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Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
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ALGUNS ASPECTOS SOCIAIS E EPISTEMOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO EM
EDUCAÇÃO NO QUEBEQUE1
LA RECHERCHE EN ÉDUCATION AU QUÉBEC : QUELQUES REPÈRES SOCIAUX ET
ÉPISTÉMOLOGIQUES DE SON ÉVOLUTION
ANADON, Marta ([email protected])
Université du Québec à Chicoutimi
RESUMO
Neste princípio de século e de milénio, a investigação em educação no Quebeque vive um momento decisivo e essencial. Interpelada por todos que interrogam as práticas profissionais, ela procura responder às novas exigências que colocam a profissão do professor no centro das preocupações do mundo da educação. Para responder a estas novas exigências, a investigação em educação centra-se na dialéctica teoria-prática, na transformação de práticas e no desenvolvimento profissional dos investigadores e dos que trabalham no terreno. A fim de apreender a importância e as razões de ser destas novas preocupações e destas maneiras de fazer, recentes na investigação em educação, propõe-se aqui uma leitura histórica. Este olhar retrospectivo visa reconstituir a génese dos problemas com os quais esta investigação é actualmente confrontada e permite também fornecer elementos para efectuar uma análise crítica dos desafios e apostas destes trabalhos.
RESUME
En ce début de siècle et de millénaire, la recherche en éducation au Québec est à un tournant majeur. Interpellée de toutes parts par les milieux de pratiques professionnelles, elle doit répondre à de nouvelles exigences qui placent la profession enseignante au centre des préoccupations du monde de l’éducation. Pour répondre à ces nouvelles demandes, la recherche en éducation s’est placée au cœur de la dialectique théorie-pratique de la transformation de pratiques et du développement professionnel des chercheurs et des praticiens. Afin de saisir l’importance et la raison d’être de ces nouvelles préoccupations et de ces façons de faire récentes de la recherche en éducation, une lecture historique est ici proposée. Ce regard rétrospectif vise à reconstituer la genèse des problèmes auxquels la recherche en éducation est actuellement confrontée; il permettra aussi de fournir des éléments pour effectuer une analyse critique des enjeux de la recherche dans ce domaine du savoir.
1 Este texto foi publicado em francês por Anadón, M. (2004). Quelques repères sociaux et épistémologiques de la recherche en éducation
au Québec. .Dans Karsenti, T. et Savoie-Zajc, L. (2004). La recherche en éducation: étapes et approches. Sherbrooke: CRP, pp. 19-36.
Agradecemos às Éditions du CRP que nos permitiram publicar este capítulo em português.
Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
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A investigação em educação: etapas e abordagens
1. Introdução
A investigação em educação tem apenas trinta anos de existência e está nos seus primórdios no
Quebeque. Pode dizer-se que ela procura ainda abordagens rigorosas e capazes de ter em conta a
complexidade do objecto que constitui a educação, e procura também estabelecer modos de
colaboração férteis e eficazes com os que trabalham no terreno. Vários autores afirmam que a
investigação em educação teria sido até agora uma outra investigação sobre a educação, afastada
dos interesses dos meios da prática, incapaz de desenvolver o seu próprio campo disciplinar e de
elaborar um saber com benefício dos actores da educação (Bisaillon, 1992; Carr e Kemmis, 1986;
Goodson, 1993; Kennedy, 1997; Van der Maren, 1995, 1999). É por isso que a investigação em
educação é, desde há alguns anos, objecto de múltiplos questionamentos quanto às suas finali-
dades, à sua pertinência social e económica, à sua capacidade de responder numerosos desafios e
problemas com os quais são confrontados os sistemas educativos.
No entanto, em educação, abordagens de investigações recentes tentam actualmente fazer a
ponte entre a teoria e a prática, com o objectivo de melhorar a prática educativa e preconizam um
processo investigativo em relação com os actores do terreno. Estes “princípios” estão na base de
novas dinâmicas de investigação susceptíveis de contribuir para a mudança, para a solução dos
problemas de educação e para o desenvolvimento profissional dos actores em educação.
Em consequência, as maneiras inovadoras de fazer investigação e de produzir um discurso científico
em educação estão em curso de elaboração e dão um lugar preponderante às acções e aos papéis
dos diferentes actores do mundo educacional: alunos, professores, administradores, decisores, etc.
Por isso, parece possível aos investigadores a produção de um saber que seja capaz de “tocar” os
diversos aspectos da prática educativa.
Para situarmos no tempo esta transformação, tanto no plano das finalidades como nas maneiras
de abordar o fenómeno educativo, traçamos um breve percurso histórico da investigação
educacional no Quebeque, que vai da criação dos Departamentos e das Faculdades de Educação
até aos nossos dias. Dois pontos de ancoragem guiam a construção desta evolução: o primeiro, de
ordem social, faz referências às necessidades sociais que, em cada período, contribuíram para
orientar e reorientar a investigação e provocaram as mudanças observadas actualmente neste
campo; o segundo, de ordem epistemológica, refere-se os modelos, às concepções, aos
paradigmas e às abordagens que atravessam as ciências sociais e humanas, e mais particularmente
as ciências da educação.
