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Alocação de riscos nos contratos de concessão e PPP:
um mecanismo rumo à eficiência na implantação de infraestruturas no
Brasil
Anna Carolina Migueis Pereira
Alocação de riscos nos contratos de concessão e PPP:
um mecanismo rumo à eficiência na implantação de infraestruturas no
Brasil
Anna Carolina Migueis Pereira1
1. Introdução. 1.1 Do Estado Burocrático à Administração Gerencial. 1.2 Novas parcerias
entre o setor público e a iniciativa privada: o microssistema de concessões 2. Características
Gerais das concessões e das PPPs. 2.1. Concessão comum. 2.2.Concessão patrocinada e
administrativa.3. Distribuição de riscos contratos de concessão e PPP.3.1.Critérios para
alocação dos riscos. 4. A relação entre matriz de riscos e equilíbrio econômico-financeiro
dos contratos de concessão e PPP. 5. Conclusão e proposições objetivas
1. Introdução
1.1 Do Estado Burocrático à Administração Gerencial
O investimento em infraestrutura no Brasil foi historicamente marcado pela adoção de
um modelo ancorado no capital público.
Durante todo o período do Império (1822-1889) e da República Velha (1889-1930), a
economia do país permaneceu preponderantemente agrária e baseada no emprego de mão-de-
obra escrava e, posteriormente, imigrante, sem que houvesse grandes investimentos em
infraestrutura no país.
Com a chamada “Era Vargas” (1930-1945), migrou-se para um modelo de incentivo à
industrialização, por meio de uma política de substituição de importações, movimento
mantido durante o período democrático de 1945 a 1964, marcado pela instabilidade política,
que culminou na tomada do poder por forças militares. A preocupação com o crescimento da
produção industrial fez com que se revelassem necessários pesados investimentos em
infraestrutura, assumidos majoritariamente pelo próprio Estado, tendo em vista sua maior
capacidade, à época, de realizar grandes aportes financeiros.
1 Procuradora do Estado do Rio de Janeiro
Trata-se do denominado Estado Burocrático, marcado justamente pela opção de uma
atuação direta do poder público como agente econômico, passando ele próprio a prestar
serviços públicos, realizar investimentos e desempenhar atividades econômicas, seja por
órgãos da Administração Direta, seja mediante a criação de empresas estatais.
Nesse contexto, surgem diversas estatais voltadas para atividades intrinsecamente
ligadas à produção de bens de capital ou ao fornecimento de bens de capital em geral, como a
Companhia Siderúrgica Nacional, na década de 1940, e a Petrobrás, a Eletrobrás e a Telebrás,
na década seguinte2. Nos anos 1950 também entra em cena a política desenvolvimentista do
Presidente Juscelino Kubistchek, com incentivos à indústria automobilística e à construção de
rodovias financiadas pelos cofres públicos.
No governo militar (1964-1985), pôde-se observar uma continuidade do modelo de
desenvolvimento nacional, muitas vezes patrocinado por campanhas de mote claramente
ufanista. Os investimentos estatais, possibilitados por uma política de emissão monetária que
culminou na profunda crise de inflação vivida durante a década de 1980 e o início dos anos
1990, voltaram-se para obras de infraestrutura de grande magnitude, como a construção da
usina hidrelétrica de Itaipu, da Ponte Rio-Niterói e da rodovia Transamazônica – esta última
até hoje inacabada.
Com a redemocratização, a partir de 1985, o modelo de mera emissão monetária como
fonte de custeio dos investimentos públicos entra em franca decadência, acelerada pela
instabilidade política que marcava o cenário internacional, com as guerras do petróleo e o
declínio da União Soviética e do Estado do Bem-Estar Social na Europa. A inflação
descontrolada impede a mobilização de recursos para dar continuidade aos empreendimentos
até então desenvolvidos pelo setor público e a infraestrutura no Brasil assiste a um processo
de largo sucateamento.
Em 1994, o Plano Real permite que a inflação seja controlada com sucesso; contudo, a
falência do capital público para realizar investimentos pesados era inevitável após mais de
uma década de recessão. Além da paridade cambial com o dólar vigente à época, a política
2 OLIVEIRA, Fernão Justen de. Parceria Público-Privada: Aspectos de Direito Público Econômico (Lei nº 11.079/2004). Belo Horizonte: Editora Forum, 2007. Pág. 56.
monetária cunhada por Fernando Henrique Cardoso baseava-se também na adoção de altas
taxas de juros como forma de atrair o capital externo e, com isso, diminuir o déficit das contas
públicas no país. Mas, por outro lado, essa política levou à redução do capital disponível para
outras formas de investimento que não tivessem caráter eminentemente especulativo, tais
como os aportes em projetos de infraestrutura.
Neste cenário de falência do capital público e deterioração da infraestrutura existente,
era imperiosa a busca por um novo modelo que possibilitasse a retomada dos investimentos. É
nesse contexto que surgem: a chamada “Lei Geral de Concessões” – Lei nº 8.987/1995, que
trata da delegação da prestação de serviços públicos por meio de concessões e permissões à
iniciativa privada; a expansão do Plano Nacional de Desestatização, com a aprovação da Lei
nº 9.497/1997 em substituição à Lei nº 8.031/1990; e a Reforma Administrativa, levada a
cabo pela Emenda Constitucional nº 19/1998.
Estas leis marcam a transição do Estado Burocrático para a Administração Gerencial,
com a migração do modelo em que o poder público optava por atuar diretamente na economia
para um cenário em que a Administração opera de forma mais sutil, por meio da regulação e
do fomento à atuação de agentes privados, reservando para si apenas as funções típicas de
Estado e a execução de atividades essenciais que não despertem interesse na iniciativa
privada.
Nas palavras de LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA:
“A crise do Estado implicou a necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo; a globalização tornou imperativa a tarefa de redefinir suas funções. Antes da integração mundial dos mercados e dos sistemas produtivos, os Estados podiam ter como um de seus objetivos fundamentais proteger as respectivas economias da competição internacional. Depois da globalização, as possibilidades do Estado de continuar a exercer esse papel diminuíram muito. Seu novo papel é o de facilitar para que a economia nacional se torne internacionalmente competitiva. A regulação e a intervenção
continuam necessárias, na educação, na saúde, na cultura, no desenvolvimento tecnológico, nos investimentos em infraestrutura”.3
O Estado Gerencial não volta suas preocupações centrais para quem será o prestador
de determinado serviço; não lhe interessa que seja a Administração Pública o principal player
do cenário econômico. O foco deste modelo de gestão está na eficiência das utilidades
oferecidas em geral à coletividade e, dentro deste mote, reconhece que a iniciativa privada
tende a prestar melhores serviços do que o poder público, haja vista os menores entraves
burocráticos que tem de enfrentar.
Com isso, no Estado Gerencial, a Administração Pública passa a delegar a particulares
interessados a execução direta de atividades econômicas, pelo fenômeno da desestatização, e
serviços públicos, pela figura das delegações, que se subdividem em concessões e
permissões4.
