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8/6/2019 Alegoria da Caverna - Plato
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ALEGORIA DA CAVERNA1
PLATO. Repblica, VII
- Depois disto - prossegui eu - imagine a nossa
natureza, relativamente educao ou sua falta, de
acordo com a seguinte experincia. Suponhamos uns
homens numa habitao subterrnea em forma de
caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se
estende a todo o comprimento dessa gruta. Esto ldentro desde a infncia, algemados de pernas e
percoos, de tal maneira que s lhes dado
permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; so
incapazes de voltar a cabea, por causa dos grilhes;
serve-lhes de iluminao um fogo que queima ao
longe, numa eminncia, por detrs deles; entre a
fogueira e os prisioneiros h um caminho ascendente,
ao longo do qual se construiu um pequeno muro,
semelhante aos tapumes que os homens dos teatros
de bonecos colocam diante do pblico, para
mostrarem suas habilidades por cima deles.
- Estou vendo - disse ele.
- Imagine tambm, ao longo deste muro, homens
que transportam toda a espcie de objetos, que o
1 PLATO. A Repblica, Livro VII, 514a-521b. Lisboa: Ed. Fundao CalousteGulbenkian, 1990. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira, adaptada lnguanacional.
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ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de
pedra e de madeira, de toda a espcie de labor; como
natural, dos que o transportam, uns falam, outros
seguem calados.- Estranho quadro e estranhos prisioneiros so
esses de que voc fala - observou ele.
- Semelhantes a ns - continuei -. Em primeiro
lugar, voc pensa que, nestas condies, eles tenham
visto, de si mesmos e dos outros, algo mais que as
sombras projetadas pelo fogo na parede oposta dacaverna?
- Como no - respondeu ele -, se so forados a
manter a cabea imvel toda a vida?
- E os objetos transportados? No se passa o
mesmo com eles?
- Sem dvida.
- Ento, se eles fossem capazes de conversar uns
com os outros, no lhe parece que eles julgariam estar
nomeando objetos reais, quando designavam o que
viam?
- foroso.
- E se a priso tivesse tambm um eco na parede
do fundo? Quando um dos transeuntes falasse, no lhe
parece que eles no julgariam outra coisa, seno que
era a voz da sombra que passava?
- Por Zeus, que sim!
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- De qualquer modo - afirmei - pessoas nessas
condies no pensavam que a realidade fosse seno a
sombra dos objetos.
- absolutamente foroso - disse ele.- Considere, pois - continuei -, o que aconteceria
se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua
ignorncia, a ver se, regressados sua natureza, as
coisas se passavam deste modo. Logo que algum
soltasse um deles, e o forasse a endireitar-se de
repente, a voltar o pescoo, a andar e a olhar para aluz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o
deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas
sombras via outrora. O que voc julga que ele diria, se
algum lhe afirmasse que at ento ele s vira coisas
vs, ao passo que agora estava mais perto da
realidade e via de verdade, voltado para objetos mais
reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses
objetos que passavam, o forassem com perguntas a
dizer o que era? No lhe parece que ele se veria em
dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora
eram mais reais do que os que agora lhe mostravam?
- Muito mais - afirmou.
- Portanto, se algum o forasse a olhar para a
prpria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para
buscar refgio junto dos objetos para os quais podia
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olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais
ntidos do que os que lhe mostravam?
- Seria assim - disse ele.
- E se o arrancassem dali fora e o fizessemsubir o caminho rude e ngreme, e no o deixassem
fugir antes de o arrastarem at a luz do Sol, no seria
natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim
arrastado, e, depois de chegar luz, com os olhos
deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo
que agora dizemos serem os verdadeiros objetos?- No poderia, de fato, pelo menos de repente.
- Precisaria habituar-se, julgo eu, se quisesse ver o
mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais
facilmente para as sombras, depois disso, para as
imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas
na gua e, por ltimo, para os prprios objetos. A
partir de ento, seria capaz de contemplar o que h no
cu, e o prprio cu, durante a noite, olhando para a
luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que se
fosse o Sol e o seu brilho de dia.
- Pois no!
- Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar
para o Sol e de o contemplar, no j a sua imagem
na gua ou em qualquer stio, mas a ele mesmo, no seu
lugar.
- Necessariamente.
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- Depois j compreenderia, acerca do Sol, que
ele que causa as estaes e os anos e que tudo dirige
no mundo visvel, e que o responsvel por tudo
aquilo de que eles viam uma imitao.- evidente que depois chegaria a essas
concluses.
- E ento? Quando ele se lembrasse da sua
primitiva habitao, e do saber que l possua, dos
seus companheiros de priso desse tempo, no cr que
ele se regozijaria com a mudana e deploraria osoutros?
- Com certeza.
