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Instituto Politcnico de Portalegre
Escola Superior de Educao de Portalegre
PROMOO DA IGUALDADE DE GNERO
EM CONTEXTO DE EDUCAO PR-ESCOLAR
Relatrio Final Prtica de Ensino Supervisionada
Mestrado em Educao Pr-Escolar
Alexandra Isabel Ferreira Bento
Orientadora: Professora Doutora Amlia de Jesus Marcho
Dezembro de 2011
Instituto Politcnico de Portalegre
Escola Superior de Educao de Portalegre
PROMOO DA IGUALDADE DE GNERO
EM CONTEXTO DE EDUCAO PR-ESCOLAR
Relatrio Final Prtica de Ensino Supervisionada
Apresentado para concluso do Mestrado em Educao Pr-Escolar sob orientao cientfica
da Professora Doutora Amlia de Jesus Marcho
Alexandra Isabel Ferreira Bento
Dezembro de 2011
() aquilo que as crianas necessitam de ateno s suas
necessidades fsicas e psicolgicas, uma relao com algum
em quem confiem, respeito, um ambiente seguro, saudvel e
adequado ao seu nvel de desenvolvimento, oportunidades de
interagir com outras crianas e liberdade para explorar
utilizando todos os seus sentidos
(Portugal, 1998: 208)
II
RESUMO
Apresento, neste Relatrio Final de Prtica e Ensino Supervisionada, a descrio e reflexo
do percurso que vivi num Jardim de Infncia da cidade de Portalegre. Assumi este percurso
como um projecto que enquadra a prtica pedaggica que, ao longo do ano, e em particular do
segundo semestre, fui desenvolvendo. No entanto, e medida que fui apresentando o
relatrio, dei especial relevo s questes de gnero, tendo em vista a promoo da Igualdade
de Gnero.
O desenvolvimento deste projecto de reflexo-ao-reflexo assenta em pilares da
pedagogia participativa da infncia, dando voz s crianas, escutando-as e entendendo-as
como seres com capacidade de participao e de deciso.
Alguns procedimentos, que enquadrei no mbito da metodologia de investigao-aco,
serviram para ir discutindo, analisando, interpretando, tomando decises e encontrando
referentes que me ajudaram a enquadrar a prtica pedaggica desenvolvida. Esses mesmos
procedimentos ajudaram a construir saberes com base em situaes concretas, vivenciadas e
facilitadoras da minha construo como educadora de infncia, quer em termos mais
genricos, quer em termos da igualdade de gnero a promover na educao de infncia.
Palavras-chave: Educao Pr-Escolar, Igualdade de Gnero, Interveno Educativa.
III
ABSTRACT
This Final Report of Supervised Teaching Practice presents the description and reflection
of the path which I follawed in a kindergarten in the city of Portalegre. I took this path as a
project that fits the pedagogical practice that, over the year, and in particular the second
semester, I have been developing. However, as I was presenting the report, I gave special
attention to gender issues, so as to promote Gender Equality.
The development this project reflection-action-reflection is based on the pillars of
childhood participative pedagogy, giving voice to the children, listening to them and
understanding them as beings with the capacity of participating and deciding.
Some procedures that I fit in the investigation-action were used as means to discuss,
analyse, interpret, make decisions and find references which helped to understand the
teaching practice. These same procedures have helped to build knowledge based on specific
situations and experiences, as a way to case my education as pre-school teacher, wether in
more general terms, or in terms of gender equality promoting the education of children.
Key-words: Pre-school Education, Gender Equality, Educational Intervention.
IV
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos que h a fazer so muitos, pois felizmente estou rodeada por um grupo
de pessoas que gostam de mim e que me apoiam bastante.
Em primeiro lugar os meus agradecimentos vo para a Professora Amlia Marcho, tanto
por me ter acompanhado ao longo de todo este trabalho, como pela sua disponibilidade,
sinceridade e amizade. Pessoa, muito importante para a construo do meu perfil enquanto
educadora de infncia, sendo uma grande fonte de inspirao.
s crianas que acompanhei durante este ano, ao meu grupo de crianas. Um grupo
muito simptico, ternurento, amigo e divertido. So umas crianas muito especiais.
educadora titular, por me ter recebido na sua sala e me ter feito sentir vontade na
sala, por sempre incentivar a inovar.
minha parceira e amiga Alexandra Calha, que sempre se mostrou disponvel para mim,
com quem partilhei ideias, desabafos, alegrias e at algumas tristezas. Fomos sem dvida um
bom par.
Tambm um obrigada, a todos os professores e professoras que me acompanharam ao
longo de toda a minha formao, que de um modo geral todos/as deixaram uma marca
positiva, mostrando-se preocupados e disponveis para comigo. E, por este ltimo ano no ter
sido muito fcil, tenho um agradecimento muito especial a fazer a todos os professores e
professoras que me acompanharam durante este ano, e ainda Professora Lusa Panaas e
Lusa Carvalho, que apesar de no terem participado neste processo de forma directa, sempre
tiveram uma palavra amiga e de incentivo.
De seguida, e no menos importante, minha famlia. Em especial, claro, minha me,
ao meu pai e irm. Aos meus pais, porque se hoje cheguei onde cheguei, no teria sido
possvel, se eles no me tivessem apoiado, incentivado, chamado razo e dado toda a
ateno e carinho que sempre necessitei. Um grande OBRIGADA pelos pais que so, gosto
muito de vocs. minha irm, que deve ser a pessoa mais chata que conheo, mas que sem
dvida gosto muito e j no saberia viver sem ela. Sei que na maioria das vezes estamos
sempre em choque, mas tambm sei que gosta muito de mim, e que est contente por eu
estar bem. Obrigada Guidinha!
Tambm, um grande obrigada, s minhas amigas, tanto de Coruche como de Portalegre, e
Rafinha. muito bom ter-vos por perto. No entanto, tenho a destacar a Secret Familly
(Carlota, Joana, Rita e Ana), que esteve sempre comigo durante este ltimo ano, que foi um
ano bastante intenso e por vezes difcil de gerir. Foi um ano sem dvida de muitas partilhas,
V
de brincadeira, de risos, de choros, de trabalho, de descobertas, de entreajuda,
companheirismo, e acima de tudo, de uma grande AMIZADE. Obrigada!
Para finalizar, tenho a agradecer minha turma, que apesar de pouquinhas, fomos
bastante unidas e disponveis para nos auxiliarmos e apoiar. Parabns a todas, tanto s que j
concluram esta etapa, como as que esto quase, quase. Este ano no foi fcil, mas ns
soubemos dar luta.
"O valor das coisas no est no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso, existem momentos inesquecveis, coisas inexplicveis e pessoas incomparveis."
Fernando Pessoa
VI
SIGLAS E ABREVIATURAS
Siglas:
CITE Comisso para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
CNE Comisso Nacional de Educao
DEB Departamento da Educao Bsica
DQP Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias
EB1 Escola Bsica com 1. ciclo
IA Investigao-Aco
MAEPE Metas de Aprendizagem para a Educao Pr-Escolar
NAEYC The National Association for the Education of Young Children
OCEPE Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar
PES Prtica de Ensino Supervisionada
PIS Prtica e Interveno Supervisionada
TEIP II 2. Gerao de Territrios Educativos de Interveno Prioritria
Abreviaturas:
Ed.T. Educadora de infncia titular
Ed.E. Educadora de infncia estagiria
S.d. Sem data
VII
NDICE GERAL
INTRODUO .................................................................................................................................. 9
PARTE I - ENQUADRAMENTO TERICO ...................................................................................... 11
CAPTULO I A Educao Pr-Escolar em Portugal ..................................................................... 12
1. Caracterizao da Educao Pr-Escolar .............................................................................. 12
1.1 Documentos Orientadores da Educao Pr-Escolar .......................................................... 14
1.2 O Currculo na Educao Pr-Escolar ................................................................................. 17
1.2.1 Opes curriculares para a Educao Pr-Escolar ....................................................... 20
CAPTULO II Igualdade de Gnero .............................................................................................. 28
1. A Identidade de Gnero ......................................................................................................... 28
1.1 Estruturas promotoras de desigualdade em funo do gnero............................................. 32
1.2 A Igualdade de Gnero na Educao Pr-Escolar ......................................................... 35
PARTE II - MODO DE ORGANIZAO E REALIZAO DA PRTICA .................................... 40
1. Percurso(s ) e Contexto ............................................................................................................. 41
1.1 Uma metodologia: planear e desenvolver a prtica usando procedimentos de investigao-
aco .......................................................................................................................................... 42
1.1.1 Instrumentos de recolha utilizados e procedimentos seguidos na sua anlise .............. 44
1.2 Estabelecimento educativo onde decorre a aco .............................................................. 51
1.3 Constituio e caracterizao do grupo ................................................................................... 53
2 Aco em Contexto ................................................................................................................... 56
2.1 Reflexo Geral da Prtica e Interveno Supervisionada .................................................... 56
2.2 Reflexo Especifica e no mbito da igualdade de gnero ................................................. 62
2.2.1 Contributos para o desenvolvimento das actividades de igualdade de gnero .......... 63
2.2.2 Concepes, desenvolvimento e reflexo das actividades de igualdade de gnero ... 73
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................ 83
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................... 86
ANEXOS ............................................................................................................................................... 90
Anexo 1 Calendarizao da Prtica de Interveno Supervisionada ...................................... 91
Anexo 2 Ficha de (auto)avaliao .......................................................................................... 93
Anexo 3 Questionrio para as Educadoras de Infncia .......................................................... 97
Anexo 4 Questionrio para Encarregados de Educao ....................................................... 100
Anexo 5 Guio de Entrevista s crianas ............................................................................. 104
Anexo 6 Personagens Ana e Tiago ................................................................................. 106
Anexo 7 Planta da sala G ..................................................................................................... 107
Anexo 8 Fotografias da sala G (vistas) ................................................................................ 108
Anexo 9 Dados das crianas da sala G do Jardim de Infncia dos Assentos ....................... 109
VIII
Anexo 10 Painel com a me e o pai da sala G ................................................................ 110
Anexo 11 Dilemas ................................................................................................................ 111
Anexo 12 Power Point A nossa vida uma animao ..................................................... 112
Anexo 13 Desenhos das crianas sobre as profisses .......................................................... 116
NDICE DE QUADROS
Quadro 1: Sugestes dadas pelo grupo da sala G para a oferta de prendas Ana e ao Tiago. ............. 70
Quadro 2: Actividades desenvolvidas no mbito das questes de gnero ............................................ 75
NDICE DE GRFICOS
Grfico 1: Idades dos Encarregados de Educao titulares de cada criana do grupo da sala G .......... 53
Grfico 2: Habilitaes Acadmicas dos Encarregados de Educao titulares de cada criana do grupo
da sala G ................................................................................................................................................ 54
Grfico 4: Em Portugal existe igualdade de gnero? ............................................................................ 68
Grfico 3: Em Portugal, homens e mulheres tm direitos iguais? ......................................................... 68
Grfico 5: Profisses sugeridas pelas crianas do grupo da sala G ....................................................... 81
NDICE DE IMAGENS
Imagem 1: Vista da Escola Bsica do 1. Ciclo com Jardim de Infncia dos Assentos ........................ 51
Imagem 2: Me a realizar tarefas domsticas ..................................................................................... 70
Imagem 3: Pai a realizar actividades desportivas ............................................................................... 70
Imagem 4: Momentos de elaborao da figura da me. ........................................................................ 76
Imagem 5: Elaborao do poema A me ..................................................................................... 77
9
INTRODUO
Este relatrio evidencia o trabalho realizado ao longo do perodo de Prtica e Interveno
Supervisionada (unidade curricular de Prtica e Ensino Supervisionada) que decorreu num
Jardim de Infncia pblico da cidade de Portalegre, com um grupo de vinte e trs crianas.
