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Alfabetizaclo e Letramento: Repensando o Ensino da Lingua Escrita , Home I Novidades l Revistas I Nossos Livros I Links Amigos Alfabetizagâo e Letramento: Repensando o Ensino da Lingua Escrita Silvia M. Gasparian Colello FEUSP [email protected] Se, no inicio da &coda de 80, os estudos acerca da psicogénese da lingua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetizacdo, longe de ser a apropriacao de urn c6digo, envolve urn complexo processo de elaboracao de hipOteses sobre a representaflo lingiiistica; os anos que se seguiram, corn a emergencia dos estudos sobre o letramento fil , foram igualmente ferteis na compreensào da dimensao socio-cultural da lingua escrita e de seu aprendizado. Em estreita sintonia, ambos os movimentos, nas suas vertentes teOrico-conceituais, romperam definitivamente corn a segregaflo dicotOmica entre o sujeito que aprende e o professor que ensina. Romperam tamb6m corn o reducionismo que delimitava a sofa de aula como o imico espaco de aprendizagem. Reforcando os principios antes propalados por Vygotsky e Piaget, a aprendizagem se processa em uma relacdo interativa entre o sujeito e a cultura em que vive Isso quer dizer que, ao lado dos processos cognitivos de elaboracOo absolutamente pessoal (ninguem aprende pelo outro), ha um contexto que, nao so fornece informacOes especificas ao aprendiz, como tambem motiva, da sentido e "concretude" ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas de aplicacdo e use nas situacties vividas. Entre o homem e o saberes pr6prios de sua cultura, ha que se valorizar os inUmeros agentes mediadores da aprendizagem (nao so o professor, nem so a escola, embora estes sejam agentes privilegiados pela sistematica pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade 04/09/2008 09:15

Alfabetização e Letramento

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Alfabetizaclo e Letramento: Repensando o Ensino da Lingua Escrita, •

Home I Novidades l Revistas I Nossos Livros I Links Amigos

Alfabetizagâo e Letramento:Repensando o Ensino da

Lingua Escrita

Silvia M. Gasparian ColelloFEUSP

[email protected]

Se, no inicio da &coda de 80, os estudos acerca da psicogéneseda lingua escrita trouxeram aos educadores o entendimento deque a alfabetizacdo, longe de ser a apropriacao de urn c6digo,envolve urn complexo processo de elaboracao de hipOtesessobre a representaflo lingiiistica; os anos que se seguiram, corna emergencia dos estudos sobre o letramento fil , foramigualmente ferteis na compreensào da dimensao socio-culturalda lingua escrita e de seu aprendizado. Em estreita sintonia,ambos os movimentos, nas suas vertentes teOrico-conceituais,romperam definitivamente corn a segregaflo dicotOmica entreo sujeito que aprende e o professor que ensina. Romperamtamb6m corn o reducionismo que delimitava a sofa de aulacomo o imico espaco de aprendizagem.

Reforcando os principios antes propalados por Vygotsky ePiaget, a aprendizagem se processa em uma relacdo interativaentre o sujeito e a cultura em que vive Isso quer dizer que, aolado dos processos cognitivos de elaboracOo absolutamentepessoal (ninguem aprende pelo outro), ha um contexto que, naoso fornece informacOes especificas ao aprendiz, como tambemmotiva, da sentido e "concretude" ao aprendido, e aindacondiciona suas possibilidades efetivas de aplicacdo e use nassituacties vividas. Entre o homem e o saberes pr6prios de suacultura, ha que se valorizar os inUmeros agentes mediadores daaprendizagem (nao so o professor, nem so a escola, emboraestes sejam agentes privilegiados pela sistematicapedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade

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Ensino da Lingua Escrita •

do presente artigo a apresentar o impacto dosletramento para as praticas alfabetizadoras.

pelas publicacees de Angela Kleiman, (95)s (95, 98) e Tfouni (95), a concepno dentribuiu para redimensionar a compreensao que

sobre: a) as dimensOes do aprender a ler e adesafio de ensinar a ler e a escrever; c) oaprender a ler e a escrever, c) o quadro da

itora no Brasil d) os motivos pelos quais tantosprender a ler e a escrever, e e) as prOpriasas pesquisas sobre letramento.

Allabetinego e Letramento: Repensando

assumida).