2. Quatro momentos históricos da investigação em educação no Quebeque
A leitura histórica permite reconstituir a génese dos problemas actuais com os quais a investigação
em educação é confrontada e fornece os materiais necessários para uma leitura crítica desses
desafios e apostas. Esta evolução já foi traçada por vários autores (Ayotte, 1984), (Conseil des
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Universités, 1986), Fontaine, 1994) e é a partir destes balanços que estabelecemos os quatro
grandes períodos que são apresentados.
O primeiro período, dos anos 60, representa a emergência da investigação sobre a educação.
Durante este período, o projecto de democratização do ensino ganha amplitude com a Commission
Royale d’enquête sur l’enseignement (1961) e a criação do Ministério da Educação (1964). Neste
contexto, a reforma escolar, que é eminentemente política, tem de se apoiar num conjunto de
justificações científicas.
A década de 70 e os primeiros anos de 1980 constituem o segundo período. Esta é caracterizada
pela emergência de uma crítica da sociedade e da escola e várias investigações visam então
demonstrar que persistem as desigualdades sociais e escolares, apesar da democratização do
ensino. Neste contexto, as universidades, as estruturas sindicais, o Conseil supérieur de l’éducation,
o Conseil des universités e o Conseil de collèges desenvolvem actividades de investigação em
educação. Contudo, no início dos anos 1980, a crise económica provoca compressões orçamentais
nos domínios da saúde, dos serviços sociais e da educação que afectam profundamente o sistema
escolar e a formação profissional. Neste contexto, o “Estado Providência” é duramente atacado e
as ideologias contestatárias que caracterizaram as décadas precedentes dão lugar a novos valores
centrados no indivíduo. O conservadorismo e o neoliberalismo emergentes dão a resposta às
novas necessidades sociais, centradas na investigação da qualidade, do desempenho e da
excelência em educação. Estes valores transformam a face da escola quebequense, cada vez mais
preocupada em responder às novas exigências da sociedade. No plano investigativo, os modelos
experimentais estão em crise, porque se revelam incapazes de resolver os problemas educativos e
faz-se sentir a necessidade de estabelecer ligação com as práticas concretas dos actores. Têm
então lugar novas análises fundadas na observação das práticas pedagógicas e nos pontos de vista
dos actores. As suas vivências, as suas experiências, as práticas escolares e os sentidos que
atribuem à acção passam a ocupar um lugar importante na investigação em educação.
O terceiro período, que chamamos “emergência e estabilização de um novo paradigma”, estende-
se de 1984 até ao início dos anos 1990 e é durante este período que o modelo de investigação
científica, até então dominante, é posto em questão. Um forte questionamento epistemológico
anima os meios de investigação em ciências humanas e sociais. A reflexão sobre a produção do
saber dito “científico”, e sobre os problemas teóricos e metodológicos que daí decorre, preocupa a
comunidade que investiga em educação. Desta reflexão surge uma nova inteligibilidade da
produção do saber científico, uma compreensão renovada do objecto da investigação em ciências
da educação.
A década de 90 é palco de um novo eixo de investigação e visa particularmente a formação e a
profissão docente. Estas problemáticas, que são abordadas em termos de acção/significado, põem
a tónica num processo global, contextualizado e que considera o sentido que os actores atribuem à
situação educativa e à sua acção. Os investigadores comprometem-se numa reflexão muito mais
acentuada tanto no plano epistemológico (refinamento dos postulados e das linguagens,
elaboração dos critérios de cientificidade, etc.) quanto no plano metodológico (amostragem,
generalização, elaboração das técnicas de colecta e análise dos dados qualitativos, etc.). Estes
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desenvolvimentos permitem-nos afirmar que, a partir de 1990, o paradigma atinge a sua
maturidade e que a investigação em educação é inegavelmente marcada por esta nova maneira de
conceber as produções dos conhecimentos científicos em ciências humanas e sociais.
2.1 Emergência da investigação sobre a educação (1960-1970)
Durante a «Revolução Tranquila», a investigação sobre a educação foi associada à elaboração das
grandes políticas educativas (democratização, regionalização, polivalência, etc.). A escolha da prepo-
sição “sobre” é importante porque, nessa época, a investigação era efectuada por técnicos procedentes
de outras ciências sociais e humanas que satisfaziam os pedidos urgentes do Ministério da Educação do
Quebeque, recentemente criado. Neste contexto, a investigação tinha um objectivo axiológico e os seus
resultados estavam na base da elaboração das orientações e das políticas educativas. O desafio era
eminentemente político, porque importava elaborar, o mais rapidamente possível, políticas educativas
a partir dos novos valores que consideravam a educação como motor de mudança social, de
mobilidade e de sucesso. Estes trabalhos contribuíram largamente para instauração das políticas de
democratização de acordo com a vontade política de favorecer a igualdade de oportunidades para
todos. Paradoxalmente, ainda que as preocupações em ciências sociais fossem centradas na edu-
cação, os profissionais da área não estavam implicados nesse processo.
