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7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
1/32
o PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO ECONMICO
ALEXANDRE SANTOS
DE
ARAGO
I
-
Introduo. II
-
Panorama do Ordenamento Jurdico Brasileiro. III
- Proporcionalidade dos Mecanismos de Regulao Econmica.
IV
-
Princpios do Direito Econmico derivados do Princpio Geral da Propor
cionalidade. V - Os Aspectos Comissivos da Proporcionalidade. -
Princpio da Proporcionalidade e Supremacia do Interesse Pblico . VII
- A Proporcionalidade e as Relaes e Sujeio Especial. VIII
- s
Agncias Reguladoras como Manifestao do Princpio da Proporcionali
dade. IX
-
Proporcionalidade e Servios Pblicos. X - Proporcionalidade
e os Monoplios Estatais.
Xl -
Proporcionalidade e Atividades Privadas
de Interesse Pblico. XII
-
Proporcionalidade e Atividades Privadas Su
jeitas ao Poder de Polcia. XIII - Concluses.
I -
Introduo
As regulaes estatais da economia so dotadas de grande mutifacetariedade.
O seu dinamismo e a forma com que os mais diversos instrumentos de regulao e
interveno do Estado se sucederam ao longo do tempo, no foi um processo
substitutivo, mas acumulativo.
Em
outras palavras, o surgimento de novos mecanismos regulatrios da econo
mia em cada fase da histria poltico-econmica do Estado no causou o fim dos
intrumentos caractersticos das fases anteriores, com os quais passaram a conviver
e mesmo a se mesclar.
assim que o corporativismo do feudalismo, o patrimonialismo e os privilgios
regalianos do Estado absolutista continuam a existir, naturalmente no com a mesma
Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Professor contratado de Direito Administrativo da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - U.E.R.J. e da Universidade Estcio de S, membro
das Comisses de Direito Administrativo e de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados
Brasileiros - IAB, Mestrando em Direito
Pblico pela UERJ.
R
Dir.
Adm.
Rio de Janeiro, 223: 199-230, jan./mar. 2 1
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
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intensidade, nos dias de hoje. Basta vermos, por exemplo, a autonomia das univer
sidades e das entidades desportivas asseguradas em nossa Constituio Federal (arts.
207 e 217,
I
respectivamente) e as vrias atividades econmicas e bens monopo
lizados pelo Estado (arts. 20, 176 e 177).
O mesmo se diga do poder de polcia, surgido
no
Estado liberal-burgus, mas
que, malgrado
as
grandes mudanas pelas quais vem passando, persiste como
um
dos principais instrumentos de conformao das atividades econmicas privadas ao
interesse pblico.
A concesso de servios pblicos, advinda da necessidade do Estado liberal
burgus regular as atividades econmicas com intensidade superior a que o simples
poder de polcia ento lhe permitia, no apenas subsiste, como tem aumentado a sua
importncia em funo da desestatizao dos servios pblicos. A concesso dos
servios desestatizados fez com que o instituto readquirisse o seu carter inicial, pelo
qual no significa uma real inteno do Estado assumir a atividade como sua, mas
apenas a de regulament-la com maior intensidade.
1
A explorao direta de atividade econmicas pelo Estado, crescente desde o
surgimento do Estado Democrtico de Direito
no
incio
do
sculo XX, apesar de
encontrar-se em declnio, subsiste e muito difcil que, pelos menos em algumas
reas e com algumas flexibilizaes, o Estado se retire totalmente de todas as
atividades econmicas que gere
de
p r se
So as relaes da regulao estatal da economia em suas diversas modalidades
com o Princpio da Proporcionalidade que constituem o objeto do presente ensaio.
Como tm elevado poltico-ideolgico, as diferentes formas de regulao estatal
so altamente variveis em cada Direito Positivo, tanto espacialmente como tempo
ralmente. Isso impe que a anlise a ser realizada, apesar de delas no poder em
absoluto prescindir, tome com cautela os ensinamentos da doutrina estrangeira
e os
conceitos formulados em outras circunstncias jurdicas, polticas e ideolgicas.
1 Expondo o surgimento das concesses como conciliao entre os dogmas liberais no-interven
cionistas e a necessidade do Estado regular com maior intensidade novas atividades (ferrovias, gs,
telefonia, eletricidade, etc.), de complexidade tcnica e de tendncias monopolizadoras at ento
desconhecidas, o Catedrtico da Universidade Autnoma de Madrid, Gaspar Arino Ortiz, afirmou
que a tenso entre a urgncia de satisfazer as novas necessidades pblicas - exigncias de uma
sociedade progressivamente urbana e industrial - e as concepes ideolgicas liberais imperantes,
ser resolvida mediante um mecanismo genial:
a concesso administrativa.
Na concesso, o Estado
encontrar uma frmula que lhe permitir compatibilizar uma e outra postura; de uma parte, se
entender que o Estado titular de tais atividades; o
dominus
dos servios pblicos; de outra, se
entender que o Estado no deve geri-los diretamente e se valer da concesso como frmula-ponte
que o permite dirigir sem gerir. A concesso se configurar assim como uma transferncia de
funes e tarefas cuja titularidade corresponde primariamente ao Estado, atividades que no eram
intrinsecamente pblicas, que no faziam parte das finalidades histricas do Estado, de seus fins
essenciais, mas que acabaram sendo publicizadas
Principios de Derecho Pblico Econmico,
Ed. Comares e Fundacin de Estudios de Regulacin, Granada, 1999, pp. 483/4).
2
Afirmando a importncia e utilidade do emprego do Direito Administrativo comparado, o Mestre
Eduardo Garca de Enterra observa que, apesar de devermos partir do nosso prprio Direito, o
Direito Comparado no constitui disciplina de adorno ,
mas
um considervel instrumento de
200
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Cabe, neste sentido, trazer
baila a advertncia de CARLOS ARI SUNDFELD
de que a Constituio Federal no d uma disciplina acabada para os diversos servios
pblicos e atividades econmicas do Estado, deixando ao Legislador um campo
bastante largo de conformao. Sendo assim, o estudo da matria deve mais ter em
vista a legislao de regncia de cada uma destas atividades do que recorrer-se
acriticamente de lies doutrinrias (umas, velhssimas e desatualizadas; outras,
copiadas sem reflexo de livros estrangeiros, muitas vezes mal-lidos; algumas ditadas
por vinculaes econmicas, partidrias ou pessoais), tentando encaix-las
fora
na realidade, sem o menor respeito ao Direito Positivo vigente .3
Com efeito, se em alguns casos a Constituio pr-determina o instrumento
regulatrio a ser adotado (por exemplo, define no art. 21, X a XII algumas atividades
que devem ser prestadas como servios pblicos), em outros deixa largo espao ao
Legislador para definir mais concretamente o seu perfil e a escolha por esta ou aquela
modalidade regulatria. Em ambos os casos, todavia, o Legislador no tem liberdade
absoluta, devendo se pautar por todas as normas da Constituio, notadamente pelo
Princpio da Proporcionalidade.
Iniciaremos, destarte, com a colocao do panorama constitucional em que 'a
regulao da economia se desenvolve entre ns. Como conseqncia, exploraremos
a maneira com que o Princpio da Proporcionalidade - em seus aspectos negati
vos/omissivos e positivos/comissivos - e os princpios dele oriundos devem inspirar
as escolhas pblicas por esta ou aquela modalidade regulatria e a intensidade com
que cada uma delas deve ser desempenhada. Colocados os balizamentos tericos,
adentraremos em algumas aplicaes do Princpio da Proporcionalidade na seara
econmica.
Panorama do Ordenamento Jurdico Brasileiro
A Constituio Brasileira, como constituio compromissria, no poderia dei
xar de refletir o persistente conflito entre pblico e privado; entre o livre caminhar
da economia e a interveno estatal; entre os interesses individuais e os coletivos.
Tanto assim, que as reformas que sucederam promulgao da Constituio
de 1988 tiveram como um dos seus principais focos justamente o Direito Econmi
co.
4
Vejamos, portanto, como este se encontra balizado constitucionalmente.
formao de um jurista completo e maneira, muitas vezes indispensvel, de ampliao das pers
pectivas do prprio Direito, para enfrentar um determinado problema anlogo a problemas conhe
cidos em outros Direitos, rompendo ciclos de racionalidade ou de apequenamento de solues
disponveis, inrcias doutrinrias ou jurisprudenciais, menosprezos de valores jurdicos substanciais
de consistncia (Prefcio obra a panicipacin Pblica em
l
Procedimiento de Elaboracin
de los Reglamentos el los Estados Unidos de Amrica de Juan Jos Lavilla Rubira, Ed. Civitas,
Madrid, 1991,
p
18
3
A
Regulao de Preos e Tarifas dos Servios de Telecomunicaes
na obra coletiva
Direito
Administrativo Econmico
coordenada pelo prprio Carlos
Ari
Sundfeld, Ed. Malheiros, So Paulo,
2000,
pp. 318.
4 As reformas Constituio de 1988 no chegaram a alterar a classificao das diversas moda-
2 1
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Ao contrrio do que ocorre
em
outros direito positivos, a nossa Constituio
estabelece uma ntida distino entre servio pblic0
5
e atividade econmica. Na
verdade, contudo, no podemos torcer a realidade a ponto de sustentar que os servios
pblicos no sejam atividades econmicas. Os servios pblicos so atividades
econmicas qualificadas
como
tal, qualificao esta que visa a permitir a prestao
direta pelo Estado ou uma forte regulao e ingerncia estatal na atividade
quando
gerida por particulares de legatrios. O servio pblico revela-se, ento,
como uma
das mais intensas formas de interveno do Estado na economia.
desta forma que EROS ROBERTO GRAU considera que a Constituio
brasileira de 1988 subdividiu a atividade econmica lato senslI em servio pblico
e atividade econmica
stricto sensll.
6
Tanto
assim, que o art. 175, que disciplina
a prestao dos servios pblicos pelo prprio Estado ou por concessionrios e
permissionrios privados, est contido no Captulo destinado
aos
princpios gerais
da atividade
econmica .
A Constituio tambm prev no art.