0 objetivoescudos sobr

CapitaneadaMagda Soletramentohoje temosescrever; b)significadosociedade Ideixam deperspectivas

As dimense s do aprender a ler e a escrever

Durante muisistematizacurn cOdigouma sociedamarcada porconsciOncialetras paraparecia seranalfabeto.

tempo a al fabetizacdo foi entendida como merado "B + A = BA", isto 6, como a aquisicdo dedado na relacdo entre fonemas e grafemas Emconstituida em grande parte por analfabetos e

reduzidas praticas de leitura e escrita, a simplesonolOgica que permitia aos sujeitos associar sons eproduzir/interpretar palavras (ou frases curtas)suficiente para diferenciar o alfabetizado do

, a superacdo do analfabetismo em massa e amplexidade de nossas sociedades fazem surgiris variadas praticas de use da lingua escrita. Tao

apelos que o mundo letrado exerce sobre asa não lhes basta a capacidade de desenhar letrasc6digo da leitura. Seguindo a mesma trajetoria

esenvolvidos, o final do seculo 30C impOs atodos os povos a exigencia da lingua escritameta de conhecimento desejavel, mas como

ondicdo para a sobrevivencia e a conquista daof no contexto das grandes transformacOesiais, politicas, econOmicas e tecnolOgicas que oento" surgiu , ampliando o sentido do quente se conhecia por alfabetizaflo (Soares, 2003).

portante quanto conhecer o funcionamento doscrita é poder se engajar em praticas sociaisndendo aos inevitaveis apelos de uma culttua

Corn o terncrescente cmaiores e mfortes Saopessoas queou decifrardos paisespraticamentemais comoverdadeiracidadania.culturais, sotermo lettradicionalm

Hoje, tar) isistema deletradas, res

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Alfabetizse4o e Letramento: Repensando o Ensino da Lingua Escrita

grafocéntrica. Assim,

Enquanto a alfabetizacao se ocupa daaquisicao da escrita por um individuo, ougrupo de individuos, o letramento focalizaos aspectos sOcio-histOricos da aquisicao deuma sociedade (Tfouni, 1995, p. 20).

Corn a mesma preocupacdo em diferenciar as praticas escolaresde ensino da lingua escrita e a dimensào social das variasmanifestaceies escritas em cada comtnidade, Kleiman, apoiadanos estudos de Scribner e Cole, define o letramento como

... urn conjunto de praticas sociais que usama escrita, enquanto sistema simbOlico eenquanto tecnologia, em contextosespecificos. As praticas especificas daescola, que forneciam o parametro depratica social segundo a qual o letramentoera definido, e segundo a qual os sujeitoseram classificados ao longo da dicotomiaalfabetizado ou nao-alfabetizado, passam aser, em fun* dessa definicdo, apenas urntipo de pratica — de fato, dominante — quedesenvolve alguns tipos de habilidades masnä° outros, e que determina uma forma deutilizar o conhecimento sobre a escrita.(1995, p. 19)

Mais do que expor a oposicao entre os conceitos de"alfabetizano" e "letramento", Soares valoriza o impactoqualitativo que este conjunto de pi-Micas sociais representa parao sujeito, extrapolando a dimensào tecnica e instrumental dopuro dominio do sistema de escrita:

Alfabetizacão é o processo pelo qual seadquire o dominio de um codigo e dashabilidades de utiliza-lo para ler e escrever,ou seja: o dominio da tecnologia — doconjunto de tecnicas — para exercer a arte eciéncia da escrita. Ao exercicio efetivo ecompetente da tecnologia da escritadenomina-se Letramento que implicahabilidades varias, tais como: capacidadede ler ou escrever para atingir diferentes

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obj tivos (In Ribeiro, 2003, p. 91).

Ao permitsistematize,reivindique,garante-lhemundo, urnque apenasa ler e a esce do modopossibilidadformas de enecessariasEm fiutcao d

que o sujeito interprete, divirta-se, seduza,onfronte, induza, documente, informe, oriente-se,

garanta a sua mem6ria, o efetivo use da escritaa condi* diferenciada na sua relacao corn o

stado nao necessariamente conquistado por aqueleomina o codigo (Soares, 1998). Por isso, aprenderver implica nao apenas o conhecimento das letrasde decodifica-las (ou de associa-las), mas ade usar esse conhecimento em beneficio de

pressao e comunicacalo, possiveis, reconhecidas,legitimas em urn determinado contexto cultural.