Nessa mesma época foram criados os Departamentos e as Faculdades das Ciências da Educação cujo
objectivo era transferir para as universidades a formação dos professores, deixada até então quase
exclusivamente nas mãos da Igreja (com excepção das escolas normais públicas localizadas em
Montreal e na cidade de Quebeque). Este movimento de secularização e de qualificação queria dar
à formação dos professores um carácter profissional menos tradicional e menos técnico, mas mais
universitário e mais científico. É neste sentido que o Governo criou a Universidade do Quebeque. A
partir de 1971, o conjunto das universidades quebequenses assumiu, por contrato com o Governo,
a responsabilidade da formação dos professores do ensino básico e secundário. Esta mudança
visava três objectivos principais: reforçar o ensino das disciplinas, fazer com que a formação dos
professores tirasse partido da “interfecundação” do ensino e da investigação e aumentar o nível e
o prestígio da profissão docente.
Assim, a formação dos professores e a profissão docente inscreveram-se no movimento científico
porque, para entrar plenamente na «Revolução Tranquila», a formação do professor devia juntar-
se às disciplinas científicas. O saber disciplinar, pedagógico e, sobretudo, psicológico, tornam-se daí
em diante, na formação dos professores, os parâmetros que definem o seu saber profissional. A
profissão encontra-se assim “disciplinada” por um corpo de saberes procedentes da investigação
científica, mais abstractos e reconhecidos como conhecimentos mais aprofundados.
Contudo, o corpo docente destes novos departamentos e das faculdades de educação, largamente
herdeiro das escolas normais e mal preparado a fazer investigação, estava centrado na formação
dos professores e considerava-se transmissor dos conhecimentos científicos elaborados pelos
especialistas de diferentes disciplinas. A psicologia era a eleita, porque os psicólogos forneciam os
indicadores fundamentais sobre os quais se devia construir a pedagogia. Desta maneira, a
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formação centrada nos conhecimentos disciplinares permitia que a formação dos professores
entrasse na especialização científica, ainda que os professores das ciências da educação não
fossem produtores dos conhecimentos nesse campo. Com efeito, estes departamentos e estas
faculdades não produziam investigação e muito poucos professores concebiam a sua tarefa
integrando-lhe essas funções. Neste sentido, pode afirmar-se, de acordo com Fontaine (1994), que
esta etapa de emergência não é caracterizada pelo desenvolvimento da investigação nos
departamentos e nas faculdades de educação preocupados então pela implantação dos programas
de formação dos professores.
Além disso, a inserção da formação dos professores nas universidades não se fez sem
discordâncias. As unidades das ciências da educação não tinham, e talvez não tenham ainda, uma
grande coordenação com as outras unidades “académicas” da universidade; isto conduziu a
conflitos, particularmente com os sectores disciplinares com quem partilhavam a formação dos
professores do secundário e de alguns ciclos do ensino básico. Por isso, pode afirmar-se que só foi
atingido o objectivo de reforçar o ensino das disciplinas.
2.2 Domínio do paradigma positivista e experimental (1970 -1983)
A partir dos anos 1970, com a criação do programa Fonds d’aide aux chercheurs et d’action
concerté, as universidades instauram estruturas de investigação, aumentando o número de
mestrados e de doutoramentos em educação. Com isso, começa a desenvolver-se uma novidade
lógica nos Departamentos e nas Faculdades de Educação. Se a lógica de construir e realizar uma
formação profissional dos professores predominou até então, agora valoriza-se uma lógica
universitária orientada para a investigação e para os estudos dos ciclos superiores, lógica esta que
tenta desenvolver e fazer reconhecer um conhecimento pedagógico pela comunidade científica.
Implicitamente, cria-se a ideia de que se podia construir uma ciência aplicada à educação,
sustentada pelas teorias e pelos métodos das outras ciências humanas, principalmente da
psicologia behaviorista e da sociologia. As análises macro-sociológicas de inspiração funcionalista ou
marxista serviam para dar conta do papel da escola na sociedade e para se questionarem as maneiras
de responder às exigências da nova sociedade mais democrática e mais moderna. A democrati-
zação do ensino, lançada anteriormente pela Réforme Parent, é então sujeita a profundas críticas.
Os universitários e a Central do Ensino do Quebeque (CEQ) da época efectuam investigações que
denunciam a sociedade tecnocrática, burocrática e capitalista bem como o papel da escola, do
ensino privado e confessional, porque as desigualdades sociais e escolares persistem dez anos após
a «Revolução Tranquila» (Anadón, 1989). Entre as várias investigações que se centram na questão
do fenómeno da escolarização no Quebeque, Escande (1973), por exemplo, analisa as diferenças
nos percursos escolares dos alunos até ao secundário. A sua investigação é acompanhada por um
grande inquérito sobre as aspirações escolares e as orientações profissionais dos estudantes
(ASOPE) e os resultados, no Quebeque, mostram um desvio significativo no sucesso e na passagem
para os estudos pós-secundários entre os alunos oriundos dos meios desfavorecidos e os
procedentes de meios favorecidos. As segmentações sociais, de acordo com o sexo, as
disparidades entre os percursos escolares de francófonos e de anglófonos, a ascensão da escola
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privada em relação à escola pública são alguns dos temas que retêm a atenção da investigação
durante a primeira metade deste período.