Contudo, o trabalho aqui apresentado no pode deixar de se alicerar no percurso que vivi
na unidade curricular de Observao e Cooperao Supervisionada que decorreu no 1.
Semestre e que me permitiu construir conhecimentos muito importantes sobre esse contexto
educativo, sobre as prticas da Educadora titular e sobre o grupo de crianas.
Foi esse conhecimento que me permitiu definir o tema integrador deste relatrio a
Igualdade de Gnero em contexto de Educao Pr-Escolar. Este tema encontra-se associado
rea de formao pessoal e social, rea bastante transversal, em que todas as suas
componentes curriculares devero permitir a promoo de atitudes e valores nas crianas, que
com o tempo lhes permitiro tornar-se cidads e cidados conscientes e solidrias/os,
facilitando a sua capacidade para a resoluo de problemas ao longo da vida.
A escolha deste tema surge atravs do conhecimento que fui obtendo do grupo de crianas.
No mbito da observao desenvolvida no se percepcionou qualquer trabalho pedaggico
que fosse responsivo relativamente s questes de gnero.
Ao pensar-se em questes relativas ao gnero, tem-se a noo que a sua abordagem, na
maioria das vezes, no fcil, o que faz com que esta temtica seja muitas vezes contornada
ou at mesmo esquecida. Esta uma temtica que necessita com alguma urgncia de ser
reflectida, percebendo o quanto as questes de gnero so importantes para todos ns
sociedade e de que forma nos influenciam todos os dias.
E , segundo esta ideia, que surge o projecto de prtica, tendo como objectivo principal a
promoo da igualdade de gnero dentro do grupo de crianas acompanhado.
As crianas foram encaradas como elementos centrais neste projecto; as suas aces e
opinies foram sempre tidas em conta. Ao longo da implementao do projecto tentou-se que
este fosse sempre significativo para todos os elementos do grupo, sendo responsivo, tanto a
nvel de interesses como de necessidades, promovendo-se a valorizao de competncias
individuais, a partilha de experincias e expectativas e o bem-estar e a auto-estima. A criana
() possuidora de uma voz prpria, que dever ser seriamente tida em conta, envolvendo-
a num dilogo democrtico e na tomada de deciso (Oliveira-Formosinho & Arajo, 2008:
16).
10
Partindo do conhecimento do contexto educativo e, em particular, do grupo de crianas e
da prtica da Educadora titular, delinearam-se as estratgias de interveno: colocaram-se
questes de partida e traou-se um plano, tentado encontrar respostas as essas mesmas
questes, ao mesmo tempo que se tentava planear a aco educativa-pedaggica de forma
concreta e integrada.
Reflexo-aco-reflexo foram uma constante ao longo do percurso que tambm foi
encarado e perspectivado num quadro de investigao-aco, pois como salienta Mximo-
Esteves (2008) necessrio que os educadores se assumam como profissionais reflexivos e
crticos, capazes de realizarem uma triangulao praxiolgica entre valores, teorias e
prticas (op.cit: 8) inspirando-se em procedimentos e prticas de investigao-aco.
Assim, a observao constitui a base da construo do conhecimento prtico que foi
emergindo ao longo do percurso vivido e para o qual tambm contriburam o conhecimento
das concepes das crianas (conhecidas atravs da observao, registadas em notas de campo
e atravs da entrevista); o conhecimento das prticas e das concepes da Educadora titular
(conhecidas atravs da observao, notas de campo e questionrio); e o conhecimento das
concepes dos encarregados de Educao (recolhidas atravs de questionrio).
O presente relatrio est organizado em duas partes, sendo a primeira referente ao
enquadramento terico e a segunda ao modo de organizao e realizao da prtica.
Na primeira parte, no enquadramento terico, tentam-se fundamentar as opes prticas
posteriormente desenvolvidas. Esta primeira parte encontra-se dividida em dois captulos,
sendo o primeiro referente Educao Pr-Escolar em Portugal, e o segundo relativo
Igualdade de Gnero.
Na segunda parte deste relatrio, que designei modo de organizao e realizao da
prtica, apresenta-se o Percurso e o Contexto, salientando-se: a justificao das opes
metodolgicas e os instrumentos de recolha utilizados, bem como a caracterizao do
contexto educativo e do grupo de crianas. No segundo ponto, Aco em Contexto, desenvolvi
uma reflexo geral da Prtica e Interveno Supervisionada em que se foca a interveno
desenvolvida nas diferentes reas de contedo das Orientaes Curriculares para a Educao
Pr-Escolar. De seguida, apresenta-se a reflexo especfica e no mbito da Igualdade de
Gnero, onde se consideraram os contributos para o desenvolvimento das actividades de
igualdade de gnero que obtivemos atravs da observao e da escuta das concepes das
crianas, da Educadora e dos Encarregados de Educao.
Termino com a apresentao de algumas consideraes finais, assim como a bibliografia
que serviu de suporte a este trabalho.
PARTE I - ENQUADRAMENTO TERICO
12
CAPTULO I A Educao Pr-Escolar em Portugal
() um bom comeo vale para toda a vida
(ME, 1998: 5)
1. Caracterizao da Educao Pr-Escolar
A Educao Pr-Escolar comea a dar os seus primeiros passos, em Portugal, logo no
sculo XIX, surgindo associada afirmao da classe mdia, que se vai tornando cada vez
mais influente e educada, com novos valores e uma viso diferente da educao da criana e
do cidado. Em simultneo, o pas comea um processo de industrializao, ainda que lento,
acompanhado tambm do movimento das populaes rurais para zonas mais urbanas, () o
que implicou a necessidade e a procura de nveis de educao mais elevados. As mulheres
acedem ao mundo do trabalho, na sua maioria como operrias, com as decorrentes
alteraes da estrutura e do funcionamento da famlia (ME, 2000: 17). No entanto, muitas
dcadas passaram e s no final do sculo XX a Educao Pr-Escolar assume as
caractersticas que hoje conhecemos.
A Educao Pr-escolar actualmente reconhecida, e tal como referido na Lei-Quadro da
Educao Pr-Escolar (Lei n. 5/97) artigo n. 2, como
a primeira etapa da educao bsica no processo de educao ao longo da vida, sendo complementar da aco educativa da famlia, com a qual deve
estabelecer estreita relao, favorecendo a formao e o desenvolvimento
equilibrado da criana, tendo em vista a sua plena insero na sociedade como ser
autnomo, livre e solidrio.
Esta etapa educativa referente a crianas entre os 3 anos e os 6 anos de idade. Na Lei de
Bases do Sistema Educativo (Lei n. 46/86) artigo n. 5, referido que a frequncia relativa
da Educao Pr-Escolar facultativa, sendo encarada, essencialmente, como funo das
famlias. No entanto, e tal como afirmado na Lei-Quadro (Lei n. 5/97) artigo n. 3, cabe
() ao Estado contribuir activamente para a universalizao da oferta da educao pr-
escolar.
A este nvel de educao, e por ser encarada como uma parte da educao bsica, no se
poder deixar de lhe atribuir a caracterstica de universalidade, caracterizando-se por ter uma
oferta generalizada, acessvel e gratuita.
Embora a frequncia no seja obrigatria, a Educao Pr-Escolar poder ser desenvolvida
em diferentes modalidades e instituies, podendo estas ser da responsabilidade do estado, ou
13
no. Estas mesmas modalidades e instituies formam a rede nacional de Educao Pr-
escolar.
As instituies podero ser pblicas ou privadas, sendo todas regidas pedagogicamente
pelo Ministrio da Educao, que em parceria com o Ministrio da Solidariedade e da
Segurana Social tentam expandir a rede Pr-Escolar ao mximo de crianas. Resulta desta
parceria, o estabelecimento de regras e normas organizativas e pedaggicas, assegurando-se
tambm o acompanhamento, inspeco e avaliao das demais instituies.
So princpios gerais orientadores de toda a aco do Estado (ME, 2000: 28):
O princpio da no discriminao; O interesse superior da criana; O direito vida, sobrevivncia e ao desenvolvimento; O respeito pelas opinies das crianas.
A Educao Pr-Escolar tem como objectivos gerais a promoo do desenvolvimento
pessoal e social da criana, fomentando a sua insero em grupos sociais diversos, e
estimulando o seu desenvolvimento global, com base nas suas caractersticas individuais.