21
a prestao de servios pblicos pela
Unio, mas, desta feita, no apenas diretamente,
por
concesso ou por permisso,
mas tambm mediante autorizao: art. 21, incisos X (postal e correio),
X (teleco
municaes) e XII,
a
a
f '
(servios de radiodifuso sonora e de sons e imagens;
servios e instalaes de energia eltrica e o aproveitamento energtico dos cursos
de gua; a navegao area, aeroespacial e a infra-estrutura aeroporturia; os servios
de transporte ferrovirio e aquavirio; os servios de transporte rodovirio interes
tadual e internacional de passageiros; os portos martimos, fluviais e lacustres) e
XIII (nucleares).7
Estes so os servios expressamente nomeados pela Constituio,
que
tambm
os estabelece implicitamente ao fixar a competncia subsidiria dos Estados-mem
bros no art. 25,
10
(por exemplo, os servios de transporte intermunicipal) e ao
lidades de regulao estatal da economia, atribuindo, contudo, maior relevo a algumas em detrimento
de outras, sem retirar do Texto Maior qualquer uma delas. Em sua maior parte, as reformas
permitiram que determinados servios pblicos, que s podiam ser prestados indiretamente por
empresas da Administrao Indireta. passassem a ser prestados por de legatrios privados.
5
Naturalmente que no esto includas em nosso conceito de servio pblico as funes pblicas
soberanas. indelegveis, como a defesa nacional, a tributao, etc. (Ramn Parada,
Derecho Admi-
nistrativo, I Ed. Marcial Pons, Madrid.
11
ed., 1999, pp, 473/4). Seguindo a melhor doutrina,
nosso conceito tambm no contempla as atividades que no correspondam a uma especfica
prestao aos usurios, como por exemplo, as obras pblicas (Elio Casetta. Manuale di Diritlo
Amministrativo, Ed. Giuffre, Milo, 2000,
p.
605).
6
Eros Roberto Grau, A Ordem Econmica na Constituio de 1988, Ed. Malheiros, So Paulo,
4 ed., 1998. pp. 137/9. Alguns autores utilizam a expresso servios pblicos econmicos ou
industriais para denominar as atividades econmicas stricto sensu exploradas pelo Estado v.g.
Droit Public et ie conomique, PUF. Paris. 1949.
p.
136). Preferimos, no entanto. no fazer uso
destas expresses para no misturar os conceitos de atividade econmica (em sentido estrito)
explorada pelo Estado e os servios pblicos propriamente ditos.
7
Tambm h o art. 25, 2 prev o servio pblico de distribuio de gs canalizado. H tambm
competncia comum para a prestao dos servios pblicos de assistncia social e de educao (art.
23.
II
e 211).
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prever a competncia dos Municpios para prestar os servios pblicos de interesse
local art. 30, V). Questo controvertida, a ser abordada mais adiante, saber se
possvel a criao pelo Legislador de servios pblicos no previstos constitucional
mente.
Os princpios das atividades econmicas fixados no art. 170 devem inspirar a
explorao de todas as atividades econmicas, sejam elas servios pblicos ou
atividades econmicas
stricto sensu.
Em relao atividade econmica
stricto sensu
a Constituio estabelece o
monoplio em favor da Unio arts. 20, 176 e 177) de uma srie de bens e atividades
a eles correlatas, com destaque para os bens minerais, inclusive o petrleo e seus
derivados.
A explorao pelo Estado de outras atividades econmicas
stricto sensu
isto ,
alm daquelas que so objeto de monoplio, permitida apenas em regime de
concorrncia com a iniciativa privada e desde que seja necessria aos imperativos
da segurana nacional ou ao atendimento de relevante interesse coletivo art. 173).
Vige para estas atividades o princpio da liberdade de iniciativa, observadas as
regras de polcia econmica geral que s conforme aos princpios e valores funda
mentais da Repblica Federativa do Brasil arts. 1 e 3) e aos princpios setoriais
da ordem econmica art. 170), exigida, quando for o caso, autorizao prvia para
o seu exerccio art. art. 170, pargrafo nico).
Estes so, em apertada sntese, os dispositivos que regem cada uma das moda
lidades regulatrias que veremos mais adiante: servios pblicos art. 175), ativida
des econmicas monopolizadas arts. 176 e 177), atividades econmicas de interesse
pblico art. 170, pargrafo nico) e atividades econmicas sujeitas ao poder de
polcia art. 170, que, malgrado a sua aplicao a todas as atividades econmicas,
constitui tambm o fundamento da regulao mediante o exerccio do poder de
polcia geral).
A realidade, no entanto, est longe de possuir a aparentemente serenidade que
a letra da Constituio parecer ter, o que impe a apreciao dos valores fundamentais
em jogo, valores e princpios que balizam a sujeio das atividades econmicas s
diferentes modalidades regulatrias e a intensidade com que estas devem ser exer
cidas.
-
Proporcionalidade dos mecanismos de regulao econmica
Nos termos das sempre precisas lies de TRCIO SAMPAIO FERRAZ J
NIOR,
a
ordem econmica autnoma introduz uma acelerao dos processos so
ciais, que no podem ser resolvidos luz de mecanismos de controle como, por
exemplo, os direitos individuais. Estes mecanismos foram concebidos como instru
mentos capazes de regular relaes at certo ponto estveis ou de reduzida velocidade
mutacional. Trata-se de princpios genricos, com conceitos abertos, cujo controle
remetido a princpios ideolgicos que a prxis confirma ou desconfirma. Com isto,
na prtica da ordem econmica, que exige decises rpidas e imediatas, revela-se
relativamente fcil dizer qual o fundamento da interveno, mas extremamente difcil
203
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apontar os casos em que ela no cabe. ( ... )
A mobilidade econmica de hoje est a
reclamar novos mecanismos de invelltil'idade do constitucionalista. Pois, sem eles,
permaneceremos nesta curiosa situao em que
os
verdadeiros limites constitucio-
nais da
inteneno
estatal no domnio econmico so deslocados para a prpria
prxis do Estado, no sentido de que somos obrigados a
rer
como ele age para, ento,
saber
o
que dele se
po e
exigir. g
Para evitar que isto acontea, o que constitui o escopo deste nosso estudo, a
regulao estatal da economia deve refletir a necessria convivncia de princpios
constitucionais
9
que, ora se somam, ora entram em conflito: de um lado, temos os
valores da livre iniciativa (art. 10, IV, CF), a propriedade privada (art. 170, 11, CF)
e a livre concorrncia (art. 170, IV, CF); de outro, temos que procurar realizar a
soberania e o desenvolvimento nacional (art.
10,
I;
30,
e 170, I, CF), a cidadania
(art.
10, 11 ;
a dignidade da pessoa
humana
(art.
10,
I1I, CF); os valores sociais do
trabalho (art. 10. IV, CF); construir uma sociedade livre, justa e solidria (art. 30, I,
CF); erradicar a pobreza e a marginalizao, assim
como
reduzir as desigualdades
sociais e regionais (art. 30, III e 170, VII, CF); promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raa, sexo, cor (art. 30, IV, CF); a funo social
da
proprie
dade (art. 170, m CF); a defesa do consumidor (art. 170,
m
CF); a defesa do
meio
ambiente (art. 170, V, CF) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, CF).
Note-se que, com base nestes princpios constitucionais, j foi diversas vezes
afirmada pelo Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da regulao estatal
de atividades econmicas privadas. Em uma destas decises, o Min. SEPLVEDA
PERTENCE, tratando da constitucionalidade do controle estatal sobre as mensali
dades escolares, afirmou:
Senhor Presidente, temos, ao menos desde 1934, e marcadamente no texto de
88. uma tpica Constituio compromissria, como de resto, si serem quase todas
as Constituies contemporneas. De tal modo que sempre arbitrrio que a afir
mao de um dos valores, de um dos vetores axiolgicos do projeto de sociedade
veiculado pela Constituio, se faa com a abstrao
de
outros valores,
de
outros
vetores axiolgicos ... Cm instrumento constitucional de concretizao desta funo
permanente de ponderao de valores que, em termos absolutos, se contradiriam,
Senhor Presidente, precisamente, na ordem econmica, a competncia do Estado
para intervir como agente normativo e regulador da atividade
econmica .10
A Ementa do acrdo foi assim redigida:
Em face da atual Constituio, para conciliar o fundamento da livre iniciativa
e do princpio da livre concorrncia com os da defesa do consumidor e da reduo
das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justia social, pode
o Estado, por via legislativa, regular a poltica de preos de bens e servios, abusivo
8 Fundamentos e Limites Constitucionais da Interveno do Estado no Domnio Econmico,
RDP,
47-48/270-271. grifamos.
Aludimos a .. princpios
em
seu sentido geral, tal como usado por Ronald Dworkin p. 72 da
obra Los Derechos em Seria, Ed. Ariel, Barcelona, 1999, trad. Marta Guastavino.
10 ADIN n319-DF, RTJ. 149:666/692.
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que o poder econmico que visa o aumento arbitrrio de lucros. Logo, determinada
lei no inconstitucional pelo s fato de dispor sobre critrios de reajuste de
mensalidades das escolas particulares 11
O julgado, como se v, foi calcado exclusivamente em princpios, mas, afinal,
o que so os princpios?
As
normas
so gnero do qual so espcies
as
regras e os princpios. EROS
ROBERTO GRAU,12 sintetizando as lies de DWORKIN, afirma que as regras
jurdicas, no comportando excees, so aplicveis de modo completo ou no, de
modo absoluto, no se passando o mesmo com os princpios; os princpios jurdicos
possuem uma dimenso - a dimenso do peso ou importncia - que no comparece
nas regras jurdicas .
Dentre as vrias definies de princpio jurdico, podemos aludir clssica
formulao de CELSO ANTNIO BANDEIRA DE MELO, que o considera como
o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio funda
mental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o esprito e servindo
de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica
e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido
harmnico
13
As meras regras jurdicas, apesar de genricas e abstratas, dizem respeito a
situaes hipotticas especficas, que, concretizando-se
na
vida prtica, acarretam
determinadas conseqncias jurdicas. Trata-se do conhecido esquema preceito -
sano , pelo qual, ocorrendo o fato previsto na regra, a ele devem suceder os efeitos
jurdicos nela tambm, j de antemo, estabelecidos.