A psicologia trazia, por seu lado, conhecimentos sobre o aluno e sobre a aprendizagem; a
psicopedagogia impunha-se como uma nova «ciência» centrada na educação. Desenvolvia-se uma
nova pedagogia, mais científica, provocando mudanças importantes ao nível dos programas, dos
métodos de ensino, do lugar do aluno na aprendizagem, etc. Inspirando-se nestes
desenvolvimentos disciplinares, várias práticas pedagógicas traduziram, e traduzem ainda hoje,
marcas de um empirismo trivial que põe o papel do sujeito que conhece como um receptor ou um
espectador passivo. Ademais, a etimologia da palavra empirismo remete para a experiência
porque, para o empirismo, só é válido como objecto de análise científico o que é perceptível,
redutível à experiência concreta e, por conseguinte, identificável no ambiente.
As ciências da educação, as investigações em didáctica, em avaliação, as interpretações da
inadaptação escolar, as concepções do processo ensino-aprendizagem, os estudos macro-socioló-
gicos sobre a igualdade de oportunidades em face da escola e da sociedade, sobre a questão da
mobilidade ou a reprodução social e escolar, foram então caracterizadas por uma orientação
determinista do comportamento humano. E instala-se a mesma concepção da investigação cien-
tífica em educação: para «fazer ciência», num estudo em educação, era necessário emitir hipó-
teses, verificar, com ajuda de instrumentos de medida válidos, a existência das variáveis contidas
nas hipóteses e estabelecer correlações entre os dados obtidos. Resumidamente, para ser cientista
em educação, era necessário adoptar o modelo reconhecido nas ciências da natureza, que tem
como fonte o paradigma positivista.
De acordo com este paradigma, a ciência serve, em primeiro lugar, para provar as regularidades
que se supõem subjacentes a todo e qualquer fenómeno. Para chegar aí, decompõem-se os
fenómenos em variáveis e procura-se estabelecer relações de causalidade, sendo a
experimentação e a quantificação os meios privilegiados para produzir conhecimentos. Neste
paradigma, o objectivo da investigação em ciências humanas, como de resto em todas as outras
ciências, é o de elaborar leis, estruturas ou regularidades, quer fazendo abstracção do conteúdo
simbólico, que é constitutivo da vida social, quer considerando o objecto de estudo não diferente
do das ciências da natureza e que pode, consequentemente, ser apreendido pelos mesmos
procedimentos. Esta abordagem é qualificada de nomotética (do grego: nomos = lei).
Apesar destes desenvolvimentos, epistemologicamente uniformes, o campo das ciências da
educação no Quebeque está ainda longe de produzir uma cultura de formação e de investigação
como existe noutros sectores universitários. Em 1979, no âmbito da Commission d’étude des
université, o Comité de Estudo Sobre a Formação e o Aperfeiçoamento dos Professores elaborava,
no seu relatório (o relatório Angers), um balanço negativo da investigação em educação,
defendendo que o Quebeque devia dotar-se de uma política neste domínio e que a investigação
em educação deveria ser uma prioridade da década de oitenta.
Vários elementos podem ajudar a compreender esta situação. Primeiramente, a educação não é
ainda um domínio estruturado do saber com fundamentos conceptuais e métodos específicos
(Legendre, 1993). Em segundo lugar, os investigadores, muitas vezes com a preocupação de fazer
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avançar a sua disciplina de origem, abordam as problemáticas educativas de um ponto de vista
monodisciplinar negando a interdisciplinaridade que caracteriza qualquer fenómeno educativo
(Anadón, 1990). Com efeito, os especialistas estão sobretudo subordinados à sua pertença
disciplinar, ou seja, à psicologia, à sociologia, à história ou à filosofia e isto tem como consequência
um afastamento do mundo do ensino-aprendizagem. Finalmente, de acordo com Goodson (1993),
estes especialistas da educação ignoram a realidade escolar e, num grande número de casos, pode
dizer-se que se afastaram dos seus pares que trabalham no meio escolar.
Assim, a fim de garantirem a sua sobrevivência e o seu desenvolvimento na universidade, os
professores-investigadores em ciências da educação centraram-se cada vez mais nas respectivas
disciplinas e conformaram-se às exigências do modelo universitário que dá prestígio e
reconhecimento à investigação fundamental, às publicações arbitradas por peritos e à pertença a
uma família restrita de especialistas. Deste modo, o campo das ciências da educação é dividido em
vários subcampos ou domínios, reivindicando, cada um, uma parte importante do acto educativo: a
avaliação, as didácticas das disciplinas, a psicopedagogia, a adaptação escolar, a administração, as
referências, a andragogia, a educação física, etc. Esta emergência de diferentes subcampos, que é
acompanhada de lógicas de desenvolvimento diferentes, foi fonte de conflitos e tensões e provocou
saberes parciais sobre o fenómeno educativo. Além disso, estes sectores revelaram-se irredutíveis na
sua totalidade por um só modelo de análise ou a partir do ponto de vista restrito de uma espe-
cialidade. As diferentes disciplinas aferrolharam-se no seu saber parcial e conservaram uma atitude
de “caça guardada” que não ajudou ao desenvolvimento da investigação em educação. Apanhada
nesta lógica do desenvolvimento das disciplinas, a investigação em educação tornou-se demasiado
especializada, de difícil compreensão para os práticos e, por conseguinte, não relevante social e
profissionalmente.