SSO,

Ta vez a diretriz pedagagica maisim I II rtante no trabalho (...dos professores),t o na pr6-escola quanto no ensino medio,sej a utilizacao da escrita verdadeiran. diversas atividades pedagOgicas, isto 6,a utilizacdo da escrita, em sala,co espondendo as formas pelas quais elauti izada verdadeiramente nas praticasso.iais. Nesta perspectiva, assume-se que opo to de partida e de chegada do processode alfabetizacao escolar e o texto: trechofal do ou escrito, caracterizado pela

ade de sentido que se estabelece ntunade enninada situacdo discursiva. (Leite, p.25

0 desafio d ensinar a ler e a escrever

Partindo da concepcao da lingua escrita como sistema formal(de regras, onvencties e normas de funcionamento) que selegitima pel possibilidade de use efetivo nas mais diversassituaceies e para diferentes fins, somos levados a admitir oparadoxo in, rente a prOpria lingua: por urn lado, uma estruturasuficientem e fechada que nao admite transgressdes sob penade perder a aupla condicao de inteligibilidade e comunicacao;por outro, recurso suficientemente aberto que permite dizertudo, isto 6, urn sistema permanentemente disponivel ao poderhumano de 41 acao (Geraldi, 93).

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Como conciliar essas duas vertentes da lingua em um anicosistema de ensino? Na analise dessa questa°, dois embatesmerecem destaque: o conceitual e o ideolOgico.

1) 0 embate conceitual

Tendo em vista a independencia e a interdependencia entrealfabetizacao e letramento (processos paralelos [iv] ,simultaneos ou nao Iv] , mas que indiscutivelmente secomplementam), alguns autores contestam a distincao de ambosos conceitos, defendendo urn anico e indissociavel processo deaprendizagem (incluindo a compreensao do sistema e suapossibilidade de uso). Em uma concepcao progressista de"alfabetizacao" (nascida em oposicao as prâticas tradicionais, apartir dos estudos psicogeneticos dos anos 80), o processo dealfabetizacao incorpora a experiencia do letramento e este naopassa de uma redundancia em funcao de como o ensino dalingua escrita ja a concebido. Questionada formalmente sobre a"novidade conceitual" da palavra "letramento", Emilia Ferreiroexplicita assim a sua rejeicao ao uso do termo.

Ha algum tempo, descobriram no Brasil quese poderia usar a expressao letramento. E oque aconteceu com a alfabetizacao? Virousinianimo de decodificacao. Letramentopassou a ser o estar em contato corn distintostipos de texto, o compreender o que se le.Isso é urn retrocesso. Eu me nego a aceitarum periodo de decodificacao previo aqueleem que se passa a perceber a funcao socialdo texto. Acreditar nisso é dar raid° a velhaconsciencia fonolOgica. (2003, p. 30)

Note-se, contudo, que a oposicao da referida autoracircunscreve-se estritamente ao perigo da dissociacao entre oaprender a escrever e o Isar a escrita ("retrocesso" porquerepresenta a volta da tradicional compreensao instrumental daescrita). Como ardua defensora de praticas pedagegicascontextualizadas e signifcativas para o sujeito, o trabalho deEmilia Ferreiro, tal como o dos estudiosos do letramento, apelapara o resgate das efetivas praticas sociais de lingua escrita oque faz da oposicao entre eles um mero embate conceitual.

Tomando os dois extremos como enfases nefastas aaprendizagem da lingua escrita (priorizando a aprendizagem do

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sistema ou privilegiando apenas as praticas sociais deaproximacdo do aluno corn os textos), Soares defende acomplement• *dade e o equilibrio entre ambos e chama aatencão para o valor da distincao terminolOgica:

Po ue alfabetizacdo e letramento Saoco ceitos freqiientemente confirididos ouso epostos, a importante distingui-los, aomemo tempo que a importante tambemap ximd-los: a distingdo a necessAriapo e a introducdo, no campo da educacão,do conceito de letramento tem ameacadope gosamente a especificidade do processode alfabetizacdo; por outro lado, aap ximacdo e necessaria porque näo so 0pr esso de alfabetizacdo, embora distinto ees cifico, altera-se e reconfigura-se noqu dro do conceito de letramento, como

bem este e dependente daquele. (2003,0)

tp

Assim comoconceitualpendular dmodismos btemos do fdefinitivamcomo paraambivalencidos educadalfabetizar 1