O mecanismo de aplicao dos princpios muito mais complexo do que o
esquema binrio caracterstico das regras. No prevem situaes determinadas e,
muito menos, efeitos jurdicos especficos que delas decorreriam. bvio que
normatizam situaes e que podem acarretar efeitos jurdicos, mas, devido ao seu
carter fluido, suas conseqncias, alm de no poderem ser previamente estabele
cidas, dependem das caractersticas de cada situao e dos demais princpios que
forem pertinentes.
O objetivo dos princpios no estabelecer uma normatizao objetiva e pre
visvel. A sua grande riqueza est exatamente na maleabilidade que propicia em
relao
s
demais normas do ordenamento jurdico e diante das situaes complexas
da vida, insuscetveis de serem resolvidas pela singela aplicao de regras lgico
subsuntivaso
Os princpios no estabelecem que, ocorrendo tal fato, ser aplicada determinada
sano ou concedido certo benefcio. Possuem um papel estruturante da ordem
ADIN n 319-DF, RTJ, 149:666/692.
2
A ordem Econmica na Constituio de 1998
Interpretao
e Crtica
Ed. RT, 2' edio, p
114.
3
Apud
Jos Afonso
da
Silva,
Curso de Direito Constitucional Positivo
Ed. Malheiros,
16'
ed.,
1999, p 95. Para uma ampla exposio dos diversos critrios definidores dos princpios, ver Robert
Alexy,
Teoria de los Derechos Fundamentales
Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, pp.
82 a 87.
205
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jurdica
e da organizao estatal
como
um todo: estabelecem os pensamentos dire
tores do ordenamento das instituies, inclusive do prprio Estado, de
uma
disciplina
legal ou de um instituto jurdico.
4
So os princpios que. pela abstrao
semntica em que
so formulados,
podem
dar liga e unidade ao sistema jurdico.
permeando
todas as demais normas jurdicas,
consubstanciando valioso
elemento
de interpretao e integrao do Direito.
A importncia dos princpios constitucionais ainda maior, vez
que espraiam
a sua fora no apenas na prpria Constituio,
como
tambm.
pela supremacia
desta, em todo o ordenamento jurdico estatal, inquinando de inconstitucionalidade
os atos que os contrariarem.
comum
que mais de um princpio seja aplicvel mesma situao concreta.
O hermeneuta. todavia.
dever
adotar
metodologia
diferente da que emprega quando
diante de (meras) regras contraditrias, em que a aplicao de uma deve necessaria
mente implicar na excluso da outra.
Em
se tratando de conflitos entre princpios,
devem
eles ser ponderados, bus
cando-se, sempre que possvel, alcanar soluo que no exclua
por completo
ne
nhum deles
. . .
Assim,
possvel que
um
princpio seja vlido e pertinente a deter
minado caso concreto, mas
que
suas
conseqncias jurdicas
no sejam deflagradas
naquele caso, ou no o sejam inteiramente,
em
razo da incidncia de outros prin
cpios
tambm
aplicveis.
H
uma
calibragem
entre os princpios, e no a
opo
pela aplicao
de um
deles .
5
N as palavras de
RECASENS
SICHES,16 um dos maiores filsofos
que
a Am-
rica Latina
j
deu cincia do Direito, uma relao jurdica, supe uma situao
participante de mltiplos sentidos ou
conexes
estimativas,
que
so pertinentes ao
Direito. Os elementos
de uma
vinculao social
contm
(positiva ou negativamente)
vrios valores: a justia exige que o direito regule essa situao de maneira tal, que
entre as concretizaes
de
valores contidas
em cada
sujeito se
d
a proporcionalida
d
e
7 que
existe
objetivamente
entre os valores.
Pois bem, retornanr:\o aos princpios e valores
da Ordem Econmica
Constitu
cional,
podemos
facilmente constatar que, no exerccio
da
atividade regulatria
estatal, muitas vezes eles entraro
em
choque.
Podem,
todavia, somar-se, isto , a
livre iniciativa pode, em alguns casos, ser o instrumento mais adequado para pro
mover os valores scio-polticos igualitrios
contemplados
na Constituio.
8
Quanto
melhor, mas no
podemos supor
que isso
sempre
se verifique.
4 Karl Larenz. in
Derecho
Justo - fundamentos de tica jurdica . trad. Luiz Dez-Picazo,
Civitas. 1985. p 14
5 Daniel Sarmento. Os Princpios Constitucionais e a Ponderao de bens, integrante da obra
coletiva
Teoria
dos Direitos Fundamentais , organizada por Ricardo Lobo Torres, Editora Reno
var. 1999. p 52.
h
Los Temas de l Filosofa dei Derecho,
Ed. BOSCH, Barcelona. 1934, pp. 102/3.
17
Para uma configurao da proporcionalidade no como princpio. mas como postulado norma
ti\o. ver o interessante e erudito artigo de Humberto Bergmann vila. A Distino entre Princpios
e Regras c a Redefinio do Dever de Proporcionalidade, ROA. 215/151-179.
206
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
9/32
A experincia histrica demonstra, inclusive atravs da anlise das razes do
dbcle do liberalismo oitocentista, que o Estado deve atuar sobre e na economia
para assegurar valores que no podem ser satisfeitos, e vez por outra, so mesmo
agredidos, pela liberdade dos agentes do mercado.
IY
Quanto a isto, ressalvadas
algumas correntes liberais mais ortodoxas,20 no h divergncias. A questo : qual
deve ser a abrangncia e a intensidade da atuao do Estado sobre e na economia?
A possibilidade de regulao estatal da economia no pode confundir-se com
a entrega aos poderes pblicos de uma faculdade onmoda, que possa ser exercitada
de qualquer modo. A reserva
Lei das regulaes que afetam a liberdade de empresa
e, sobretudo, os limites substanciais que o princpio da igualdade e o de proporcio-
nalidade implicam para o legislador, so o instrumento que permite dotar de
contedo a liberdade
de
empresa
21
Todavia, o Princpio da Proporcionalidade, alm de, como veremos, possuir
aspectos comissivos, no pode servir de biombo para a inrcia da Administrao
Pblica. Da mesma forma que a Administrao no pode deixar de pautar sua
atuao pelo Princpio da Proporcionalidade, tambm no poder ela ir alm das
exigncias deste postulado. A Administrao, portanto, tambm age de forma anti
jurdica quando o Princpio da Proporcionalidade acaba por ser superestimado e a
Administrao, em virtude disso, deixa de tomar medidas necessrias .22
A resposta
questo acima colocada deve, portanto, recorrer ao vetusto, mas
8
A delimitao de fronteiras Estado/sociedade ou, se se quiser. interesse pblicolinteresse
privado, e de todas as que lhe surgem como conseqncia. no exclui, porm, que o conceito de
direito subjectivo, como o de autonomia negociai, surjam no direito moderno como no completa
mente desvinculados da noo de interesse pblico. ( ) Quer isto significar, portanto, que a posio
abstencionista do Estado face aos modos de tutela dos interesses privados operados pelos respectivos
titulares no significa que o interesse pblico seja ignorado: traduz, isso sim, uma dada concepo
do interesse pblico, isto , a de que este coincide com o somatrio dos interesses privados, ou
seja, a de que a sua prossecuo corresponde melhor prossecuo daqueles interesses privados e
a de que esta por definio obtida quando os seus titulares o fazem em liberdade. Mas tambm
quer significar que, concluso de que o interesse pblico no tem a mesma natureza do interesse
privado, isto , a reformulao da concepo do papel do Estado na sociedade, se h-de seguir -
e se pode seguir - uma interveno do Estado na vida jurdica privada (Ana Prata, A Tutela
Constitucional da Autonomia Privada, Ed. Almedina. Coimbra. pp. 18 a 20).
19 .. A Constatao de que o livre exerccio da livre iniciativa econmica privada. ao nvel da
produo, e da autonomia privada, ao nvel da circulao dos bens e servios, no asseguram a
satisfao de todas as necessidades humanas, nem sequer daquele conjunto de necessidades prim
rias e vitais, indispensveis sobrevivncia em termos de garantia de um mnimo de dignidade
humana (Ana Prata, A Tutela Constitucional da Autonomia Privada.
Ed
Almedina, Coimbra, p
38).
2
Por exemplo, Robert Nozick, Anarquia. Estado e Utopia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
1991, trad. Ruy J ungmann.
21
Sebastin Martn-Retortillo Baquer,
Direito Administratil'O Econmico
I
Revista Espafiola de
Derecho Administrativo. voI. 63, grifos nossos.
22 Heinrich Scholler, O Princpio da Proporcionalidade no Direito Constitucional e Admillistrativo
da Alemanha, trad. Ingo Wolfgang Sarlet, Revista Interesse Pblico.
voI
2 p 105.
207
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
10/32
redescoberto. Princpio
da
Proporcionalidade.
23
cuja aplicao dos seus trs elemen
tos
24
ao Direito Econmico
5
pode ser dissecada da seguinte forma:
(a) A restrio liberdade do mercado deve ser apropriada realizao dos
objetivos sociais perquiridos - elemento adequao dos meios aos fins. Ex.: o
tabelamento interno de preos no o meio adequado para controlar o aumento de
preos de produtos encarecidos
em
razo
da
alta
do
valor
da
matria-prima impor
tada.
(b) O Estado deve impor a menor restrio possvel, de forma que. dentre as
vrias medidas aptas a realizar a finalidade pblica, opte pela menos restritiva
liberdade de
mercado
- l m nto
necessidade.