Esta realidade teve efeitos perversos. Se, por um lado, a investigação em educação deu um salto
considerável no Quebeque nestes últimos anos – é surpreendente constatar todo o caminho
percorrido em tão pouco tempo – por outro lado, afastou-se da formação prática dos professores.
Ao mesmo tempo, as relações entre os departamentos e as faculdades de ciências da educação e
as escolas primárias e secundárias estão, por assim dizer, mortas, tornando-se assim o saber
produzido pela investigação universitária um saber separado e distinto do meio escolar, sem
significado para os práticos.
2.3 Emergência e estabilização de um novo paradigma (de 1984 ao início dos anos
noventa)
Da segunda metade dos anos oitenta ao início dos anos noventa, as ciências sociais atravessam um
importante período de transição. A concepção clássica da ciência dominante há vários séculos é
objecto de vários questionamentos que tornam impossível apresentar aqui todos os debates e as
revisões críticas que caracterizaram esta época. No plano epistemológico, por exemplo, certos
filósofos contestam a ideia que o objectivo da ciência é descobrir a verdade sobre o mundo
empírico e recusam a crença numa ciência objectiva, neutra e ao alcance universal (Fourez, 1988).
No plano metodológico, outros contestam a pretensão da metodologia experimental (das ciências
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da natureza) de querer examinar todos os temas, todos os objectos através da mesma abordagem
metodológica como se todo o objecto pudesse ser estudado com o mesmo método. Recusa-se, por
conseguinte, a imposição das regras “metódicas” que desencorajam a imaginação criadora
(Chalmers, 1987; Feyerabend, 1979; Morin, 1977; Pourtois et Desmet, 1988).
Durante este período, os investigadores em ciências humanas e sociais, da mesma maneira que os
da educação partem de postulados epistemológicos novos, fundamentalmente diferentes, ou
mesmo divergentes, dos das ciências da natureza. Procuram agrupar-se em redor de outras
“visões”, tentam precisar a especificidade da investigação em ciências humanas (o indivíduo e o
social), trabalham para alargar a possibilidade dos métodos e dos instrumentos de apreensão e de
análise dos dados, e para definir novos critérios de cientificidade (Lincoln e Guba, 1985; Pirès, 1993;
Savoie-Zajc, 1993b, 1996b). Postulam que o mundo social é significativamente diferente do mundo
natural, que não podemos apreendê-los pelos nossos sentidos, mas antes por um trabalho de
interpretação, que a experiência humana é caracterizada pela continuidade, mas também pela
mudança e que devido a isso é imprevisível, e que os problemas humanos são locais, contextuais e,
por conseguinte, que as ciências sociais e humanas não podem pretender à elaboração de leis
gerais.
Assim, a problemática ligada à explicação e à compreensão adquire um lugar privilegiado. É
necessário estabelecer claramente a diferença entre o objectivo das ciências da natureza e o das
ciências humanas e sociais. As ciências da natureza procuram explicar por relações causais os
fenómenos naturais, que levam à formulação de leis com pretensão universal. As ciências humanas
visam compreender os fenómenos humanos tal como se podem observar no seu meio natural e
têm em conta os significados que os sujeitos constroem a partir de suas acções.
Neste contexto, as «grandes teorias», das quais o behaviorismo em psicologia ou as do
funcionalismo e do marxismo em sociologia, encontram-se em perda de legitimidade. Os pontos de
vista deterministas, centrados nas estruturas e nos grandes sistemas, já não permitem
compreender a realidade educativa. Face a esta crise, a investigação em ciências sociais e em
ciências da educação volta-se para as práticas concretas dos actores, para a construção social da
realidade. Assim, valoriza-se a dimensão experiencial e subjectiva e são tidas em conta a
intencionalidade dos actores e a complexidade da realidade social.
Ao mesmo tempo, os limites do paradigma positivista são apontados por um grande número de
investigadores. No Quebeque, o momento crucial da crítica situa-se a meio dos anos oitenta com a
criação, em 1984, da Association pour la recherche qualitative. Nesta iniciativa de investigadores
em ciências da educação, conscientes dos limites da utilização do paradigma das ciências da
natureza em educação (Deschamps, 1995), surgiram várias críticas ao modelo experimental no
colóquio fundador da Associação: a grande tendência ao reducionismo, a questão de investigação
que visa, a qualquer preço, regularidades e generalizações e, fundamentalmente, a incapacidade
de dar respostas aos problemas encontrados pelos que trabalham no terreno.