Nesse tocante, confiram-se as profícuas lições de DIOGO DE FIGUEIREDO
MOREIRA NETO:
“Afinal, passava-se a reconhecer, depois de um longo período
hegemônico do pesado Estado-Providência, que a iniciativa privada
apresenta maior capacidade de imprimir um alto grau de eficiência e
economia às suas atividades, dispensando – e isto é que é mais
importante – o Poder Público, de preocupações secundárias, de modo
a liberá-lo para concentrar-se em suas atividades primárias, na
solução de problemas de maior premência e envergadura, como são
hoje os da segurança, da educação, e da saúde e, em escala crescente,
3 Revista do Serviço Público, 47(1) janeiro-abril 1996. Trabalho apresentado ao seminário sobre Reforma do Estado na América Latina organizado pelo Ministério da Administração Federal eReforma do Estado e patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (Brasília, maio de 1996). 4 As concessões formam um instituto de maior vocação para projetos que demandem grandes investimentos do particular delegatário da prestação do serviço, tendo em vista seus prazos de vigência mais amplos e as maiores formalidades a que o procedimento licitatório está submetido. Já as permissões têm por vocação as delegações que serviços públicos que não demandem investimentos tão pesados do particular, visto que seu prazo de duração é mais curto e a licitação segue procedimento mais simples. No entanto, para os fins propostos neste trabalho, ambos os institutos são similares no que tange à sua utilização como forma de redução da atuação direta do Estado no domínio econômico.
no desenvolvimento do fomento público. Ressurge, assim, o instituto
de concessão (...)”5.
A ascensão do Estado Gerencial permite, assim, que o poder público passe a
desempenhar diretamente apenas as atividades essenciais ao funcionamento do aparelho
Estatal, delegando à iniciativa privada as tarefas que ela seja capaz de realizar com maior
eficiência. Com isso, o Estado assume um papel mais de regulador do mercado, e menos de
executor, o que tende a trazer ganhos qualitativos na prestação de serviços públicos.
1.2 Novas parcerias entre o setor público e a iniciativa privada: o microssistema de
concessões
Diante do exposto no subitem anterior, é possível verificar que as concessões surgem
no Brasil com o advento da Lei nº 8.987/1995 – Lei Geral de Concessões, dentro de um
contexto de ascensão do Estado Gerencial, voltando-se para a delegação de serviços públicos
que demandassem elevados investimentos do particular-concessionário, mas cujos projetos se
mostrassem autossustentáveis.
Isso porque, em regra, a remuneração do concessionário se dá apenas com as receitas
obtidas com a exploração da atividade, quais sejam, a tarifa cobrada dos usuários e, em menor
escala, as receitas alternativas. A tarifa é o valor cobrado pelo concessionário dos usuários em
função do uso daquele serviço, ao passo que as receitas alternativas são quaisquer outras
fontes de renda do concessionário que não sejam a tarifa, como exploração de espaços
comerciais e publicitários6.
5 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. Pág. 486. 6 Além dos exemplos acima mencionados, outra importante fonte de receita dos concessionários é o compartilhamento de infraestruturas, instituto ligado à chamada teoria das essential facilities e caracterizado pela cessão de uma utilidade titularizada por um determinado concessionário a outro delegatário de serviços públicos, a fim de possibilitar que este último (o cessionário) desempenhe as atividades objeto da outorga por ele recebida. O compartilhamento de infraestruturas ocorre, por exemplo, quando as redes de transmissão de energia elétrica e/ou telefonia são partilhadas por diferentes concessionários ou quando os concessionários de rodovias permitem a passagem de cabos e dutos na faixa marginal da rodovia. Existe grande polêmica na doutrina e na jurisprudência pátrias quanto à possibilidade de cobrança do concessionário cedente pela utilização da infraestrutura cedida: autores como Floriano Marques Peixoto de Azevedo Neto defendem a possibilidade da cobrança, enquanto outros, como Flávio Amaral Garcia são contrários à cobrança, entendendo que o cessionário deverá arcar apenas com os custos relativos à própria operação de compartilhamento.
Assim, as concessões tradicionais, via de regra, não comportam contraprestações do
Poder Concedente. Afirmamos que em regra não será admitida contrapartida do poder público
porque o art. 17 da Lei Geral de Concessões estabelece que será “desclassificada a proposta
que, para sua viabilização, necessite de vantagens ou subsídios que não estejam previamente
autorizados em lei e à disposição de todos os concorrentes”.
Dessa forma, nossa interpretação ao dispositivo em tela é de que as concessões
comuns poderão comportar a outorga de subsídios, desde que previstos em lei e disponíveis a
todos os concorrentes por meio de divulgação no próprio Edital do certame, a fim de atender
aos princípios da publicidade e da isonomia.
Todavia, a questão não é pacífica. O subsídio tem natureza jurídica de subvenção
econômica, o que atrai a incidência da disciplina restritiva da Lei nº 4.320/1964, que
estabelece normas gerais de direito financeiro e restringe a aplicação dos valores aportados
pelo Poder Concedente às situações previstas em seu art. 18, quais sejam: (i) cobrir a
diferença entre os preços de mercado e os preços de revenda, pelo Governo, de gêneros
alimentícios ou outros materiais; e (ii) pagamento de bonificações a produtores de
determinados gêneros ou materiais.
Esta limitação ao aporte de recursos públicos nas concessões tradicionais tornava
praticamente inexequível a delegação à iniciativa privada de serviços públicos não
autossustentáveis, isto é, aqueles que dependem de contrapartida do poder público para
garantir o sucesso e a rentabilidade da outorga7.
Isso ocorre frequentemente em dois casos: (i) quando o volume dos investimentos
necessários à disponibilização do serviço for muito elevado, de modo que o retorno obtido
pelo concessionário com a sua exploração não seja suficiente para amortizar estes aportes e
ainda proporcionar um lucro razoável; e (ii) quando a cobrança de tarifa for inviável por se
tratar de serviço gratuito por natureza (como a saúde pública, por exemplo) ou o retorno
7 Para fins deste trabalho, os termos “delegação” e “outorga” serão tomados como sinônimos, não obstante a autora esteja atenta à corrente doutrinária queconsidera ambas como figuras distintas. Grosso modo, para estes autores, a delegação seria feita por contrato, mediante concessão ou permissão, ao passo que a outorga dar-se-ia por lei, tal qual ocorre na criação de estatais para prestar serviços públicos.
econômico desta cobrança for inexpressivo (exempli gratia, rodovias cujo volume de veículos
não seja suficiente para custear sequer a manutenção da praça de pedágio).
Com vistas a possibilitar a expansão das delegações de serviços públicos também para
atividades não autossustentáveis, surge a Lei nº 11.079/2004, conhecida como “Lei de PPP”,
que traz duas novas modalidades de concessões para se somarem às tradicionais, já existentes
desde 1995, quais sejam: a concessão patrocinada e a administrativa.
A Lei nº 11.079/2004 adota a técnica de trazer um rol de cláusulas obrigatórias e
facultativas nos contratos de PPP8, remetendo-se em diversas oportunidades à Lei nº
8.987/1995. Portanto, ambos os diplomas formam, hoje, um microssistema de concessões,
formado por três espécies dessa forma de delegação à iniciativa privada de atividades até
então exploradas pelo poder público.
Um efeito importante que decorre do microssistema de concessões é a possibilidade de
distribuição de riscos entre Poder Concedente e concessionário também nas concessões
comuns. A questão é importante na medida em que o art. 2º da Lei nº 8.987/1995 estabelece
que o concessionário atua “por sua conta e risco”, o que, em uma interpretação apressada,
poderia levar à ideia de que seria vedada a partilha de riscos nas concessões tradicionais.
