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Alister McGrath ● Teologia Pura e Simples

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O lugar da mente na vida cristã [algumas páginas]. Para o autor, a reflexão teológica alimenta a fé cristã e nos ajuda a responder às perguntas dos nossos dias. O livro mostra que o papel da teologia não é explicar tudo, mas apontar um modo diferente de olhar e perceber a realidade ao redor.

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teologia pura e simples

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A L I S T E R M C G R AT H

teologia pura e simples

[ O lugar da mente na vida cristã ]

TRADUÇÃO MEIRE PORTES SANTOS

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TEOLOGIA PURA E SIMPLESCategoria: Apologética / Teologia / Vida Cristã

Copyright © 2010, Alister McGrath

Publicado originalmente por Society for Promoting Christian Knowledge, Londres, InglaterraTítulo original em inglês: Mere Theology

Primeira edição: Outubro de 2012Coordenação editorial: Bernadete RibeiroTradução: Meire Portes SantosPreparação e revisão: Hideide Brito Torres

Mariana Furst Raquel Bastos

Diagramação: Bruno MenezesCapa: Julio Carvalho

PUBLICADO NO BRASIL COM AUTORIZAÇÃO E COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOSEDITORA ULTIMATO LTDA

Caixa Postal 4336570-000 Viçosa, MGTelefone: 31 3611-8500Fax: 31 3891-1557www.ultimato.com.br

A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. Teologia dogmática cristã 230

McGrath, Alister

Teologia pura e simples: o lugar da mente na vida cristã / Alister McGrath; tradução Meire Portes Santos. — Viçosa, MG : Editora Ultimato, 2012.

Título original: Mere theology.

ISBN 978-85-7779-080-7

1. Teologia dogmática - Obras de divulgaçãoI. Título.

12-12349 CDD-230

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sumário

Introdução 7

PARTE 1 – O propósito, lugar e relevância da teologia cristã 17

1. Teologia pura e simples: o cenário da fé [1] 19

2. Teologia pura e simples: o cenário da fé [2] 33

3. O evangelho e a transformação da realidade: “O elixir”, de George Herbert 45

4. A cruz, sofrimento e confusão teológica: reflexões sobre Martinho Lutero e C. S. Lewis 57

5. O teatro da glória de Deus: uma visão cristã da natureza 71

6. A tapeçaria da fé: teologia e apologética 85

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PARTE 2 – Relacionando-nos com nossa cultura 99

7. As ciências naturais: amigas ou adversárias da fé? 101

8. Fé religiosa e científica: o caso de A Origem das Espécies, de Charles Darwin 119

9. Criacionismo e evolução segundo Agostinho de Hipona 139

10. A religião envenena tudo? O novo ateísmo e a fé religiosa 147

11. Ateísmo e iluminismo: reflexões sobre as raízes intelectuais do novo ateísmo 169

Notas 187

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introdução

A  teologia  cristã  é  um  dos  mais  empolgantes  assuntos  possíveis  de  se  estudar,  sendo  estimulador  do  inte-­lecto  e  rico  em  recursos  para  o  ministério  da  Igreja  e  

a  vida  de  fé.  Este  livro  pode  ser  visto  tanto  como  uma  defesa  intelectual  do  lugar  da  teologia  na  vida  cristã,  quanto  como  um  apelo  para  que  a  Igreja  Cristã  leve  o  uso  da  mente  a  sério,  prin-­cipalmente  em  vista  dos  debates  públicos  contemporâneos.