O "Modelparte do priproducdo,lOgica intriUric°, no

a autora, a preciso reconhecer o merit° teOrico eambos os termos. Balizando o movimento

propostas pedagOgicas (tido raro transfortnadas emais e mal assimilados), a compreensào que hojeomen do letramento presta-se tanto para banir

as praticas mecanicas de ensino instrumental,repensar na especificidade da alfabetizacdo. Nadessa revolucäo conceitual, encontra-se o desafiores em face do ensino da lingua escria: otrando.

ideolOgico

do que o embate conceitual, a oposicao entre oss descritos por Street (1984) Nil representa um

radicalmente diferente, tanto no que dizoncepcOes implicita ou explicitamente assumidas

tange a pratica pedag6gica por elas sustentadas.

AutOnomo", predominante em nossa sociedade,cipio de que, independentemente do contexto delingua tern uma autonomia (resultado de umaeca) que so pode ser apreendida por urn processolmente associado ao sucesso e desenvolvimento

2) 0 embate

Mais severdois modelposicionamrespeito asquanto no q

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pr6prios de grupos "mais civilizados".

Contagiada pela concepcdo de que o uso da escrita so élegitimo se atrelada ao padrão elitista da "norma culta" e queesta, por sua vez, pressupde a compreensäo de urn inflexivelfuncionamento lingiiistico, a escola tradicional sempre pautou oensino pela progressao ordenada de conhecimentos: aprender afalar a lingua dominante, assimilar as normas do sistema deescrita para, urn dia (talvez nunca) fazer uso desse sistema emformas de manifestacdo previsiveis e valorizadas pelasociedade. Em sintese, uma pratica reducionista pelo vieslingufstico e autoritaria pelo significado politico; umametodologia etnocOntrica que, pela desconsideracão do aluno,mais se presta a alimentar o quadro do fracasso escolar.

Em oposicdo, o "Modelo IdeolOgico" adtnite a pluralidade daspraticas letradas, valorizando o seu significado cultural econtexto de producdo. Rompendo definitivamente com adivisdo entre o "momento de aprender" e o "momento de fazeruso da aprendizagem", os estudos lingifisticos propifiem aarticulacAo dinamica e reversivel fvfil entre "descobrir aescrita" (conhecimento de suas funcOes e formas demanifestaflo), "aprender a escrita" (compreensao das regras emodos de funcionamento) e "war a escrita" (cultivo de suaspraticas a partir de urn referencial culturalmente significativopara o sujeito). 0 esquema abaixo pretende ilustrar a integracdodas varias dimens'Oes do aprender a ler e escrever no processode alfabetizar letrando:

ALFABETIZAR LETRANDO

USAR A

ESCRITA

APRENDER A

ESCRITA

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Alfabetizacao e Letramento: Repensando u Ensino da Lingua Escrita

0 significad do aprender a ler e a escrever

Ao permitirescrita e rpodendo insda linguapedagOgicaque represepalavras de

Aim(2

que as pessoas cultivem os habitos de leitura espondam aos apelos da cultura grafocentrica,rir-se criticamente na sociedade, a aprendizagemscrita deixa de ser uma questao estritamenteam altar-se a esfera politica, evidentemente peloto o investimento na formacao humana. Nasmilia Ferreiro,

scrita a importante na escola, porquertante fora dela e nao o contrario.

01)

Retomandoo letramentconquista —a servico dado ensino ndas "ilhas dsempre inanacional de

tese defendida por Paulo Freire, os estudos sobrereconfiguraram a conotacao politica de uma

alfabetizaeao - que nao necessariamente se colocaibertacao humana. Muito pelo contrario, a histOriaBrasil, a despeito de eventuais boas intencOes eexcelencia", tern deixado rastros de urn indice

navel de analfabetismo agravado pelo quadroaixo letramento.

0 quadro d sociedade leitora no Brasil

Do mesmoescrita, rediampliaramos estudosquadro danacional deimporta coformalmentlocalizar ou

Dados doEducacaomaioria doultrapassamdizer que mnela peautemomo aColello e

odo como transformaram as concepeees de linguaensionaram as diretrizes para a alfabetizacao ereflexao sobre o significado dessa aprendizagem,bre o letramento obrigam-nos a reconfigurar ociedade leitora no Brasil. Ao lado do indice16.295.000 analfabetos no pais (IBGE, 2003),

iderar um contingente de individuos que, emboraalfabetizados, sdo incapazes de ler textos longos,lacionar suas informacifies.

stituto Nacional de Estatistica e Pesquisa ernP) indicam que os indices alcancados pela

alunos de 4a genie do Ensino Fundamental naoos niveis "critico" e "muito critico". Isso quersmo para as criancas que tern acesso a escola e quecem por mais de 3 anos, nao ha garantia de acessopraticas socials de leitura e escrita (Colello, 2003,

ilva, 2003). Que escola a essa que nao ensina a04/09/2008 09:15

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escrever?