A maneira de abordar a investigação em educação evolui; os investigadores inspiram-se noutros
modelos, como o interaccionismo simbólico, a etnometodologia, a fenomenologia, a sociologia
interpretativa, a sociologia da experiência, a sociologia do actor, etc. Pouco importam as fontes dos
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investigadores: a constância será sempre uma grande preocupação de dar conta da realidade da
vivência das pessoas observadas sem que seja necessário recorrer a instrumentos demasiado
vinculativos, como as tabelas de observações com categorias predeterminadas ou questionários
fechados ou entrevistas dirigidas. Emerge então um novo paradigma (naturalista, construtivista,
interpretativo) e constroem-se novas metodologias tendo em conta o objecto de estudo das
ciências da educação, que é significativamente diferente do das ciências da natureza, porque se
trata de um sujeito que intervém com a sua intencionalidade e os seus valores. Este objecto das
ciências humanas é portador de significados sociais e culturais que não se deixa apreender por
métodos de observação do mundo natural. Desde que se esteja confrontado com os fenómenos
humanos, está-se, inevitavelmente, na presença da acção e esta não se pode tratar, sem fazer
intervir explicitamente o sentido.
Dado que o objecto da investigação é concebido em função da acção/significado, o investigador
deve apreender o mundo social por uma actividade de interpretação, ou seja, de acordo com o
sentido que atribui aos objectos. Assim, elaboram-se novas abordagens metodológicas, mais
“qualitativas” e mais interpretativas que valorizam a subjectividade, a intencionalidade dos actores
e o carácter reflexivo da investigação.
Este novo paradigma, mais adequado aos problemas epistemológicos colocados aos investigadores
que desejam melhor compreender os problemas educativos, também foi estimulado por factores
sociais. Os conceitos e os métodos que o caracterizam assemelham-se, em reacção à
especialização, à fragmentação da vida social moderna, ao papel do perito. No domínio da edu-
cação, de acordo com Bolster (1983), o recurso a este tipo de investigação é imputável ao facto de
as perspectivas dos investigadores e as dos professores se tornarem mais compatíveis. Com efeito,
estas novas abordagens de investigação reafirmam o postulado da eficácia do indivíduo
reconhecendo-lhe um poder de negociação dentro dos grupos, e estabelecem a crença na comu-
nidade, nos valores da pessoa e no poder dos indivíduos para determinarem o seu próprio destino.
Assim, os desenvolvimentos desta abordagem interpretativa incidem no o sujeito, umas vezes
como pessoa psico-individual, outras como actor sócio-institucional. Vê-se aqui como o sujeito se
tornou o centro das preocupações em ciências sociais e humanas, mas também nas ciências da
educação. Trata-se, por conseguinte, da passagem do macro à micro-análise para a qual Gohier
(1997) chama atenção, nas suas reflexões sobre o lugar do sujeito na investigação em educação.
Esta mudança paradigmática e a tomada de consciência nos meios universitários dos limites da
contribuição da investigação para a solução dos problemas em educação conduziram a um
renascimento da investigação em ciências da educação. Outras maneiras de fazer a investigação e de
produzir um discurso científico em educação parecem dar um lugar preponderante às acções e aos
significados dos sujeitos: a monografia, os estudos descritivos e exploratórios e o estudo de casos
adquirem cartas de nobreza em ciências da educação, porque permitem ter em conta a realidade
vivida pelos actores e porque permitem que os investigadores possam produzir um saber capaz de
transformar a prática educativa.
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2.4 Maturidade do paradigma e preocupações centradas na profissão docente e no
desenvolvimento profissional (do início dos anos noventa até à actualidade)
Os anos noventa trouxeram inúmeros trabalhos em relação à questão da profissionalização do
ensino. No Quebeque, ela encontra eco nas políticas do Ministério da Educação (1992; 1994), que
estipulam que a formação ao ensino pré-escolar, primário e secundário deve ser de tipo
profissional, dado que o professor, como agente autónomo e responsável, deve tomar decisões
profissionais e adaptar-se continuamente às exigências da situação educativa, às características dos
alunos e à evolução da sociedade. As recomendações contidas no relatório do Conseil supérieur de
l’éducation (1991), a propósito da profissão docente e o dos États Généraux sur l’éducation (1995-
1996), vão no sentido de promover uma formação profissional para os professores. Neste passo, é
instaurada uma grande quantidade de medidas governamentais e institucionais para renovar a
profissão docente. Uma das ideias soberanas desta reforma é a da formação profissional como
série contínua de formação (inicial e contínua). Estas novas orientações colocam a pro-
fissionalização no centro das preocupações do mundo da educação.
No seio deste desenvolvimento da profissão docente, a investigação em educação teve novas
finalidades: o aperfeiçoamento e o desenvolvimento profissional pela reflexão sobre a acção.
Inspirados no modelo do prático reflexivo (Schön, 1983, 1987), os investigadores sustentam a ideia
que a prática e a reflexão sobre a prática podem fornecer oportunidades de desenvolvimento
profissional.