Este  livro  é  sobre  “teologia  pura  e  simples”,  uma  frase  que  tomei  emprestada  e  adaptei,  sem  pudor  algum,  da  famosa  ideia  de  C.  S.  Lewis  em  seu  Cristianismo  Puro  e  Simples.1  Por  “teologia  pura  e  simples”,  quero  dizer  os  temas  básicos  que  caracterizam,  

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desde  a  antiguidade,  a  visão  cristã  da  realidade.  Não  defendo  ou  protejo  aqui  qualquer  escola  ou  estilo  de  teologia.  A  proposta  é  explorar  como  a  grande  tradição  da  reflexão  teológica  cristã  enriquece  nossa  fé  e  aprofunda  nosso  entrosamento  com  os  in-­teresses  e  debates  do  mundo  ao  nosso  redor.  Apesar  de  ser  um  representante  bem  conhecido  dela,  esta  abordagem  se  expande  muito  além  (e  antes)  de  Lewis.  Muitas  vezes,  a  teologia,  pura  e  simples,   gera   controvérsias   e   facções   na   igreja.   Meu   interesse  aqui  é  focalizar  no  papel  positivo  da  teologia  em  moldar,  nutrir  e  defender  a  visão  cristã  frente  à  realidade  e  aplicá-­la  aos  desafios  e  oportunidades  que  os  cristãos  enfrentam  hoje.

Creio  que  pode  ser  útil  contextualizar  esta  obra.  Os  últimos  anos   têm   sido  muito   significativos   em  minha   vida,   tanto   em  termos   de   acontecimentos   quanto   no   âmbito   da   academia.  Exatamente  após  25  anos  de  serviço  prestados  ao  corpo  docente  do  Curso  de  Teologia  da  Universidade  de  Oxford,  eu  assumi  a  cadeira  de  Teologia,  Ministério  e  Educação  no  King’s  College  London.   Esta   cadeira   foi   estabelecida   em   setembro   de   2008.  O  King’s  College  foi  fundado  pelo  rei  George  IV  e  pelo  duque  de  Wellington  em  1829,  para  encorajar  uma  criativa  interação  entre  academia,  igreja  e  sociedade,  e  tem  uma  longa  tradição  de  promover  o  entrosamento  e  a  reflexão  teológicos.

Apesar  de  ser  um  teólogo  acadêmico,  sempre  acreditei  que  a  teologia  apresenta  seu  melhor  aspecto  quando  gera  práticas  reflexivas  na  vida  e  serviço  da  Igreja.  A  nova  cadeira  de  Londres  foi  estabelecida  para  incentivar  um  entrosamento  direto  entre  a  teologia  e  a  vida  da  igreja,  e  considero-­me  altamente  privilegiado  por  ser  seu  primeiro  ocupante.

No   princípio   de   2008,   fui   o   palestrante   na   Conferência  Memorial  Riddell,  na  Universidade  de  Newcastle-­upon-­Tyne,  explorando  como  a  nova  maneira  de  ver  as  coisas,  viabilizada  pela  fé  cristã,  leva  a  uma  revitalização  do  nosso  compromisso  com  a  natureza.  Na  verdade,  aquela  conferência  representou  um  

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9introdução

manifesto  para  um  novo  estilo  de  teologia  natural,  fundada  firmemente   na   tradição   cristã.2   Em   2009,   na   conferência  Gifford,  na  venerável  Universidade  de  Aberdeen,  dei  seguimen-­to  a  essa  nova  abordagem,  enfocando  a  importância  teológica  e   apologética   do   fenômeno   de   “sintonia   fina”   na   natureza.3  Finalmente,   em   2009   e   2010,   nas   conferências   Hulsean,   na  Universidade  de  Cambridge,  coloquei,  como  tema  de  minhas  palestras,   as   implicações   do   darwinismo   para   uma   teologia  natural  cristã.4  Alguns  dos  assuntos  daquelas  conferências  são  aqui  repetidos.