Ex.: se o Estado pode assegurar o
bem-estar da coletividade simplesmente ordenando determinada atividade privada,
no deve titulariz-la como servio pblico, excluindo-a do mbito da iniciativa
privada
6
HEINRICH
SCHOLLER
observa
que as restries liberdade
econmica
de
vem
operar
apenas
em
um
degrau (ou
esfera) ,
passando para a fase seguinte
to-somente
quando uma restrio mais intensa se fizer absolutamente indispens
vel para a consecuo dos fins almejados n
Este o elemento do Princpio da Proporcionalidade que leva
tendncia atual
da Administrao dar preferncia a mecanismos consensuais, indutivos, e, portanto,
menos constritivos, de regulao da economia. O poder de imprio da Administra
o deixou de ser um dos seus principais (seno o nico) dos seus poderes, para
passar a figurar
como
um (e no o mais importante deles) dos aspectos das aes
do Estado .28 Se for possvel alcanar o interesse pblico visado de
maneira
con-
23 Jos Maria Rodrguez de Sampaio observa que a Administrao Pblica deve, ao intervir na
economia, ponderar proporcionalmente. no apenas o interesse privado (genericamente considera
do)
com
o interesse pblico, mas tambm os diversos interesses privados entre si La Ponderacin
de Bienes e Interesses em el Derecho Administrativo, Ed. Marcial Pons, Barcelona, 2000, pp. 31/9).
24
Partimos da exposio de Lus Roberto Barroso acerca do Princpio
da
Proporcionalidade,
constante da obra Interpretao e Aplicao da Constituio, Ed. Saraiva, 1996, p. 209.
25 ..
A aplicaco do princpio de proporcionalidade, que deve presidir toda medida intervencionista,
junto com o de paridade de trato e o da igualdade (visto agora como interdio da arbitrariedade)
obriga sempre a justificar adequadamente toda interveno pblica sobre as libertades dos cidados
no campo econmico (Alberto Alonso Ureba, a empresa pblica. Aspectos jurdico-constitucio
nales y e derecho econmico. Revista Espafiola de Derecho Administrativo, vol. 50).
Tambm
F
Dreyfus afirma que a proporcionalidade das medidas administrativas no domnio econmico uma
garantia para o particular, vez que, ao contrapor o princpio
da
liberdade ao da ordem pblica, reduz
os casos en que o primeiro deve render-se ao segundo La
li en
du commerce et de I industrie,
Revista Espafiola de Derecho Administrativo, vol. 8).
6
No dizer de Vittorio Ottaviano, uma coisa proibir
uma
actividade porque prejudica a utilidade
social. e outra prescrever que s se pode desenvolver uma certa actividade se de tal forma se
prosseguir a utilidade social (apud Ana Prata, A Tutela Constitucional da Autonomia Privada.
Ed. Almedina, Coimbra, p. 204).
n
O
Princpio da Proporcionalidade no Direito Constitucional e Administrativo da Alemanha,
trad. Ingo Wolfgang Sarlet. Revista Interesse Pblico, vol. 2, pp. 102/5.
28 Maria Alessandra Stefanelli. La Tutela deU Utente di Publici Servici, Ed. CEDAM, Padova,
1994, p 04.
208
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
11/32
sensual, os instrumentos coercitivos devero ser descartados por desproporcionais.
Esta assertiva revela-se ainda mais forte quando a regulao vertical no for urgente,
hipteses em que a Administrao Pblica dever tentar alcanar os seus objetivos
consensualmente e,
em
caso de insucesso, a sim, partir para a adoo de instrumentos
coercitivos de regulao da economia (princpio do tria and error das polticas
pblicas).
Nesta perspectiva, se constata que o maior mbito da regulao estatal, atual
mente estendida a quase todos os setores das atividades humanas, legitimou-se por
um afrouxamento, pelo carter menos constritivo dos instrumentos regulatrios,
dando lugar ao que CHARLES-ALBERT MORAND chamou de Direito Pblico
mais extenso, mas menos coativo ,29 ou, nas palavras de DELMAS-MARTY,
esta
fluidez, proporciona ao direito a possibilidade de se estender a domnios que, at
ento, em grande parte lhe escapavam
.30
(c) A restrio imposta ao mercado deve ser equilibradamente compatvel com
o benefcio social visado, isto , mesmo que aquela seja o meio menos gravoso,
deve, tendo em vista a finalidade pblica almejada, valer a pena - proporciona
lidade em sentido estrito. O Estado no pode, por exemplo, qualificar determinada
atividade relativamente suprflua como servio pblico, mesmo que, suponhamos,
esta seja a forma menos gravosa para realizar a finalidade pblica. Os benefcios a
serem obtidos
no
compensariam a restrio que a qualificao como servio
pblico imporia aos particulares interessados em explorar livremente a atividade.
Hoje pouco se discute a respeito da incorporao ao nosso Direito do Princpio
da Proporcionalidade. Discute-se apenas quanto ao seu fundamento: se um princpio
implcito, ou um preceito de direito natural, se integra o cnone do Estado Demo
crtico de Direito (art.
1
caput,
CF). se advm do devido processo legal (art. 5,
LIV, CF) ou se um dos outros direitos constitucionais previstos no
2
do art.
5
da Constituio Federal.
No Direito
Econmico
a discusso no muito importante porque ele
facilmente infervel de diversos dispositivos setoriais especficos (p. ex., art. 170,
Pargrafo nico; art. 173,
caput;
e art. 174,
caput, n fine,
todos da Constituio
Federal).
29 Le
Droit No-Moderne des Politiques Publiques. LGDJ, Paris. 1999, pp. 59 a 62. Veja-se, por
exemplo. que, para exercer atividades econmicas o Estado teve que valer-se das sociedades de
economia mista, desprovidas de us imperii. extenso da regulao estatal sobre atividades
privadas at ento deixadas inteiramente ao arbtrio privado, acarretou. segundo Vital Moreira, na
"transplantao do centro de gravidade da ordem jurdica da economia: do direito privado pra
o direito pblico. Na medida em que a economia era juridicamente relevante, era-o para o direito
privado. Ao que assiste, a partir de certo momento, ao deslocamento de domnios econmicos
que anteriormente relevavam ao direito privado para o direito pblico, ou a complementarizao
de institutos daquele por institutos deste. Por outros lado a cobertura pelo direito de domnios at
a ajurdicos ou livres do direito faz-se predominantemente por meio do direito pblico A
Ordem Jurdica do Capitalismo cit., p. 75).
30
Trois Dfis pour un Droit Mondial, ditions du Seuil, Paris, 1998,
p.
79.
209
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
12/32
IV - Os
princpios do direito econmico derivados do princpio geral da
proporcionalidade
Inserto no Princpio da Proporcionalidade, mais especificamente
em
seu ele
mento necessidade (supra
letra
b )
est o
Princpio da Subsidiariedade,31
que, na
seara do Direito Econmico, impe ao Estado que se abstenha de intervir e de regular
as atividades que possam ser satisfatoriamente exercidas ou auto-reguladas pelos
particulares em regime de liberdade.
32
Ou seja, na medida em que os valores sociais
constitucionalmente assegurados no sejam prejudicados, o Estado no deve coarctar
a liberdade dos agentes econmicos, e, caso seja necessrio, deve faz-lo da maneira
menos restritiva possvel.:13
Cumpre destacar a afinidade do Princpio da Subsidiariedade com o Estado
pluralista democrtico:
3
l
se
certo que o bem-estar envolve um conceito de Estado
social e este, por seu lado, pressupe intervencionismo pblico, isto no significa,
por si s, todavia, excluso de um princpio de subsidiariedade do entendimento
da
interveno econmica, social e cultural do Estado Y
Por outras palavras, a persecuo do bem-estar social, apesar de determinar
sempre um certo grau de interveno dos poderes pblicos, no incompatvel com
uma interveno norteada pela idia de subsidiariedade enquanto princpio norma
tivo. Se o Estado Democrtico impe a garantia das condies bsicas de dignidade
da pessoa humana, a verdade que isto no significa necessariamente que tenha de
ser apenas o prprio Estado a realizar este objetivo. No havendo mais a separao
absoluta entre Estado e sociedade, desde que seja concretizado o fim do bem-estar,
31
No mesmo sentido. Jos Ignacio Lpez Gonzles, l principio General de Proporcionalidad
em el Derecho Administrativo. Instituto Garcia Oviedo da Universidade de Sevilha, 1988, p 81.
32 .. O ncleo deste princpio consiste em reconhecer a prioridade da atuao dos corpos sociais
sobre os corpos polticos no atendimento de interesses gerais. s passando o cometimento a estes
depois que a sociedade, em seus diversos nveis de organizao, demandar sua atuao subsidiria
(Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mutaes do Direito Administrativo, Ed. Renovar, Rio de
Janeiro, 2000.
iJ
153). Sobre o Princpio da Subsidiariedade. ver tambm a obra de Chantal
Millon-Delsol.
Le
Principe de Subsidiarire. Ed. PUF, Paris, 1993.
33 Jos Alfredo de Oliveira Baracho afirma que o Princpio da Subsidiariedade aparece como
forma alternativa para os embates entre o Estado liberal e o Estado mnimo e o Estado Interven
cionista ou Providencial. Desse dualismo de desencontros, aparece o Estado Subsidirio (O
Princpio da Subsidiariedade - conceito e evoluo. Ed. Forense, 2000,
p
95).
3 l
O princpio da subsidiariedade muitas vezes arvorado pelos opositores da regulao estatal
como ligado apenas s suas idias liberais. Todavia, no h como se conceber um monoplio
ideolgico sobre tal princpio. to relevante quanto antigo:
L
'ide d'autorit subsidiaire sourd
comme une evidence dans la societ dcrite par Aristote, travers une comprehension sociale qui
se donne
pour
naturelle, en realir unique em son genre face aux culrures proches de /'poque.
Plus tard, Thomas d'Aquin reprend son compre cette vision et lui prte des justifications
suplmentaires
(Chantal Millon-Delsol, Le
Principe de Subsidiarit,
PUF, Paris. 1993, p 9).
35
Paulo Otero. Vinculao e Liberdade de Conformao jurdica do Sector Empresarial do
Estado. Ed. Coimbra. 1998. pp. 18/19.
210
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
13/32
pode dizer-se que esto abertos todos os caminhos, do absentesmo do Estado sua
interveno direta na economia.
36
Tambm digno de nota o
Princpio da Razo Pblica 37
tambm inerente ao
Princpio da Prorcionalidade, pelo qual os problemas no podem ser resolvidos por
razes ou interesses inerentes a grupos parciais. Por mais respeitvel que seja a
minoria ou mesmo a maioria interessada, os seus interesses s podem ser atendidos,
no em virtude deles em si, mas por razes pblicas atinentes
coletividade como
um todo.
