mesma: “transposto aquele cordão de serras,
ninguém mais pecava”, chegara-se à “urbs monstruosa, a “civitas sinistra do erro”3. O
assassinato de ao todo em torno de 20.000 dos 25.000 habitantes do arraial expõe o
destino histórico da criminalização e extermínio da pobreza, de que Euclides produz o
primeiro diagnóstico em larga escala.
Dos soldados do governo seria possível dizer o mesmo que Euclides diz dos
caucheiros: sofrem de “mimetismo psíquico”, de uma antinomia, antilogia ou
dualismo: mantêm intacto o alto padrão moral da civilização, ao mesmo tempo que,
achando-se a sós, na selva, “inteiramente livre [s] da pressão e dos infinitos corretivos
da vida social”, vivem o “ sentimento de impunidade” e do “mando ilimitado”,
entregando-se de alma plena ao rito da carnificina4. Cito uma única passagem de À
margem da história (1909), para caracterizar o que se dá ali:
Não há leis. Cada um traz o Código Penal no rifle que sobraça, e exercita a justiça a seu alvedrio, sem que o chamem a contas. Num dia, de julho de 1905, quando chegava ao último puesto caucheiro do Purus uma comissão mista de reconhecimento, todos os que a compunham, brasileiros e peruanos, viram um corpo desnudo e atrozmente mutilado, lançado à margem esquerda do rio, num claro
1 Esse artigo não poderia ser escrito sem a ajuda prestimosa de Ana Luiza Martins Costa. A ela meus agradecimentos.2 Cunha, Euclides da. Os Sertões, p. 735.3 Ibidem, p. 735 e p. 291.4 Cunha, Euclides da. À margem da história, p. 259.
entre as frecheiras. Era o cadáver de uma amahuaca. Fora morta por vingança, explicou-se vagamente depois. E não se tratou mais do incidente — coisa de nonada e trivialíssima na paragem revolvida pelas gentes que a atravessam e não povoam, e passam deixando-a ainda mais triste com os escombros das estâncias abandonadas...5
O trecho não vem de Cidade de Deus de Paulo Lins, mas de Euclides da
Cunha; não data de 1997, nem se situa em uma favela contemporânea, e sim
em 1905, no Alto Purus, na Amazônia. Lembremo-nos apenas da primeira
cena de Cidade de Deus (1997), o surgimento de mais um cadáver à margem
do rio:
Vermelhidão esparramando-se na correnteza, mais um cadáver. As nuvens apagaram as montanhas por completo. Vermelhidão, outro presunto brotou na curva do rio com um guaiamum devorando as suas tripas. A chuva fina virou tempestade. Vermelhidão, novamente seguida de defunto. [...] Sangue diluindo-se em água podre acompanhado de mais um corpo trajando calça Lee, tênis Adidas e sanguessugas sugando o líquido encarnado, e ainda quente6.
A topologia da margem descreve, antes de mais nada, o sítio exterior ao mesmo
tempo aberto e fechado em si mesmo, o limite móvel de uma ocupação territorial que
sempre confina com uma fronteira, mesmo que interna ao Brasil. A penetração
horizontal da fronteira instaura a história no vazio da história—“não há leis”, grita
Euclides. O bordão cromático, “vermelhidão”, marca a repetição corriqueira de mais
uma morte, dissolvida em rio e chuva. É aqui, neste espaço exterior, que a história (a
lei) se faz, nos dois exemplos citados, ao nomear o habitante da margem, a ameríndia
amahuaca, o cadáver de calça Lee e tênis Adidas, pela morte não-documentada, por
vingança, sobre a qual o narrador que traz consigo a história presta testemunho,
depondo sobre a margem, ao incorporá-la e denunciando o crime de sua exclusão. O
marginal se revela, portanto, antes de mais nada, como cadáver indigente, sem
identidade, uma pura vítima. A trajetória que o levará à contemporaneidade assistirá
à sua transformação de vítima em enunciação em seu próprio nome da experiência da
vitimização.
O local histórico, matricial, da margem brasileira tem um nome: sertão,
ligado à noção de interior, o “mato longe da costa”, na reconstituição que faz do
termo Gustavo Barroso, certam ou certão, com “c”, de muceltão, e não de 5 Ibidem, p. 261-262.6 Lins, Paulo. Cidade de Deus, p. 14.
“desertão”, como se cria, como locus mediterraneus, isto é, situado “no centro ou no
meio as terras”. 7 Euclides, o escriba de nossa primeira margem, situa o sertão em
que jaz o arraial em um enquadramento de rios: de um lado, o São Francisco, de
outro o Itapicuruaçu, pelo meio o Vaza-Barris. Atravessando-os, no entanto,
chegamos a um terreno árido e inóspito. O conjunto tem a “aparência de uma
margem de desertos”—não uma margem de rio, mas “de desertos”.8 A terra ignota, o
“hiato”, o “parêntese”, o “vácuo” de Canudos, conta uma história geológica, inscrita
em sua “fácies” legível, na fisiognomia da natureza e na configuração genética, que
se trata de ler, que programa o morticínio que se seguirá.
As duas heterotopias brasileiras, sertão e favela, são “contra-locais”, “lugares
que estão fora de todos os lugares”, “espaços inteiramente outros com relação aos
locais que eles refletem e dos quais eles falam”. Eles compõem um binômio histórico
da pobreza, que, como se sabe, se comunicam, por uma etimologia que junta as duas
pelo nome9. Favella era o arbusto que dava nome ao morro onde sediavam as tropas
expedicionárias do governo no embate de Canudos, o Alto da favella.
Uma vez terminada a guerra, cerca de 10.000 soldados e suas mulheres, as
viandeiras, abrigaram-se no morro da Providência, nome que mantém até hoje,
situado atrás da Central do Brasil, próximo do Ministério da Guerra, no Rio de
Janeiro, a espera do soldo de guerra, batizando-o de “Morro da Favella”, por
encontrarem ali o mesmo tipo de arbusto10. Não se trata, no entanto, da primeira
“favela”, como tipo de aglomeração de moradias pobres no Rio, o cortiço o antecede.