Contribui ainda, para a igualdade de oportunidades no acesso escola e para o sucesso das
aprendizagens, sem esquecer tambm, a importncia de se proporcionar ocasies de bem-estar
e de segurana.
Durante esta etapa podero ser identificadas algumas inadaptaes, deficincias ou
precocidades por parte da criana, o que contribuir para que haja uma resposta atempada s
suas necessidades, proporcionando a melhor orientao e encaminhamento.
Para Marcho (2010: 47-48) a Educao Pr-Escolar dever proporcionar s crianas
() experincias positivas para o seu desenvolvimento global, respeitando as suas caractersticas e necessidades individuais, atravs de mltiplas linguagens e
estimulando a sua curiosidade e pensamento crtico. Apoiando as famlias na
educao das crianas, importa proporcionar a cada uma oportunidades para a
construo e desenvolvimento da sua autonomia, da sua socializao e do seu
desenvolvimento intelectual, ao mesmo tempo que importa promover a sua
integrao social e a predisposio para a entrada na primeira etapa escolar, o 1.
ciclo do Ensino Bsico.
Nesse sentido, e como afirmado pelo Ministrio da Educao (2000), a Educao Pr-
Escolar deve favorecer mais do que a preparao para a escolaridade formal, pois deve
constituir uma oportunidade para as crianas desenvolverem atitudes positivas para com o
acto de aprender, e atitudes que permaneam durante toda a vida.
Este nvel educativo da responsabilidade de um/a educador/a de infncia e a sua prtica
obedecer a um ciclo, tal como referido nas Orientaes Curriculares para a Educao Pr-
Escolar (OCEPE): observar, planear, agir, avaliar, comunicar e articular. Estas etapas surgem
14
ligadas, estabelecendo uma relao muito prxima, em que necessrio conhecer muito bem
cada uma das crianas do grupo. A interveno profissional do/a educador/a deve passar por
observar cada criana e o grupo quanto s suas necessidades; planear situaes de
aprendizagem desafiadoras; agir, no sentido de concretizar as suas intenes consoante as
propostas das crianas e situaes imprevistas; avaliar a adequao do processo educativo,
verificando os seus efeitos quanto progresso das aprendizagens; comunicar com os outros
adultos e com os pais; e articular os diferentes nveis de educao, facilitando a transio de
um nvel para o outro.
1.1 Documentos Orientadores da Educao Pr-Escolar
A partir de 1996/97 a Educao Pr-Escolar assume uma nova dimenso na sociedade
portuguesa, dando-se desde ento cada vez mais ateno a esta etapa. atribuda maior
importncia na seleco das pessoas responsveis por este tipo de educao, educadoras e
educadores de infncia, exigindo-lhes formao adequada, e so tambm, concebidos vrios
recursos de apoio tanto para os adultos responsveis pelos grupos de crianas como para as
instituies que as acolhem. So exemplos a Lei-Quadro da Educao Pr-Escolar (Lei
n.5/97), as Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar (OCEPE), o Decreto-Lei
n. 241/2001 em que definido o perfil especfico de desempenho profissional do educador de
infncia e mais recentemente, as Metas de Aprendizagem para a Educao Pr-Escolar
(MAEPE).
No que se refere publicao da Lei n.5/97 de 10 de Fevereiro pode-se afirmar que esta
surge () na sequncia dos princpios definidos na Lei de Bases do Sistema Educativo
(), tal como referido nesta mesma Lei no artigo n. 1, constituindo-se como marco
importante para a Educao Pr-Escolar, com efeitos muito significativos para o Sistema
Educativo Portugus.
Esta Lei veio permitir e facilitar a leitura da Educao Pr-escolar, definindo-se marcos
importantes, nomeadamente, o conceito de Educao Pr-Escolar, quais as caractersticas e
objectivos deste nvel educativo, qual o papel do Estado e das famlias, caracterizao do
estabelecimento educativo de Educao Pr-Escolar e normas organizativas e administrativas
das instituies que desenvolvem este tipo de educao.
No que se refere s OCEPE, estas constituem um documento de referncia, em que
destacada a importncia e a funo da Educao Pr-Escolar, alertando e orientando para o
que dever ser proporcionado s crianas. So um apoio para as prticas pedaggicas das
15
educadoras e dos educadores da rede nacional de Educao Pr-Escolar, destinando-se
organizao da componente educativa.
Estas orientaes no devero ser encaradas como um programa, pois assentam numa
() perspetiva mais centrada em indicaes para o educador do que na previso de
aprendizagens a realizar pelas crianas (ME, 1997b: 13). Distinguem-se tambm de
algumas concepes de currculo, pois so gerais e abrangentes, o que possibilita () o
desenvolvimento contextualizado de diferentes currculos, opes pedaggicas e prticas de
avaliao (Portugal & Laevers, 2010: 9).
As OCEPE tm como principal objectivo contribuir para a melhoria da Educao Pr-
Escolar, para que as crianas que a ela acedem tenham acesso a bons exemplos cvicos e a
uma vida social, emocional e intelectual saudvel. Pretende-se que a Educao Pr-Escolar
esteja ao acesso de todos.
Este documento est organizado em duas partes principais: uma primeira parte referente
aos princpios gerais enunciados na Lei-Quadro da Educao Pr-Escolar e, uma segunda
parte, respeitante Interveno Educativa em que destacada a organizao do ambiente
educativo, as reas de contedo, a continuidade educativa e a intencionalidade educativa.
As reas de contedo apresentadas nas OCEPE so mbitos de saber, com uma
estrutura prpria e com pertinncia scio-cultural, que incluem diferentes tipos de
aprendizagem, no apenas conhecimentos, mas tambm atitudes e saber-fazer (ME, 1997b:
47). So encaradas
() como mais do que reas de actividades que devem partir do nvel de desenvolvimento da criana, da sua actividade espontnea e ldica, permitindo que
a criana se relacione, pense, compreenda, criando, explorando e transformando-se
atravs de aces e oportunidades cada vez mais complexas (Marcho, 2010:
51).
possvel identificar nas OCEPE uma matriz socioconstrutivista, pois h uma tentativa
de relacionar e articular as diferentes reas de contedo, contextualizando e encarando-as
atravs das interaces com os outros, permitindo que a criana construa a sua identidade.
Nesse sentido, vislumbra-se tambm que uma abordagem curricular flexvel e integradora permite uma relao e rentabilizao constante das realidades
envolventes a cada contexto de Educao Pr-escolar, reforando, deste modo, o
desenvolvimento e a aprendizagem atravs da relao e confronto com o quadro
social e cultural e a utilizao das capacidades de expresso e comunicao
(Marcho & Correia, 2010: 4).
16
As reas de contedo que se devem desenvolver ao nvel de um contexto de Educao
Pr-Escolar, de forma globalizante e articulada, so: a rea de Formao Pessoal e Social, a
rea de Expresso e Comunicao e a rea do Conhecimento do Mundo.
Com a aprovao do Decreto-Lei n. 241/2001 definiu-se o perfil especfico do educador
de infncia e do professor do 1. ciclo do ensino bsico e secundrio. a partir deste diploma,
e no que diz respeito s educadoras e educadores de infncia, que dada maior importncia ao
estatuto destes profissionais, passando pela organizao dos cursos de formao inicial, assim
como a certificao que permite a qualificao profissional para a docncia. Os cursos de
formao inicial so concebidos tendo por base normas e referncias estatais. Neste diploma
tambm feita a referncia ao/ educador/a enquanto elemento responsvel pela concepo,
desenvolvimento e integrao do currculo.
O educador, ou a educadora de infncia, responsvel por construir e gerir o currculo,
fazendo-o atravs da planificao de actividades, projectos curriculares, organizao e
avaliao do ambiente educativo. Ao organizar o ambiente educativo, estes profissionais
devem ter em conta o espao e os materiais, enquanto recursos potenciadores de
desenvolvimento curricular, () rentabilizando-os em experincias educativas integradas,
disponibilizando e utilizando materiais diversificados que estimulem as crianas. Nestes
materiais devem inserir-se os ligados aos contextos e s experincias das crianas
(Marcho, 2010: 163).
No que se refere ao documento recentemente publicado pelo Ministrio da Educao, as
Metas de Aprendizagem para a Educao Pr-Escolar, este visa contribuir
() para esclarecer e explicitar as condies favorveis para o sucesso escolar indicadas nas Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar,
facultando um referencial comum que ser til aos educadores de infncia, para
planearem processos, estratgias e modos de progresso de forma a que todas as
crianas possam ter realizado essas aprendizagens antes de entrarem para o 1.
ciclo (ME, 2009).
Este documento no dever ser encarado como um elemento condicionador da prtica
educativa por parte das educadoras e educadores, no sendo por isso motivo para se esgotar
ou limitar oportunidades e experincias de aprendizagem, muito pelo contrrio. Dever ser
encarado como
() um instrumento facilitador de dilogo entre educadores e professores do 1. ciclo, nomeadamente os que recebem o primeiro ano, a quem competir dar
seguimento s aprendizagens realizadas ou se, por qualquer razo, inclusive no
caso das crianas que no tenham beneficiado de educao pr-escolar, as metas
no tiverem sido alcanadas, assegurar que isso acontea (ME, 2009).
17
O principal objectivo das MAEPE contribuir para o sucesso educativo, permitindo e
facilitando a compreenso do que as crianas aprendem e devero saber no final da Educao
Pr-Escolar junto dos adultos que as rodeiam, nomeadamente pais e educadores. Estes adultos
devero estar mais despertos para as aprendizagens, incentivando-as em situaes informais
do dia-a-dia. A no concretizao de algumas metas por parte da criana no dever constituir
um impedimento para o seu ingresso no ensino formal, o 1. ciclo do Ensino Bsico.
A organizao e estrutura das MAEPE tm por base as OCEPE, estando organizadas por
reas de contedo, sendo elas: Formao Pessoal e Social, Expresso e Comunicao,
Linguagem Oral e Abordagem da Escrita, Matemtica, Conhecimento do Mundo e
Tecnologias de Informao e Comunicao.