- E as honras e elogios, se alguns tinham ento
entre si, ou prmios para o que distinguisse com mais
agudeza os objetos que passavam, e se lembrasse
melhor quais os que costumavam passar em primeiro
lugar e quais em ltimo, ou os que seguiam juntos, e
quele que dentre eles fosse mais hbil em predizer o
que ia acontecer - parece-lhe que ele teria saudades ou
inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou
que experimentaria os mesmos sentimentos que em
Homero, e seria seu intenso desejo servir junto de um
homem pobre, como servo da gleba2, e antes sofrer
tudo do que regressar quelas iluses e sofrer daquele
modo?
2 HOMERO. Odissia XI. 489-490. N.T.
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- Suponho que seria assim - respondeu - que ele
sofreria tudo, de preferncia a viver daquela maneira.
- Imagine ainda o seguinte - prossegui eu -. Se um
homem nessas condies descesse de novo para o seuantigo posto, no teria os olhos cheios de trevas, ao
regressar subitamente da luz do Sol?
- Com certeza.
- E se lhe fosse necessrio julgar sobre aquelas
sombras, em competio com os que tinham estado
sempre prisioneiros, no perodo em que ainda estavaofuscado, antes de adaptar a vista - e o tempo de se
habituar no seria pouco - acaso no causaria o riso, e
no diriam dele que, por ter subido ao mundo superior,
estragara a vista, e que no valia a pena tentar a
ascenso? E a quem tentasse solt-los e conduzi-los, se
pudessem agarr-lo e mat-lo, no o matariam?
- Matariam, sem dvida - confirmou ele.
- Meu caro Glucon, este quadro - prossegui eu -
deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos
anteriormente, comparando o mundo visvel aos olhos
caverna da priso, e a luz da fogueira que l existia
fora do Sol. Quanto subida ao mundo superior e
viso do que l se encontra, se a tomar como a
ascenso da alma ao mundo inteligvel, no iludir a
minha expectativa, j que seu desejo conhec-la. O
Deus sabe se ela verdadeira. Pois, segundo entendo,
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no limite do cognoscvel que se avista, a custo, a
idia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que
ela para todos a causa de quanto h de justo e belo;
que, no mundo visvel, foi ela que criou a luz, da qual senhora; e que, no mundo inteligvel, ela a senhora
da verdade e da inteligncia, e que preciso v-la para
se ser sensato na vida particular e pblica.
- Concordo tambm, at onde sou capaz de seguir
a sua imagem.
- Continuemos, pois - disse eu -. Concorda aindacomigo, sem admirar-se com fato de os que
ascenderam quele ponto no quererem tratar dos
assuntos dos homens, antes se esforarem sempre por
manter a sua alma nas alturas. natural que seja
assim, de acordo com a imagem que delineamos.
- natural - confirmou ele.
- Ora pois! Entenda que ser caso para admirar,
se quem descer destas coisas divinas s humanas fizer
gestos disparatados e parecer muito ridculo, porque
est ofuscado e ainda no se habituou suficientemente
s trevas ambientes, e foi forado a contender, em
tribunais ou noutros lugares, acerca das sombras do
justo ou das imagens das sombras, e a disputar sobre o
assunto, sobre o que supe ser a prpria justia quem
jamais a viu?
- No nada de causar surpresa.
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- Mas quem fosse inteligente - redargi -
lembrar-se-ia de que as perturbaes visuais so
duplas, e por dupla causa, da passagem da luz
sombra e da sombra luz. Se compreendesse que omesmo se passa com a alma, quando visse alguma
perturbada e incapaz de ver, no riria sem razo, mas
reparava se ela no estaria antes ofuscada por falta de
hbito, por vir de uma vida mais luminosa, ou se, por
vir de uma maior ignorncia a uma luz mais brilhante,
no estaria deslumbrada por reflexos demasiadamenterefulgentes; primeira, voc deveria felicitar pelas
suas condies e pelo seu gnero de vida; da segunda,
ter compaixo e, se quisesse troar dela, seria menos
risvel essa zombaria do que se se aplicasse quela que
descia do mundo luminoso.
- Falas com exatido - afirmou.
- Temos ento - continuei eu - de pensar o seguinte
sobre esta matria, se verdade o que dissemos: a
educao no o que alguns apregoam que ela .
Dizem eles que arranjam a introduzir cincia numa
alma em que ela no existe, como se introduzissem a
vista em olhos cegos.
- Dizem, realmente.
- A presente discusso indica a existncia dessa
faculdade na alma e de um rgo pelo qual aprende;
como um olho que no fosse possvel voltar das trevas
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para a luz, seno juntamente com o corpo, do mesmo
modo esse rgo deve ser desviado, juntamente com a
alma toda, das coisas que se alteram, at ser capaz de
suportar a contemplao do Ser e da parte maisbrilhante do Ser. A isso chamamos o Bem. Ou no?
- Chamamos.