Sabe-se que foi a demolição do maior cortiço do centro do Rio, o “Cabeça-de-
porco”, referido por Aluísio de Azevedo em O cortiço, como o “cabeça-de-gato”,
numa operação de sanitarização das moradias cariocas, empreendida pelo Prefeito
Barata Ribeiro, no final do século XIX, que levou os seus moradores a se mudarem
para o vizinho Morro da Providência, antes mesmo da chegada dos soldados de
Canudos11. É esse morro da Favella, não a primeira favela, mas a mais célebre, que
despertou muito cedo as atenções das autoridades e da polícia12. Embora apenas na
segunda metade do século XX o termo tenha se tornado o nome genérico dos 7 Apud Galvão, Walnice Nogueira. O império de Belo monte. Vida e morte de Canudos, p. 16.8 Cunha, Euclides da. Os sertões, p. 84.9 Para a noção de heterotopia, ver Foucault, Michel. “Des espaces autres”, e especificamente a p. 1575.10 Wissenbach, Maria Cristina Cortez. “Da escravidão à liberdade: dimensões de uma privacidade possível”, p.96.11 Valladares, Lícia. “A gênese das favelas. A produção anterior às ciências sociais”, p. 7.
aglomerados de casas “sem traçado, arruamento ou acesso aos serviços públicos” que
começam a se construir nas encostas do Rio de Janeiro desde o início do século13.
O sertão aparece, no plural e no singular, em Os sertões (1902) de Euclides da
Cunha e em Grande Sertão: veredas (1956) de João Guimarães Rosa como paisagem-
personagem no drama do “banditismo coletivo” brasileiro, na expressão de Oliveira
Vianna, por meio do jagunço, de extensa disseminação no interior sertanejo14. O que
junta a região da caatinga do norte da Bahia, a região de Canudos e do Monte Santo,
com os chapadões e campos no norte de Minas Gerais é o rio S. Francisco. Ambas as
histórias se dão à margem do “rio da unidade nacional”15. Junção e disjunção, já que o
rio é também o que separa, conforme confessa Riobaldo: “O São Francisco partiu
minha vida em duas partes”16. Jagunço, cangaceiro, capanga, cabra, guarda-costas, são
alguns dos nomes desse criminoso vertido em figura (lendária, literária) da saga
popular, da literatura, teatro e cinema,17 e transformado em alegoria do Brasil. A
nacionalização da figura do criminoso, ou do criminoso como figura, obedece um
processo curioso que convém investigar. Urbino Viana, citado por Oliveira Vianna,
explica que os jagunços foram caldeados nas margens do rio S. Francisco, daí o nome
de “barranqueiros”, misto de herói e bandido, criação necessária do senhor fazendeiro
ou proprietário de terras, formando uma tropa irregular a mando de um potentado18. A
ambiguidade ou duplicidade é a marca que o caracteriza. É criminoso porém dotado
de um código de honra eventual, diferenciado do assassino vulgar, embora nem por
isso deixe de cometer atos violentíssimos.
Euclides os define por uma antítese estrutural: os jagunços são os “homens
mais bravos e mais inúteis da nossa terra”19. O estudo de Walnice Galvão desdobra as
especificidades sociológicas da figura: o “bravo inútil” que combina uma inutilidade 12 Veja-se o relato de Lícia Valladares: “Já em 1900 o Jornal do Brasil denunciava estar o morro “infestado de vagabundos e criminosos que são o sobressalto das famílias”. Esta é também a visão expressa por um delegado da polícia, segundo nos informa [Marcos Luiz] Bretas: “Se bem que não haja famílias no local designado, é ali impossível ser feito o policiamentoporquanto nesse local, foco de desertores, ladrões e praças do exército, não há ruas, os casebres são construídos de madeira e cobertos de zinco, e não existe em todo o morro um só bico de gás.” (p. 8). O livro de Bretas é: A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro (1997).13 Idibem, p. 7.14Oliveira Vianna, Francisco José. Instituições políticas brasileiras, vol. 1, p. 176.15 Ver o mapa 1, “Os sertões do Brasil” em Bolle, Willi. grandesertao.br, p. 50-51.16 Rosa, João Guimarães. Grande sertão: veredas, p. 436.17 Galvão, Walnice Nogueira. As formas do falso, p. 17.18 Urbino Viana, apud Oliveira Vianna. Instituições políticas brasileiras, vol. 1, p. 206.19 Cunha, Euclides da. Os Sertões, p. 335.
produtiva com a utilização pelo poder privado. Trata-se em suma do inútil, mas
utilizado, cumprindo uma longa tradição brasileira do exercício privado da violência.
“É tradição brasileira secular a presença de uma força armada a serviço de um
proprietário rural, grupo de função defensiva e ofensiva, presente dentro da
propriedade, para garantir limites, mas igualmente importante por seu desempenho
em eleições, seja pelo número de votos que representa, seja pelos votos que pode
conseguir por intimidação ou mediante fraude”20. É desse banditismo coletivo que se
origina boa parte dos movimentos insurrecionais no Brasil, como a Sabinada, a
Balaiada, a Cabanada, a “guerra dos emboabas”, a “guerra dos mascates”, a
“revolução dos farroupilhas”, etc., no momento breve em que a o inútil utilizado se
converte em poder autônomo de luta21.
O jagunço “vive à margem da economia produtiva e social”22, de uma
produção em si marginal: a criação de gado de subsistência, periférica e mais
interiorana com relação ao complexo agro-industrial de exportação de maior
relevância, o açúcar e o café, das terras litorâneas e mais férteis23. O jagunço é, assim,
um “corpo marginal, adscrício, sem contato com a massa operária do domínio
(reduzida, aliás, à população escrava)—e inteiramente desvinculado da economia
senhorial”.24
Ociosos, esses marginalizados do processo produtivo são, ao mesmo tempo,
em parte, livres. Abro aqui um parêntesis: interessante observar a insistência
ambivalente da ociosidade na representação produzida pelas ciências sociais da
singularidade brasileira. O mesmo diagnóstico aparece em Antonio Candido, na
população rural, em seu estudo sobre a cultura caipira, Os parceiros do rio Bonito25,
que identifica na sedentarização da cultura do Centro-Sul o “verdadeiro flagelo” que
foi a formação de uma “quota apreciável de desocupados”, excluídos das fazendas de
cana de açúcar alimentada pela mão de obra escrava, constituindo uma “massa de
agregados, posseiros e desbravadores”, que logo se fixaria como “valentões,
autônomos ou a soldo”.26 O mesmo motivo, da circunscrição dos bolsões de
20 Galvão, Walnice. As formas do falso, p. 21.21 Oliveira Vianna, p. 176-177; Galvão, p. 21-22.22 Oliveira Vianna, apud Galvão, p. 23.23 Galvão, p. 30.24 Oliveira Vianna apud Galvão, p. 23.25 Apud Galvão, p. 36.26 Candido, Antonio, p. 64, apud. Galvão, Walnice. As formas do falso, p. 36.