Apesar   disso,   este   livro   reflete,   em   sua   totalidade,   uma  experiência   cultural   mais   ampla.   Em   2006,   explodiu   no   ce-­nário   cultural   o   movimento   agora   amplamente   conhecido,  se   não   incorretamente,   como   o   “novo   ateísmo”.   Os   livros  de  Richard  Dawkins  —  Deus,  Um  Delírio,  2006  —,  de  Daniel  Dennett  —  Breaking  The  Spell,  2006  [Quebrando  o  feitiço]  —  e  de  Christopher  Hitchens  —  Deus  não  é  Grande,  2007  —  criaram  nos  meios  de  comunicação  uma   fascinação  com  a   religião  e  seus  descontentes.  O  interesse  público  sobre  Deus  aumentou.  Vi-­me  sendo  convidado  regularmente  para  falar  e  escrever  so-­bre  estes  temas5  e  para  debater  com  líderes  ateus  em  público:  Richard  Dawkins,  em  Oxford,  Daniel  Dennett,  em  Londres,  e  Christopher  Hitchens,  em  Washington.  Apesar  de  preferir  as  salas  do  seminário  às  câmaras  de  debate,  não  há  dúvida  de  que  os  assuntos  contestados  eram  uma  questão  de  interesse  geral,  não  apenas  acadêmico.  Para  minha  surpresa,  descobri  que  me  tornara  um  intelectual  público.

O  debate  sempre  se  centralizou  na  racionalidade  da  fé  e  na  coerência  da  visão  cristã  sobre  a  realidade.  Para  os  novos  ateus,  o  cristianismo  representa  uma  maneira  antiquada  de  explicar  as  coisas,  e  pode  ser  aposentada  na  moderna  era  científica.  Em  uma  das  maravilhosamente  infundadas  afirmações  que  ele  mais  utiliza  contra  a  religião,  Christopher  Hitchens  nos  diz  que,  desde  

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a   invenção  do   telescópio  e  do  microscópio,  a   religião  “não  oferece  mais  uma  explicação  sobre  qualquer  coisa  importante”.6  É  uma  boa  frase  de  efeito  que,  colocada  ao  lado  de  muitas  outras,  igualmente  infundadas,  quase  consegue  criar  uma  aparência  de  um  argumento  com  base  em  evidências.  Entretanto,  chega  a  ser  algo  mais  do  que  isso?

Em  sua  brilhantemente  argumentada  crítica  ao  novo  ateísmo,  Terry  Eagleton  ridiculariza  aqueles  que  tratam  a  religião  como  uma   entidade   puramente   explicativa:   “Em   primeiro   lugar,   o  cristianismo  nunca  quis   ser  uma   explicação  de   coisa   alguma.  Afirmar  o  oposto  é  o  mesmo  que  dizer  que,  graças  à  torradeira  elétrica,  podemos  esquecer  Tchekhov”.  Acreditar  que  a  religião  é  “uma  tentativa  grosseira  de  explicar  o  mundo”  está  no  mesmo  nível  intelectual  que  “ver  o  balé  como  uma  tentativa  grosseira  de  correr  para  um  ônibus”.7

Certamente,  Eagleton   está   correto  nisso.  No   cristianismo,  existe  muito  mais  coisas  do  que  uma  tentativa  de  fazer  com  que  as  coisas  façam  sentido.  O  Novo  Testamento  está  interessado,  principalmente,   na   transformação   da   existência   humana   por  meio  da  vida,  morte  e  ressurreição  de  Jesus  de  Nazaré.  Assim,  o  evangelho  não  é  tanto  sobre  explicações  como  sobre  salvação  —  a  transformação  da  situação  humana.  Porém,  embora  a  ênfase  da  proclamação  cristã  possa  não  estar  na  explicação  do  mundo,  ela  oferece,  também,  um  modo  distinto  de  olhar  que,  pelo  menos  em  princípio,  nos  capacita  a  ver  as  coisas  de  uma  forma  diferente,  e,  por  consequência,  nos  leva  a  agir  de  maneira  adequada  a  essa  visão.  O  cristianismo  envolve  crer  que  certas   coisas   são   reais,  que  podemos  nos  firmar  nelas,  e  que  elas  iluminam  nossas  per-­cepções,  decisões  e  ações.  Esses  temas  são  essenciais  à  “teologia  pura  e  simples”  e  aparecem  com  destaque  neste  manifesto  sobre  a  razoabilidade  da  fé.