Contudo, a doutrina tradicional já se ocupava de distinguir a álea ordinária da álea
extraordinária dos contratos, de modo que apenas aquela seria atribuída ao concessionário.
Assim, se apenas a álea ordinária do negócio deve ser suportada pelo concessionário, os riscos
identificados como extraordinários ficariam a cargo da Administração Pública, o que mitiga a
literalidade do dispositivo em comento e evidencia que, mesmo nas concessões tradicionais, é
possível a repartição de riscos entre poder público e particular.
É o entendimento manifestado por MARCOS AUGUSTO PEREZ em obra pioneira
sobre o tema. Senão vejamos:
“O que defendemos, nesse sentido, é que ‘por sua conta e risco’ não
importa em transferência ao concessionário de todos os riscos
8 Os contratos de PPP são aqueles em que é celebrada uma concessão administrativa ou patrocinada, de acordo com os parâmetros estabelecidos no item 2.2 deste trabalho.
inerentes ao empreendimento. Importa, sim, transferência ao
concessionário dos riscos que o contrato indicar. Melhor dizendo, são
por conta e risco do concessionário aqueles riscos que o contrato,
expressa ou implicitamente, lhe transferir”9.
Portanto, como afirma o autor acima referido, os riscos identificados durante o
planejamento da concessão como ordinários seriam transferíveis ao concessionário, ao passo
que os riscos considerados extraordinários permaneceriam sob responsabilidade do poder
público, o que, grosso modo, acaba por transplantar para as concessões tradicionais a matriz
de riscos expressamente prevista pelo legislador para as PPPs, tornando mais coeso o
microssistema brasileiro de concessões.
2. Características Gerais das concessões e das PPPs
2.1. Concessão comum
A forma de concessão mais antiga no Brasil é aquela trazida pela Lei nº 8.987/1995,
conhecida como concessão comum ou tradicional. Nesta forma de concessão, na ampla
maioria dos casos, todas as receitas do concessionário advêm da exploração da atividade
concedida, sem que haja necessidade de aporte de recursos públicos porque a atividade se
mostra rentável por si só.
Como visto anteriormente, a principal fonte de receita do concessionário será a tarifa
que cobrará dos usuários pelo uso do serviço público concedido, a exemplo da cobrança de
pedágio nas concessões de rodovia e das tarifas de água e luz, nas concessões de serviços de
fornecimento de água e energia elétrica.
O concessionário poderá explorar também as chamadas fontes de receita alternativas,
exceto se houver vedação expressa no contrato de concessão. As receitas alternativas são
todas aquelas que não se caracterizem como tarifa, isto é, são fontes de renda que o
concessionário obtém com a exploração de atividades secundárias no espectro da delegação.
9 PEREZ, Marcos Augusto. O risco no contrato de concessão de serviço público. Belo Horizonte: Editora Forum, 2006. Pág. 130.
Por exemplo: locação de espaços publicitários em faturas de água e energia elétrica ou às
margens de rodovias; locação de espaços comerciais às margens de rodovias.
Entretanto, é importante notar que, mesmo nas concessões tradicionais, é possível o
aporte de recursos públicos por meio de subsídios do Poder Concedente, desde que estes
estejam autorizados em lei e à disposição de todos os concorrentes, nos termos do art. 17 da
Lei nº 8.987/1995. A exigência de autorização legal se coloca na medida em que o art. 19 da
Lei nº 4.320/1964 exige a autorização em lei especial para a outorga de subvenções
econômicas a empresas privadas. Já a necessidade de que os subsídios estejam disponíveis
para todos os interessados visa a assegurar a isonomia e a igualdade de competição entre os
licitantes na concessão.
Não obstante a possibilidade de outorga de subsídios em concessões comuns,
deve-se ter em mente que a natureza jurídica deste repasse será de subvenção econômica, o
que limita a aplicação dos valores aportados pelo Poder Concedente às situações previstas no
art. 18 da Lei nº 4.320/1964, como já delineado linhas acima.
Dessa forma, percebe-se que os subsídios eventualmente disponíveis nas concessões
tradicionais possuem utilização bastante limitada, de modo que, em projetos não
autossustentáveis, parece ser mais recomendada a adoção de uma das modalidades de
concessão previstas na Lei nº 11.079/2004 (patrocinada e administrativa), que serão
detalhadas a seguir.
Ademais, como também já salientado, as concessões comuns também comportam a
repartição de riscos entre o poder público e a iniciativa privada, seja em função da ideia de
microssistema de concessões, que impõe um dever de coesão para todas as espécies deste
gênero de delegação de serviços públicos, seja pela distinção clássica entre álea ordinária e
extraordinária dos contratos administrativos.
2.2. Concessão patrocinada e administrativa
A concessão patrocinada é aquela em que parte das receitas do concessionário advém
da cobrança de tarifa dos usuários e outra parcela provém de contraprestação paga pelo Poder
Concedente. Nesta modalidade de concessão, pode haver ou não a exploração de receitas
alternativas, mas o que a distingue das demais é a presença, cumulativa, dos requisitos acima:
cobrança de tarifa e contrapartida do poder público.
Portanto, a vocação natural desta forma de concessão dirige-se para projetos em que a
cobrança de tarifa dos usuários seja possível, mas não suficiente para propiciar ao
concessionário a amortização de todos os investimentos que realizar e, ainda, um lucro
razoável com a atividade. Isso pode ocorrer ou (i) porque o montante a ser investido é muito
vultoso; ou (ii) porque as receitas auferidas com a cobrança da tarifa (somadas às eventuais
receitas alternativas) não são expressivas o bastante, tornando imprescindível para a
viabilidade da concessão o aporte de uma contrapartida pelo Poder Concedente.
Já a concessão administrativa é aquela em que não há cobrança de tarifa dos usuários
do serviço. Sendo assim, a remuneração do concessionário advirá ou integralmente da
contrapartida do poder público ou de um combinado entre esta contraprestação e eventuais
receitas alternativas.
Para fins didáticos, as concessões administrativas podem ser divididas em três
espécies, a saber:
(i) Aquelas em que a totalidade da remuneração do parceiro privado advém da
contraprestação da Administração Pública, uma vez que é ela própria a usuária
da utilidade. Ex: construção e administração de Centro Administrativo e
urbanização de seu entorno10.
(ii) Aquelas em que a totalidade da remuneração do parceiro privado advém da
contraprestação da Administração Pública, mas isso ocorre porque o serviço
prestado é essencialmente gratuito ou a cobrança de tarifa não se mostra viável
no caso concreto. Exemplo de serviço essencialmente gratuito: construção e
operação de hospital público, como ocorreu no Hospital do Subúrbio, em
Salvador11; outro exemplo seria a construção e o gerenciamento de presídios,
10 http://www.ppp.mg.gov.br/projetos-ppp/projetos-em-elaboracao/entorno-viario-da-cidade-administrativa-1. Acesso em 30.08.2013. 11 http://www.prodalsaude.com.br/. Acesso em 30.08.2013.
como no Estado de Minas Gerais12. Exemplo de serviço em que a cobrança de
tarifa seria possível, mas inviável in concreto: construção e operação de
rodovia em região pobre em que o custo social do pedágio seria
demasiadamente elevado.
(iii) Aquelas em que não há cobrança de tarifa – uma vez que não se trata da
exploração do serviço público, mas a remuneração do parceiro privado advém
tanto das receitas alternativas quanto da contrapartida do Poder Concedente.