liberdade no século XIX, aparece em Homens livres na ordem escravocrata de Maria
Sylvia de Carvalho Franco, que descreve "uma formação sui generis de homens
livres e expropriados, que não foram integrados à produção mercantil [...] destituídos
de propriedade dos meios de produção, mas não de sua posse". Esses homens
encarregados da produção direta de meios de vida, mas excluídos da produção
mercantil para exportação, “não conheceram os rigores do trabalho forçado e não se
proletarizaram”, formando uma “ralé” de “homens a rigor dispensáveis", à margem
de uma agricultura mercantil escravista “que abria espaço para a sua existência e os
deixava sem razão de ser”.27 Nessa contradição entre a existência e a razão de ser se
encaixa ainda a figura sociológica matricial do “agregado” e do vínculo do “favor”,
parasitando as esferas do mando e da propriedade, que fornece a Roberto Schwarz a
cifra sociológica para entender Machado de Assis.28 Mais perto de nós, o bandido
compartilhará com o malandro, de que é uma provável transformação histórica, o
horror ao trabalho. Mas, enquanto o malandro não dispunha de uma arma de fogo, o
que define o bandido é essencialmente a posse dela, utilizada em defesa do comércio
ilícito de drogas e do assalto. O malandro se caracteriza pela capacidade inusitada de
sobrevivência devido ao deslizamento e à labilidade com que escorrega através das
malhas do compromisso, enquanto o bandido é por definição aquele que não
sobrevive, morrendo inevitavelmente pela mesma arma de fogo que o define29.
Essa adscrição à produção corresponde a uma restrição de campo recorrente
na construção literária brasileira, em que se joga, a meu ver, um elemento essencial
da própria figuração: a tipificação. O corolário dessa participação apenas marginal do
processo produtivo é a fração de liberdade de que desfruta o marginal, ao
autonomizar-se com relação à sociedade. O que fornece o mote da conversão em
figura. É a insularização da margem separada do resto o que confere densidade
ontológica ao tipo, libertando-o da realidade concreta que tangencia, e facilitando a
conversão do diagnóstico sociológico negativo da ociosidade em potência
ambivalente da ficção, como transcendência do dado sociológico e circunscrição de
uma liberdade possível. O mesmo Candido observa essa restrição em Memórias de
um sargento de milícias (1852-1853; 1854), e em Grande sertão: veredas. No
romance de Manuel Antonio de Almeida, uma dupla supressão, dos dois lados
27 Franco, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata, p. 14.28 Schwarz, Roberto. Ao vencedor as batatas.29 Zaluar, Alba. A máquina e a revolta, p. 149-150.
complementares do sistema produtivo, do escravo, de um lado, isto é, da esfera do
trabalho, e das classes dirigentes, de outro, isto é, da esfera do mando, deixa de fora
uma sociedade de homens livres, que “flauteavam ao Deus dará”, “colhendo as
sobras do parasitismo, dos expedientes, das munificências, da sorte ou do roubo
miúdo”30. A essa restrição social se soma um fechamento espacial: a “ação decorre
no Rio, sobretudo no que são hoje as áreas centrais e naquele tempo constituía o
grosso da cidade”. A elisão da escravidão e com ela a sua brutalidade e violência
características instaura uma “sociedade parasitária e indolente, que era a dos homens
livres do Brasil de então”, em que não se trabalha, nem se sente necessidade. É um
“mundo sem culpa”—a mesma culpa que Euclides percebera não sentirem os
caucheiros do Alto Purus ou os soldados da Quarta expedição de Canudos—mas aqui
positivada—Candido fala de uma “encantadora neutralidade moral”--em uma figura
ambivalente: do malandro carioca, como tipo do brasileiro. Candido explicita a
analogia entre a tipificação de Manuel Antonio de Almeida e seu próprio método: o
romance visa ao “tipo” ao “paradigma”, como eu destaco da realidade concreta “o
mundo arquetípico da lenda”, em que o documento e fábula se equilibram, escreve
ele31.
Em “Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa”, ele chama a atenção
para o fato de que, em Grande sertão: veredas, “ocorrem quase apenas jagunços,
agrupados em bandos enormes, vivendo em contato com outros jagunços,
obedecendo a chefes jagunços, movendo-se conforme uma ética de jagunços, num
mundo separado do resto do mundo, descartadas as cidades e suas leis”32. É o que
distancia o romance de Rosa do dado histórico ou sociológico, propiciando uma
“sublimação estética”, com o resultado que conhecemos. Roberto Schwarz observa a
mesma redução de órbita em Cidade de Deus de Paulo Lins: “A ação move-se no
mundo de Cidade de Deus, com uns poucos momentos fora, sobretudo em presídios,
para acompanhar o destino dos personagens. [...] As esferas superiores do negócio
das drogas e de armas, a corrupção política e militar que lhe assegura o espaço, não
comparecem. [...] a administração pública e a especulação imobiliária que estão na
origem da segregação da favela tampouco aparecem”33. E essa supressão resulta
30 Candido, Antonio. “Dialética da malandragem”. O discurso e a cidade, p. 44-45.31 Ibidem, p. 53-54.32 Candido, Antonio. “Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa”, p. 150. 33 Schwarz, Roberto. “Cidade de Deus”, p. 166. O que leva Danielle Corpas a avançar a hipótese de que esta “elisão de fatores externos” tenha sido o método usado na “literatura
produtiva do ponto de vista da forma do romance: ao omitir a causa da segregação
social de que a favela é o resultado, o romance formaliza a própria segregação,
ausentando a “opulência” dos chefes que estão fora da favela, apenas os seus
“prepostos locais”, os poderosos que “morrem como moscas”, ocupando o campo de
visibilidade do romance34. Suprime-se o político e a cidade, de um, e as esfera do
mando do tráfico, as premissas da segregação situadas no asfalto, do outro: sobra em
ambos os casos o tipo social—retornaremos a esse ponto adiante--do jagunço e do
bandido—como condição de possibilidade da transformação da realidade em figura.