Por derradeiro, no mbito dos elementos adequao e necessidade do Princpio
da Prorcionalidade, se encontra ainda o Princpio da Diferena 38 pelo qual as
liberdades econmicas e desigualdades existentes na sociedade so admissveis se
gerarem vantagens para os mais desfavorecidos. Assim, a ausncia de regulao ser
admissvel apenas se beneficiar os membros da sociedade como um todo, de forma
que estariam em pior situao se fosse imposta a regulao estatal.
A grande vantagem da conjuno dos princpios acima enumerados, que, se
por um lado, impede que o Estado Democrtico se
invista de um dirigismo totalitrio
e abrangente, por outro, faz-nos ver que, ao contrrio do que apregoa o entusiasmo
neoliberal, a plena liberdade empresarial e a auto-regulao privada da economia
so admissveis, mas com parcimnia. devendo-se criteriosamente aferir, caso a caso,
se so melhores para a sociedade do que a regulao estatal, que tambm, por sua
vez, ser mais ou menos rgida de acordo com os mesmos princpios.
v
Os aspectos comissivos da proporcionalidade
o Princpio da Proporcionalidade e os princpios dele derivados so geralmente
abordados apenas em seus aspectos negativos - nas limitaes que impem ao
Poder Pblico
-
olvidando-se dos aspectos positivos que tambm possuem, que
obrigam o Estado a atuar sobre a economia quando os agentes do mercado no
satisfazerem ou agredirem as necessidades pblicas que devem ser protegidas pela
regulao estatal.39
6
lbid.
37 As Consideraes aqui expendidas derivam dos ensinamentos de John Rawls, O
Liberalismo
Poltico
Ed. tica, So Paulo, 2000, trad. Dinah de Abreu Azevedo, Captulo VI. O autor apesar
de admitir a incidncia da razo pblica sobre todas as regulaes sociais, perspectiva por ns
adotada, centra sua anlise sobre a aplicao do princpio aos elementos constitucionais essenciais.
8 Teoria da Justia.
Ed. Martins Fontes, So Paulo, 1997, trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R
Esteves, pp. 79 a 89.
39
A preferncia doutrinria pelos aspectos negativos, inibidores da atuao estatal, do Princpio
da Proporcionalidade talvez se explique pela maior eficcia que possuem se comparada com a
eficcia dos seus aspectos positivos.Trata-se da conhecida questo da plena eficcia dos direitos
individuais de proteo frente ao Estado e da eficcia limitada limitada, mas existente) dos direitos
a prestaes do Estado. Aprofundar m Luis Roberto Barroso, O
Direito Constitucional e a
Efetividade de suas Normas.
Ed. RENOVAR, Rio de Janeiro, 1990, e Jos Afonso da Silva,
211
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
14/32
A este respeito,
JOS IGNACIO LPEZ GONZLES
afirma que o
f vor
libertatis e a dignidade da pessoa humana, enquanto parmetros determinantes
do
Princpio
da
Proporcionalidade da atividade administrativa, no se
configuram
ape
nas
como
limites substanciais ao exerccio dos poderes
da
Administrao -
segundo
vimos, impondo o dever de adotar as solues menos restritivas para os particulares
-
tendo
que operar tambm como
exigncia positiva (no plano das prestaes
positivas que a Constituio garante) de intervenes administrativas a servio destes
valores do nosso ordenamento jurdico. Neste sentido o Princpio da Proporcionali
dade pode e deve desempenhar o papel de critrio funcional determinante de inter
venes pblicas em distintos setores sociais ou econmicos, na medida que a
liberdade e a dignidade da pessoa assim o exijam .40
Tambm
o Princpio
da
Subsidiariedade. normalmente associado apenas ideo
logia abstencionista, no exclusivo deste ou daquele
pensamento
poltico, podendo
ser utilizado pelas diversas vertentes ideolgicas
como
estratgias para o alcance
das suas finalidades, observados os marcos
da
Constituio.
Assim
porque
possui
no apenas um aspecto negativo, omissivo, consistente na vedao da regulao
estatal nas searas
em
que a iniciativa
privada
esteja atuando
compativelmente com
os interesses sociais,
como
tambm um aspecto positivo, comissivo, que. nas palavras
de JUAN CARLOS CASSAGNE vincula
o Estado e lhe
impe
o
dever de
intervir,
na hiptese de insuficincia
da
iniciativa privada, na
medida em
que a
sua
ingerncia
seja socialmente necessria e no suprima
ou impea
a atividade dos particulares
.41
Tambm JAIME RODRGUEZ-ARANA
MUNOZ observa
que
a subsidiarie
dade no equivale a um Estado fraco. bem ao contrrio,
uma
vez que a fraqueza de
qualquer Estado no mensurvel pelo
tamanho
do setor pblico, mas pela sua
sensibilidade
em
relao ao bem-estar dos seus cidados
.42
Entre ns,
EDSON RICARDO SALEME,
de forma associada ao
elemento
necessidade do Princpio
da
Proporcionalidade, destacou o aspecto comissivo do
Princpio da Subsidiariedade como desdobramento do prprio conceito de subsdio,
a Administrao deveria levar a cabo todas as atividades
que
os particulares no
queiram, no saibam ou no possam executar
por
sua conta. O Estado somente agiria
em
carter temporrio e cessaria to logo houvesse a disponibilidade do particular
em
realizar a atividade
B
VI - Princpio da proporcionalidade e supremacia do interesse pblico
O
princpio da
supremacia do interesse pblico no pode ter
um
papel
Aplicabilidade das Normas Constitucionais,
Ed. Malheiros. 1998. 3' ed.
4 El principio General de Proporcionalidad em el Derecho Administrati\'O. Instituto Garcia
Oviedo. Universidade de Sevilha. 1988. pp. 80/1.
41
a
lntervencin Administrativa. Ed. Albeledo-Perrot, Buenos Aires,
2'
ed
pp. 22/3.
42
Crisis
n
the Welfare State.
Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico. 1997. n 4/1173.
43 Formas de Desestatizao: aspectos jurdicos,
mimeo,
p.
104 (fonte: Biblioteca da Faculdade
de Direito da Universidade de So
Paulo--USP).
212
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
15/32
necessariamente prevalente na ponderao entre os diversos valores econmicos
constitucionais. Este princpio, oriundo de uma poca em que a Administrao tinha
poderes genricos de ingerncia na vida dos cidados para assegurar um metafsico
interesse pblico , se no deve ser abandonado, deve ao menos ser adequado ao
Estado Democrtico de Direito e sua formao pluralista.
44
No existe um interesse pblico abstratamente considerado que deva prevalecer
sobre os interesses particulares eventualmente envolvidos. A tarefa regulatria do
Estado bem mais complexa do que a singela formulao de uma supremacia do
interesse pblico .
O
interesse privado e o interesse pblico esto de tal forma institudos pela
Constituio que no podem ser separadamente descritos na anlise da atividade
estatal e de seus fins. ( ) Em vez de uma relao de contradio entre os interesses
privado e pblico h, em verdade,
uma
conexo estrutural . ( .. ) A verificao de
que a administrao deve orientar-se sob o influxo de interesses pblicos no signi
fica, nem poderia significar, que se estabelea uma relao de prevalncia entre
interesses pblicos e privados. Interesse pblico como finalidade fundamental da
atividade estatal e supremacia do interesse pblico sobre o particular no denotam
o mesmo significado.
O interesse pblico e os interesses privados no esto princi
pialmente em conflito, como pressupe uma relao de conflito. Da a afirmao de
HBERLE:
Eles
comprovam a nova, aberta e mvel relao entre ambas as
medidas 45
E mais, em uma sociedade complexa e pluralista no h apenas um interesse
pblico, mas muitos (melhoria e ampliao dos servios, modicidade das tarifas,
atrao de investidores estrangeiros, regras pr-estabelecidas para propiciar maior
segurana jurdica, possibilidade de adaptao das regras a circunstncias superve
nientes, etc.),46 o que leva ODETE MEDAUAR a observar que a uma concepo
de homogeneidade do interesse pblico. segue-se, assim, uma situao de heteroge
neidade; de uma idia de unicidade, passou-se concreta existncia de multiplicidade
44 Sobre a origem do princpio da supremacia do interesse pblico no Estado absoluto, onde de
fato era necessrio para que fosse alcanada uma mnima coeso social, ver Maria Alessandra
Stefanelli,
a
Tutela dell'Utente di Publici Servici.
Ed. CEDAM, Padova, 1994, pp. 43/4.
45 Humberto Bergmann vila, Repensando o Princpio da Supremacia do Interesse Pblico sobre
o Particular , constante da obra coletiva, organizada por Ingo Wolfgang Sarlet, O Direito Pblico
em Tempos de Crise.
Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, pp. lll/2.
46 No incomum a prtica de atos administrativos por estes entes sobre a fundamentao do
intresse pblico .
possvel, porm, identificar um interesse pblico universal, essencial? Cur
var-se retrica do interesse pblico, sem atentar para a existncia de uma multiplicidade de
interesses pblicos, submeter-se a um discurso poltico perverso e dissimulador. Podemos
visualizar, sob esse enfoque, ao menos trs interesses pblicos em jogo dentro do processo
decisrio das agncias reguladoras: o interesse do prprio Estado, o interesse das empresas con
cessionrias e os interesses dos usurios. Identificar qual destes est sendo atendido numa deciso
concreta
da
agncia
de fundamental importncia para se aferir qual a legitimidade democrtica
do ente especfico (Conrado Hbner Mendes, Reforma do Estado e Agncias Reguladoras,
constante da obra coletiva
Direito Administrativo Econmico,
coordenada por Carlos Ari Sundfeld,
Ed. Malheiros, So Paulo, 2000, p 104, grifos nossos).