1.2 O Currculo na Educao Pr-Escolar
O currculo, segundo Marcho, dever ser encarado como ()uma identidade
polissmica, susceptvel de mltiplas interpretaes, que pode incluir apenas a definio
global dos objectivos (), ou incluir tambm os diversos acontecimentos que ocorrem num
determinado contexto educativo, ocorrendo de () forma evolutiva, circunstanciando-o a
um tempo, a um espao, a cenrios cientficos, bem como a ideias de natureza social,
cultural, poltica e econmica (2010: 35).
Em Portugal, ao nvel da Educao Pr-Escolar, as OCEPE, que no podendo ser
encaradas como um currculo, so uma referncia que permite ao/ educador/a desenvolver
um currculo face realidade vivida. Tal acontece atravs da planificao, organizao e
avaliao do ambiente educativo, bem como das actividades e projectos curriculares, que
visam a construo da aprendizagem integrada. O currculo () no pode ser encarado de
uma forma isolada e no pode existir sem uma estrutura de apoio forte e bem desenvolvida,
ou seja, sem o contexto social e institucional no qual ele acontece () de modo a que todas
as crianas, no seu prprio contexto, possam ter acesso ao currculo (Siraj-Blatchford,
2007: 10).
Para organizar e desenvolver um currculo essencial o conhecimento das caractersticas
das crianas com quem se pretende trabalhar, nomeadamente no que idade e aos meios em
que esto inseridas diz respeito, para que se possa proporcionar uma resposta positiva e
adequada face s suas necessidades. Tambm, a postura do/a educador/a no dever passar
por um constante destaque das limitaes da criana relativamente aos seus progressos ao
18
longo das vrias etapas do seu desenvolvimento, mas sim, perceber e aceitar o que a criana
com esta idade sabe e como esse conhecimento est organizado.
Na concepo do currculo, para alm do bom conhecimento que se deve ter do grupo e
de cada criana em particular, tambm indispensvel que se conheam bem as reas de
contedo que devero ser abordadas, recorrendo-se a estratgias de documentao e
avaliao, que fundamentem o currculo e os processos de ensino e aprendizagem.
O currculo no dever ser determinado por normas extensas, mas sim por dar respostas
s necessidades das crianas, focando-se no seu bem-estar e na sua implicao em diferentes
actividades que envolvam vrias reas do desenvolvimento. Dever ser () amplo, apoiado
em prticas desenvolvimental, contextual, e culturalmente adequadas, encorajando as
crianas a escolher e aprender atravs das experincias activas com pessoas, materiais,
acontecimentos, ideias, dando espao s cem linguagens da criana (Portugal & Laevers,
2010: 41).
fundamental que se proporcione um ambiente acolhedor, alegre, seguro e estvel e que,
simultaneamente reflicta a comunidade que envolve a criana. Nesse sentido, Siraj-Blatchford
(2007: 13) salienta que o currculo deve () ser cuidadosamente planeado, de modo a ir ao
encontro das capacidades das crianas. [e] Os educadores tero de se assegurar que o
currculo tem relevncia para as vidas das crianas.
Ao nvel da Educao Pr-Escolar tornou-se essencial estabelecer orientaes e
procedimentos, que contribussem para intencionalizar e organizar as prticas educativas,
contribuindo para a qualidade do que proporcionado s crianas. Assim, Marcho (2010:
50) salienta que o educador/a dever investir e ponderar, nomeadamente:
na organizao do ambiente educativo, assinalando a sua perspectiva sistmica e ecolgica;
na organizao do grupo, do espao e do tempo;
na organizao institucional;
na relao com os pais e outros parceiros educativos.
No esquecendo que as OCEPE tambm no podem ser encaradas como um programa,
antes apoiam a prtica de educadores/as, atravs de indicaes relativas a aprendizagens a
realizar pelas crianas, assume-se que as mesmas tambm se diferenciam de algumas
concepes de currculo, por serem mais gerais e abrangentes, isto , por inclurem a
possibilidade de fundamentar diversas opes educativas e, portanto, vrios currculos
(ME, 1997b: 13).
O/a educador/a enquanto construtor e gestor de currculo tem de conhecer, discutir e
reflectir sobre os objectivos definidos para a Educao Pr-Escolar, incidindo o seu plano de
19
aco sobre a forma como organiza o ambiente educativo, as reas de contedo, a
continuidade educativa e a intencionalidade educativa, devendo ser capaz de adequar todas as
experincias e oportunidades s crianas, tanto individualmente como em grupo, contribuindo
para que estas desenvolvam novas aprendizagens.
As reas de contedo devem fazer parte de um processo dinmico, surgindo de forma:
() interligada, integrada, transversal, contextualizada (na instituio e no meio envolvente, ou comunidade) e afirmando a curiosidade natural da criana bem
como o seu esprito critico e a competncia para aprender a aprender. Este
desenvolvimento e esta aprendizagem fazem-se a partir de contedos e
experincias com valor sociocultural e das relaes com os outros (Marcho,
2010: 51).
A progresso de experincias e oportunidades de aprendizagem dever, ao longo do
tempo, ser cada vez mais adequada e ir de encontro ao conhecimento progressivo que se vai
tendo da criana em especifico e do grupo, em geral, dando-lhes a oportunidade de alcanar
aprendizagens que sozinhas no conseguiriam. Tal processo desenrolar-se- atravs da
promoo de aprendizagens em cooperao e da oferta de vrios processos de aprendizagem,
contribuindo de forma muito significativa para fortalecer a sua auto-estima.
Uma criana com uma boa auto-estima sente-se
() confortvel e actua espontaneamente numa variedade de situaes. Tem uma atitude de abertura em relao ao ambiente envolvente e evidencia paz interior,
bem como vitalidade, retirando prazer das actividades e da companhia dos outros.
Conhece bem as suas emoes e necessidades e lida com elas de forma
construtivista. Adapta-se bem a novas situaes e capaz de lidar com experincias
difceis, sendo os sentimentos negativos expressos de forma adequada (Portugal &
Laevers, 2010: 44).
De um modo geral, a criana sente-se muito bem consigo e desenvolve de forma muito
positiva a sua identidade.
O currculo para a Educao Pr-Escolar dever ser visto como um conjunto de
actividades, podendo estas ser planeadas ou no, sendo estruturadas e suportadas nas OCEPE,
permitindo o desenvolvimento, a aprendizagem e o bem estar da criana. Este conjunto de
experincias () constitui o currculo, englobando princpios essenciais, valores, processos
e prticas que formam a base de tudo o que sucede num determinado contexto educativo
(Portugal & Laevers, 2010: 37).
Ou, como diz Marcho (2010: 55) um projecto
() que se organiza e desenvolve tendo como pano de fundo os intervenientes educador, crianas, as suas experincias e entendimentos sobre as coisas, bem como o universo social e cultural em que vivem. aqui que radicam as
aprendizagens e descobertas que as crianas vo fazendo sobre si, sobre os outros e
sobre o mundo.
20
So as oportunidades para construir competncias (tambm destrezas e habilidades),
nomeadamente: cognitivas, motoras e sociais. Estas competncias sero () construdas
medida que a criana vai descobrindo e afirmando a sua identidade, as suas potencialidades
e, tambm, vai descobrindo os outros e a evidncia da vida em sociedade (Marcho, 2010:
55).
Tambm, na linha da autora citada, Portugal (s.d.: 2), aborda a importncia do currculo
permitir a construo de competncias:
o desenvolvimento de competncias constitui a meta a alcanar pelo currculo. A ideia de competncias , portanto, uma referncia (organizador referencial do
currculo) para o que se deve ensinar e aprender. () finalidade da educao pr-escolar organizar um conjunto de experincias a partir das quais as crianas
aprendem, desenvolvendo competncias pessoais e sociais. Este conjunto de
experincias constitui o currculo, englobando princpios e valores, processos e
prticas.
O desenvolvimento pessoal e social enquanto rea transversal e integradora do processo
educativo encarado como o momento em que a criana () se relaciona consigo prpria,
com os outros e com o mundo, num processo que implica o desenvolvimento de atitudes e
valores, atravessando as reas de expresso e comunicao, e de conhecimento do mundo
(Portugal & Laevers, 2010: 37).
No que se refere famlia, nomeadamente aos pais, e concepo do currculo e
consequentes aprendizagens, a famlia poder ser um grande apoio. Os pais so os primeiros
educadores das crianas e se conseguirmos uma boa parceria (educadores/as - pais)
possibilitar-se-o, certamente, aprendizagens adequadas e slidas s crianas. Os pais
conhecem bem os seus filhos e podero dar informaes e conhecimentos importantes acerca
deles, conversas regulares com os pais ajudam os educadores a estarem melhor informados
acerca das necessidades da criana (Siraj-Blatchford, 2007: 15).
O envolvimento dos pais na educao Pr-Escolar dos seus filhos certamente uma mais-
valia, pois podem ajudar no planeamento do currculo, contribuindo de forma significativa
para o desenvolvimento e alcance de objectivos definidos. Se estes participarem, contribuiro
para a reforma das escolas, () e para o processo de elevao dos padres educativos
nacionais, atravs do seu maior envolvimento na tomada de decises e na gesto das
escolas (Siraj-Blatchford, 2007: 14).
1.2.1 Opes curriculares para a Educao Pr-Escolar
21
Ao conceber e desenvolver o currculo, o/a educador/a poder recorrer a vrios modelos
curriculares. Esta seleco ocorrer consoante as suas convices e o contexto em que est
inserido, podendo inclusive, recorrer a particularidades de vrios modelos.
Entende-se por modelo curricular, e segundo Spodek & Brown (2010:194),
() uma representao ideal de premissas tericas, polticas administrativas e componentes pedaggicas de um contexto que visa obter um determinado
resultado educativo. Assenta em teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, em
noes sobre a melhor maneira de organizar recursos e as oportunidades de
aprendizagem para as crianas, e em pareceres avalizados sobre o que mais
importante e necessrio as crianas saberem.
Tambm Marcho (2011: 1), apoiada em Joyce & Weil (1980), define um modelo
curricular () como um plano estruturado e de configurao do currculo, que permite
orientar o planeamento e a organizao e seleco de materiais de ensino, criando um
ambiente de aprendizagem.