Exemplo é a concessão para reforma e operação do Estádio Maracanã, no Rio
de Janeiro13, em que a contraprestação do poder público foi a cessão do próprio
complexo esportivo e terrenos nos arredores, e o concessionário se remunera
por meio das receitas alternativas obtidas com vendas de ingressos, exploração
de espaços comerciais e locação do estádio para eventos, mas não há que se
falar em tarifa, já que não se trata de serviço público.
Portanto, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, na concessão
administrativa a integralidade da remuneração do parceiro privado não é necessariamente
custeada pelo poder público. O que caracteriza esta espécie de concessão é que não haja a
cobrança de tarifa por parte dos usuários da utilidade, mas nada impede que o contrato preveja
outras fontes de receitas alternativas, que podem, inclusive, ser bastante expressivas, como
ocorre no exemplo acima mencionado do Estádio Maracanã.
Cabe também ressaltar que, tanto na concessão administrativa quanto na patrocinada, é
imprescindível que haja disponibilização de uma contraprestação do Poder Concedente. Ao
utilizar a expressão “contraprestação”, o art. 6º da Lei nº 11.079/200414 pretendeu claramente
12 http://www.ppp.mg.gov.br/projetos-ppp/projetos-celebrados/complexo%20penal. Acesso em 30.08.2013. 13 http://www.rj.gov.br/web/casacivil/exibeconteudo?article-id=1288480. Acesso em 30.08.2013. 14Art. 6o A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por: I – ordem bancária; II – cessão de créditos não tributários; III – outorga de direitos em face da Administração Pública; IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V – outros meios admitidos em lei
afastar o aporte feito pela Administração Pública nos contratos de PPP da figura do
subsídio15, utilizado nas concessões tradicionais.
Com isso, retiram-se do contrato de PPP as amarras da Lei nº 4.320/1964 quanto à
necessidade de lei especial e às limitações de emprego dos recursos disponibilizados pelo
Poder Concedente, o que traduz grande vantagem das PPPs em relação às concessões comuns
para projetos não autossustentáveis.
Na PPP, portanto, os aportes realizados pelo poder público não terão natureza jurídica
de subvenção econômica, mas, sim, de pagamentos pelos serviços prestados pelo parceiro
privado.
Note-se, porém, que esta contrapartida não necessariamente precisa ser feita na forma
de aportes pecuniários. O dispositivo já mencionado traz um rol de possíveis modalidades
para a contraprestação do Poder Concedente, prevendo, inclusive, uma cláusula aberta que
contempla quaisquer “outros meios admitidos em lei”.
Já a distinção entre ambas as espécies de concessão previstas na Lei de PPP é que, na
patrocinada, além da contrapartida do poder público, há obrigatoriamente a cobrança de tarifa
dos usuários do serviço público concedido, ao passo que, na administrativa, não há tarifa,
podendo ou não existir receitas alternativas.
Outra característica comum às modalidades de concessão previstas na Lei nº
11.079/2004, e que também ajuda a explicar o avanço das PPPs no Brasil nos últimos anos, é
a existência maiores garantias para o parceiro privado de cumprimento das obrigações
pecuniárias assumidas pela Administração Pública. O art. 8º da Lei de PPPs16 prevê as formas
15 RIBEIRO, Mauricio Portugal. Concessões e PPPs: Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo: Atlas, 2011. 16 Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante: I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal; II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; VI – outros mecanismos admitidos em lei.
que esta garantia pode assumir, dentre as quais se destacam a vinculação de receitas não
tributárias e a formação de um Fundo Garantidor de PPPs – FGP. O FGP foi objeto de
polêmicas quando do advento da Lei em questão, sob a alegação de que poderia haver uma
violação ao regime dos precatórios, porém hoje a discussão resta razoavelmente superada,
tendo em vista a natureza privada do Fundo.
Até o final de 2012, as PPPs também eram caracterizadas pelo fato de a contrapartida
do Poder Concedente somente ser paga para o particular quando o serviço estivesse disponível
para os usuários17. A medida reduzia os riscos assumidos pelo poder público e, ainda,
possibilitava o diferimento de investimentos pesados, visto que a obra deveria ser
inteiramente custeada pelo concessionário para, apenas a partir da disponibilização do serviço,
ter início o pagamento da contraprestação da Administração.
Todavia, esta limitação muitas vezes acabava por inviabilizar o project finance da
PPP, na medida em que a obra frequentemente demanda o investimento de montantes
expressivos e nem sempre o parceiro privado dispunha de fôlego para suportá-lo sozinho,
somente recebendo a contrapartida do Poder Concedente quando da disponibilização da
utilidade concedida.
Com isso, algumas esferas de governo, aplicando a ideia de que as Leis nº 8.987/1995
e 11.079/2004 formam um microssistema, começaram a se valer da figura dos subsídios já
previstos para as concessões comuns de modo a viabilizar o aporte de recursos públicos nas
PPP ainda em fase de construção. A desvantagem dessa solução, porém, é a sua insegurança
jurídica, tendo em vista que havia disposição expressa na Lei de PPP (art. 7º, caput) de que o
pagamento da contrapartida apenas deveria ocorrer a partir da disponibilização do serviço,
além de trazer incertezas quanto à forma de tributação desses valores pelo parceiro privado.
Atento ao potencial do instituto das PPPs para minimizar o déficit histórico de
infraestrutura no Brasil e a fim de reduzir os riscos destas operações, o Governo Federal
editou a Medida Provisória nº 575/2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.766/2012,
17 Isso ocorria porque, como já delineado acima, na PPP os aportes realizados pelo Poder Concedente não possuem natureza de subvenção econômica, mas de pagamento por serviços prestados pelo parceiro privado, de modo que só poderia haver pagamento a partir do momento em que o serviço estivesse, ao menos em parte, disponível.
que altera a Lei de PPP para permitir expressamente o aporte de recursos em projetos ainda
em fase de obra, bem como esclarecer que tais aportes não devem ser objeto de tributação.
Além disso, nas PPPs a remuneração do parceiro privado será variável, de acordo com
a sua eficiência na prestação do serviço delegado, mecanismo que, quando realmente
efetivado, permite que os contratos de PPP apresentem incremento considerável nas utilidades
oferecidas aos usuários. O próprio contrato traz um Quadro de Indicadores de Desempenho -
QID, que contém itens que serão analisados pelo Poder Concedente no exercício da
fiscalização da concessão a fim de verificar os níveis de qualidade da atuação do
concessionário. Quanto maior a sua eficiência, maior a sua remuneração; já no case de os
serviços prestados se mostrarem de baixa qualidade, o parceiro privado fará jus apenas à
remuneração mínima prevista no contrato.
É também uma característica relevante nas PPPs a previsão expressa de que a
repartição de riscos entre parceiro público e privado será cláusula obrigatória do contrato,
medida que tem por objetivo imprimir maior eficiência à avença e reduzir as hipóteses de
revisão do contrato com vistas a assegurar a manutenção se seu equilíbrio econômico-
financeiro, como passaremos a analisar adiante.
3. Distribuição de riscos contratos de concessão e PPP
Como visto acima, nas PPPs é obrigatória a repartição de riscos entre o parceiro
público e o parceiro privado, por força do disposto no art. 5º, III da Lei nº 11.079/200418.