2 3
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
16/32
de interesses pblicos. A doutrina
contempornea
refere-se impossibilidade
de
rigidez na prefixao do interesse pblico, sobretudo
pela
relatividade
de
todo
padro
de comparao. Menciona-se a indeterminao e dificuldade
de
definio do inte
resse pblico, a sua difcil e incerta avaliao e hierarquizao, o
que gera
crise na
sua prpria objetividade
O Estado, ao regular as atividades econmicas, deve
buscar
satisfazer os inte
resses pblicos fixados no
ordenamento jurdico
- no
um interesse
pblico geral
e metafsico
- compondo
os interesses
do
prprio Estado; dos produtores de
servios; da coletividade
em
geral; das diversas categorias de
consumidores
(grandes
consumidores
industriais,
consumidores
domiciliares e consumidores virtuais
que
ainda no gozam dos servios48);
dos
interesses pblicos setoriais e pontuais
49
, por
vezes
em
conflito entre si; os interesses difusos e coletivos, etc.
50
Como
afirma
EDUARDO GARCA
DE ENTERRA,51 todo o Direito
pblico
est
protagonizado simultaneamente
por
entes pblicos e
por
sujeitos privados.
Em
todos os mbitos do Direito, que
sempre
intersubjetivo, se
produz
um enfrenta
mento, seja no sentido mais formal
da
expresso, ou no sentido de
que cada um
dos
sujeitos persegue fins ou interesses prprios.
Mas
misso do Direito articular, sobre
esse enfrentamento entre os distintos sujeitos, um ponto de equilbrio em
que
cada
qual h de receber o seu . No Direito pblico esse ponto de equilbrio especial
mente comprometido e dramtico. O sujeito pblico , por sua prpria essncia, uma
potentior persona,
uma
pessoa mais poderosa,
que
tende naturalmente
supremacia
e imposio. Todavia, se o Direito
pblico
h de ser
efetivamente
Direito no pode
renunciar a essa meta de obter e de
conseguir um
equilbrio .
No
se
est
a negar a importncia
jurdica
do interesse pblico.
H
referncias
positivas
em
relao a e l e 5 ~ O
que deve
ficar claro, porm, que, mesmo nos casos
em que
ele legitima uma atuao estatal restritiva especfica,
deve
haver uma pon
derao relativamente aos interesses privados e medida de sua restrio.
essa
47
O Direito Administratim em
Emluo
Ed. RT, So Paulo, 1992, p. 182.
Veja-se, por exemplo, que a modicidade da tarifa pode beneficiar os consumidores que j
usufruem o servio, mas pode prejudicar os investimentos necessrios para beneficiar os moradores
das reas ainda no alcanadas pelos servios.
49
Para uma classificao dos diversos interesses pblicos, ver Massimo Severo Giannini,
Diritto
Amministratil O, Ed. Giuffre,
3'
ed., Milo, 1993, pp. 113 a 117. Denotando a conjuno que s
vezes se d entre o interesse pblico e privado o autor d como exemplo a instalao de indstria
em
rea que necessita desenvolver-se. Trata-se no caso de um interesse pblico pontual, ou seja,
que diz respeito a atividade que no pode ser genericamente considerada como de interesse pblico.
que apenas pode s-lo diante da anlise de cada caso concreto.
50 A doutrina destaca a importncia do procedimento administrativo como a sede adequada para
que se proceda a uma adequada e pluralista ponderao entre os diversos interesses pblicos e
privados envolvidos (Maria Alessandra Stefanelli, a Tutela dell Utente di Publici Servici, Ed.
CEDAM, Padova, 1994, p. 56).
5
Actuacin Pblica
y
Actuacin Privada
n
el Derecho Urbanstico,
Revista Espafiola de Derecho
Administrativo, vol. 1
52 Devemos destacar, sobretudo. a sua dimenso tica (Odete Medauar, O Direito Administrativo
em Evoluo. Ed. RT, So Paulo, 1992, p 179).
214
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
17/32
ponderao para atribuir mxima realizao aos interesses envolvidos
o
critrio
decisivo para a atuao administrativa.
E antes que esse critrio seja delimitado,
no h cogitar sobre a referida supremacia do interesse pblico sobre o particular
53
No mesmo sentido, ODETE MEDAUAR observa que contemporaneamente se
impe a modificao do entendimento de sacrifcio de interesse em benefcio de
outro, ou de primazia de um sobre outro interesse. Cogita-se hoje da funo atribuda
Administrao de
ponderao dos interesses
em confronto; o princpio da no
sacrificabilidade
a priori
de nenhum interesse; o objetivo dessa funo est na busca
do estatuto da compatibilidade entre os interesses. ( .. ) Pode-se associar
orientao
ora exposta, de necessidade de completa apreciao de todos os fatores e interesses,
com vista sua conciliao e sacrifcio mnimo, previso do princpio da impes
soalidade, para todos os setores da Administrao pblica, na Constituio Federal,
art. 37, caput . 54
VII -
A proporcionalidade e as relaes de sujeio especial
As relaes de sujeio especial constituem Instituto regulatrio comum a uma
srie de relaes do Poder Pblico com particulares mas que, todavia, muitas vezes
manejado como artifcio de mitigao dos Princpios da Legalidade e da Propor
cionalidade, equvoco que deve ser evitado.
Com efeito, as relaes de sujeio especial so um dado comum s regulaes
das atividades privadas de interesse geral, da explorao de servios pblicos e das
atividades econmicas monopolizadas (o mesmo se diria dos servidores pblicos,
contratados em geral, etc.). Nos termos da Teoria de OITO MA
YER 55
estas regu
laes consubstanciam
uma
relao de sujeio especial , e no de supremacia
geral, exercida apenas mediante o poder de polcia em seu sentido tradicional, pelo
qual
a Administrao figura no vnculo jurdico como autoridade pblica, utilizan
do-se do seu poder de imprio, da sua supremacia perante todos os cidados, enquanto
exercente de uma funo pblica, voltada a curar os interesses da coletividade
56
Nestes casos, como no h uma relao prvia entre o administrado e a Administra
o, para a qual o primeiro teria assentido, o Princpio da Legalidade no incide com
os seus rgidos contornos tradicionais.
As relaes de supremacia especial so relaes especficas travadas pela
Administrao com o particular, que, por meio delas, insere-se material ou juridica-
53 Humberto Bergmann vila, Repensando o Princpio da Supremacia do Interesse Pblico sobre
o Particular , constante da obra coletiva organizada por Ingo Wolfgang Sarlet O Direito Pblico
em Tempos de Crise,
Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, pp. 127, grifamos.
54
O Direito Administrativo em Evoluo, Ed. RT, So Paulo, 1992, p. 183.
55
Derecho Administrativo Alemn,
Ed. De Palma, Buenos Aires. 1982, tomo
r
pgs. 144-145
56 Jos Roberto Pimenta Oliveira, A NEEL e Servios de Energia Eltrica. na obra coletiva Direito
Administrativo Econmico, coordenada por prprio Carlos Ari Sundfeld, Ed. Malheiros, So Paulo,
2000, pp. 339 a 341.
215
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
18/32
mente na esfera da Administrao, justificando o manejo. por parte desta, de poderes
inerentes relao. ( .. ) Assim, ao receber determinada concesso ou permisso de
servio pblico, o particular. por inserir-se em campo especfico da Administrao,
passa a submeter-se a poderes administrativos mais intensos, decorrentes da titula
ridade ou da natureza da atividade a ser desempenhada. Por meio deles a Adminis
trao poder realizar injunes, estipular obrigaes, criar deveres, que sejam
necessrios ao cumprimento da finalidade a que serve a atividade, restritos, porm,
ao mbito da referida relao, sem, todavia, ofender o cnone da legalidade. Ao
contrrio, nesta seara temos implcita autorizao legal para a criao de outras regras
jurdicas necessrias ao desenvolvimento da relao jurdica
7
que, acrescentara
mos, so decorrentes da adeso consensual do particular ao ordenamento setorial em
questo atravs da autorizao, da permisso ou da concesso.
A lei e a anuncia do particular se somam para conferir amplos poderes regu
latrios ao Estado,58 que, de qualquer forma, no se isenta da necessria observncia
do Princpio da Proporcionalidade:
A
extenso dos direitos fundamentais a todos
os cidados, como direitos inerentes
prpria personalidade, exige que as limitaes
ao seu exerccio, baseadas na
relao
de sujeio especial , em que se encontram
certas categorias de pessoas, s sejam admissveis na medida em que resultarem
estritamente indispensveis para o cumprimento da misso ou da funo derivada
da situao especial 59
7 A considerao da vontade dos particulares como habilitadora de potestades administrativas
foi formulada pelos tratadistas da evoluo conceitual sofrida por una das instituies chaves do
Direito administrativo: a autorizao. Assim, Franchini dizia
que
parece claro que o particular,
atravs do ato de autorizao vem a renunciar, a fim de ver removida a proibio ... a uma parte de
sua liberdade. Este ato de submisso voluntria,
em
geral resulta implicitamente contido na prpria
solicitao de autorizao . Em termos muito semelhantes, Manzanedo escrevia que a solicitao
de autorizao tem a ela implcito o consentimento do interessado a esta submisso especial, que
, definitivamente, o preo que paga para consegui-Ia. ( ) No se trata de uma espcie de negociao
entre entidades de crdito (empresas em geral) e a Administrao, pela qual as primeiras cederiam
parte da sua liberdade de empresa. Do que h de se falar propriamente da configurao do contedo
de tais direitos individuais pela atuao de poderes administrativos suficientemente habilitados em
normas legais, cuja razo ltima a garantia do interesse social situado em uma atividade to
relevante para todo o conjunto de cidados (Jos Maria Michavila Nnez,
Relacin especial de
sujecin en el sector crediticio
y
Estado de Derecho,
Revista Espanola de Derecho Administrativo,
vol. 54).
58 As
chamadas relaes de sujeico especial no so um mbito em que os sujeitos ficam
despojados dos seus direitos fundamentais ou em que a Administraco possa ditar normas sem
habilitaco legal prvia. Estas relaes no
se
do a margem do direito, mas dentro dele e portanto
tambm nelas tm vigncia os direitos fundamentais, de forma que a Administrao no goza nestas
relaes de sujeio especial de
um
poder normativo carente de habilitaco legal. ainda que esta
possa ser outorgada em termos que no seriam aceitveis em relaes de sujeio geral
(El
principio non bis n idem
y
su aplicacin a las relaciones de sujecin especial de la policia
gubernativa, STC 234/1991, de
10
de dezembro de 1991, Revista Espanola de Derecho Adminis
trativo. vol. 79)
59
Rafael Gmez-Ferrer Morant.