Ora, este fechamento de campo foi formulado na literatura e na cultura
brasileiras por Euclides da Cunha, em Os sertões.
A primeira inscrição do jagunço em Euclides aparece na segunda parte de “A
nossa Vendéia”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 17 de agosto de 1887,
preparatório da expedição que seguiria logo depois:
Vestido de couro curtido, das alparcatas sólidas ao desgracioso chapéu de abas largas e afeiçoado aos arriscados lances da vida pastoril, o jagunço traiçoeiro e ousado, rompe-os, atravessa-os, entretanto, em todos os sentidos, facilmente, zombando dos espinhos que não lhe rasgam sequer a vestimenta rústica, vingando célere como um acrobata as mais altas árvores, destramando, destro, o emaranhado dos cipoais35.
O itálico que grafa o termo, conforme lembra Walnice Galvão, inscreve o
estranhamento do tipo, que se desfaz em Os Sertões, onde desaparece o itálico36. A
relação fisignômica entre essência e aparência se estabelece neste primeiro momento
entre a indumentária que traduz uma essência moral ambígua—ele é “traiçoeiro e
ousado”—a “vestimenta rústica” que atravessa os espinhos e não é atravessada por
eles, revestindo uma agilidade de acrobata vingador. Esse isomorfismo entre essência
e aparência, entre fisiologia e psicologia se adensa com a formação genética e com a
ação do clima, configurando um modelo ou molde único, o “tipo antropológico”37.
Falei antes de “tipo social”, agora cito Euclides falando de “tipo
antropológico”. Impressionante a produtividade da noção de tipo que atravessa a
brasileira para lidar com experiências de camadas pobres da população” (Corpas, Danielle. O jagunço somos nós: visões do Brasil na crítica de Grande Sertão: veredas, p. 72.)34 Ibidem, p. 166-167.35 Cunha, Euclides da. Diário de uma expedição, p. 57.36 Galvão, Walnice Nogueira. “Introdução”. Diário de uma expedição, p. 19.37 Cunha, Euclides da. Os sertões, p. 175.
filosofia (surge em Platão), a bíblia, o evolucionismo, a literatura, as ciências sociais,
o discurso racista nazista e o direito penal contemporâneo38.
O capítulo “O homem” de Os sertões consiste em uma grande reflexão sobre
a miscigenação, e pretende ser uma contribuição ao espinhoso problema etnológico
brasileiro. Segundo o paradigma racialista utilizado por Euclides, “não há um tipo
antropológico brasileiro”39. O brasileiro é formado por séries genéticas divergentes, o
homo americanus, o ameríndio autóctone, o homo afer, o tipo africano, e o
38 Em linhas gerais o tipo consiste no modelo abstrato, arquétipo ou esquema—o que explica a sua origem platônica--que não existe enquanto tal no mundo empírico, mas que a ciência reconstrói, como uma pseudo-causa de que as suas encarnações imperfeitas e aproximativas no mundo parecem ser derivadas. A conformação da realidade à pureza da tipologia resume o destino normativo da noção e sua importância para o racismo. Lembro aqui algumas de suas articulações mais célebres. O tipo surge em Platão, n’A República e no Teeteto. O týpos, “molde”, “marca”, “matriz”, “selo”, “sinete”, no Teeteto é a produção do ente como o "selo" se imprime numa cera (Teeteto, 192a --194b), e na República está ligado ao processo pelo qual as fábulas (os mitos) se imprimem sob a mente impressionável dos guardiões da cidade (República, 377b), o que justifica o seu monitoramento, controle e modulação autoritária pelo legislador, ocupado em desenhar o plano de sua cidade ideal. (Cf. Lacoue-Labarthe. Philippe. “Tipografia”.) Tipo aparece no Novo testamento em grego. Traduzido por figura em latim, descreve a relação de duplicação, de realização ou confirmação profética do Velho Testamento no Novo Testamento, e tinha “por objetivo mostrar que todas as pessoas e acontecimentos do Velho Testamento eram prefigurações do Novo Testamento e de sua história de redenção”. (Auerbach, Eric. Figura, p.28.) Assim, Adão é a figura de Cristo, Eva a figura da igreja, Moisés prefigura Cristo, etc. Aparece em Darwin, integrado ao argumento monogenista, i.e., da unidade de ascendência dos seres vivos, segundo o qual “todos os organismos, passados, presentes ou futuros, descendem de um único” (Jacob, François. La logique du vivant, p. 21.): “Por unidade de tipo, entendemos a concordância fundamental entre estruturas, que observamos nos seres vivos da mesma classe, e que é bastante independente dos seus hábitos de vida. Segundo a minha teoria, a unidade de tipo explica-se pela unidade de ascendência.” (Darwin, Charles. A origem das espécies [1859], p. 181.) Para Darwin, a seleção natural determina a adaptação das partes dos seres vivos às condições de existência. São essas condições que determinam a unidade do tipo por meio da herança de características fisiológicas mais adaptadas. O tipo é uma categoria morfológica, por ele se pensa a unidade analógica de função entre membros, partes ou órgãos nas diferentes espécies. Por exemplo, “a mão do homem (feita para agarrar objetos), a garra da toupeira (apta para escavar a terra), a perna do cavalo, a barbatana do golfinho e a asa do morcego, [têm] todos sido construídos segundo o mesmo padrão, e [incluem] ossos semelhantes, situados nas mesmas posições relativas”. (Ibidem, p. 386.) O darwinismo social se baseia inteiramente na analogia entre a espécie humana e as espécies animais. As raças funcionariam como espécies internas ao genus homo. Donde a aplicação da noção de tipo, retirada da zoologia, como conjuntos de traços distintivos que caracterizam cada espécie animal, para a classificação das raças, o “problema” da miscigenação, comparada às espécies animais híbridas, e o programa racista de “aplicar” os tipos puros à realidade, ou justificar a submissão hierárquica dos tipos “impuros”, miscigenados, aos puros. O programa nazista de extermínio do “antitipo” judaico, como parasita inautêntico e sem alma de todos os tipos, contido na ideologia racial de Rosenberg, e transformado em projeto de estado por Hitler, é um darwinismo social. (Lacoue-Labarthe, Philippe e Nancy, Jean-Luc. O mito nazista, p. 47-54.) O craniologista Paul Broca (1864) define o tipo como o conjunto de características recorrentes mais importantes que sobredeterminam a gama quantitativamente variável de raças segundo o critério classificatório adotado, permitindo organizá-las em número menor.
português, de origem celta. Ao entrecruzamento desses tipos se soma a diversidade
geográfica, resultando em uma fissura ou antinomia estrutural do Brasil, ao Norte e
ao Sul, o sertão e o litoral, onde teriam ocorrido duas mestiçagens, duas gêneses,
distintas. Ao Sul, surge o mulato, a partir de um processo de mestiçagem que começa
em Portugal e cresce no Brasil, em torno do escravo negro e do trabalho escravo,
caracterizado por uma mistura excessiva, suscetível ao exterior, e um processo de
degenerescência. No interior, ao Norte, ao contrário, ter-se-ia formado um padrão
étnico estável, à medida que se cristalizou ali uma separação do resto do Brasil, que
permitiu a sedimentação de um tipo uniforme.