Todavia, nada obsta que haja esta distribuição de riscos também nas concessões tradicionais,
como já foi salientado linhas acima
Ressalte-se apenas que há um conjunto de riscos que a própria Lei Geral de
Concessões aloca previamente junto ao Poder Concedente, não podendo o contrato de
18 Art. 5o As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (...) III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;
concessão distribui-los para o particular. É o que adverte MAURICIO PORTUGAL
RIBEIRO19:
“Note-se, por fim, que há um conjunto de riscos cuja alocação é feita
por lei. Por exemplo, o risco de aumento na carga tributária incidente
sobre as atividades objeto de contrato de concessão. A Lei de
Concessões estabelece no art. 9º, § 3º, que:
‘Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou
extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a
apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto,
implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o
caso’.
Portanto, por disposição legal, ressalvado o caso do imposto de
renda, o risco de criação, extinção ou alteração dos tributos ou
encargos legais é da Administração Pública, não podendo ser
alocado ao parceiro privado”.
Antes, porém, de adentrar no estudo da forma como os riscos devem ser alocados nos
contratos de concessão e PPP, é importante tentar delimitar um conceito do que seria este
“risco”, podendo-se encontrar na doutrina as seguintes definições20: (i) situação onde não
existe conhecimento do resultado final; (ii) variação de um possível resultado que existe na
natureza de uma determinada situação; (iii) alta probabilidade de insucesso; (iv) falta de
previsibilidade sobre estrutura, resultado ou consequências de uma decisão ou planejamento;
e (v) o impacto de algo que está em curso sobre os objetivos e metas estabelecidas, medido
em termos de consequências ou probabilidade21.
19 RIBEIRO, Mauricio Portugal. Concessões e PPPs: Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo: Atlas, 2011. Pág. 80. 20 PADIYAR, Vaijayanti; SHANKAR, Tarun; VARMA, Abhishek. Risk management in PPP. IL & FS InfraestructureDevelopment Corporation LTD. 21 A bibliografia clássica aponta distinção entre risco e incerteza. O primeiro seria uma incerteza mensurável, na medida em que as possibilidades futuras já seriam conhecidas, logo, uma falsa incerteza; ao passo que a segunda referir-se-ia a situações em que as possibilidades futuras são de fato desconhecidas. KNIGHT, Frank. Risk, Uncertainty and Profit (Risco, Incerteza e Lucro), 1921.
Como afirma MARCOS NÓBREGA22:
“A essência do risco, no entanto, é caracterizada por três aspectos
fundamentais: o evento, que significa a possível ocorrência de algo
que poderia impactar o investimento; a probabilidade, que significa a
chance do evento de risco ocorrer em determinado período de tempo
e, por fim, o impacto, que corresponde ao valor financeiro resultante
de uma incidência do risco”.
Sumarizando, as fontes do risco são aqueles fatores que podem influenciar a
rentabilidade de determinado projeto de infraestrutura. Em projetos complexos, como são as
concessões e PPPs, é salutar que se determine como estes fatores serão distribuídos durante
toda a vigência do contrato, o que será definido no chamado Project Finance. E, em se
tratando de um contrato de longa duração, este estudo deve ser o mais detalhado possível, a
fim de evitar subdimensionamentos e incompletudes que possam levar a um aumento
excessivo do preço do serviço ao longo do contrato e até mesmo ao insucesso do
empreendimento.
Como afirma MARCOS AUGUSTO PEREZ:
“O planejamento, esclareça-se, não tem o condão de eliminar os
riscos de uma concessão. Sua virtude encontra-se em prevê-los e
equacioná-los, tendo em vista a preservação dos fins da concessão e a
solução dos impasses criados na eventualidade da sua eclosão. Como
disse Auby: ‘a planificação é a função que se traduz pela vontade de
administrar a mudança’; o planejamento, portanto, é de fundamental
importância, na medida em que tende a reduzir os conflitos ao longo
da execução do contrato de concessão, aumentando o seu grau de
estabilidade”23.
22 NÓBREGA, Marcos. Direito da Infraestrutura. São Paulo: QuartierLatin, 2011. Pág. 126. 23 PEREZ, Marcos Augusto. Op. Cit. Pág. 140.
Nessa ordem de ideias, consideraremos no presente trabalho “risco” como: qualquer
evento em relação ao qual nenhuma das possua controle completo, cuja ocorrência possa
influir no contrato de forma positiva ou negativa e cujo gerenciamento implique custos para
a parte que o assuma.
3.1. Critérios para alocação dos riscos
A alocação correta dos riscos do empreendimento é fundamental para o sucesso da
empreitada, uma vez a distribuição desses fatores pode permitir que o negócio se torne mais
ou menos eficiente, tanto do ponto de vista da economicidade quanto da qualidade do serviço
oferecido aos usuários.
Isso porque, quando os riscos são alocados de forma eficiente, a parte responsável pelo
evento terá maiores condições e incentivos para evitar sua ocorrência ou, ao menos, mitigar os
efeitos danosos do episódio. Com isso, tende a haver maior economicidade e ganho de
eficiência no contrato, como pontuam MAURICIO PORTUGAL RIBEIRO e LUCAS
NAVARRO PRADO24:
“A distribuição de riscos é a principal função de qualquer contrato.
Trata-se de antecipar e atribuir a cada uma das partes a obrigação de
assumir as consequências e ocorrências futuras. Ao fazê-lo, o
contrato gera incentivo para as partes adotarem, por um lado,
providências para evitar ocorrências que lhes sejam gravosas (os
riscos negativos) ou, pelo menos, estimula-as a agirem com o objetivo
de realizar as situações que lhes são benéficas – por exemplo, no caso
da parte prestadora de um serviço, a melhoria da qualidade do
serviço, para aumento da demanda, e, portanto, das suas receitas
operacionais”.
Entretanto, nesta operação, sempre haverá trade-offs a serem analisados, isto é, sempre
haverá vantagens e desvantagens para que determinado risco será atribuído a uma das partes
24 RIBEIRO, Mauricio Portugal e PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP – Parceira Público-Privada Fundamentos Econômicos-Jurídicos. 1ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. Pág. 117.
do contrato em detrimento da outra. Daí, a importância de que o project finance da
concessão/PPP analise de forma mais aprofundada possível o empreendimento e os riscos
nele envolvidos, definindo como estes deverão ser distribuídos com vistas a gerar a maior
eficiência possível para o contrato. No ponto, MARCOS NÓBREGA25 ressalta que:
“(...) a reposta convencional a esse dilema é que eles [os riscos]
deverão ser alocador para a parte que tem melhor condição de
gerenciá-los. A resposta é correta, porém simplista e vaga. Para ser
mais preciso, cada risco deve ser alocado de acordo com o direito de
tomar decisões de forma a maximizar o valor total do projeto (total
project value) considerando a capacidade de cada parte para: a)
influenciar o correspondente fator de risco; b) influenciar a
sensibilidade do valor total do projeto em relação ao risco –
antecipando ou respondendo ao fator de risco; e c) absorvendo o
risco”.
A fim de que assegurar que os riscos de um contrato de concessão ou PPP sejam
repartidos da forma mais eficiente possível, a doutrina oferece quatro critérios básicos para
alocação dos fatores de risco, sendo os dois primeiros de caráter principal e os dois últimos de
natureza acessória; em realidade, corolários dos dois primeiros.