Derecho a la tutela judicial
y
posicin jurdica peculiar de los
poderes pblicos,
Revista Espanola de Derecho Administrativo, vol. 33.
216
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
19/32
VIII - sagncias reguladoras como manifestao
do
princpio
da
proporcionalidade
Verificada a necessidade de retrao da interveno estatal em vastos setores
da vida econmica, teve-se, por outro lado, a conscincia de que o Estado no poderia
deixar apenas ao bom senso empresarial a gesto de atividades de indubitvel
interesse pblico, que devem, portanto, ficar sob o seu poder regulatrio.
Apesar da sua origem relativamente antiga, que tem como principal marco a
Interstate Commerce Commission criada nos Estados Unidos da Amrica do Norte
em
1887 para regulamentar os servios interestaduais de transporte ferrovirio,6o as
agncias reguladoras constituem, cada vez mais, um importante mecanismo de
dilogo entre o Direito, que no pode abrir mo do seu carter normativo, e a
economia, que no cessa de aumentar a capacidade de impor a sua prpria lgica.
6
IUAN CARLOS CASSAGNE
62
observa que os poderes conferidos a estes
rgos e entidades so de
variada
natureza e extenso . O panorama amplssimo,
abrangendo os clssicos poderes administrativos relacionados com a fiscalizao das
atividades desenvolvidas pelos particulares, cumprimento das regras estabelecidas
nos contratos de concesso, nas licenas ou nas autorizaes, incluindo o estabele
cimento de eventuais tarifas, poderes disciplinares, sancionatrios e preventivos de
condutas prejudiciais aos interesses coletivos tutelados.
Sendo assim, as agncias reguladoras so entidades atpicas
em
relao ao
tradicional aparato administrativo, com acentuada caracterstica de independncia
decisria e alta competncia tcnica, normalmente colegiadas,63 que ditam regras de
comportamento aos operadores, os fiscalizam, aplicam-lhes sanes e formulam
propostas ao Parlamento e ao Govemo.,,64
60
Bernard Schwartz,
American Administrative
Law Sir Isaac Pitman Sons Ltda., London, 1950,
pp. 6 e 7.
6
O direito moderno mantm elevada interdependncia com os demais sistemas (p. e., econmico,
poltico, cientfico, etc.), e sensvel
s
demandas que lhe so formuladas por este ambiente
(abertura cognitiva); entretanto, s consegue process-Ias nos limites inerentes s estruturas, sele
es e operaes que diferenciam o direito dos demais sistemas (fechamento operativo). Dessa
perspectiva, o sistema jurdico um s, pouco importando se as cadeias normativas so mltiplas,
no-hierarquizadas, informais ou produzidas em diferentes contextos. Essa unicidade decorre da
funo do direito e no da arquitetura do sistema normativo. A globalizao demanda novas
derenciaes no interior do sistema jurdico, mas no capaz de corromper sua funo
(Celso Fernandes Campilongo, Teoria do Direito e Globalizao Econmica in Direito Global,
Max Limonad, 1999, p. 80 - grifamos).
62 Los Nuevos Entes Regulatorios
integrante da obra coletiva
El Derecho Pblico Actual
Edicio
nes Depalma, Buenos Aires, 1994, pp. 45/6.
63 Quanto instituio de rgos de natureza colegiada como forma de controle, ver R. Zippelius
in
Teoria Geral do Estado Fundao Calouste Gulbenkian,
3
ed., 1997, trad. Karin Praeflce-Aires
Coutinho, Coordenao de
J.
J.
Gomes Canotilho,
p.
410):
Mesmo
a estruturao interna de um
rgo estatal segundo o princpio colegial tem uma funo de controlo.
64 Elisabetta Bani, Stato Regolatore e Autorit lndipendenti constante da obra coletiva
Le
Tras-
formazioni dei Diritto Amministrativo
Giuffre Editore, Milo, 1995, pp. 22/3.
217
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
20/32
Neste sentido, podemos afirmar que, alm da atribuio
de
receitas prprias,
fundamental para a garantia da independncia das agncias reguladoras a nomeao
dos seus dirigentes por termo certo e mediante procedimento especial, normalmente
com a prvia aprovao das indicaes pelo Poder Legislativo, e a vedao de
exonerao ad
lllll11nJ
Ambas as restries,
ao
poder
de
livre nomeao e exonerao pelo Chefe do
Poder Executivo, foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal
no julgamento da Medida Cautelar pedida na ADIN
n
1949-0. A primeira em virtude
do art. 52,
m f '
da Constituio Federal, admitir a prvia aprovao do Senado
Federal da escolha de titulares de outros cargos que a lei determinar . Quanto
constitucionalidade da vedao da exonerao ad
ll11tllnJ
dos dirigentes das agncias
reguladoras, o Supremo entendeu que no viola as competncias do Chefe do Poder
Executivo, admitindo a exonerao apenas por justa causa e mediante o prvio
procedimento administrativo, assegurado o contraditrio e a ampla defesa, ou se
advier a mudana da lei criadora da agncia independente.
6
CATHERINE TEITGEN-COLL
Y,66
ao analisar as autoridades administrativas
independentes francesas, equivalentes
s
nossas agncias reguladoras, observa que
tm a funo de regulao social em determinados setores, funo a qual o respectivo
grupo social adere. So estas funes que justificam a estrutura e os poderes,
inclusive de fixar regras jurdicas, destas instituies, que no so subordinadas ao
Poder Executivo, nem so prolongamentos do Poder Legislativo ou Judicirio, e que
so dotadas de poderes que lhes permite exercer de forma independente uma misso
de regulao setorial.
As apontadas caractersticas das agncias reguladoras,67 quais sejam, (a) a
especializao tcnica e setorial, (b) os amplos poderes decisrios, notadamente de
natureza normativa, e (c) a elevada autonomia frente ao Poder Executivo central,
no fazem com que sejam instituies homogneas entre si, havendo, contudo, em
todas elas, os traos comuns de autonomia face ao Poder Executivo central.
68
6 Dissonantemente, o Relator, Ministro Seplveda Pertence, entendeu aplicvel espcie a Smula
n
25, que dispe:
..
A nomeao a termo no impede a livre demisso, pelo Presidente da Repblica,
de ocupante de cargo de dirigente de autarquia (fonte:
.
Note-se, contudo, que, apesar de no ser
muito notado pela doutrina, a Smula
n 25
nunca foi tomada em termos absolutos, tendo sido, por
exemplo, excepcionada em relao aos reitores das universidades pblicas, geralmente de natureza
autrquica, conforme o que dispe a Smula 47: Reitor de Universidade no livremente
demissvel pelo Presidente da Repblica durante o prazo de sua investidura.
66
n
Les autorits Administratives Indpendantes: histoire d une institution,
constante da obra
coletiva Les autorits Administratives Indpendantes, coord. Claude-Albert Colliard e Gerard
Timsit. PUF, 1988, pp. 23/4.
67 Antonio la Spina e Giandomenico Majone, o Stato Rego/atore,
Ed.
Molino, Bologna, 2000,
p 62
68
H, de fato, uma grande heterogeneidade das agncias reguladoras: algumas so dotadas de
considervel extenso de poderes autnomos, outras nem tanto, havendo ainda as que sequer podem
ser consideradas como independentes ou autnomas, se descaracterizando, desta forma, como
verdadeiras agncias.
218
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
21/32
possvel denotar que o nosso Direito, na senda dos pases ocidentais como
um todo, tem buscado realizar a regulao da economia atravs de rgos ou
entidades especializados tecnicamente e freqentemente dotados de especial auto
nomia frente ao Poder Executivo central, valendo-se, para tanto, das agncias regu
ladoras.
A instituio de agncias reguladoras tende a atender ao Princpio da Propor
cionalidade, a medida em que, ao retirar da esfera preponderantemente poltica a
regulao de vastos setores da atividade econmica, busca assegurar a no imposio
de regulaes de cunho eminentemente poltico, s vezes mesmo de cunho poltico
eleitoral, e, desta forma, desnecessrias ou desvirtuadas para os fins pblicos aos
quais a regulao estatal visa a atender.
Estas instituies tambm so macro-emanaes da proporcionalidade da
relao entre o Estado e a economia por caracterizarem a composio entre um
Estado produtor, encarregado diretamente da gesto de unidades econmicas, e um
Estado regulador, que no mais se substitui aos agentes econmicos, se limitando a
impor-lhes certas regras e se esfora em hamonizar-Ihes as aes ( .. . Esta caracte
rstica no , no entanto, denotadora de absentesmo: O estado regulador , desta
forma, um Estado presente na economia
como
uma instncia tutelar encarregada de
assegurar a manuteno dos grandes equilbrios .69
IX -
Proporcionalidade nos servios pblicos
O conceito de servios pblicos , ao mesmo tempo, uma das mais nucleares e
controversas noes do Direito Pblico. A variao que possui em cada direito
positivo e
em
cada momento scio-econmico em muito contribui para a dificuldade
da sua conceituao.
7o
Universalmente vem ocorrendo de ampliao
do
mbito de regulao estatal
com a correspectiva reduo da sua intensidade. Noutras palavras, caracterstica
do que alguns denominam de Estado Regulador
71
ou Estado rbitro
72
, ou seja,
do
69
Jacques Chavalier,
pud
Dominique Bureau,
la Rglementation de l conomie,
constante dos
Archives de Philosophie du Droit, Tomo
41
- e
Priv et le Public,
Ed. Sirey, Paris, 1997, p. 334.
7 Segundo Laurent Richer, o grande influxo da poltica e das ideologias sobre a noo de servio
pblico uma das causas da sua permanente crise (Service Public et lntert Priv, constante dos
Archives de Philosophie du Droit, Tomo 41 - e Priv et le Public, Ed. Sirey, paris, 1997, p.