O jagunço atual é o descendente do bandeirante aventureiro, paulista que
colonizara o Norte, misturando-se ao ameríndio autóctone. A mestiçagem que se dera
no sertão insularizado propiciava a “conservação do autóctone” aborígene,
amalgamado a módicas partes de raças negras e brancas, de forma a que o compósito
se estabilizasse. Todo o contrário do litoral, onde os “elementos estranhos”, pela
imigração e pela guerra, redundara em um cruzamento instável, o mestiço histérico,
i.e., o mulato.
Euclides sublinha exaustivamente o caráter autárquico do latifúndio sertanejo
(“A custo toleravam-se a intervenção da própria metrópole”), dificultando a “entrada
As raças do genus homo pertencem a tipos, padrões mais genéricos cujo caráter ficcional e reconstruído é ressaltado por Broca. “Mas não há nenhuma raça que pode pretender personificar em si mesma o tipo a que pertence. O tipo é fictício; a descrição é ideal, como as formas do Apolo de Belvedere. Os tipos humanos, como todos os outros tipos, são meras abstrações, e à medida que atribuímos mais importância a essa ou àquela característica obtemos um número de tipos mais ou menos considerável” (Broca, Paul. On the Phenomena of Hybridity in the Genus Homo, p. 8). A noção de tipo social aparece no romance realista e será elemento importante em sua pretensão sociológica no século XIX: “Um tipo [...] é um personagem que resume nele mesmo os traços característicos de todos aqueles que se assemelham mais ou menos a ele, ele é o modelo do gênero.” (Balzac, Honoré de. Prefácio de Um caso tenebroso [1841; 1843].) No Prefácio à Comédia humana (1842), Balzac explicita a analogia fundadora entre espécies animais e tipos sociais: “Não transforma a sociedade o homem, segundo os meios em que se desenvolve sua ação, em outros tantos indivíduos diferentes, à semelhança das variedades em zoologia? As diferenças entre um soldado, um operário, um administrador, um advogado, um desocupado, um sábio, um homem de Estado, um comerciante, um marujo, um poeta, um mendigo, um padre são conquanto mais difíceis de apreender, tão consideráveis como as que há entre o lobo, o leão, o asno, o corvo, o tubarão, o lobo-marinho, a ovelha etc. Existiram pois, e existirão sempre, espécies sociais como há espécies zoológicas” (Balzac, Honoré de. “Prefácio à Comédia humana, p. 667.) A noção de tipo penal é atribuída ao jurista alemão, Ernst von Beling (1906). Na definição de Welzel: “tipo penal é a descrição concreta da conduta proibida”. “Quem realiza um tipo penal, quer dizer, quem se comporta da maneira descrita pela matéria da norma—por exemplo, “dana dolorosamente a saúde de outro”--, obra sempre de forma contrária à norma”. (Roxin, Claus. Teoria del tipo penal, p. 4).39Cunha, Euclides da. Os sertões, p. 175.
de novos povoadores”, “fora do influxo de outros elementos”, “divorciados”, “um
país diverso”40. A insularidade fora estatuída por lei: a carta régia de 7 de fevereiro
de 1701 fixava o isolamento da população sertaneja para evitar o escoamento para as
cobiçadas lavras das capitanias do sul, as minas de S. Paulo. O que se decantara,
portanto, ali, fora um híbrido racial em que preponderava o “sangue tapuia”. A
topologia do sertão e seus habitantes é um espaço insular:
Ora, toda essa população perdida num recanto dos sertões lá permaneceu até agora, reproduzindo-se livre de elementos estranhos, como que insulada, e realizando, por isso mesmo, a máxima intensidade do cruzamento uniforme capaz de justificar o aparecimento de um tipo de mestiço bem definido, completo41.
O afastamento do núcleo progressista e político do Brasil, resultado de um
abandono em larga escala de três séculos, produz no entanto uma originalidade e uma
força notáveis, e sobretudo a unformidade de um tipo étnico constituído. Estaríamos
ali muito próximos da sedimentação de uma raça autenticamente brasileira.
De sorte que, hoje, quem atravessa aqueles lugares observa uma uniformidade notável entre os que os povoam: feições e estaturas variando ligeiramente em torno de um modelo único, dando a impressão de um tipo antropológico invariável, logo ao primeiro lance de vistas distinto do mestiço proteiforme do litoral. Porque enquanto esse patenteia todos os cambiantes da cor e se erige ainda indefinido, segundo o predomínio variável dos seus agentes formadores, o homem do sertão parece feito por um molde único, revelando quase os mesmos caracteres físicos, a mesma tez, variando brevemente do mamaluco bronzeado ao cafuz trigueiro; cabelo corredio e duro ou levemente ondeado; a mesma envergadura atlética, e os mesmos caracteres morais traduzindo-se nas mesmas superstições, nos mesmos vícios, e nas mesmas virtudes.
A uniformidade, sob estes vários aspectos, é impressionadora. O sertanejo do Norte é, inegavelmente, o tipo de uma subcategoria étnica já constituída42.
Na caracterização do tipo misturam-se elementos étnicos (o curiboca, por
oposição ao mulato), geográficos (o sertanejo), históricos (a colonização do interior),
culturais (o vaqueiro), e cultural-políticos (o jagunço). A isomorfia entre os
caracteres físicos e morais está a serviço da constatação de um mesmo molde ou
modelo. A gênese do jagunço que resistira de maneira tão impressionante às forças
40 Ibidem, p. 196.41 Ibidem, p. 195.42 Ibidem, p. 199.
do governo, demonstrando, ao final, a sua superioridade moral diante dos invasores
do Sul, consiste na descrição do processo da sedimentação desse molde. Sua
superioridade se explicaria por uma mistura menor do que a que define as populações
do Sul, de que eram compostas as forças do governo.