O  debate  público  sobre  este  tema  continuou  em  2009,  ano  que  marcou  o  220º  aniversário  do  nascimento  de  Charles  

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11introdução

Darwin  (1809–1882),  o  grande  naturalista   inglês  e  criador  da  teoria  evolucionária  moderna,  e  o  150º  aniversário  da  publicação  de  seu  inovador  A  Origem  das  Espécies.  Foi  tamanha  a  importância  cultural  de  Darwin  que  as  celebrações  ofuscaram  outros  aniver-­sários  marcados  durante  aquele  ano,  inclusive  os  500  anos  do  nascimento  de  João  Calvino  (1509–1564).8

Muitos   integrantes   do   novo   ateísmo   se   apoderaram   do  aniversário  de  Darwin   como   forma  de  defender  uma   agenda  secularista,   por   associá-­la   (neste   caso,   de   forma   incerta)   com  esse  herói  científico.  Como  um  dos  relativamente  poucos  teó-­logos  que  conhecia  muito  sobre  Darwin  e  a  teoria  da  evolução,  encontrei-­me,  mais  uma  vez,  impelido  ao  debate  público  sobre  as  implicações  religiosas,  morais  e  culturais  das  suas  ideias.

Teologia  Pura  e  Simples  reflete  esses  interesses  culturais  mais  abrangentes,  cuja  importância  deve  permanecer  por  algum  tem-­po.  Além  de  explorar  a  integridade  e  vitalidade  da  teologia  cristã,  o   livro  enfatiza   sua  capacidade  de  entrosamento   intelectual   e  cultural.  Existe  um  consenso  crescente  de  que  o  desenvolvimento  súbito  do  novo  ateísmo  pegou  as  igrejas  de  surpresa.  Ao  que  pa-­rece,  elas  estavam  intelectualmente  despreparadas  para  esse  novo  e  grande  desafio.  Agora,  já  existem  indícios  muito  bem-­vindos  de  que  o  novo  ateísmo  está  se  enfraquecendo  em  sua  atratividade  e  perfil,  principalmente  devido  a  algumas  análises  profundas  e  perspicazes,  feitas  pelas  principais  autoridades,  de  suas  críticas  não  confiáveis  sobre  a  religião9  e  de  suas  propostas  alternativas  deficientes.  Apesar  disso,  a  melhor  preparação  para  a  próxima  crise  de  confiança,  qualquer  que  seja  seu  formato,  é  encorajar  o  surgimento  de  um  informado  e  confiante  uso  da  mente  dentro  das  igrejas  —  algo  que  este  livro  pretende  estimular.

Teologia  Pura  e  Simples  consiste  em  onze  capítulos,  fundamen-­tados  em  conferências  e  discursos  não  publicados  anteriormente,  apresentados  em  um  período  de  mais  de  dois  anos  —  do  final  de  2007  ao  final  de  2009  (para  outros  detalhes,  veja  a  seção  

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“Notas”  no  final  da  obra).  O  livro  está  organizado  tematicamente.  Seus  seis  primeiros  capítulos  lidam  com  o  propósito,  o  lugar  e  a  relevância  da  teologia  cristã.  Seu  tema  comum  é  a  amplitude  da  fé  cristã  e  sua  habilidade  de  evidenciar  uma  nova  e  satisfatória  visão  da  realidade.  O  cristianismo  é  celebrado  como  algo  que  tanto  faz  sentido  em  si  mesmo  como  dá  sentido  a  outros  aspectos  da  realidade.  Costumo  citar  as  famosas  palavras  de  C.  S.  Lewis  em  debates  públicos,  quando  defendo  esta  ideia:  “Creio  no  cris-­tianismo  como  creio  que  o  sol  nasceu  —  não  apenas  porque  o  vejo,  mas  porque,  por  meio  dele,  vejo  todo  o  resto.”10  Como  um  “discipulado  da  mente”,  a  teologia  cristã  leva  a  uma  apreciação  mais  profunda  da  capacidade  do  evangelho  de  se  relacionar  tanto  com  as  complexidades  do  mundo  natural  como  com  a  experiência  humana.  Ao  mesmo  tempo,  devemos  perceber  que  a  teologia  tem  seus  limites,  os  quais  devem  ser  identificados  e  respeitados.