Em Portugal, as opes curriculares mais frequentes so: o Modelo High/Scope, o
Modelo Reggio Emillia, o Movimento da Escola Moderna e Abordagem de Projecto. Estes
modelos baseiam-se numa pedagogia em participao, isto , uma pedagogia que tenta dar
respostas s inmeras situaes da sociedade e da comunidade, tendo por base um processo
interactivo de dilogo e confronto entre crenas e saberes, saberes e prticas, prticas e
crenas, e entre interaces diversas e os contextos envolventes, tendo tambm em conta os
conhecimentos que as crianas e as suas famlias possuem.
A pedagogia em participao foca-se na construo progressiva do conhecimento
atravs da participao, tendo em conta processos educativos e culturas envolventes. Esta
pedagogia centra-se numa () dialogia constante entre a intencionalidade conhecida para o
ato educativo e a sua prossecuo no contexto com os atores, porque estes so pensados
como ativos, competentes e com direito a co-definir o itinerrio do projeto de apropriao da
cultura que chamamos educao (Oliveira-Formosinho, 2007: 18-19).
A relao que estabelecida entre as crenas, os saberes e as prticas construda pelos
seus intervenientes, tendo em conta os seus contextos de vida e os contextos de aco
pedaggica, () a interdependncia entre os atores e os ambientes, faz da pedagogia da
participao um espao complexo, no qual lidar com a ambiguidade, a emergncia e o
imprevisto torna-se critrio do fazer e do pensar (Oliveira-Formosinho, 2007: 19). Para que
ocorra uma efectiva pedagogia de participao necessrio que se seja capaz de escutar,
dialogar e negociar, aceitando que a criana () tem direitos, tem competncias e que, a
22
escuta da sua voz, transforma a aco pedaggica numa actividade partilhada (Marcho &
Correia, 2010: 6).
De seguida apresentar-se-o algumas ideias-chave dos modelos curriculares que designei,
de forma a identificar algumas das suas caractersticas e perceber em que medida que
sustentam uma pedagogia em participao como lhe chama Oliveira-Formosinho (op. cit.).
Assim:
O Modelo High/Scope tem como preocupao principal a construo intelectual da
autonomia da criana e os seus elementos estruturantes so: () o espao, a rotina diria e
as interaces (adulto-criana, criana-criana, e adulto-adulto) numa lgica que coloque a
criana no centro da construo da sua autonomia funcionando, estes elementos, como
factores facilitadores e promotores da mesma (Mesquita-Pires, 2007: 65).
Neste modelo encara-se a criana como o foco principal das prticas educativas. H um
incentivo para que a aprendizagem ocorra atravs da aco, ou seja, do () viver
experincias directas e imediatas e retirar delas significado atravs da reflexo (Hohmann
& Weikart, 2009: 5). Assim, desta forma a criana constri conhecimentos que lhe permitem
dar sentido ao meio em que est inserida.
As crianas,
() agem no seu desejo inato de explorar; colocam questes sobre pessoas, materiais, acontecimentos e ideias que lhes provocam curiosidade e procuram as
respostas; resolvem problemas que interferem com os seus objectivos; e criam novas
estratgias para porem em prtica (Hohmann & Weikart, 2009: 5).
No seguimento do que foi dito, importa referir que o/a educador/a assume a posio de
colaborador/a, partilhando o controlo dos vrios momentos ao longo do dia com as crianas.
A criana, em colaborao com o adulto, () renova o seu empenhamento activo e
individual com a situao ou com o problema, [e] este empenhamento activo e individual da
criana que, no obstante o contributo do adulto, constitui verdadeiramente o motor da
construo do conhecimento (Oliveira-Formosinho et. al., 2007: 71). O papel do educador
baseia-se no () apoiar e guiar as crianas atravs das aventuras e das experincias que
integram a aprendizagem pela aco (Hohmann & Weikart, 2009: 1).
Assim sendo, o/a educador/a ao longo deste processo de aprendizagem dever participar
de forma activa atravs da organizao dos espaos, de rotinas; do estabelecimento de um
clima interpessoal apoiante; do encorajamento de aces intencionais, de resoluo de
problemas e de reflexo verbal por parte das crianas; da interpretao das aces da criana
em termos das experincias-chave do Currculo High/ Scope; e do planeamento de
experincias (Hohmann & Weikart, 2009).
23
Para terminar esta breve descrio deste modelo, resta referir as experincias
consideradas relevantes no Currculo High/ Scope (Hohmann & Weikart, 2009),
nomeadamente ao nvel da representao criativa, da iniciativa e relaes interpessoais, do
movimento, da msica, da classificao, da seriao, do nmero, do espao, e do tempo.
Estas experincias devero ser encaradas como () uma srie de descries de aces
tpicas inerentes ao desenvolvimento social, cognitivo e fsico das crianas (Hohmann &
Weikart, 2009: 32). Estas experincias, consideradas muito importantes ao nvel do
desenvolvimento, devero ser tidas em conta pelo/a educador/a atravs da criao de um
contexto na qual possam ocorrer, assim como depois da ocorrncia destas fazer-se a sua
explorao e reconhecimento, construindo assim o conhecimento. A criao de um meio rico
em experincias-chave e a prestao de apoio adequado, por parte dos adultos, so
elementos crticos na educao de crianas pequenas (Hohmann & Weikart, 2009: 32).
O Modelo Reggio Emillia baseia-se nas relaes, interaces e cooperao, sendo muito
importante que haja um bom ambiente, em que crianas, famlias e educadores se sintam bem.
Neste modelo considera-se que a instituio educativa tem de ser flexvel de forma a
conseguir dar resposta s necessidades, interesses e ideias das crianas, tendo sempre por base
o meio em que esto inseridas e as suas caractersticas.
As crianas so estimuladas para darem ideias, hipteses e concluses sobre as vrias
situaes do seu dia a dia, que depois sero partilhadas e analisadas. Segundo Forman, citado
por Mesquita-Pires (2007: 65-66) as crianas so incentivadas ao longo do seu dia a dia ()
a dialogarem entre si, a compreenderem as perspectivas umas das outras e, a construrem
uma compreenso conjunta sobre um dado tema. H uma valorizao da expresso pela
arte, proporcionando s crianas a oportunidade de comunicarem as suas ideias atravs de
vrias formas de linguagem.
Esta abordagem de Reggio Emillia centra-se, segundo Malaguzzi (1998) citado por Lino
(2007: 108), nas cem linguagens da criana, isto , as crianas () so incentivadas a
explorar a compreenso das suas experincias atravs de diferentes formas de expresso.
As crianas so incentivadas a explorar o meio que as rodeia e a expressarem-se atravs
de vrias formas de linguagem, nomeadamente, por palavras, gestos, debates, movimento,
desenhos, pinturas, construes, esculturas, jogo dramtico, msica entre outros. Estas formas
de expresso permitem s crianas () representar as observaes, as ideias, as memrias,
os sentimentos e os conhecimentos que vo construindo sobre a realidade que as rodeia e,
desta forma, construir e produzir cultura (Lino, 2007: 108).
24
O/a educador/a compreende que as crianas falam porque tm algo para dizer, para
comunicar, () como necessidade bsica de qualquer ser humano, e desenvolvem o que [se]
chamam de Pedagogia da Escuta (Miranda, 2005: 3), ou seja, as intervenes e dilogos so
registados e tornam-se parte importante da documentao dos projectos, relatrios e dirios. A
criana vista () como competente, forte e rica () produtora e no apenas usuria de
cultura (Miranda, 2005: 4). O/a educador/a () o [/a] mediador [/a] dos desejos e das
necessidades das crianas (Miranda, 2005: 4).
O/a educador/a dever criar um contexto educacional de () conforto, confiana,
motivao e na qual a curiosidade, as teorias e a investigao das crianas so escutadas e
legitimadas (Lino, 2007: 109). Assim sendo, o bem-estar e a escuta, a vrios nveis,
assumem-se como marcos importantes neste modelo.
Em Reggio Emillia,
() acredita-se na competncia da criana e na competncia do professor, e o papel da escola e da educao criar condies para que estes protagonistas do
processo educativo tenham oportunidades para desenvolver as suas competncias e
capacidades em plenitude (Lino, 2007: 119).
Relativamente ao Movimento da Escola Moderna, este caracteriza-se por ter prticas
democrticas em que h uma valorizao dos valores democrticos. Segundo Niza (2003),
citado por Mesquita-Pires (2007: 64) h uma valorizao do () desenvolvimento de
aprendizagens atravs de uma interaco scio centrada, radicada na herana scio-cultural
a redescobrir com o apoio dos pares e dos adultos.
Na perspectiva do MEM,
() a criana no pode ser encarada como um ser distante da sua famlia, da sua comunidade ou at do seu pas e do seu tempo, sendo similarmente, parte
integrante de um grupo que inclui outras crianas diferentes de si. Ela activa,
competente, construtora e dinamizadora do seu prprio desenvolvimento
(Marcho, 2010: 126).
Segundo este modelo, a formao de grupos heterogneos um marco importante,
promovendo assim o respeito pelas diferenas individuais em momentos de entreajuda e
colaborao formativas, visando o enriquecimento cognitivo e sociocultural.
Os/as educadores/as so encarados/as como pessoas activas, que provocam
constantemente o conhecimento e desenvolvimento da criana, atravs da organizao dos
processos de ensino e de aprendizagem. Compete-lhe aceitar a criana, ouvi-la, valoriz-la
e ajud-la a integrar um grupo valorizando o individual num contexto colectivo (Marcho,
2010: 127).
25
A aprendizagem vista como uma construo cooperativa, atravs de processos de
comunicao e negociao, em que h partilha e descoberta, estabelecendo-se uma relao de
proximidade com a cultura e a sociedade. Para alm do ncleo educativo pretende-se que a
famlia e a comunidade tambm participem neste processo cooperativo, a fim de partilharem
experincias e tornarem as aprendizagens das crianas significativas, partilhando problemas e
interesses da vida quotidiana.