Eis o centro da provocação verdadeiramente subversiva do texto de Euclides:
os derrotados pelas forças do governo, “aquela rude sociedade, incompreendida e
olvidada, era o cerne vigoroso da nossa nacionalidade”, “a rocha viva da nossa
raça”43. O abandono social resultara ser em parte benéfico: o jagunço evitara a
civilização, libertara-se do esforço penoso de adaptação aberrante transmitida pelos
“meios mais adiantados”. Ponto em que se inverte a lógica do darwinismo social do
discípulo de Gumplowicz: a “luta das raças”, que terminara com o aniquilamemento
dos jagunços, consumara a vitória de uma civilização corrompida, adaptativa, em
tudo inferior à raça que dizimara. A guerra consagrara a vitória do superior
tecnicamente, mas inferior em todos os outros sentidos. Sobretudo, liquidara com o
cerne do Brasil, de algo como o homo brasileirus, em benefício de uma identidade
externa e superficial, importada. Os capítulos finais de “A luta” narram o processo
dessa inversão: o soldado covarde compraz-se na execução vingativa e fria do
jagunço derrotado, degolando-o. A vítima sai disso enobrecida, e o algoz mostra toda
a extensão de sua barbárie. Em sua deposição, Euclides emite o veredito: “Apesar de
três séculos de atraso os sertanejos não lhes levavam a palma no estadear idênticas
barbaridades”44.
A deposição em juízo no tribunal da história conclama à justiça, a
incorporação do Brasil ao Brasil:
Sejamos justos—há alguma coisa de grande e solene nessa coragem estóica e incoercível, no heroísmo soberano e forte dos nosso rudes patrícios transviados e cada vez mais acredito que a mais bela vitória, a conquista real consistirá no incorporá-los, amanhã, em breve, definitivamente, à nossa existência política45.
A “ablegação” topológica do jagunço, sua separação e abandono históricos,
plasmando um tipo “imune de estranhas mesclas”, inteiriço e robusto46, se reverte em
vantagem. O feito teórico não é pequeno e precisa ser entendido em toda a sua
dimensão inovadora. O jornalista contratado pelo jornal O Estado de S. Paulo para 43 Ibidem, p. 190 e p. 766.44 Ibidem, p. 727.45 Cunha, Euclides da. Diário de uma expedição, p. 209.46 Cunha, Euclides da. Os sertões, p. 204.
fazer a cobertura do que antevia ser uma “página vibrante de abnegação e heroísmo”,
“um fato proeminente na nossa história militar”47, a vitória das forças avançadas
republicanas diante de um bando de representantes do atraso monarquista, se vê
forçado a denunciar a imoralidade da campanha do governo, e o genocídio que tivera
por objeto nada mais nada menos do que um tipo antropológico, o jagunço-sertanejo,
que se aproxima o mais possível do tipo brasileiro. O paradigma colonial-darwnista
social, como narrativa apologética da vitória da civilização mais apta, sobre uma raça
inferior e destinada a desaparecer, é justaposto ao protesto e denúncia da profunda
inferioridade dos vencedores. Euclides, de dentro do paradigma racialista que o
formou e que nutre o seu livro, inverte assim o veredito racista da inferioridade da
mestiçagem, ao propor, ao contrário, e contra todas as expectativas, a superioridade
do mestiço sertanejo sobre o civilizado.
É essa inversão que aparecerá atualizada na antropofagia de Mário e Oswald
de Andrade, e em Casa grande & senzala (1933) de Gilberto Freyre. Em cada caso,
trata-se de valorizar como característica brasileira o que era antes desprezado como
subproduto rebaixado da cultura do colonizado. Na antropofagia transforma-se o
índice mesmo da barbárie ameríndia, como argumento justificatório para a empresa
colonial e missionária, relido pelo dado etnográfico, em uma estratégia nacional de
confronto com a cultura ocidental. No caso de Gilberto Freyre a proposição toca mais
uma vez o tema racial: a organização insular do engenho de açúcar, por oposição à
porosidade litorânea diagnosticada em Sobrados e mucambos (1936), serve para
localizar a singularidade brasileira naquilo mesmo que o evolucionismo cultural
geneticista e a eugenia do século XIX haviam circunscrito como a causa mesma do
atraso brasileiro: a miscigenação, valorizando-a, ao invés, e fazendo dela a força
maior e a originalidade brasileira.
Salvo engano, é ainda essa mesma inversão que fará Ferréz utilizar-se de um
termo de conotação preconceituosa e negativa, “marginal”, para designar o
movimento que formara. Conforme explica em fala citada por Érica Peçanha: “Eu
sempre fui chamado de marginal pela polícia e quis fazer como o pessoal do hip hop
que se apropriou de termos que ninguém queria usar.[...] Eu fiz como os rappers, que
para se defenderem da sociedade, aceitam e usam os termos ‘preto’ e ‘favelado’ como
motivos de orgulho.48” Em cada caso, uma fórmula colonial ou racista, um estereótipo
criminal ou policial é ressignificado. Ocorre uma apropriação indébita, e a 47 Cunha, Euclides da. Diário de uma expedição, p. 59.
desqualificação ou acusação vira motivo de orgulho. Com a diferença de que aqui é o
próprio sujeito “autêntico”, uma categoria criada pela antropologia, da experiência da
exclusão, que se apropria da objeção contra si mesmo, enunciando o seu próprio nome
como objeto e fazendo-se por esse gesto sujeito. O estereótipo objetivante adquire
assim potência subjetivadora: o sujeito se autodenomina, invertendo o preconceito
que o rebaixara. O marginal não é mais alegoria do Brasil, e sim máquina de guerra
contra o Brasil que o marginalizara, e diagnóstico do modo brasileiro de marginalizar.
Em cada caso, assistimos a reviravoltas da tipologia, no trânsito entre a sua
racialização, a sua transformação em tipo social, inversão de sentido e apropriação
libertadora do tipo, no sentido inclusive penal do termo. Já Oliveira Vianna ressaltara
a importância dos tipos sociais como potência criativa do “povo-massa”, na formação
de um sistema cultural, costumeiro de motivações e atitudes, não subordinadas aos
padrões ideais e teóricos do direito-lei escrito49.