Os  dois  capítulos  iniciais  oferecem  uma  introdução  ao  estudo  da  teologia,  que  espero  serem  particularmente  úteis  para  aqueles  que   almejam   algum   direcionamento   sobre   como   iniciar   suas  reflexões.  A  teologia  é  apresentada  aqui  como  uma  disciplina  positiva,  crítica  e  construtiva,  interessada  em  informar  e  sustentar  a  visão  cristã  da  realidade  —  algo  que  é  essencial  à  pregação  e  ao  ministério  cristãos.  Esses  capítulos  se  propõem  a  ajudar  quem  é  novo  no  estudo  da  teologia,  para  que  se  oriente  e  tenha  uma  noção  de  seus  limites  ao  navegar  neste  campo.

No  capítulo  3,  eu  exploro  o  poema  de  George  Herbert  “O  elixir”,  que  foi  publicado,  primeiramente,  em  1933,  e  continua  sendo  um  dos  mais  excelentes  registros  teológicos  da  transforma-­ção  da  visão,  avaliação  e  ação  que  resultam  da  fé  cristã.  O  poema  ilustra  um  dos  principais  temas  de  Teologia  Pura  e  Simples:  seu  papel  positivo  em  transformar  a  maneira  como  vemos  as  coisas,  levando  a  uma  percepção  mais  rica  da  realidade  e  a  um  sentido  mais  profundo  de  nossas  próprias  possibilidades  e  responsabi-­lidades  no  mundo.

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13introdução

Em   seguida,   atentamos   para   um   tópico   complexo   e  perturbador,   muitas   vezes   negligenciado.   O   que   acontece  quando  há   tensão  entre   teoria   e   experiência?  O  capítulo  4  considera  as  distintas  abordagens  à  ambiguidade   teológica,  encontradas  em  Martinho  Lutero  e  C.  S.  Lewis,  observando  sua  importância  para  a  vida  de  fé.

O  capítulo  5  considera  a  diferença  que  a  fé  cristã  faz  para  a  maneira  como  vemos  o  mundo  natural  e  nos  comportamos  nele.  Como  ela  se  porta  em  comparação  com  as  alternativas  ateístas  e  pagãs?  O  capítulo  6  lida  com  a  ligação  entre  a  teologia  e  a  apologé-­tica.  De  que  forma  a  teologia  pode  capacitar  a  igreja  para  afirmar  a  credibilidade  e  atratividade  da   fé  na  cultura  contemporânea?  Essa  pergunta  tradicional  tem  se  tornado  mais  importante  à  luz  de  recentes  escritos  ateístas.  Deste  modo,  torna-­se  mais  essencial  assegurar  que  a  igreja  construa  e  sustente  suas  testemunhas  sobre  fundamentos  teológicos  firmes  e  confiáveis.

Havendo  estabelecido  a  base  para  um  envolvimento  teologi-­camente  informado  com  a  cultura,  o  restante  do  livro  explora  como   a   “comunidade   interpretativa”   cristã   fornece   uma   pla-­taforma  para   tal  envolvimento  cultural.11  O  evangelho  cristão  ordena  que  haja  um  engajamento  vibrante  com  a  nossa  cultura  e  não  um  retraimento  isolacionista.  Os  cristãos  são  chamados  para  ser  sal  e  luz  para  o  mundo  (Mt  5.13-­16).  Um  discipulado  da  mente  teologicamente  informado  sustenta,  nutre  e  protege  a  visão  cristã  da  realidade,  capacitando  a  igreja  a  ser  sal  e  luz.  Vale  dizer  que  esta  é  a  precondição  para  o  engajamento  cultural,  não  um  substituto  dele.