Iniciando nossa análise pelos parâmetros principais, o primeiro critério apontado pela
doutrina para a distribuição dos riscos nos contratos de concessão/PPP é que o risco deve
sempre ser alocado à parte que a um custo mais baixo pode reduzir as chances de o evento
indesejado se materializar ou aumentar as chances de o evento desejável ocorrer26.
Por exemplo, riscos relativos aos materiais empregados na obra devem ser atribuídos
ao parceiro privado, de modo a gerar-lhe um incentivo para empregar os insumos mais
adequados àquele serviço e, com isso, permitir maior eficiência no contrato27. Riscos de
25Op. Cit., pág. 129. 26 RIBEIRO, Mauricio Portugal. Op. Cit., pág. 80. 27 Caberá ao parceiro privado o juízo de determinar se o serviço oferecido aos usuários será mais eficiente se ele empregar insumos de maior durabilidade (cujo preço tendo a ser superior) ou insumos de menor durabilidade, porém facilmente substituíveis (cujo preço tende a ser menor). Como nas PPPs a remuneração do parceiro
demanda também devem ser alocados, ao menos em parte28, junto ao parceiro privado, a fim
de que ele tenha maiores incentivos em oferecer serviços de maior qualidade, que atraiam um
número maior de usuários e, com isso, haja também incremento nas suas receitas.
O segundo critério principal para a distribuição de riscos nas delegações de serviços é
que estes devem ser alocados junto à parte que tiver maior capacidade de gerenciar as
consequências danosas caso o evento indesejado se materialize29.
Este parâmetro é importante porque há situações em que nenhuma das partes possui
capacidade de reduzir de forma considerável os riscos de o evento danoso ocorrer, mas
provavelmente uma delas terá maiores instrumentos para lidar com o evento e reduzir seus
desdobramentos caso ele venha a ocorrer.
Por exemplo, numa concessão de rodovia, ainda que o concessionário instale placas e
outros instrumentos de sinalização, não poderá evitar por completo a ocorrência de acidentes,
mas ele possui maior capacidade de prestar socorro de forma mais célere às vítimas e retirar
cargas perigosas da pista. Assim, o risco de acidentes deve ser alocado no parceiro privado,
que, apesar de não poder mitigá-lo por completo, possui maior capacidade de gerenciá-lo.
Vistos os principais parâmetros, passaremos agora aos critérios acessórios para a
distribuição dos riscos em contratos de concessão e PPP, ambos importantes principalmente
para os casos em que nenhuma das partes possa antecipar, influenciar ou responder a contento
ao evento que se materialize. Nessas hipóteses, a distribuição do risco deverá levar em conta a
capacidade das partes de “externalizar” o curso de prevenir ou remediar eventos indesejáveis,
ou seja, de transferir esses riscos para um terceiro30.
privado é variável, ele tem interesse ainda maior em oferecer serviços de alta qualidade aos usuários, de modo que este juízo não deve ser guiado apenas pelos valores que ele irá despender durante a obra. 28Na prática, observa-se que, na maioria dos contratos de concessão/PPP, o risco de demanda é atribuído integralmente ao parceiro privado, mas há contratos em que este risco é repartido entre as partes, de modo que o concessionário somente suporte os custos relativos ao aumento ou à redução da demanda até certo ponto, a fim de reduzir o valor relativo à assunção deste risco que será embutido pelos licitantes em suas propostas quando da licitação do projeto. 29 RIBEIRO, Mauricio Portugal. Op. Cit., pág. 81. 30 Aqui, servimo-nos da acepção ampla de externalidade, adotada de forma majoritária na Análise Econômica do Direito, tomada esta como qualquer interferência benéfica (externalidade positiva) ou maléfica (externalidade negativa) que a atividade de um agente pode ter sobre o bem-estar de um terceiro. Para maior aprofundamento
A Administração Pública sempre externaliza para os contribuintes os riscos de
qualquer negócio que ela assuma, na medida em que sua principal fonte de receita advém dos
recolhimentos tributários que realiza. Assim, os riscos alocados junto ao Poder Concedente
são suportados indiscriminadamente por toda a sociedade, independente de ser o contribuinte
usuário daquele serviço ou não.
Já o parceiro privado poderá adotar dois comportamentos em relação aos riscos pelos
quais se responsabilize: (i) celebrar um contrato de seguro e embutir o valor do prêmio no
valor de sua proposta; ou (ii) não celebrar um contrato de seguro e incluir no valor de sua
proposta os custos relativos ao gerenciamento desse risco.
Em ambos os casos, este montante será repassado para a tarifa cobrada dos usuários
e/ou para a contraprestação demandada do poder público. Contudo, nas hipóteses em que
houver contratação de seguro, este repasse tenderá a ser consideravelmente menor, visto que,
como o contrato de seguro permite uma repartição social de riscos, o valor prêmio cobrado
pela seguradora em regra é inferior àquele necessário ao gerenciamento integral do risco pelo
parceiro privado, sobretudo se o mercado for relativamente maduro31.
Com base nesses possíveis comportamentos, chegamos aos dois critérios secundários
para a repartição de riscos em contratos de concessão/PPP.
Primeiramente, para os riscos em que houver possibilidade de contratação de seguro, a
solução mais recomendada é que o risco seja alocado junto ao concessionário, visto que o
seguro permitirá uma repartição social do risco de forma mais eficiente.
Em segundo lugar, para os riscos em que não for possível celebrar contrato de seguro,
a alocação preferencial deve se dar junto à Administração Pública, uma vez que, caso
contrário, o montante necessário para o gerenciamento do risco seria repassado pelo
sobre o tema, vide: PORTO, Antônio José Maristrello e GOMES, Lucas Thevenard. Análise Econômica da Função Social dos Contratos: críticas e aprofundamentos. Economic Analysis of Law Review. Vol. 1, n. 2, 2010, Págs. 196-212. 31 Em mercados mais maduros, há uma maior socialização do risco, visto que há mais contratantes de seguro contra aquele determinado evento e mais seguradoras disputando o mercado. Isso permite que o valor cobrado pelas apólices seja inferior do que em mercados nos quais haja pouca concorrência ou baixo volume de contratações.
concessionário aos usuários do serviço e/ou à própria Administração Pública. Como este valor
costuma ser bastante elevado, o repasse implicaria um aumento excessivo do preço do serviço
ainda que o evento danoso nunca venha a se materializar, de modo que o risco é distribuído de
forma mais eficiente se suportado pela coletividade.
Com o intuito de reduzir as hipóteses em que não é possível a contratação de seguro, e,
consequentemente, os riscos que são suportados pela sociedade e acabam levando a um
aumento da carga tributária, a União criou, por meio da Medida Provisória nº 564/2012,
convertida na Lei nº 12.712/2012, a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e
Garantias S.A.. Já na Exposição de Motivos desta MP, observa-se que a intenção do
Executivo, ao editar a medida, é a de criar, dentre outros, o Fundo Garantidor de Projetos de
Infraestrutura de Grande Vulto – FGIE, que visa justamente a suplementar o mercado de
seguros e resseguros, oferecendo capacidade adicional para a assunção de riscos até então não
absorvidos pelos parceiros privados32.
4. A relação entre matriz de riscos e equilíbrio econômico-financeiro dos
contratos de concessão e PPP
Como visto anteriormente, o risco pode ser definido como qualquer evento em relação
ao qual nenhuma das possua controle completo, cuja ocorrência possa influir no contrato de
forma positiva ou negativa e cujo gerenciamento implique custos para a parte que o assuma.