A instituio educativa dever ser encarada, segundo Niza (2007: 127),
() como um espao de iniciao s prticas de cooperao e de solidariedade de uma vida democrtica. Nela, os educandos devero criar com os
seus educadores as condies materiais, afectivas e sociais para que, em comum,
possam organizar um ambiente institucional capaz de ajudar cada um a apoiar-se
dos conhecimentos, dos processos e dos valores morais e estticos gerados pela
humanidade no seu percurso histrico-cultural.
Relativamente Abordagem de Projecto, esta metodologia tem por base a resoluo de
uma situao problema, em que na procura da soluo para esse problema que as crianas
desenvolvem um processo de aprendizagem, em que trabalham em grupo, planeiam o trabalho
e pesquisam informao autonomamente.
As situaes a trabalhar so muitas vezes baseadas em situaes reais, que na sua maioria
fazem parte das vivencias das crianas, o que desperta nas crianas uma maior motivao para
o trabalho.
Para Chard & Katz (1997:19), () a abordagem de projecto um forma adequada de
estimular e valorizar o desenvolvimento intelectual e social das crianas. A criana tem um
papel activo nas suas aprendizagens, aprendendo atravs desta metodologia a pensar para
resolver situaes-problema, a viver em sociedade e a cooperar. Em todo este processo ()
as crianas so incentivadas a avaliar o seu prprio progresso na aplicao de capacidades,
a controlar a sua actividade e a seleccionar tarefas que elas prprias possam orientar. As
crianas tornam-se especialistas da sua prpria aprendizagem (Chard & Katz, 1997: 27).
Tal como no modelo do MEM, tambm a heterogenia dos grupos bastante valorizada,
acreditando-se que permite de forma diversificada situaes de aprendizagem, tendo para isso
em conta os interesses dos indivduos e dos meios envolventes. Esta aprendizagem ocorre
atravs actividades de investigao, construo e jogo dramtico.
O/a educador/a, visto/a como um/a interveniente importante e activo/a tem de ()
promover o desenvolvimento e a aprendizagem da criana, orientando e mediando o seu
percurso numa perspectiva socioconstrutivista e de resoluo de problemas (Marcho,
2010: 132).
26
A abordagem de projecto, embora no se possa classificar de forma clara como um
modelo curricular, um processo metodolgico que surge na sua grande maioria associado a
outros modelos curriculares, nomeadamente os anteriormente referidos.
A escolha de um ou outro modelo vai depender das convices de cada educador/a e tal
como diz Nabuco (1997), citada por Marcho (2010: 123), () resulta da construo
terica, prtica e reflexiva que cada educador desenvolve, com a conscincia que essa opo
determina a qualidade da prtica pedaggica. neste sentido, que as escolhas devem
() apoiar-se nos referenciais do conhecimento profissional, na singularidade e individualidade com que cada educador constri a sua forma de actuar e de
intervir, atravs da assuno do seu perfil de competncias e da sua sensibilidade
para identificar e conhecer as suas crianas, as suas necessidades, os seus ritmos e as suas habilidades para aprender (Marcho, 2011: 123-124).
Fazendo uma escolha, ainda que a mesma no implique um modelo em exclusivo, a
planificao do educador/a, no se dever basear no improviso. A sua elaborao dever ser
cuidada, tendo em conta as especificidades do grupo em geral e de cada criana em particular.
fundamental que o/a educador/a tenha em conta, no momento de planear, o que as crianas
conhecem e compreendem e que realize uma avaliao contnua de forma a acompanhar o
desenvolvimento das crianas, proporcionando-lhes respostas adequadas.
A planificao baseia-se num conjunto de conhecimentos, ideias e experincias sobre:
() o fenmeno a organizar que actuar como apoio conceptual e de justificao do que se decide, de um propsito, fim ou meta a alcanar que indique a
direco a seguir; de uma previso relacionada com o processo a seguir que se
concretizar numa estratgia de procedimento na qual se incluem os contedos ou
tarefas a realizar, a sequncia das actividades e alguma forma de avaliao ou
concluso do processo (Zabalza, 1987: 51).
A planificao poder ser de longo, mdio e curto prazo, fazendo parte desta ltima as
planificaes semanais e dirias. Enquanto as planificaes de longo e mdio prazo esto
relacionadas com a organizao do currculo, as de curto prazo tm por base a criana de uma
forma muito especfica. A propsito, Siraj-Blatchford (2007: 31) afirma que
o currculo diferencia-se para ir ao encontro das necessidades das crianas que, num dado ano ou perodo, esto num determinado contexto. () Aquilo que ser ensinado j foi determinado nas fases de longo e mdio prazo e agora altura
de tomar decises acerca de como que esses conceitos, capacidades,
conhecimentos e atitudes iro ser apresentados s crianas de forma relevante e
significativa.
Assim sendo, planificar significa intencionalizar e organizar aces que se pretende que
ocorram, tendo em conta a sua aplicabilidade e os objectivos que se pretendem alcanar.
Planificar significa ser capaz de organizar um determinado espao, materiais, pensamentos,
27
situaes, momentos de aprendizagem, e de facilitar tambm, o estabelecimento de relaes,
trocas e comunicaes entre os intervenientes do processo educativo, nomeadamente:
educadores, crianas e famlias.
Em forma de sntese, importa deixar a ideia de que independentemente das opes
educativas que cada educador/a siga e do contexto em que se insere, ele/a ter sempre que
assumir uma postura flexvel, estando disponvel para a reflexo e investigao. A sua
interveno dever basear-se:
() no princpio de que existem mltiplas maneiras de abordar e responder s situaes do quotidiano, nunca perdendo de vista os objectivos fundamentais do seu
trabalho o bem-estar, a segurana e numa forma mais abrangente e educativa, o
desenvolvimento integral da criana bem como a sua aprendizagem (Marcho,
2010: 132).
28
CAPTULO II Igualdade de Gnero
A raa humana tem estado a funcionar com metade da sua energia criativa Paul Johnson citado por Cavalheiro et. al., 2008: 17
1. A Identidade de Gnero
Segundo Louro () as palavras podem significar muitas coisas. Na verdade, elas so
fugidias, instveis, [e] tm mltiplos apelos (2003: 14). Assim sendo, a palavra gnero, e
tendo em conta o campo de abordagem, passa pela () conscincia e aceitao de se ser do
gnero feminino ou masculino (Silva, Arajo, Lus, Rodrigues, Alves & Tavares, 2005: 11).
A definio do termo gnero no bem clara para todos, sendo frequente encontrar quem
a confunda com a palavra sexo. Mas de facto, gnero e sexo no so duas palavras sinnimas.
Estas palavras podem ser encaradas como tendo uma base comum, pelo menos no que se
refere realidade biolgica do ser humano. No entanto () descrevem aspectos diferentes
dessa mesma realidade () (Ferreira, 2002: 75), nomeadamente no que diz respeito a
comportamentos.
Recorremos ao termo sexo quando temos a necessidade de distinguir indivduos com base
na sua pertena a uma das categorias biolgicas (sexo feminino e sexo masculino), e
recorremos ao termo gnero () para descrever inferncias e significaes atribudas aos
indivduos a partir do conhecimento da sua categoria sexual de pertena. Trata-se, neste
caso, da construo de categorias sociais decorrentes das diferenas anatmicas e
fisiolgicas (Cardona, Nogueira, Vieira, Uva, & Tavares, 2010: 12). Assim sendo, o termo
sexo pertence ao domnio da biologia e o termo gnero ao domnio das cincias sociais. Este
ltimo conceito surge associado a uma identidade psicossocial que se define com base em
diferentes comportamentos, atitudes, crenas e valores, determinados por uma determinada
sociedade em funo do sexo dos indivduos.
O gnero uma das primeiras realidades com que a criana se depara e aprende,
influenciando-a de forma significativa no que diz respeito forma como ela encara o seu meio
social, nomeadamente na sua organizao, e tambm, na forma como avalia e considera, a si e
aos outros.
A criana tentar, no seu dia a dia, dar respostas sociais ao que lhe solicitado de acordo
com os modelos, de feminilidade ou masculinidade, com que contacta, reproduzindo-os. E
este no certamente um processo simples, pois () movido por uma complexa
interaco entre os factores individuais e contextuais, neles incluindo a relao com o pai ou
29
a me, os/as amigos/as, os/as educadores/as, professores/as e outras pessoas significativas
(Cardona et. al., 2010: 20).
A criana, desde o seu primeiro dia de vida, e mesmo sem ter qualquer conscincia disso,
est sujeita a um acolhimento social diferenciado em funo do seu gnero e, tal como Angers
(2003: 83) refere, esse acolhimento diferenciado () tem um poderoso efeito (), pois por
meio dele que ela percebe tudo o que deve fazer para se conformar com o gnero masculino
ou feminino.
A identidade de gnero faz parte de um dos aspectos fulcrais da nossa vida, pois
influenciar sempre a forma como cada indivduo observa, experimenta e idealiza o mundo. O
gnero assume-se assim como uma () representao de padres culturais que, como tal,
no so estticos e, no podendo, por isso, ter uma definio definitiva, esto em permanente
mutao (Ferreira, 2002: 79-80).
A criana, com o passar do tempo, aprende as caractersticas culturais da sua sociedade
no que diz respeito ao papel feminino e masculino, noo que se ir desenvolver e solidificar
ao longo do seu crescimento.
No entanto, o que se verifica que os comportamentos adquiridos no que ao gnero
dizem respeito assentam, muitas vezes, em padres inflexveis e persistentes, os esteretipos.
A histria de como as crianas aprendem e vivenciam os papis referentes ao seu
gnero, j algum tempo que est definida pela cultura a que pertencem. Estes papis so
muitas vezes os ditos esteretipos que so atribudos a cada um dos gneros, esteretipos
estes referentes a () um conjunto de crenas ou conceitos rgidos sobre as formas
apropriadas de comportamento dos homens e das mulheres (Silva et. al., 2005: 11).
Tal como nos diz Angers (2003: 89), os esteretipos no passam de () representaes
prontas a usar, por vezes caricaturais, que temos de ns prprios [que] ajudam a forjar a
nossa identidade e tm efeitos nos nossos comportamentos.