Essa  seção  se  abre  com  um  capítulo  que  aborda  o  envolvi-­mento  do  cristão  com  as  ciências  naturais.  Este  tópico  é  muitas  vezes  indevidamente  apresentado,  como  se  estivesse  preso  a  um  conflito  mortal  com  a  fé  cristã.  Faz  muito  tempo  que  explorar  a  relação  da  fé  cristã  com  as  ciências  naturais  me  impressiona  de  modo  significativo.  Minha  própria   jornada  de   fé  envolveu  

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14 teologia pura e simples

* Termo cunhado pelos ateus para se autodenominarem. (N.E.)

reflexões   prolongadas   sobre   estas   questões,   que   permanecem  importantes   para   muitos   hoje.   Aqui   eu   ofereço   o   que   creio  serem   respostas   teológica   e   cientificamente   informadas   para  alguns  interesses  e  questões  contemporâneos  —  que  são,  muitas  vezes,  de  importância  particular  para  os  estudantes  cristãos  das  ciências  naturais.

Os  capítulos  8  e  9  exploram  alguns  aspectos  das  implicações  religiosas  do  darwinismo.  O  ano  do  seu  aniversário  (2009)  levou  a  mídia  a  um  intenso  interesse  na  relação  entre  Darwin  e  fé,  várias  vezes  interligado  à  repetitiva  e  altamente  questionável  afirmação  de  que  as  ideias  darwinianas  desacreditam  o  cristianismo.  Ao  refutar  tais  sugestões,  o  capítulo  8  olha  especificamente  para  o  lugar  da  fé  —  tanto  científico  quanto  religioso  —  nas  reflexões  de  Darwin  sobre  seleção  natural.  O  capítulo  9  estabelece  a  relação  entre  criação  e  evolução  no  pensamento  de  Agostinho  de  Hipona  (354–430),  oferecendo  algumas  reflexões  oportunas  para  debates  contemporâneos.

É  claro  que  Darwin  tem  sido  adotado  como  mascote  por  mui-­tos  do  novo  ateísmo.  Os  dois  últimos  capítulos  do  livro  abordam  origem,  pedigree  e  integridade  intelectual  de  tal  movimento.  O  capítulo  10  considera  se  o  antagonismo  visceral  do  novo  ateísmo  à  religião  pode  ser  levado  a  sério,  oferecendo  algumas  reflexões  sobre  como  pode  haver  uma  discussão  mais  civilizada  sobre  assun-­tos  controversos.  Este  capítulo  explora  a  “retórica  da  dispensa”  da  religião,  que  é  característica  de  escritores  como  Christopher  Hitchens.  Eu  a  contrasto  com  as  descobertas  muito  diferentes  da  academia  tradicional  sobre  uma  variedade  de  assuntos,  tais  como  a  origem  do  totalitarismo,  as  motivações  de  homens-­bomba  e  o  problema  da  violência  fanática.  Em  especial,  critico  a  ideia  dos  bright,*  apresentada  em  2003,  como  uma  afirmação  nada  

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15introdução

sutil  sobre  a  suposta  superioridade  intelectual  dos  ateus  sobre  os  religiosos  cristãos.