Se a distribuição dos riscos do empreendimento for feita de forma prévia e detalhada,
já definida em matriz de riscos constantes do edital da licitação, os concorrentes e a própria
Administração Pública já estarão cientes dos riscos que assumirão e poderão estimar e
precificar os valores necessários ao seu gerenciamento nas propostas que ofereçam.
Por sua vez, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato é tradicionalmente definido
pela doutrina pátria como a garantia de manutenção das condições da proposta formulada pelo
contratado, ou seja, da relação entre o valor por ele cobrado e as obrigações que assume.
32Para maiores informações sobre o tema, vide: RIBEIRO, Mauricio Portugal. Novo fundo garantidor de PPPs federais pode ser também utilizado por Estados e Distrito Federal: agora vai? Disponível em http://www.slideshare.net/portugalribeiro/novo-fundo-garantidor-de-ppps-federal. Acesso em 29.07.2013.
Sendo assim, se o próprio edital da concessão/PPP já traz os riscos que devem ser
suportados por cada parte, a princípio não haveria necessidade de recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro em caso de ocorrência de algum dos eventos danosos já disciplinados
pelo contrato, uma que os custos atinentes a seu gerenciamento já teriam sido considerados na
proposta apresentada pelo parceiro privado.
Ocorre que, fosse, de fato, possível prever todas as variações que podem ocorrer ao
longo de todo o contrato, seria plenamente aplicável o cenário muito bem delineado por
KLEBER LUIZ ZANCHIM33, cujas lições eloquentes passamos a reproduzir:
“Essa lógica de ‘repartição de riscos’ pretende tornar o contrato
estável mesmo diante de alterações de circunstâncias. Em tese, com
áleas bem distribuídas, não haveria que se falar em revisão da
avença. Cada parte saberia, desde a contratação, a que contingências
estaria exposta. Eventuais perdas seriam previsíveis, como é típico do
cálculo de risco. (...) A quantidade e a qualidade de informações
disponíveis nesse tipo de avença reduziriam o extraordinário a uma
dimensão residual, praticamente afastando a possibilidade de revisão
por mudanças contextuais”.
Contudo, os contatos de concessão/PPP caracterizam-se por serem, a um só turno,
instrumentos complexos e de longa duração. Essa realidade faz com que se revele impossível
prever todos os eventos que poderão impactar a avença ao longo de toda a sua execução, que
envolve um espaço de décadas e comporta um objeto bastante largo. Assim, cumpre trazer
novamente à baila os ensinamentos de KLEBER LUIZ ZANCHIM34:
“Nos ‘megaprojetos’, não conseguimos aprender com
empreendimentos anteriores porque o ‘sistema de elementos’ é
extremamente vasto e de difícil compreensão. Além disso, com o
passar dos anos, a complexidade aumenta, haja vista a introdução de
novas tecnologias, novos interesses, novos desafios, etc. Nos
33 ZANCHIM, Kleber Luiz. Contratos de Parceria Público-Privada (PPP): Risco e incerteza. São Paulo: Quartier Latin, 2012. Págs. 60-61. 34 ZANCHIM, Kleber Luiz. Op. Cit.Pág. 67.
‘megaprojetos’, há agentes de diversos países, o que introduz áleas
cambiais, políticas e regulatórias. Sua área de influência é extensa –
às vezes supranacional –, o que agrega impactos ambientais. Seu
prazo é longo, o que traz complicadores de ordem inflacionária e
juros. Seus elementos tecnológicos são inovadores, o que aumenta a
sujeição a fatores imponderáveis. Seus investimentos são maciços, o
que os expõe a oscilações orçamentárias e, no limite, a variações
macroeconômicas como crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB)”.
O contrato de concessão/PPP será sempre um contrato incompleto, por mais extenso e
detalhado que seja35. Ao longo de sua execução, ocorrerão mudanças sociais, políticas,
econômicas, tecnológicas e jurídicas que seriam impossíveis de ser previstos quando de sua
celebração e que necessariamente impactarão na avença, fazendo com que seja necessária sua
revisão.
Nesse cenário, resta claro que os contratantes – Administração Pública e parceiro
privado – jamais poderão elaborar uma matriz de risco tão suficientemente abrangente que
afaste por completo a possibilidade de revisão do contrato no curso de sua vigência.
Dessa forma, mais importante do que aspirar a uma pretensa completude, a
distribuição de riscos delineada no instrumento de delegação deve servir de incentivo para que
as partes adotem mecanismos de: (i) promoção do aumento de chance de materialização de
eventos desejáveis; (ii) proteção contra a eventual ocorrência de eventos lesivos; e (iii) lidar
da forma mais eficiente possível com as consequências de eventual realização de evento
danoso já previsto no contrato.
Isso não significa que não se deva investir em um project finance robusto. Pelo
contrário. Apenas se os estudos técnicos de viabilidade da concessão/PPP forem vigorosos é
35 Para mais informações a respeito da caracterização dos contratos de infraestrutura como contratos incompletos, recomenda-se a leitura de: NÓBREGA, Marcos. Contratos de infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviços públicos e PPPs. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-18-MAIO-2009-MARCOS-NOBREGA.pdf. Acesso em 30.08.2013.
que será possível promover a distribuição mais eficiente possível dos riscos capazes de serem
previstos neste momento, possibilitando que os fins acima elencados sejam alcançados.
Além disso, a matriz de riscos permite que já seja feita a repartição dos custos
relativos aos eventos de maior previsibilidade, prevendo standards dentro dos quais a revisão
deverá ocorrer nesses casos e, com isso, fixando parâmetros objetivos para o restabelecimento
do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
O que se afirma aqui pode ser corroborado pelo próprio art. 37, XXI da Constituição
da República36, citado pela doutrina como o assento constitucional do direito do contratado à
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, cuja redação
fala expressamente em “mantidas as condições efetivas proposta”.
O art. 10 da Lei Geral de Concessões estabelece, ademais, que “sempre que forem
atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-
financeiro”. Dessa forma, mantida a repartição de riscos estabelecida pelo edital e pelo
contrato de concessão/PPP, estará assegurado o equilíbrio econômico-financeiro da avença37.
Na Lei de PPP, o legislador ainda vai além, prevendo textualmente, em seu art. 5º, III,
que o contrato de PPP deve prever “a repartição de riscos entre as partes, inclusive os
referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária”.
Portanto, a Lei nº 11.079/2004 deixa claro que todos eventos que possam ser previstos quando
da elaboração da matriz de riscos do contrato de PPP deixarão de integrar propriamente sua
álea extraordinária, já sendo objeto de distribuição e disciplina jurídica na própria avença
celebrada.
36Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 37 Para maiores considerações sobre o tema, vide: RIBEIRO, Mauricio Portugal, Op. Cit. Págs. 80 e ss. e RIBEIRO, Mauricio Portugal e PRADO, Lucas Navarro. Op. Cit. Págs. 117 e ss.
Sendo assim, entendemos que a garantia constitucional ao equilíbrio econômico-
financeiro visa a assegurar não uma distribuição pré-determinada dos riscos nos contratos de
concessão e PPP, mas, sim, a preservação do sistema de repartição de riscos previsto no edital
e no contrato, uma vez que o concessionário formulou sua proposta com base nessa matriz.
