Alem Das Formas - Resenha Por Marcos Becari

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Resenha do livro "Alem Das Formas", por Marcos Becari

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Resenha: Alm das Formas

19/09/2010 por Marcos Beccari

filosofiadodesign.com/resenha-alem-das-formas/

[Resenha de Marcos Beccari publicada originalmente no AntiCast. O livro resenhado Alm das formas: introduo ao pensamento contemporneo no design, nas artes e na arquitetura (So Paulo, Annablume, 2010).]Acho que uma das perguntas que muitos estudantes de design adorariam fazer a seus professores : o que, afinal, vem depois do modernismo? Para aqueles que no se contentam apenas com ora, os dias atuais!, recomendo o livroAlm das Formas, que a tese de livre-docncia de Carlos Zibel Costa (FAU-USP, 2008), publicado pela Annablume em 2010.

O livro parte de um esclarecimento sobre operodo contemporneoe segue em direo construo de um conceito decontemporaneidadeenquanto condio cultural (ou seja, mais do que simplesmente um perodo histrico) que, dentre outras coisas, privilegia a produo em design. O foco da discusso concentra-se, pois, na difuso sociocultural de um discurso historicamente intermedirio, isto , localizado entre a modernidade tardia e o perodo contemporneo especialmente a escola conhecida comops-estruturalista.

No primeiro captulo, Para entender a cultura e o perodo contemporneo, o autor discorre sobre uma possvel transio do modernismo para o ps-modernismo, a qual seria marcada por eventos comomaio de 1968e aqueda do muro de Berlim(1989). O segundo captulo, Sobre o ps-estruturalismo, mostra-nos o modo pelo qual a perspectiva francesa da nova crtica, da filosofia dadiferena, dadesconstruoe dagenealogia das ideiastranstornou as bases racionalistas e romnticas do modernismo com as vrias mortes do autor, da histria, da arquitetura, do design, da arte. Tal perspectiva passa a serampliadaou esgarada,como o autor gosta de dizer, no terceiro captulo, Outros conceitos contemporneos de interesse, onde algumas expresses recorrentes na virada do sculo XXI so levantadas e analisadas, tais como complexidade, hibridismo, virtual e sustentabilidade.

Embora possa parecer, a princpio, apenas mais uma discusso ultra erudita e abstrata (neste caso, sim, preguia do leitor), a maior preocupao do autor reside em como o discurso contemporneo influencia nas atividades profissionais do design/arte/arquitetura. Isso fica mais claro no quarto e ltimo captulo, Trs ensaios crticos: a dicotomianovo x original(ou inovao x inveno) retomada como forma de elucidar um denominador comum entre arte, design e arquitetura, ou, desviando-se de questes disciplinares (modernistas?), entre as dimenses da tela (subjtil), do objeto e do projeto. O livro se encerra com a seguinte frase:

Se o pensamento contemporneo fez desaparecer o centro fixo e, portanto, a nfase na geometria, sinnimo de forma, em contrapartida conquistou um desdobro em fluxo, garantindo a emergncia do processo, do jogo. (p. 206)

Agora minhas consideraes crticas. Carlos Zibel Costa conscientementecontraditrio, e por isso bom. O problema disfarar essa contradio simplesmente com o termo complexidade enquanto conceito supostamente central da contemporaneidade. Nada contra, s penso que esse termo est muito desgastado, e que a nfase principal de Zibel no em Edgar Morin e afins, mas na inflexo da alteridade (Lvinas) ou ainda em noes como paralaxe, antinomia, dobra, quiasma e sobretudo evento de Heidegger (que no mencionado em momento algum).

Contemporneo mesmo o fato de a editora Annablume (incrivelmente) conseguir manter a tradio das piores capas da ps-modernidade, parabns! O miolo segue a mesmaps-tendncia: imagens estouradas e legendas aleatrias (mas ok, a diagramao boa).

Zibel conseguiu explicar muito bem, dentro de seus interesses, a concepo desconstrucionista-derridiana da subjetividade que se baseia num processo multiforme de tornar-se / desconstruir-se e que nunca encontra um limite ltimo. Mas parece ter se desviado justamente do sujeito no seria essa falta ou contingncia (de um limite ltimo) a dimenso constitutiva do sujeito contemporneo? Se as informaes e objetos no mais dependem ou se conformam mdia que os vinculam (p. 206), se a realidade que vejo no mais inteira no porque ela me escapa, mas porque ela contm umamancha rizomtica, o que indica a minha incluso nela no seria exatamente esse ponto obscuro? E, seja como for, algum dia no passado isso teria sido diferente? O livro no responde a tais perguntas.

Claro que a ideia do livro no localizar/dissecar os temas tratados, mas articul-los de modo parcial e indito. E consegue fazer isso. Cumpre com a proposta deintroduo(para designers) ao pensamento contemporneo (desconstrucionista), diferenciando-se, s por isso, da grandetralhamodernista/cientificista que h na literatura em design. Em especial, Zibel contorna, atravs de uma nfase mais discursiva do que histrica, aquela velha desculpa de quemodernoeps-modernoso concepes muito distintas entre as disciplinas (filosofia, arte, cincia).

Mas ele no d um passo a mais e no est nem perto de umetngrafo da contemporaneidade, como gostaria Mssimo Canevacci no prefcio do livro. apenas um desconstrucionista exemplar: multiculturalista, hibridista, fluidista, ps-meta-trans-multi-conceitualista, floriculturista, uhhuuull!!!

excelente para quem no aguenta mais Baxter e Lbach e quer aprender conceitos mais contemporneos, ou seja, funciona muito bem comoabertura conceitual o que no significa necessariamente expandir os conceitos, no vocabulrio de Deleuze. Um timo livro de referncias, enfim, sobre a contemporaneidade, que at consegue irAlm das formas, mas no asatravessa.Sobre Marcos BeccariProfessor de Design da UFPR. Doutor em Educao na USP, designer grfico e Mestre em Design pela UFPR. Co-autor do livro Existe design? (2ab, 2013), co-coordenador deste site, colunista na revista abcDesign. Suas pesquisas ancoram-se na filosofia trgica (Nietzsche, Rosset) e na hermenutica simblica (Ricoeur), utilizando elementos da pedagogia da escolha (Rogrio de Almeida) e da histria da visualidade (Crary, Perniola).