A hipótese de que Grande sertão: veredas seria uma reescrita expansiva e
metafísica de Os sertões é bastante aceita na crítica brasileira. Mas é certamente Willi
Bolle o crítico que mais longamente vem se debruçando sobre a questão, detalhando a
hipótese da reescrita.50 Resumindo muito o argumento de grandesertão.br, a causa da
campanha de Canudos teria sido a falta de diálogo entre as forças republicanas e os
moradores do arraial. A obra de Guimarães Rosa viria como antídoto a essa falta de
conversa, fazendo do dialogismo a estrutura de seu livro, ao encenar uma enunciação
sertaneja, por meio de uma fala em primeira pessoa a um interlocutor silencioso,
implícito, trazido pelo narrador por uma função fática que o presentifica. A fala-rio
inverte literalmente a estrutura de Os sertões: aqui quem é silenciado é o interlocutor
citadino, enquanto que o que fora silenciado em Os sertões, que podia ser entreouvido
aqui e ali filtrado pela narração de Euclides, assume a integralidade da enunciação.
Significativo, nesse sentido, é observar as anotações de Euclides da fala e de
expressões de prisioneiros sertanejos em suas reportagens, escritas em Canudos, em
24 e 26 de setembro de 1897. Euclides cita em discurso indireto a fala do sertanejo,
um “ente sinistro”, com o olho esquerdo transformado em uma “chaga hedionda, de
onde goteja sangue enegrecido”, ferido por um “estilhaço de granada”:
48 Fala de Ferréz na Mostra Artística do Fórum Cultural Mundial, realizado no Sesc Consolação de São Paulo em 30/06/2004. Citada em Nascimento, Érica Peçanha do. “Literatura Marginal”: os escritores da periferia entram em cena, p. 16.49 Oliveira Vianna. Instituições políticas brasileiras, vol. 1, p. 180-181.50 Bolle, Willi. grandesertão.br, p. 27.
--Está apenas há um mês em Belo Monte e nada tem com a luta; nunca deu um tiro porque tem coração mole etc. Nada revela51.
A transposição em terceira pessoa do discurso indireto deixa transparecer, no
entanto, em itálico o registro direto da fala do sertanejo. O topônimo, e um localismo,
“coração mole”. Prisioneiro, o jagunço é evasivo, torce as respostas, recusa-se a
responder ao interrogatório e dar a informação solicitada. Sua fala mantém intacto
algo de um segredo. À resistência bélica ao cerco se segue uma última resistência
informacional a ser processado e absorvido. O itálico traz a marca específica uma
presença entranhada na paráfrase do jornalista. Adiante, vem a fala da filha de uma
mulher “esquelética e esquálida—repugnante”:
--Vila-Nova esta noite lascou o pé no caminho e há um lote de dias que um despotismo de gente tem abancado para o Cumbe e Caipã.52
No dia 26 de setembro, Euclides registra o diálogo inteiro de uma prisioneira
com o general. Destaca-lhe a estratégia de fugir “vitoriosamente ao interrogatório
mais habilmente feito”, pontuando quando necessário e quando é forçada a dizer algo
com um bordão: “e eu sei?”53.
O que faz Guimarães Rosa é escrever o romance inteiro na perspectiva dessa
fala estranhada extraída pelo jornalista improvisado do sertanejo, convertendo o
itálico tipográfico do discurso direto da reportagem de Euclides em um monólogo
dialógico enunciado pelo próprio sertanejo. Significativo desta inversão é o fato de
que o capítulo que parece interessar mais a Rosa da obra de Euclides é justamente
aquele que trata da cultura vaqueira, com título, “Servidão inconsciente; vida
primitiva”. Como observa Willi Bolle, no exame do exemplar de Os sertões de
Guimarães Rosa, 7 das 59 anotações de Rosa se referem a esse capítulo54. Elementos
característicos da cultura do boi são vistos aqui a partir do diagnóstico de uma
“servidão”, de uma “abnegação” ou submissão do vaqueiro ao dono das fazendas que
cuida, de que o fazendeiro é frequentemente inteiramente ausente55. Todo o contrário
do que definirá o ethos dos jagunços de Rosa, inteiramente livres da submissão ao
trabalho. É essa liberdade que constitui, mais uma vez, a regra que pauta a
51 Cunha, Euclides da. Diário de uma expedição, p. 183.52 Ibidem, idem.53 Ibidem, p. 189.54 Bolle, Willi. “Guimarães Rosa leitor de Euclides da Cunha”, p. 18.55 Cunha, Euclides da. Os sertões, p. 218.
transcendência da figura com relação ao documento e o tipo histórico-social,
conforme ressaltara Antonio Candido em seus dois ensaios sobre a questão, como
vimos. “Guimarães Rosa supera e refina o documento”, em seu livro, o
“comportamento do jagunço parece como um modo de existência, como forma de ser
no mundo, enxarcando a realidade social de preocupações metafísicas56.”
O jagunço metafísico ou, conforme a fórmula de Walnice Galvão, o “jagunço
letrado”, Riobaldo, é a figura da contradição que está no centro de Grande sertão:
veredas, que parece enfeixar em si mesmo a antinomia estrutural do Brasil,
diagnosticada por Euclides. Ela aparece agora em primeiro plano na divisão entre
cultura oral e escrita, na fala sertaneja em estilo direto, inscrita pela convenção
editorial do travessão no início do romance, de que lemos a versão escrita. É essa
antinomia, transformada em estrutura, que monta o arcabouço sublime do romance: a
saga épica, como desenho dual, dialético, que tem no binômio Diadorim-diabo (“o
Diabo na rua, no meio do redemunho”), a sua matriz dúplice; a divisão teológica entre
Deus o Diabo, com a afirmação dubitativa da existência deste último, isto é, da
própria divisão57, o pacto fáustico com ele; a ambigüidade de gênero de Diadorim-
Reinaldo, a “donzela cavaleira”. O feixo emblemático do romance, o duelo entre
Diadorim e o pactário, Hermógenes, resume todas as linhas de sua anfibologia
estrutural. A indecisão entre amor e amizade de Riobaldo e Diadorim, homem e
mulher, amor e morte, anjo e demônio, bem e mal, resolve-se com a anulação trágica
da ambivalência, sem resolvê-la, derrapando em uma imobilidade sem transcendência,
a modo de um moto contínuo repetitivo, que o simulacro do diálogo a um só
transforma em tecido narrativo.