Finalmente,  o   capítulo  11   trata,   cuidadosa   e   criticamente,  de  um  dos   aspectos  mais   importantes   e,   apesar  disso,  menos  estudados  do  novo  ateísmo:  a  observação  de  que,  distante  de  ser  algo  “novo”,  ele  é,  na  verdade,  profundamente  fundamentado  nas  hipóteses  do  iluminismo  do  século  18.  Sua  agressividade  e  dogmatismo  podem  ser,  realmente,  novos;  mas  as  suas  principais  ideias   são   recicladas  do  passado.  A   apreciação  dessa   conexão  lança  luz  sobre  algumas  características  mais  importantes  dessa  forma  de  ateísmo,  especialmente  sua  hostilidade  extraordinária  em  relação  ao  pós-­modernismo.  Pode  um  movimento  tão  profun-­damente  incrustado  nas  suposições  de  uma  era  passada  satisfazer  os  desafios  da  nossa  era  pós-­moderna?  E  o  que  as  igrejas  podem  aprender  disso?

Espero  que  este   livro  estimule  mais  o  desenvolvimento  do  discipulado  da  mente  dentro  das  igrejas  e  enriqueça  nossa  visão  da   fé   cristã.  Cada   capítulo   teve   sua  origem  em  uma  preleção  pública,  um  artigo  para   seminário  ou  uma  apresentação  para  um  pequeno  grupo  de  pessoas,  na  maioria  das  vezes,  estudantes.  Cada  um  foi  completamente  reescrito  para  registrar  as  perguntas  levantadas  por  seu  público,  a  quem  sou  profundamente  grato  por  sua  interação.  Reesboçar  e  refazer  não  são  atividades  que  autores  apreciem;  no  entanto,  são  essenciais  se  queremos  chegar  à  posição  em  que  as  pessoas  realmente  estão,  em  vez  de  onde  nós  esperamos  que  elas  estejam.  Também  reconheço  com  prazer  as  habilidades  editoriais  de  Alison  Barr  e  Lauren  Chiosso,  que  foram  muito  úteis  na  conclusão  desta  obra.

ALISTER E. MCGRATH

King’s College London

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parte 1

o propósito, lugar e

relevância da teologia cristã

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1.

teologia pura e simples

o cenário da fé [1]

A  fé,  em  sua  base,  é  um  assunto  relacional;  é   sobre  confiar  em  Deus.  Apesar  disso,  parte  da  dinâmica  mais   íntima  da   vida  de   fé   é   o  desejo  de   entender  

mais  a  respeito  de  quem  e  em  que  nós  confiamos.  Anselmo  de  Cantuária  (c.  1033–1109)  fez  famosa  observação  de  que  a  teologia  é,  basicamente,  “fé  à  procura  de  entendimento”.  O  grande  teólogo  cristão  Agostinho  de  Hipona  (354–430)  tam-­bém  deixou  claro  que  há  uma  genuína  empolgação  intelectual  em  lutar  junto  com  Deus.  Teologia  é  uma  paixão  da  mente,  um  desejo  de  entender  mais  sobre  a  natureza  e  os  caminhos  de  Deus  e  o  impacto  transformador  que  isso  tem  na  vida.  Nossa  

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fé  pode  ser  aprofundada  e  nossa  vida  pessoal,  enriquecida  por  meio  da  reflexão  teológica.  Assim,  como  começamos  a  desen-­volver  essa  paixão  da  mente?

Não  podemos,  entretanto,  explorar  a  relevância  da  teologia  sem,  primeiramente,  observar  como  tem  sido  ruim  a  sua  reputação  wdentro  das  igrejas  nas  últimas  décadas.  Para  alguns  líderes  cris-­tãos,  a  teologia  é  irrelevante  para  a  vida  real.  É  como  se  retirar  para  torres  de  marfim  quando  existem  coisas  mais  urgentes  com  o  que  se  preocupar.  Mas,  entendendo  corretamente,  a  teologia  trata  de  possibilitar  ações  cristãs   instruídas.  Ela  nos   faz  querer  fazer   coisas,   e   fazê-­las   de  modo   cristão.  Ela  nos   ajuda   a   fazer  julgamentos  em  relação  a  como  agir  melhor;  ela  nos  encoraja  a  interagir  com  o  mundo  real.