Independentemente do vinculo escolar, essa mesma tendénciaparece confirmar-se pelo "Indicador Nacional de AlfabetismoFuncional" (INAF), uma pesquisa realizada por amostragemrepresentativa da populacdo brasileira de jovens e adultos (de15 a 64 anos de idade) : entre os 2000 entrevistados,1475 eram analfabetos ou tinham pouca autonomia para ler ouescrever, e apenas 525 puderam ser considerados efetivosusuarios da lingua escrita. Indiscutivelmente, uma tristerealidade!

Os motivos pelos quaffs tantos deixam de aprender a ler e aescrever

Por que sera que tantas criancas e jovens deixam de aprender aler e a escrever? Por que a tao dificil integrar-se de modocompetente nas praticas sociais de leitura e escrita?

Se descartâssemos as explicacides mais simplistas (verdadeirosmitos da educacao) que culpam o aluno pelo fracasso escolar;se admitissemos que os chamados "problemas deaprendizagem" se explicam muito mais pelas relaedesestabelecidas na dinamica da vida estudantil; se o desafio doensino pudesse ser enfrentado a partir da necessidade decompreender o aluno para corn ele estabelecer uma relaedodialOgica, significativa e compromissada corn a construed° doconhecimento; se as praticas pedagOgicas pudessem transformaras iniciativas meramente instrucionais em intervencdeseducativas; talvez fosse possivel compreender melhor osignificado e a verdadeira extensdo da nä° aprendizagem e doquadro de analfabetismo no Brasil.

Nesse sentido, os estudos sobre o letramento se prestam afundamentacdo de pelo menos trés hipOteses rido excludentespara explicar o fracasso no ensino da lingua escrita. Na mesmalinha de argumentaedo dos educadores que evidenciaram osefeitos do "curriculo oculto" nos resultados escolares dediferentes segmentos sociais, a preciso considerar, como pontode partida, que as praticas letradas de diferentes comunidades(e portanto, as experiéncias de diferentes alunos) ski muitasvezes distantes do enfoque que a escola costuma dar a escrita (oletramento tipicamente escolar). Lidar corn essa diferenca (asformas diversas de conceber e valorar a escrita, os diferentes

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Alfabetizac8o e Letramento: Repensando

usos, as vinterlocutoras altematipraticas depercorrernos paddies

Em segundoem face daartificial elOgica do "muitos alunesforcos co(Carraher,Colello e Sartificialismentre alunospersonagem

Eosin da Lingua Escrita

as linguagens, os possiveis posicionamentos doos graus diferenciados de familiaridade tematica,

de instrumentos, portadores de textos e deroducdo e interpretacdo...) significa muitas vezes

longa trajetOria, cuja duracdo tido estd previstaflexiveis da programacão curricular.

lugar, a preciso considerar a reacdo do aprendizproposta pedagOgica, muitas vezes autoritaria,uco significativa. Na dificuldade de lidar corn arenda primeiro para depois ver para que serve",

s parecem pouco convencidos a mobilizar os seustivos em beneficio do aprender a ler e a escreverarraher e Schileimann, 1989; Colello, 2003,

Iva, 2003). Essa tipica postura de resistencia aopedagOgico em urn contexto de falta de sintonia

e professores parece evidente na reivindicacdo daafalda:

.bi P4 POD FAERK64 CanPk/LIMP:IrANTES

•'l-IEss C44 PELL

S. I 4 SI •

r

Corn ironiabastante frelidar cornlinguagem,atividadesoutras), maspotencial pletramento.