Nesse sentido, Ser menino ou menina um aspecto central na construo da
identidade (Silva et. al., 2005: 11), sendo este processo consequncia de interaces de
carcter biolgico, social, cultural e cognitivo. Quando ao longo deste processo, a criana se
identifica como feminino ou masculino, social e culturalmente, est a construir a sua
identidade de gnero, o que resulta numa espcie de () autoconstruo, simultaneamente
singular e colectiva () (Ferreira, 2002: 80).
Em idade Pr-Escolar, a criana adquire comportamentos, sexualmente, tpicos de
meninos e meninas, comportamentos estes que esto de acordo com a sua cultura, e que
estaro na base das respostas que ela ir dar ao meio a que pertence. Em simultneo, vai
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apreender o significado de gnero, isto , os esteretipos que existem no seu meio,
associando-se a um dos gneros, comeando a comportar-se de acordo com solicitaes feitas
ao mesmo.
Com 2 anos, frequente as crianas j terem preferncia por determinados brinquedos em
funo do seu gnero. Esta preferncia muitas vezes justificada pela imitao que a criana
faz dos que lhes esto mais prximos, nomeadamente pais e educadora ou educador de
infncia, e tambm pelo tipo de atitudes que estes manifestam perante ela. Estes adultos, que
muitas vezes no esto despertos para estas questes de gnero, acabam por reforar certos
esteretipos sociais referentes a cada um dos gneros. A criana com esta idade, apesar de
manifestar algumas preferncias em funo do seu gnero, por vezes no tem noo a que
categoria de gnero pertence e nem que a partilha com um dos seus progenitores.
Aos 3 e 4 anos j possui mais conhecimentos sobre o que lhe solicitado em funo do
seu sexo, agindo de acordo com o que lhe requerido. Quando chega aos 5 e 6 anos, a criana
encontra-se num patamar mais maduro no que se refere ao campo cognitivo e j possui um
maior nmero de experincias e convivncias dentro do seu meio. No entanto, e apesar de a
criana j manifestar alguns comportamentos ditos tpicos do seu gnero, s anos mais tarde
que comea a manifestar aquilo que acredita ser caracterstico do seu gnero, em consenso
com os rtulos sociais que o seu meio acolhe.
A criana com esta idade sabe a que gnero pertence e () tm conscincia que homens
e mulheres tm estilos de comportamentos diferentes (Silva & al., 2005: 12). Ao ter noo
da categoria de gnero a que pertence, comea por exemplo, a preferir brincar com crianas
do mesmo sexo, que optam pelas mesmas brincadeiras e brinquedos.
A famlia assume um papel de grande relevo na construo da identidade de gnero da
criana, pois () o primeiro e um dos principais agentes socializadores ao longo da
infncia (Neto, Cid, Peas, Chaleta & Floque, 2000: 23). A criana comea, desde muito
cedo, a interiorizar ideias estereotipadas, fruto do meio social em que est inserida, sendo
muito importante a postura que os familiares mais prximos assumem.
neste sentido que a famlia de pertena de uma criana pode ser considerada o seu
mundo. O () impacto da vida familiar em toda a sua complexidade afecta todos e cada
um dos aspectos do desenvolvimento da criana (Hohmann & Weikart, 2009: 100).
No entanto, no dever ser descurado o facto de que cada famlia uma famlia, e que
todas elas so dotadas de caractersticas individuais. A me e o pai so, de um modo geral, os
principais responsveis pela educao das crianas, educao que esperam que resulte em
mulheres e homens bem sucedidos.
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Durante a construo da identidade de gnero, importante que fique a ideia de que o
gnero uma realidade permanente, apesar das muitas mudanas que ocorrem ao longo da
vida de um indivduo, nomeadamente no que diz respeito idade, ao vesturio e adereos, aos
comportamentos e relacionamentos.
Com o passar dos anos foram surgindo vrias orientaes tericas que justificam o
desenvolvimento/construo da identidade de gnero, nomeadamente: Teoria Psicanaltica,
Teoria da Aprendizagem Social e Teoria do Desenvolvimento Cognitivo.
No que se refere Teoria Psicanaltica, esta d nfase ao relacionamento da criana com
os seus pais e () a criana pretende ser como o pai ou a me, identificando-se com o
progenitor do seu sexo, e desse modo vai adoptar os seus comportamentos, atitudes e
valores (Silva & al., 2005: 13).
Segundo Freud, citado por Rodrigues (2003:19),
() os meninos passam, em torno dos trs aos cinco anos, por um fenmeno no qual eles desenvolvem sentimentos sexuais pelas suas mes. Este chamado de
Complexo de dipo, o qual faz com que sintam inveja do pai e desejem tornar-se
parceiros da me, tanto, que Freud acreditava, de facto, que cada filho queira
secretamente substituir o seu pai,
copiando e adoptando comportamentos e atitudes desta figura.
No seguimento desta ideia, e ainda sobre as concepes de Freud, as meninas passam por
um processo contrrio ao Complexo de dipo nos meninos, pois () no podendo descartar
e substituir a me ao lado do pai, acabam por identificar-se com esta buscando outros
parceiros masculinos que no o pai (Rodrigues, 2003: 20).
Tanto nas meninas como nos meninos, as consequncias deste processo/perodo so as
mesmas, as suas questes interiores so resolvidas da mesma forma, adoptando
comportamentos adequados ao seu gnero e ao cdigo moral dos seus pais de gnero comum.
Relativamente Teoria da Aprendizagem Social, que tem por base a tradio
behaviorista, enfatizado o () papel do reforo e do castigo na adopo de
comportamentos apropriados ao gnero (Silva et. al., 2005: 13).
Nesta perspectiva, a criana adquire comportamentos, atitudes e valores culturalmente
associados ao seu gnero, () atravs do reforo selectivo e da observao de modelos
reais ou simblicos, em particular do mesmo gnero (Neto et. al., 2000: 18).
As crianas recebem padres diferenciais de reforo sobre o gnero, e segundo Rodrigues
(2003: 21) so () expostas a modelos de comportamentos estereotipificados () sendo
assim que () o comportamento e atitudes de gnero tipificadas so adquiridos atravs de
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recompensas sociais, as quais seguem respostas apropriadas ao gnero feitas pela criana ou
por um modelo relevante.
Para finalizar, a Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, () procura descrever a
interaco progressiva entre a criana e o meio, levando em linha de conta as dinmicas do
seu desenvolvimento cognitivo, com especial destaque para a identidade de gnero e
compreenso da sua estabilidade (Neto et. al., 2000: 18).
Segundo esta ideia, quanto maior for o conhecimento que a criana tenha dos esteretipos
de gnero e quanto maior for a conscincia da inalterabilidade do seu gnero, maior ser a
manifestao de padres de comportamentos diferenciados relativamente ao gnero.
1.1 Estruturas promotoras de desigualdade em funo do gnero
O gnero est associado ao domnio da cultura e uma () construo que surge em
funo de valores e crenas que se alteram de sociedade para sociedade, constatando-se a
atribuio de juzos de valor assimtricos e hierarquizados s mulheres e aos homens
(Cavalheiro, Carmo, Rodrigues & Bastos, 2008: 13). Enquanto as diferenas biolgicas de
sexo so resultantes da natureza, e em princpio inalterveis, as desigualdades de gnero
segundo a Comisso para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) so socialmente
construdas, por isso geradoras de comportamentos discriminatrios e s mantidas num
quadro de aceitao social generalizada (Cavalheiro et. al., 2008: 13).
Assim sendo, a desigualdade de gnero no resultante das supostas diferenas, mas sim
da hierarquizao, sendo as actividades masculinas muitas vezes consideradas superiores e
mais apetecveis do que as que so culturalmente atribudas s mulheres.
Como estruturas promotoras de desigualdade de gnero temos por exemplo a linguagem e
os esteretipos.
A linguagem () permite-nos pensar o mundo atravs das palavras. Atravs da
linguagem conseguimos atribuir nomes realidade e compar-la com a percepo dos
outros. Por isso, constitui-se como um instrumento organizador de valores e de relao
(Cavalheiro et. al., 2008: 13).
Como em qualquer construo ou prtica social, a linguagem chega at ns marcada pela
histria e por linhas de poder (hierarquia, posio social), o que para Abranches & Carvalho,
significa existir () uma relao entre linguagem e opresso, linguagem e desvantagem
(Cavalheiro et. al., 2008: 13).
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Assim sendo, no que diz respeito ao que pode ser feito a fim de promover a igualdade de
oportunidades entre gneros, essencial reconhecer que necessrio intervir ao nvel da
linguagem, reflectindo sobre a forma como a utilizamos. Recorremos com muita frequncia a
termos lingusticos que estabelecem e favorecem relaes desiguais e injustas de poder,
nomeadamente entre um homem e uma mulher.
comum ao nvel da linguagem recorrermos a termos no masculino para nos referimos a
um conjunto de elementos do gnero masculino e feminino, apesar de morfologicamente
existir no feminino, no frequente fazer-se esta distino. Outra situao ao nvel da
linguagem por exemplo quando construmos os plurais no masculino s porque um
determinado grupo possui um elemento do gnero masculino, independente de o nmero de
elementos do gnero feminino ser muito superior.
Outro exemplo que reala a supremacia do gnero masculino ao nvel da linguagem
quando nos referimos ao Homem como forma de dizermos a Humanidade, em que os
homens so vistos como a universalidade dos seres humanos.
O uso generalizado, e por vezes abusivo, do masculino j um processo to natural, que
utilizado sem qualquer tipo de reflexo prvia. Segundo Abranches e Carvalho, a mulher/ as
mulheres tornam-se quase invisveis na linguagem; e quando visveis, a sua visibilidade
predominantemente assimtrica (j que se tornam linguisticamente visveis como desvio ou
excepo norma masculina) (Cavalheiro et. al., 2008: 14). Uma mesma palavra ou
expresso pode assumir significados bastante distintos em funo do gnero a que se refere,
atribuindo por vezes uma conotao negativa referente s mulheres, como por exemplo
homem perdido/ mulher perdida.