- A educao seria, por conseguinte, a arte desse
desejo, a maneira mais fcil e mais eficaz de fazer dar
a volta a esse rgo, no a de o fazer obter a viso,
pois j a tem, mas, uma vez que ele no est naposio correta e no olha para onde deve, dar-lhe os
meios para isso.
- Acho que sim.
- Por conseguinte, as outras qualidades chamadas
da alma podem muito bem aproximar-se das do corpo;
com efeito, se no existiram previamente, podem criar-
se depois pelo hbito e pela prtica. Mas a faculdade
de pensar , ao que parece, de um carter mais divino
do que tudo o mais; nunca perde a fora e, conforme a
volta que lhe derem, pode tornar-se vantajosa e til,
ou intil e prejudicial. Ou voc ainda no percebeu
como a deplorvel alma dos chamados perversos, mas
que na verdade so espertos, tem um olhar penetrante
e distingue claramente os objetos para os quais se
volta, uma vez que no tem uma vista fraca, mas
forado a estar ao servio do mal, de maneira que,
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quanto mais aguda for a sua viso, maior o mal que
pratica?
- Absolutamente.
- Contudo, se desde a infncia se operasselogo uma alma com tal natureza, cortando essa
espcie de pesos de chumbo, que so da famlia do
mutvel e que, pela sua inclinao para a comida,
gulodices e prazeres similares, voltam a vista da alma
para baixo; se, liberta desses pesos, se voltasse para a
verdade, tambm ela a veria nesses mesmos homens,com a maior clareza, tal como agora v aquilo para que
est voltada.
- natural,
- Ora! No natural, foroso, de acordo com o
que anteriormente dissemos, que nem os que no
receberam educao nem experincia da verdade
jamais sero capazes de administrar satisfatoriamente
a cidade, nem tampouco aqueles a quem se consentiu
que passassem toda a vida a aprender - os primeiros,
porque no tm nenhuma finalidade na sua vida, em
vista da qual devam executar todos os seus atos,
particulares e pblicos; os segundos, porque no
exercero voluntariamente essa atividade, supondo-se
transladados, ainda em vida, para as Ilhas dos Bem-
aventurados3?
- verdade.3Ref. mitologia grega, cf. HESODO. Trabalhos e Dias, 166-173.Cf. N.T.
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- Repara, ainda, Glucon, que no causaremos
prejuzo aos filsofos que tiverem aparecido entre ns,
mas teremos boas razes para lhes apresentar, por os
forarmos a cuidar dos outros e a guard-los. Diremos,pois, que as pessoas da mesma espcie nascidas
noutras cidades natural que no tomem parte nas
suas dificuldades; efetivamente, fizeram-se por si
mesmas, a despeito da respectiva constituio poltica;
e tem razo, quem se formou por si e no deve a
alimentao a ningum, em no ter empenho em pagaro sustento a quem quer que seja. Mas a vs, ns
formvamo-vos, para vosso bem e do resto da cidade,
para serdes como os chefes e os reis dos enxames de
abelhas, depois de vos termos dado uma educao
melhor e mais completa do que a deles, e de vos
tornarmos mais capazes de tomar parte em ambas as
atividades4. Deve, por sua vez, cada um descer
habitao comum dos outros e habituar-se a observar
as trevas. Com efeito, uma vez habituados, sereis mil
vezes melhores do que os que l esto e reconhecereis
cada imagem, o que ela e o que representa, devido a
terdes contemplado a verdade relativa ao belo, ao
justo e ao bom. E assim teremos uma cidade para ns e
para vs, que uma realidade, e no um sonho, como
atualmente acontece na maioria delas, onde combatem
por sombras uns com os outros e disputam o poder,4Entenda-se: a poltica e a Filosofia. N.T.
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como se ele fosse um grande bem. Mas a verdade
esta: na cidade em que os que tm que governar so
os menos empenhados em ter o comando, essa mesma
foroso que seja a melhor e mais pacificamenteadministrada, e naquela em que os que detm o poder
fazem o inverso, suceder o contrrio.
- Absolutamente - confirmou ele.
- Pensas que, ao ouvir isso, os nossos
educandos no ficaro convencidos, e no querero
participar nos trabalhos da cidade, cada um por suavez, embora passem a maior parte do tempo uns com
os outros na regio pura?
- impossvel, porquanto fazemos imposies
justas a pessoas que tambm so justas. Mais do que
tudo, cada um ir para o poder constrangido, ao
contrrio dos governantes atuais de todos os Estados.
- Assim , meu amigo. Se descobrir uma vida
melhor do que governar, para os que devem governar,
pode conseguir um Estado bem administrado. Pois s
nesse mandaro aqueles que so realmente ricos, no
em dinheiro, mas naquilo em que deve abundar quem
feliz - uma vida boa e sensata. Se, porm, os
esfomeados de bens pessoais entram nos negcios
pblicos, pensando que da que devem arrebatar o
seu benefcio, no possvel que seja bem
administrado (...).