Dois grandes princípios estão na base desta nova maneira de fazer investigação em educação. O
primeiro afirma que a realidade educativa é caracterizada pela complexidade. Abandona-se a con-
cepção de uma realidade simples e única para adoptar a das realidades complexas, plurais, diversas e
interactivas. O objecto da educação, em geral, e a problemática da formação e a profissão docente,
em especial, devem ser abordados em qualquer das suas complexidades, ou seja, tendo em conta a
pluralidade dos aspectos em jogo. A investigação em formação dos professores é encarada em
relação aos meios de ensino, estudando o professor em situação, tendo como objectivo o
reinvestimento do saber produzido na prática concreta, a transformação das práticas e o
desenvolvimento profissional.
A complexidade do real, já mencionada, é a do ser humano e o seu ambiente. Assim, na investigação
em educação centrada no professor e nas suas acções, desenvolvem-se abordagens teóricas e
metodológicas mais interpretativas sobre a pessoa, umas vezes como sujeito psico-individual,
outras como actor social. Dá-se importância ao papel da intencionalidade, aos valores e ao
processo de interpretação na acção humana, assim como à irredutibilidade da relação entre
conhecimento e acção. Na essência do paradigma compreensivo, concebe-se o estudo dos
fenómenos educativos como uma leitura interpretativa feita por um homem que se define
certamente pela sua racionalidade, mas igualmente por um ponto de vista social que orienta e
condiciona a sua acção. Considerar o professor a partir desta perspectiva significa que esta pessoa
dispõe de certa margem de autonomia que lhe permite agir dentro dos constrangimentos
institucionais e contextuais (programas, horários, abordagens pedagógicas, projecto educativo da
escola, etc.). Por outros termos, afirmar que o professor é um actor social é romper com as
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abordagens reducionistas que, durante muito tempo, definiram o seu papel como o de um
executante passivo e é considerá-lo como um mediador, como um sujeito racional. É este o
segundo princípio em que se apoia a actual investigação em educação: o professor é um actor social,
criador de significados, que altera o ritmo do seu contexto, do seu universo interno, dos seus
projectos e desejos.
Esta afirmação remete para uma tripla tomada de posição: epistemológica, teórica e metodológica.
No plano epistemológico, fundamenta-se na fenomenologia (Berger et Luckman, 1987; Husserl,
1985; Schutz, 1987), no interaccionismo simbólico (Blumer, 1969; Mead, 1934) e na sociologia
interpretativa (Weber, 1968) que caracterizou o período anterior. Estas orientações atribuem uma
importância central à intencionalidade dos actores bem como à complexidade e ao carácter
variável e irredutível dos processos implicados no desenvolvimento da acção educativa, porque os
actores não são redutíveis a uma lógica única, a uma estrutura determinante, a um papel ou uma
programação cultural de condutas. No plano teórico, a concepção subjacente é a de uma acção
social onde intervêm os valores e a intencionalidade do actor em causa (Crozier et Friedberg, 1977;
Tourraine, 1992, 1984) numa sociedade crítica (Habermas, 1987; Zuñiga, 1975). Assim, qualquer
acção social é única, complexa e movente e não pode ser apreendida por um investigador externo
que produz conhecimentos objectivos isolando variáveis e medindo resultados. Esta perspectiva dá
uma importância prioritária ao papel activo do actor, capaz de reflexão (Schön, 1983), capaz de
conhecer pela acção (St-Arnaud, 1992), não só consciente mas também responsável das suas
escolhas (Zuñiga, 1994). Metodologicamente, a partir destes postulados, a investigação sobre a for-
mação e a profissão docente não pode satisfazer-se nem com a descrição nem com a medida dos
elementos isolados. Tem necessidade de abordagens susceptíveis de ter em conta a interacção
investigação-actores, a dialéctica teoria-prática, a subjectividade de um e do outro, assim como o
contexto na compreensão do professor como actor social.
Estes princípios exigem uma articulação entre a teoria e a prática, entre a investigação e a acção.
Neste quadro, desenvolveram-se novas abordagens de investigação, mais compreensivas, sobre a
pessoa e o seu desenvolvimento profissional. Assim, desde há alguns anos, certos modelos de
investigação vêm colocando a tónica sobre o que Van der Maren (1995 e 1999) chama o desafio
ontogénico da investigação em educação, ou seja, aquele que visa a transformação das práticas.
Desse modo, certos tipos de investigação-acção, como os que são procedentes das correntes
pragmático-interpretativas e críticas (Savoie-Zajc, 2001), têm o objectivo de trabalhar com os
actores da educação visando a identificação, o esclarecimento e a resolução dos problemas com os
quais eles são confrontados (Savoie-Zajc, 2001; Savoie-Zajc e Dolbec, 1994; Dolbec, 1997; Côté-
Thibault, 1992; McNiff, Lomax, Whitehead 1996). Estas perspectivas constituem estratégias de
desenvolvimento profissional, porque o processo de resolução de problemas instaurados de-
senvolve nas pessoas em questão o diálogo, a reflexividade e a auto-avaliação.