Quando nos referimos s formas de tratamento, tambm a possvel observar uma certa
discrepncia entre gneros, em que a mulher, de um modo geral, colocada numa posio
social inferior. A mulher v a sua posio social ser muitas vezes influenciada,
nomeadamente, pelo seu estado civil, ou pelo no uso de ttulos acadmicos ou de funes.
Tambm, relativamente linguagem ofensiva e aos insultos so notrias assimetrias,
existindo mais termos insultuosos para as mulheres do que para os homens.
As mulheres, muitas vezes, ignoram estas questes relacionadas com a linguagem,
nomeadamente ao nvel das designaes profissionais, pois uma forma e segundo a CITE,
de () garantir que no seja negativamente afectada a valorizao social que comportam
diminuindo assim o seu prprio valor enquanto pessoas () ultrapassando as barreiras de
gnero (Cavalheiro et. al., 2008: 15).
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Quando nos referimos a algumas profisses apenas no masculino ou no feminino,
estamos a discriminar um dos gneros, e a mostrar a segregao que existe no mercado do
trabalho. O gnero gramatical simboliza a diferena sexual, facilitando a associao mental
com imagens estereotipadas do masculino e do feminino e com valores que associamos a
estes esteretipos (Trigueiros et. al., 1999; citado por Cavalheiro & al., 2008: 15).
Tanto os esteretipos como a segregao profissional so formas de promover a
desigualdade de oportunidades entre gneros, estando ambos intimamente ligados com a
linguagem, funcionando esta como um reforo.
Relativamente ao esteretipo este encarado como uma () imagem interposta entre o
individuo e a realidade, com carcter subjectivo e pessoal, cuja formao assenta no sistema
de valores do individuo (Neto et. al., 2000: 9). uma () generalizao falsa, perigosa e
reveladora de falta de conhecimento, apenas modificvel por uma educao que
consciencialize a pessoa da ausncia de fundamento dos seus juzos (Amncio, 1999; citado
por Neto et. al., 2000: 9).
Canos & Ros (1994) citados por Neto et. al. (2000) sistematizam as diversas abordagens
aos esteretipos em trs grandes vertentes, nomeadamente: a vertente emotiva, a vertente
cognitiva e a vertente social.
No que se refere vertente emotiva, o esteretipo encarado como um processo
perceptivo rgido associado ao preconceito que se baseia em sentimentos favorveis ou
desfavorveis, tendo em conta os contedos dos esteretipos.
Relativamente vertente cognitiva, os indivduos no apreendem a realidade na sua
totalidade e variedade, antes a simplificam perante um processo de seleco de informao.
Considerando o esteretipo como uma estrutura cognitiva que contm o conhecimento, as
crenas e as expectativas de um sujeito acerca de um determinado grupo social, () como
um tipo particular de representao mental que, quando activada, tem fortes implicaes na
percepo social (Sherman, 1999; citado por Neto et. al., 2000: 10).
Por fim, a vertente social contempla a construo de esteretipos no seio das relaes de
grupo. Representam o ideal de comportamentos e aces dos grupos, organizando-os
segundo critrios socialmente valorizados (Sherman, 1999; citado por Cavalheiro et. al.,
2008: 16).
Os esteretipos de gnero so um subtipo de esteretipos sociais. Esto, por isso,
submetidos aos mesmos processos psicossociais que os outros esteretipos, exercendo
influncia numa vasta gama de atitudes e comportamentos individuais e colectivos (Deux &
Lewis,1984; Deux, 1984, 1985, Ruble, 1988, citado por Neto et. al. 2008: 11).
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A criao de esteretipos de gnero pode ser vista a dois nveis: por um lado, a nvel dos
papis de gnero e, por outro, a nvel dos traos de gnero. No que diz respeito ao
primeiro, os esteretipos de papis de gnero, estes esto associados s crenas veiculadas
relativamente s actividades apropriadas a homens e a mulheres, j o segundo nvel,
esteretipos de traos de gnero, esto relacionados com as caractersticas psicolgicas
divergentes que normalmente se associam a cada um dos gneros.
Em sntese, o esteretipo de gnero uma construo scio-cognitiva que associa a cada
categoria sexual atributos, caractersticas e comportamentos prprios.
importante no esquecer que depois de formado um esteretipo este ser muito difcil
de modificar, circulando pelo tempo.
1.2 A Igualdade de Gnero na Educao Pr-Escolar
A educao dever ser inclusiva, e todos ns deveremos trabalhar nesse sentido,
integrando e valorizando a diversidade. A incluso, por vezes, no um processo simples,
pois envolve () diversas esferas da vida pessoal e de ordem institucional. Uma sociedade
inclusiva uma sociedade onde todos partilham plenamente da condio de cidadania e a
todos so oferecidos oportunidades de participao social (Pereira, 2009: 7).
Se pretendemos que nas nossas instituies educativas haja uma pedagogia de igualdade,
temos que comear forosamente por () reconhecer e integrar a igualdade entre os dois
sexos (Silva et. al., 2005: 8). E esta consciencializao ainda se torna mais importante
quando pensamos na criana de tenra idade, pois com o iniciar do conhecimento do mundo
que a rodeia, que ela inicia o seu processo de aprendizagem social, comeando
progressivamente a conviver com diferentes grupos sociais.
A igualdade de gnero assenta no princpio de que se tm que aceitar e valorizar, de
forma igual, as diferenas entre mulheres e homens, assim como os diferentes papeis que
estes tm na sociedade. No significa que no se inclua a diferena, muito pelo contrrio,
() significa ter em conta as prprias diferenas existentes entre mulheres e homens,
relacionadas com as suas respectivas classes sociais, opinies polticas, religies, etnias,
raas ou preferncias sexuais (Comisso para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres,
1999: 15).
A educao para a igualdade de gnero um processo que ocorre ao longo da vida,
comeando em casa e no meio envolvente da criana, em situaes simples do dia-a-dia. Estas
situaes envolvem as relaes interpessoais, de identidade, de escolhas, de justia, do bem e
do mal. A promoo de uma maior igualdade de gnero um elemento fundamental na
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educao para a cidadania e na construo de uma verdadeira democracia (Cardona et. al.,
2010: 59).
A educao dever ser vista como um meio indispensvel de promover a igualdade de
gnero, pois atravs dela que as sociedades transmitem normas, saberes e competncias.
importante que os sistemas educativos, assim como todos os seus elementos (docentes,
estabelecimentos educativos, livros, ), () confiram e/ou deleguem responsabilidades
anlogas aos rapazes e s raparigas, e se preocupem em corrigir os desequilbrios existentes
entre as hierarquias de gnero (Comisso para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres,
1999: 17).
A instituio educativa tem de ser encarada como um factor de mudana e
desenvolvimento, sendo potenciadora de mltiplos recursos e um lugar onde promovida a
solidariedade, a justia, a responsabilidade mtua, a tolerncia, a sabedoria e o conhecimento.
por esse motivo um local de grande importncia para a promoo da educao para a
cidadania tendo uma resposta para todos e todas.
O jardim de infncia promove a formao ao nvel pessoal e social, sendo a este nvel que
comea () a aprendizagem da diversidade e da igualdade de oportunidades, da paridade
entre sexos, da diversidade de culturas, da responsabilidade social de cada pessoa em
promover uma sociedade mais democrtica e integradora (Cardona et. al., 2010: 59).
No dia-a-dia da Educao Pr-Escolar h uma partilha constante e diversificada de poder,
tanto no que diz respeito ao espao e aos objectos, como a situaes e decises, problemas e
solues, conflitos e resolues, bens e restries, entre outros. E so estas situaes de
partilha de poder, que segundo Oliveira-Formosinho (2007: 28) () geram envolvimento
social na aco, no pensamento e no sentimento.
Os momentos de participao e partilha promovem o acesso e o conhecimento de
direitos, sendo um contexto propcio para o desenvolvimento equilibrado da criana entre os
seus direitos e deveres.
E neste sentido, pela importncia que a educao de infncia assume no
desenvolvimento do indivduo, enquanto elemento de uma sociedade, que a concepo do
currculo assume um papel de grande relevo, devendo contribuir de forma bastante
significativa para que a criana desde cedo consiga aceitar e integrar positivamente a
diversidade.
Segundo Louro, citado por Cardona et. al., (2010: 52-53),
as prticas escolares e os currculos no so meros transmissores de representaes sociais que esto a circular nalgum lugar; so instncias que
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carregam e reproduzem representaes. O silncio em torno das novas
identidades sexuais e de gnero constitui-se numa forma de represent-las, na
medida em que as marginaliza e as desligitima.
A interveno educativa, ao nvel Pr-Escolar, dever promover uma atitude de equidade
relativamente ao gnero, sendo muito importantes os contextos de aprendizagem e os modelos
que so proporcionados s crianas. Esta interveno dever ter sempre em conta o contexto
educativo, nomeadamente no que diz respeito ao espao, ao tempo, s actividades, aos papis
sociais atribudos s crianas e aos adultos e ao envolvimento das famlias e da comunidade.
A organizao do ambiente educativo dever ser encarada como o ponto de partida para o
desenvolvimento de prticas educativas de sucesso, devendo estas caracterizar-se por ser
integradoras, sendo possvel estimular, de forma diversificada, a aquisio de novas
aprendizagens.
Ao entrarmos numa sala de actividades e atravs de uma simples observao das paredes,
do mobilirio e da sua distribuio, dos espaos vazios, dos objectos, da decorao e das
pessoas, conseguimos perceber o tipo de actividades que ocorrem, o tipo de comunicaes
que existem entre os diferentes elementos participantes, as relaes com o mundo exterior, e
os interesses das crianas e dos/as educadores/as. O ambiente educativo , de facto, muito
importante, tanto o espao fsico como o ambiente, que repleto de vrios tipos de relaes.
O ambiente pode-se definir segundo Zabalza (1998: 233) como:
() um todo indissocivel de objetos, odores, formas, cores, sons e pessoas que habitam e se relacionam dentro de uma estrutura fsica determinada que contm
tudo e que, ao mesmo tempo, contida por todos esses elementos que pulsam dentro
dele como se tivessem vida. Por isso, dizemos que o ambiente fala, transmite-nos sensaes, evoca recordaes, passa-nos segurana ou