Por Ultimo,(ou do Modo processovincul adoParadoxalmque os edu"desenvolviconfigurar,

e born humor, o exemplo acima explica o casotiente de jovens inteligentes que aprenderam a

as situacties complexas da vida (aquisica'o datransacOes de dinheiro, jogos de computador,rofissionais, regras e praticas esportivas entreue ndo conseguem disponibilizar esse reconhecido

superar a condi cdo de analfabetismo e baixo

o considerar os principios do alfabetizar letrandoto Ideolegico de letramento), devemos admitir quede aquisicdo da lingua escrita esta fortemente

uma nova condicdo cognitiva e cultural.nte, a assimilacão desse status (justamente aquilodores esperam de seus alunos como evideicia deento" ou de emancipacao do sujeito) pode se

na perspectiva do aprendiz, como motivos de

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resistencia ao aprendizado: a negacdo de urn mundo que nao éo seu; o temor de perder suas raizes (sua histOria e referencial);o medo de abalar a primazia ate entdo concedida a oralidade(sua mais tipica forma de expressdo), o receio de trair seuspares corn o ingresso no mundo letrado e a inseguranca naconquista da nova identidade (como "aluno bem-sucedido" oucomo "sujeito alfabetizado" em uma cultura grafocentricaaltamente competitiva).

... a aprendizagem da lingua escrita envolveurn processo de aculturano — atraves, e nadirecdo das praticas discursivas de gruposletrados - , ndo sendo, portanto, apenas urnprocesso marcado pelo conflito, como todoprocesso de aprendizagem, mas tambem urnprocesso de perda e de luta social. (...)

(...) ha uma dimensdo de poder envolvida noprocesso de aculturacdo efetivado na escola:aprender — ou ndo — a ler e escrever rid°equivale a aprender uma técnica ou urnconjunto de conhecimentos. 0 que estaenvolvido para o aluno adulto e a aceitacdoou o desafio e a rejeicdo dos pressupostos,concepcOes e praticas de urn grupodominante — a saber, as pi-Micas deletramento desses grupos entre as quais seincluem a leitura e a producdo de textos emdiversas instituicees, bem como as formaslegitimadas de se falar desses textos e oconseqiiente abandono (e rejeicdo) daspraticas culturais primarias de seu gruposubalterno que, ate esse momento, erarn asque the permitiam compreender o mundo.(Kleiman, 2001, p. 271)

Como exemplo de urn mecanismo de resistencia ao mundoletrado construido por praticas pedag6gicas (ainda queinvoluntariamnete ideologizantes) no cotidiano da sala de aula,Kleiman (2001) expo"e o caso de urn grupo de jovens que serebelaram ante a proposta da professora de examinar bulas deremedio. Como recurso didatico ate bem intencionado, oobjetivo da tarefa era o de aproximar os alunos da escrita,favorecendo a compreensdo de seus usos, nesse caso, chamando

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AlfabetizacSo e Letramento Repensando

a sua atencimportancia(posol ogi a,de vista doprovavelmeproposta deter livre aceacompanhad

Na pratica,processo desujeito poucartificialidaletrado — acruel, mas einteracào caconstruir no

Ensino da Lingua Escrita

para os perigos da auto-medicacdo e para ade se informar antes de tomar uma medicafloacOes adversas, efeitos colaterais, etc). Do pontoalunos, o repalio a tarefa, a escola e muitoa escrita foi uma reacao contra a implfcita

azer parte de urn mundo ao qual nem todos podemo: o mundo da medicina, da possibilidade de serpor um medico e da compra de remedios.

desconsideraao dos significados implicitos doalfabetizacdo - o longo e dificil caminho que oletrado tern a percorrer, a reacdo dele em face da

e das praticas pedag6gica e a negacdo do mundoaba por expulsar o aluno da escola, urn destinoitavel se o professor souber instituir em classe umaaz de mediar as tensties, negociar significados e

os contextos de insercao social.

Perspectiva das pesquisas sobre letramento

Embora ocomplexa eapreensdo dgrupo socialpratica profia respeito deducacionai"letramento

termo "letramento" remeta a uma dimensãoplural das praticas sociais de use da escrita, auma dada realidade, seja ela de urn determinadoou de urn campo especifico de conhecimento (ousional) motivou a emergencia de infuneros estudos

suas especificidades. E por isso que, nos meiosacademicos, vemos surgir a referencia no plural

Mesmo coganhamos adiversidadepela especiconfrontar"letramentoparticularidcomunidadecompreendeespecifica,"letramentointemautas"praticas (co

endo o risco de inadequacão terminolOgica,possibilidade de repensar o transit° do homem nados "mundos letrados", cada urn deles marcadocidade de um universo. Desta forma, e possiveldiferentes realidades, como por exemplo osocial" corn o "letramento escolar"; analisares culturais, como por exemplo o "Ietramento dasoperarias da periferia de Sdo Paulo", ou aindaas exigéncias de aprendizagem ern uma area

como e o caso do "letramento cientifico",musical" o "letramento da informatica ou dosEm cada urn desses universos, e possivel delinearportamentos exercidos por urn grupo de sujeitos e