Uma outra abordagem que se desenvolveu no Quebeque, privilegiando uma implicação dos
professores nos processos de investigação, é a da investigação colaborativa (Desgagné, 1997, 1998;
Desgagné, Bednarz, Coututure, Poirier et Lebuis, 2001). Este tipo de investigação põe a tónica no
trabalho reflexivo em conjunto entre investigador e prático com o objectivo de incentivar o professor
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a actualizar a prática, a questionar, a analisar e co-construir com o investigador certas
interpretações, certos saberes a propósito dessa mesma prática, saberes que servem, ao mesmo
tempo, a formação e a investigação.
Outro grupo dos trabalhos, preocupado com a acção dos professores, encontra-se no campo do
que se conhece hoje como a quarta geração da investigação avaliativa (Guba e Lincolm, 1989). A
concepção da avaliação que lhe subjaz excede as finalidades de medida, de descrição, de juízo e de
recomendações que caracterizam as três primeiras gerações. Este tipo de avaliação adopta uma pos-
tura que “responde” aos significados e às interpretações dos actores que favorecem o diálogo, a cola-
boração, a reflexividade e a negociação (Anadón, Sauvé, Torres e Boutet, 2000; Anadón e Savoie-Zajc,
2004; Zuñiga, 1994).
Estas novas formas de investigação onde o investigador se torna um colaborador dos actores impli-
cados mostram que as intenções e as práticas têm de fazer em conjunto a investigação “com” os
professores e não “sobre eles”. Apesar das tónicas específicas destas diversas formas de
investigação participativas, elas partilham o postulado que certas práticas de investigação permitem
um efectivo desenvolvimento profissional porque desenvolvem, nas pessoas implicadas, a confiança
nas suas capacidades pessoais, a responsabilidade perante as suas escolhas de estratégias de acção
e o sentimento que esta acção pode permitir progredir no sentido de uma transformação pessoal e
profissional.
Assim, a investigação em educação tem novas preocupações, novos eixos de desenvolvimento que
põem a prática educativa no centro das relações entre investigação e intervenção. Como o retrato
histórico não pode emprestar-se a uma análise completa dos diferentes eixos de investigação, con-
tentamo-nos em identificar aqui certas temáticas que se preocupam actualmente com esta questão.
Esquematicamente, podem classificar-se as investigações sobre a profissão docente em quatro
grandes problemáticas: os percursos profissionais dos professores (trajectórias escolares e sociais,
expectativas, representações, modelos da profissão, etc.), a formação inicial (formadores,
conteúdos, conhecimentos, etc.), a inserção profissional (socialização profissional, a construção da
identidade profissional, etc.), o exercício da profissão (o quadro de trabalho, a formação contínua,
etc.) e o desenvolvimento profissional.
Pontos mais importantes de cada período
Emergência da investigação sobre a educação (1960-1970)
Criação da Commission Royale d’enquête sur l’enseignement (1961);
Criação do Ministério da Educação do Quebeque (1964);
Elaboração das grandes políticas escolares;
Objectivo axiológico da investigação;
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Criação dos departamentos e faculdades de educação: reforçar o ensino disciplinar; tirar
partido na formação dos professores da interfecundação do ensino e da investigação;
aumentar o nível e o prestígio da profissão docente (não funções de investigação)
Predominância das outras ciências sociais e humanas.
A investigação em educação, influência do paradigma positivista experimental (1970-1983)
Criação do programa FCAC de ajuda aos investigadores;
Valorização da investigação universitária;
Uniformidade epistemológica (positivista-empirista);
Afastamento entre prática e ensino;
Fragmentação no estudo do fenómeno educativo;
Balanço negativo da investigação em educação (relatório Angers): a educação, como um
domínio não estruturado do saber; sem fundamentos conceptuais e metodológicos claros;
investigações monodisciplinares (dicotomia em relação à prática).
Emergência e estabilização de um novo paradigma (de 1984 ao início dos anos 1990)
Realce dos limites do paradigma positivista;
Emergência de um novo paradigma (experiência humana, diversidade, complexidade,
intersubjetividade);
Passagem da macro à micro-análise;
Preocupação de produzir um saber significativo para a prática;
Novas maneiras de fazer a investigação.
Maturidade do paradigma e preocupações centradas na profissão de professor (do início dos
anos noventa até à actualidade)
Problemática da profissionalização do professor e do ensino;
Finalidades da investigação: aperfeiçoamento e desenvolvimento profissional;
Reflexão sobre a acção;
Consideração da complexidade da acção social e educativa;
Valorização da dialéctica teoria-prática;
Desenvolvimento das abordagens mais compreensivas (investigação-ação, investigação
colaborativa, investigação avaliativa);
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Investigação preocupada com formação inicial e contínua
3. Conclusão
Para concluir este percurso histórico-epistemológico da investigação em educação no Quebeque,
pode afirmar-se que a análise destes diferentes períodos da investigação e as reflexões que ela
provoca levam a crer que estamos num momento muito importante do desenvolvimento desta
investigação. Deste modo, este percurso tem uma viragem que põe, fundamentalmente, a tónica
na renovação da prática dos professores sem negligenciar a investigação fundamental, o
desenvolvimento do pensamento e a actualização da função crítica que qualquer investigação deve
assumir na sociedade.
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