Esta matriz não escapou aos primeiros críticos do romance. Antônio Candido
ressaltou o “princípio geral da reversibilidade”58, e o fato de que a ambigüidade
estrutural de gênero (de Diadorim, mulher-homem), metafísica (entre Deus e o
Diabo), de estilo (popular-erudito, arcaico-moderno, claro-obscuro, artificial-
espontâneo) desenha um deslizamento entre pólos ou fusão de opostos. Manuel
Cavalcanti Proença discerne no romance a estrutura de três planos superpostos: o
plano subjetivo (o drama metafísico do antagonismo entre Deus e Diabo); o coletivo
56 Candido, Antonio. “Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa”, p. 151.57 O prefixo grego dia- significa, “ao dividir”, e em seguida, “ao atravessar”. O vocábulo latino cristão, diabolus, “demônio”, deriva do verbo gregp diaballein, “lançar entre, inserir”, e figurativamente, “desunir, separar”.58 Candido, Antônio. “O homem dos avessos”, p. 124.
(o substrato da literatura popular, e o fundo do romance de cavalaria); e o mítico-
natural (em que os elementos da natureza se tornam personagens).59 Em cada um
destes planos temos a disseminação de uma operação mimética generalizada seja pela
alternância entre Deus e o Diabo, a analogia com o romance de cavalaria e a
prosopopéia da natureza. Walnice Nogueira Galvão identifica, como vimos, a matriz
ambivalente do narrador como “jagunço letrado”, e o padrão do “inútil utilizável”, em
um exercício privado da violência, como pano de fundo da narrativa, povoada de
homens “disponíveis”, “sem caráter”, uma variação do Macunaíma de Mário de
Andrade em outra chave, dependentes da vontade dos outros, destituídos de
autonomia, e correspondendo a uma tipologia brasileira. Mais recentemente, José
Antônio Pasta Júnior lê o romance como anti-romance de formação, vendo nele algo
como uma “formação supressiva”, em que o “sujeito se forma suprimindo-se, isto é,
[...] se constitui passando no seu outro, é propriamente uma criatura do limite, que se
constitui precisamente no limite, entre o mesmo e o outro”60. Interessante observar a
antinomia entre as fórmulas de Antônio Cândido e José Antônio Pasta Júnior.
Enquanto o primeiro descreve o deslizamento ou fusão entre pólos, entre o ser e o não
ser, sugerindo uma “integração do ser” (uma “ontologia peculiar do jagunço”)61, o
segundo situa o centro do romance na “contradição insolúvel”, como programa
negativo, isto é, do não-ser, que para ele singulariza o Brasil. Duas ontologias que
parecem se encontrar entre a afirmação e a negação no eixo antinômico que ambas
nomeiam.
Cada uma dessas leituras enfatiza no romance de Rosa uma operação de
generalização da figura: uma ontologia afirmativa ou negativa, uma superposição de
mimeses, uma tipologia social-histórica. O “banditismo coletivo” é destilado aqui
inicialmente em um código moral: Zé Bebelo, ponto de entrada de Riobaldo no
jaguncismo, introduzira nele o “sistema de não-matar”62. A primeira guerra, travada
entre os bandos de Zé Bebelo e Joca Ramiro, é uma guerra jagunça visando à extinção
do jaguncismo, que se conclui com a derrota de Zé Bebelo, e o seu julgamento, como
forma republicana, não-jagunça, de resolução da guerra. A segunda é a guerra da
vingança contra os assassinos do chefe sublime, Joca Ramiro, Ricardão e
59 Proença, M. Cavalcanti. “Trilhas no Grande Sertão”, p. 162-163.60 Pasta Júnior, José Antônio. “O romance de Rosa—temas do Grande sertão e do Brasil, p. 68-69.61 Candido, Antonio. “Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa, p. 156.62 Rosa, João Guimarães. Grande sertão : veredas, p. 184.
Hermógenes, seus segundos que o matam à traição. Conclui-se o romance com a
contraposição entre duas versões da violência jagunça, uma violência justa ou
justificada, que no entanto pouco se distancia da violência diabólica de Hermógenes,
contra a qual luta. A segunda guerra é travada entre bandos liderados por dois
pactários que mal se distinguem: Riobaldo-Urutu Branco, pactário que faz o mal para
realizar o bem, e Hermógenes, que sagrara o pacto demoníaco com “sangue certo” de
homem justo63, pactário do mal.
Antonio Candido fala sobre como o romance se estrutura em torno das duas
margens do rio São Francisco: a margem direita e a margem esquerda. A margem
direita é nítida, comporta as relações direitas de chefia (Joca Ramiro, Zé Bebelo) e de
amizade (com Diadorim); a margem esquerda comporta uma topografia fugidia,
esquiva, povoada de fatos estranhos, desencontrados, imaginários; é a margem da dor
e da vingança, das tentações obscuras, do pacto com o diabo, do campo de batalha do
Tamanduá-tão, do liso do Sussuarão, do arraial do Paredão64. Mas é preciso lembrar
que foi Rosa quem acrescentou a essas duas margens, uma terceira, “A terceira
margem do rio”, a margem metafísica, a margem sem margem, como linha marginal
no interior do rio, que converte a estranheza familiar da herança problemática do filho
em drama ontológico.
Com Rosa, o jagunço se converte de tipo em figura ontológica. Não temos
mais a denúncia do massacre do tipo, de que a literatura deveria fazer o luto, em nome
do progresso necessário, como em Os sertões, mas a figuração ambivalente de uma lei
jagunça enunciada ficcionalmente pelo próprio jagunço convertido em pequeno
fazendeiro pacificado, no “range rede”65. Se o tipo fora o modo com que a literatura se
apropriara da realidade social, nomeando-lhe o potencial de resistência e subversão,
sua ontologização figural acrescenta uma nova dobra à topologia da margem: a de um
Brasil capaz de colocar em seu centro a margem, e de pensar a si mesmo a partir dela.
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63 Ibidem, p. 581.64 Candido, Antonio. “O homem dos avessos”, p. 114-115.65 Rosa, João Guimarães. Grande sertão: veredas, p. 6.
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