293). Caio Tcito, lembrando a ironia de Mareei Waline, afirma que a noo de servio pblico
fugidia e varivel, assemelhando-se, na disparidade de critrios e definies, a um
dilogo
de surdos,
em que no se entendem os interlocutores (O Conceito de Senio Pblico,
in
Temas de Direito
Pblico. Ed. Renovar, Rio de Janeiro. 1997, 10 Vol., p. 637). Para um histrico da crise da noo
do servio pblico no Direito Administrativo francs, ver Franois Burdeau,
Histoire du Droit
Administratif,
Ed. PUF, paris, 1995. pp. 473 a 481.
71
Por exemplo, Antonio la Spinta e Giandomenico Majone, o Stato Regolatore,
II
Mulino,
Bolonha, 2000, pp. 168/9.
7 Adotando esta denominao, Dominique Bureau. a Rglementation de l conomie, constante
219
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
22/32
Estado que se retirou das atividades de prestao direta ao pblico, a ampliao da
extenso da regulao por ele exercida sobre as atividades dos particulares, regulao
esta que passa. todavia. a ser exercida de forma menos constritiva.
A reduo da intensidade regulatria permitiu que o poder regulatrio estatal
se espraiasse, observado o Princpio da Proporcionalidade, por esferas privadas
anteriormente menos ou nada reguladas. H uma tendncia
diminuio da inten
sidade regulatria nos setores onde a interveno estatal era bastante forte, e, por
outro lado. um aumento desta intensidade onde a regulao era menos intensa.
Sob esta perspectiva merece citao a interessante observao de JEAN CLAM
7
de que a liberalizao de atividades tradicionalmente consideradas como pblicas.
longe de representar uma subtrao regulamentao exgena da atividade, demons
tra como os atores privados se tornaram vtimas de sua prpria emancipao, ocor
rendo
uma
potencializao da existncia pessoal e social .
Neste contexto, o conceito de servio pblico, tradicionalmente o mais forte
mecanismo de regulao social, tem passado por grandes desafios: se mantido o seu
conceito tradicional de atividade exclusiva da esfera pblica, cujo mero exerccio
poderia ser delegado a particulares, ter a sua esfera bastante reduzida; se ampliado
o seu conceito para todas atividades. ainda que no exclusivas do Estado, em que
este exera uma regulao ordenadora. o servio pblico alcanar uma amplitude
tal que dispersar o seu conceito, abrangendo realidades bastante dspares.
Certa feita
JOS MANUEL SALA ARQUER reparou
que
a experincia re
cente de outros pases - em especial das privatizaes inglesas - demonstra que
a velha concepo da publicatio ou reserva ao Estado de todo um setor se tornou
superada, na mesma medida em que tambm esto sendo superados os chamados
monoplios naturais . Cada vez so mais numerosas
as
atividades consideradas
tradicionalmente
como
servios pblicos que se transformam em atividades do
mercado
A questo de grande relevncia. uma vez que a maior discusso que se trava
hoje a respeito dos servios pblicos exatamente se devem ser considerados como
tal apenas os servios titularizados com exclusividade pelo Estado em razo do
bem-estar da coletividade, ou se a sua noo deve abranger tambm as atividades
privadas, no titularizadas pelo Estado, que tenham grande importncia para a
coletividade e que por esta razo esto sujeitas a uma rgida e constante conformao
pelo Poder Pblico, notadamente atravs da exigncia de autorizaes prvias.
O que distinguiria estas autorizaes das autorizaes do poder de polcia no
sentido tradicional que so muito mais do que atos que apenas levantam impedi-
dos Archives de Philosophie du Orait. Tomo
41
- ePrir et le Public, Ed. Sirey, Paris, 1997,
p.330.
7 Qu est-ce qu um bien public? Une enqute sur le sens et
/'
ampleur de la socialisation de
/ wilit dans les societs complexes. constante dos Archives de Philosophie du Orait, Tomo 41 -
e
Pril et
l
Publico
Ed. Sirey. paris. 1997.
p
216.
Huida ai Derecho PriI Gdo
y
Huida dei Derecho. Revista de Oerecho Administrativo Espanol
- REOA. 75/412-413 e La Comissin dei Mercado de las Telecomunicaciones, Ed. Civitas,
Madrid. 2000. p 40,
220
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
23/32
mentos ao desempenho de atividade que poderia prejudicar a coletividade, mas que
no atende diretamente a um interesse coletivo. As atividades econmicas que
estamos abordando atendem diretamente coletividade, estando sujeitas a uma
autorizao prvia ordenadora, que, alm de possibilitar ao particular o exerccio da
atividade, investe o Poder Pblico de uma srie de poderes de direo sobre a
atividade sem que a titularize (ex.: a atividade dos txis, em o Municpio pode mudar
os requisitos de qualidade dos servios, fixar os preos, etc.).
A dificuldade de distino entre os servios pblicos concedidos e as atividades
privadas de interesse pblico autorizadas um exemplo da aplicao do Princpio
da Proporcionalidade no Direito Econmico, tanto em seus aspectos omissivos, como
comissivos. Vejamos, respectivamente:
a)
A rigidez da titularidade estatal exclusiva
do servio pblico (publicario) em muitos setores tornou-se desnecessria, por exem
plo, em razo da evoluo tecnolgica que possibilitou a existncia de concorrncia
em atividades que antes eram monoplios naturais (ex.: alguns servios de teleco
municaes);
b)
O aumento da complexidade da sociedade de massa, por sua vez,
imps a regulamentao ordenadora de atividades privadas de prestao ao pblico
at ento sujeitas apenas ao poder de polcia genrico.
7
assim que, proporcional
mente, no necessria a titularidade pblica para que uma atividade atenda ao
interesse pblico, bastando que esteja sujeita a uma intensa e constante regulao
estatal.
Diante disto, podemos perquirir se a Constituio de 1988, com as reformas
que a sucederam, contempla um conceito de servio pblico estrito (apenas as
atividades de utilidade pblica titularizadas pelo Estado), ou, se ao revs, inclui no
conceito tambm as atividades de titularidade privada sujeitas conformao estatal.
O art. 175 da Constituio Federal parece afirmar a titularidade estatal sobre as
atividades econmicas
lato sensu
qualificadas como servios pblicos, ao estabelecer
que devem ser prestados diretamente pelo Poder Pblico ou pelas empresas privadas,
concessionrias ou permissionrias, que dele recebam a competente delegao. No
alude no art. 175 s atividades privadas ordenadas pelo Estado mediante autorizao.
Mas os incisos XI e XII do art. 21 tratam da prestao direta pela Unio ou indireta,
mediante autorizao, concesso ou permisso, dos servios de telecomunicaes,
de radiodifuso sonora e de sons e imagens; servios e instalaes de energia eltrica
e o aproveitamento energtico dos cursos de gua; a navegao area, aeroespacial
e a infra-estrutura aeroporturia; os servios de transporte ferrovirio e aquavirio;
os servios de transporte rodovirio interestadual e internacional de passageiros; e
os portos martimos, fluviais e lacustres.
7 Os
ganhos de contingncia, de elasticidade. de mobilidade, o aumento de opes propiciado
pela diferenciao funcional se do paralelamente a uma extrema densificao. Podemos. desta
forma, observar o paradoxo dos mundos das pessoas privadas, a tal ponto dinamizadas que so a
irrupo umas das outras, condicionando-se mutuamente (Jean Clamo Qu est-ce qu um bien
public. Une enqute sur te sens et /' ampleur de la socialisation de l utilit dans les societs
complexes, constante dos Archives de
Philosophie du Droit, Tomo 41 -
Le Pri\ et
l
Public,
Ed.
Sirey, paris. 1997,
p
217).
221
7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico
24/32
Ao se referir prestao de servios mediante autorizao, a Constituio incluiu
entre os servios pblicos atividades no titularizadas pelo Poder Pblico. Como
sabemos, apenas a concesso e a permisso transferem a particulares a execuo de
servios pblicos de titularidade estatal. As autorizaes so instrumentos de orde
nao pblica de atividades de titularidade privada.
Destarte. em razo do contexto inegavelmente liberalizante em que nos encon
tramos e da disciplina constitucional que trata de atividades meramente autorizadas
como servios pblicos, seria sustentvel que em nosso Direito os servios pblicos
possuem um conceito amplo, identificando-se com todas as atividades de interesse
da coletividade sujeitas aos princpios da continuidade e universalidade, sejam elas
titularizadas pelo Estado ou pela iniciativa privada.
Isso no nos impede, todavia, de ver as grandes diferenas de regime jurdico
entre as atividades titularizadas pelo Poder Pblico, em que a competio no a
regra, mas sim uma forte regulamentao e us variandi nos casos em que tenha
havido concesso ou permisso, e as atividades privadas de interesse coletivo,
sujeitas autorizao, em que a competncia e a abertura do mercado so a regra,
sem embargo das normas editadas pelo Poder pblico, cujo descumprimento pode
levar
cassao da autorizao. No primeiro caso, temos uma relao endgena
entre a regulao pblica e o prestador privado concessionrio ou permisionrio, ou
seja, o Estado edita normas sobre o seu servio. No segundo caso a relao exgena:
o Estado editada normas de regncia de atividades da iniciativa privada para que
atinjam as finalidades pblicas a que se destinam.
Para no tratar conjuntamente realidades diversas, abordaremos em distintos
Tpicos as duas modalidades de servios pblicos, quais sejam, os servios pblicos
propriamente ditos, exclusivos do Estado, sujeitos
publicatio
e de execuo trans
fervel apenas atravs de concesso ou permisso, e as atividades privadas de inte
resse coletivo regidas pelos princpios do servio pblico, exercidas por autorizat
rios e sujeitas ordenatio, tambm chamadas de servios pblicos imprprios ou
virtuais
76
Ressalto, no entanto, que, sempre que atendido o interesse da coletividade, se
impe a adoo da modl1lidade regulatria menos constritiva, ou seja, a ordenatio,
em detrimento da publicatio. Todas as atividades designadas pela Constituio como
servio pblico podem, observado o Princpio da Proporcionalidade, deixar de ser
exclusivas do Poder Pblico, exclusividade em funo da qual s poderiam ser
exercidas por particulares mediante concesso ou permisso, para ter a sua titulari
dade transferida
iniciativa privada, ficando sujeitas apenas
ordenao pblica
autorizativa.
A tra