Outros   líderes  cristãos  expressam  preocupação  quanto  à  tendência  da   teologia  em  criar  divisão  e  conflito  na  Igreja.  J.  I.  Packer,  uma  das  vozes  mais  influentes  e  sábias  do  meio  evangélico,  tem  escrito  sobre  o  problema  dos  “intelectualistas  defensivos”   —   “cristãos   rígidos,   argumentadores   e   críticos,  campeões  da  verdade  de  Deus,  para  os  quais  a  ortodoxia  é  tudo”.  Creio  que  todos  nós  conhecemos  pessoas  que  parecem  ter  uma  obsessão  com  o  que  Packer  chama  de  “vencer  a  batalha  para  a  precisão  mental”  e  pouco  interesse  em  qualquer  outro  aspecto  da  fé  cristã.  Eles  podem  amar  a  Deus,  mas  parecem  ter  problemas  em  amar  outras  pessoas  —  especialmente  quan-­do  discordam  delas.  Não  é  sempre  fácil  discernir  como  essa  fixação  na  precisão  teológica  se  conecta  com  os  registros  do  ministério   de   Jesus   de   Nazaré,   encontrados   no   evangelho.  Certamente,   a   melhor   maneira   é   procurar   uma   ortodoxia  generosa,  vendo  as  divergências  no  contexto  das  harmonias  maiores  que  nos  unem.

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21teologia pura e simples: o cenário da fé [1]

A  vitalidade  da  fé  cristã  está  na  empolgação  e  no  completo  prazer  intelectual  causados  pela  pessoa  de  Jesus  de  Nazaré.  Aqui  está  alguém  que  a  Igreja  considera  intelectualmente  luminoso,  espi-­ritualmente  persuasivo  e  infinitamente  suficiente,  tanto  pública  quanto   individualmente.  Os   cristãos   expressam  esse  deleite   e  maravilha  em  seus  credos,  e  o  fazem  de  forma  mais  especial  em  seu  culto  e  adoração.  Há  séculos,  Agostinho  de  Hipona  refletiu  sobre  como  as  comunidades  eram  unidas  pelos  objetos  de  seu  amor.  A  forma  mais  certa  de  aumentar  a  identidade,  coerência  e  coesão  de  uma  comunidade  é  ajudá-­la  a  ver  com  mais  clareza  o  que  ela  ama  e,  então,  amá-­lo  com  mais  afeto.

Essa  é  a  razão  pela  qual  o  culto  é  tão  importante  para  a  identi-­dade  cristã.  Ele  focaliza  nossa  atenção  no  que  realmente  importa  e  proclama  que  a  fé  cristã  tem  poder  para  capturar  a  imaginação  —  não  meramente  persuadir  a  mente  —  por  abrir  as  profundezas  da  alma  humana  às  realidades  do  evangelho.  Ela  sustenta  uma  grande  paixão  por  Jesus  Cristo,  a  qual  nutre  o  dever  teológico,  mesmo  quando  este  questiona  sua  capacidade  de  viver  à  altura  do  esplendor  de  seu  propósito  principal.

O  apelo  da  visão  cristã  de  Jesus  de  Nazaré  à  imaginação  e  às  emoções  dos  discípulos  nunca  deve  ser  negligenciado  ou  menos-­prezado;  porém,  ainda  assim,  precisamos  apreciar  que  a  essência  intelectual  da  fé  cristã  permanece.  Não  podemos  amar  a  Deus  sem  querer  entender  mais  a  seu  respeito.  Nós  somos  chamados  a  amar  a  Deus  com  nossa  mente,  bem  como  com  nosso  coração  e   nossa   alma   (Mt   22.37).   Não   podemos   permitir   que   Cristo  reine  em  nossos  corações  se  ele  não  guiar  nossos  pensamentos  também.   O   discipulado   da   mente   é   tão   importante   quanto  qualquer  outra  parte  do  processo  pelo  qual  nós  crescemos  na  fé  e  no  compromisso.