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Altabetizaclo e Letramento. Repensando o Ensino da Lingua Escrita

concepcties assumidas que &do sentido a essas manifestaciies) eeventos (situacOes compartilhadas de usos da escrita) comofocos interdependentes de uma mesma realidade (Soares,2003). A aproximacäb com as especificidades permite tido soidentificar a realidade de um grupo ou campo ern particular(suss necessidades, caracteristicas, dificuldades, modos devaloraedo da escrita), como tambem ajustar medidas deintervencdo pedagOgica, avaliando suss conseqiiencias. No casode programas de alfabetizaeffo, a relevancia de tais pesquisasassim defendida por Kleiman:

Se por mein das grandes pesquisasquantitativas, podemos conhecer onde equando intervir em nivel global, os estudosacademicos qualitativos, geralmente de tipoetnografico, permitem conhecer asperspectivas especificas dos usuarios e oscontextos de use e apropriacâo da escrita,permitindo, portanto, avaliar o impacto dasintervenefies e ate, de forma semelhante adas macro analises, procurar tendénciasgerais capazes de subsidiar as politicas deimplementaedo de programas. (2001, p.269)

***

Sem a pretensào de esgotar o terra, a breve analise do impactoe contribuiedo dos estudos sobre letramento aqui desenvolvidaaponta para a necessidade de aproximar, no campo daeducano, teoria e pratica. Na sutura entre concepcOes,

pedag6gicas, reconfiguracdo de metas e quadros dereferencia, hipeteses explicativas e perspectivas deinvestigano, talvez possamos encontrar subsidios e altemativaspars a transformacao da sociedade leitora no Brasil, umarealidade politicamente inaceitivel e, pedagogicamente, aquemde nossos ideais.

NOTAS

[i] "Literacy" do ingles, traduzido por "letramento" no Brasil epor "literacia" em Portugal é uma terminologia ndo

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Alfabetizacdo e Letramento: Repensando

dicionarizadcorn diferen

Ensino da Lingua Escrita

que, nos meios academicos, vem sendo utilizadas sentidos.

fii] No Bras 1, o termo "letramento" foi usado pela 1 a vez porMary Kato, em 1986, na obra "No mundo da escrita: uma

sicolingiiistica" (Sao Paulo, Atica). Dois anosa representar urn referencial no discurso daser definido por Tfouni em "Adultos nä°

: o avesso do avesso" (Sao Paulo, Pontes) epublicacees posteriores.

utiliza a expressão "escrita verdadeira" emscrita escolar", urn modelo muitas vezes artificial,ismo ndo faz justica a multidimensionalidade da

evidencia desse paralelismo, a possivel, poros casos de pessoas letradas e nOo alfabetizadas

que, mesmo incapazes de ler e escrever,os papeis sociais da escrita, distinguem generos

em as diferencas entre a lingua escrita e ade pessoas alfabetizadas e pouco letradas

, mesmo dominando o sistema da escrita, poucouas possibilidades de uso).

sociedade como a nossa, o mais comum e que aseja desencadeada por prAticas de letramento, taisistOrias, observar cartazes, conviver corn praticascorrespondencia, etc. No entanto, a possivel quem baixo nivel de letramento Ono raro membros de

analfabetas ou provenientes de meios comrdticas de leitura e escrita) so tenham ade vivenciar tais eventos na ocasiào de ingresso

m o inicio do processo formal de alfabetizacdo.

urn estudo mais aprofundado dos modelose "IdeolOgico" descritos por Street, remetemos o

a de Kleiman, 1985.

Jviil Dindm ca porque pressupbe o movimento intenso de urnpolo ao out s; reversivel porque a experiéncia em qual quer urndos pOlos re ete ao amadurecimento nos demais.

Eviiil Para ais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos,populacdo e volvida, criterios de analise e resultados obtidos),

perspectivadepois paeducacào,alfabetizadoretomado e

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Altabetaacao e Letramento: Repensando o Ensino da Lingua Escrita

remetemos o leitor a leitura de Ribeiro (2003).

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