Dessa forma, qualquer alteração na distribuição dos riscos do empreendimento deve assegurar
ao contratado o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro da avença38.
Haverá também direito do concessionário ao reequilíbrio econômico-financeiro do
contrato sempre que ocorrerem eventos não previstos na matriz de riscos ou cujas
consequências comprovadamente ultrapassem as previsões feitas no project finance quando
da elaboração dos estudos que embasam a matriz de riscos do contrato. Nesse caso, a revisão
será necessária porque este excedente não terá sido dimensionado na proposta do
concessionário, de maneira que obrigar o particular a suportá-lo importaria quebra da equação
econômico-financeira do contrato39.
Destaque-se, ainda, que, mesmo nas situações cuja materialização se dê nos moldes
previstos no contrato, será possível a sua revisão se a própria matriz de risco previr que, nesse
caso, ela deverá ocorrer. Nessas hipóteses, a revisão será feita de acordo com os parâmetros
fixados na própria avença, de modo a restabelecer seu equilíbrio econômico-financeiro dentro
de um espectro de maior segurança jurídica.
A situação acima descrita ocorrerá com maior frequência quando da materialização de
riscos assumidos pela Administração Pública, uma vez que, nesses casos, competirá ao Poder
Concedente suportar os custos necessários para contingenciar as consequências do evento.
Com isso, far-se-á necessária a adoção de alguma medida em favor do parceiro privado, como
aumentar o valor da contraprestação, ampliar o prazo do contrato ou reduzir os investimentos
exigidos do particular.
38 Note-se que, por outro lado, a revisão do contrato não necessariamente levará a uma revisão da matriz de riscos. É possível que, quando da celebração do termo aditivo, Administração Pública e parceiro privado optem por manter a distribuição de riscos inicialmente pactuada por entenderem que o evento ocorrido foi isolado e não demanda uma revisão in abstrato dos critérios já estabelecidos para a alocação dos riscos do contrato. 39 O caso seria similar ao instituto da “repactuação”, existente para os contratos celebrados pela Administração Pública Federal visando à prestação de serviços contínuos, celebrados com fulcro no art. 57, II da Lei nº 8.666/1993. Para aprofundamento no tema, vida: GARCIA, Flávio Amaral. Licitações e Contratos Administrativos: Casos e Polêmicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 3ªedição, 2ª tiragem. 2012.
Por exemplo, o risco de modificação das especificações do serviço é frequentemente
suportado pela Administração Pública. Assim, se esta realizar alterações no projeto que
impliquem mais custos para o parceiro privado, deverá ser tomada alguma medida com vistas
a restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro. A fim de conferir maior segurança jurídica
ao negócio, é salutar que o contrato já preveja, ainda que de forma exemplificativa, as
soluções que poderão ser adotadas, cabendo às partes, no caso concreto, chegar àquela que
promova da melhor forma possível a eficiência do contrato40.
Observa-se, pois, que o equilíbrio econômico-financeiro assumirá um papel
subsidiário em relação à matriz de riscos, aplicando-se nos seguintes casos: (i) situações não
previstas na matriz de riscos constante do contrato ou cujas consequências extrapolem ; (ii)
situações cujos efeitos extrapolem as previsões do project finance e, por conseguinte, da
própria matriz de riscos; (iii) alteração na alocação dos riscos inicialmente pactuada; ou (iv)
situações em que a própria matriz de risco preveja a necessidade de revisão da avença em
caso de ocorrência de determinado evento, fixando também os parâmetros em que esta deverá
ocorrer.
Este cenário demonstra a importância de que o projeto da concessão/PPP seja
estruturado de forma aprofundada, de modo que o maior número possível de riscos seja
dimensionado, e, consequemente, possa ser incluído tanto no value for money da delegação
(isto é, no estudo sobre a própria viabilidade da contratação) quanto na proposta apresentada
pelos particulares interessados.
Repita-se, porém, que, em instrumentos complexos e de longa duração, como são os
contratos de concessão e PPP, é impossível a previsão de todos os eventos que irão influenciar
seu objeto ao longo de toda a sua duração. Ainda que os estudos técnicos sejam o mais
robustos possíveis, o contrato sempre será incompleto, deixando riscos não dimensionados ou
subdimensionados.
40 A possibilidade de as partes do contrato debaterem, no caso concreto, qual deve ser a solução adotada com vistas a restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato está intrinsecamente ligada à ideia de consensualismo que permeia a Administração Pública Gerencial, mais preocupada com o resultado e a eficiência do que propriamente com os meios que serão adotados para se chegar a estes objetivos – respeitada, sempre, a juridicidade da solução escolhida.
Dessa forma, a elaboração da matriz de riscos tem como principal objetivo imprimir
uma maior eficiência ao contrato como um todo, na medida em que permite sua alocação
junto à parte que possui maior capacidade de promover eventos desejáveis, evitar os
indesejáveis e/ou lidar com as consequências que derivem da materialização de eventos
nocivos.
5. Conclusão e Proposições objetivas
Diante do exposto, propõe-se no presente trabalho, nos contratos de concessão e PPP,
a distribuição de riscos seja feita de forma mais eficiente possível, por meio da adoção dos
seguintes standards ora propostos:
(i) alocação do risco junto à parte que tenha o menor custo para reduzir a chance
de ocorrência do evento indesejável e de aumentar a chance de materialização
do evento desejável;
(ii) alocação do risco junto à parte que tem maior capacidade de gerenciar as
consequências danosas caso o evento indesejado se realize;
(iii) alocação do risco junto ao concessionário sempre que for possível a
contratação de seguro para sua cobertura, visto que nesse caso haverá uma
socialização eficiente do risco; e
(iv) alocação do risco junto à Administração Pública quando não for possível a
contratação de seguro, já que nesse caso é mais eficiente sua distribuição pela
coletividade do que promover uma oneração excessiva dos usuários ainda que
o evento não venha a se materializar.
Ainda que não seja possível produzir uma distribuição completa de todos os eventos
que podem vir a impactar no contrato ao longo de toda a sua vigência, a distribuição correta
dos riscos identificados nos estudos de viabilidade do projeto gera incentivos para que a parte
incumbida de gerenciá-lo adote comportamentos aptos a reduzir a probabilidade de ocorrência
de eventos danosos e a fomentar a materialização de eventos positivos.
O sistema de repartição de riscos revela-se, assim, como um importante mecanismo na
busca pelo incremento da qualidade do serviço oferecido aos usuários pelo concessionário.
Ele não deve ser considerado como a panaceia para a impossibilidade de completude típica
dos contratos complexos e de longa duração, como são as concessões e as PPPs. Porém, se
levada a sério41, por meio de um project finance robusto e que observe os parâmetros acima
elencados, a alocação dos riscos identificados neste estudo junto à parte que demonstre maior
capacidade de gerenciá-los permite que os eventos que possam impactar no contrato
funcionem como um incentivo à promoção de eventos desejáveis e à redução de eventos
indesejáveis ou, ao menos, à minoração de suas consequências.
Referências Bibliográficas
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OLIVEIRA, Fernão Justen de. Parceria Público-Privada: Aspectos de Direito Público
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PADIYAR, Vaijayanti; SHANKAR, Tarun; VARMA, Abhishek. Risk management in PPP.
IL & FS InfraestructureDevelopment Corporation LTD.
41 Expressão atribuída ao jusfilósofo norteamericano Ronald Dworkin em sua obra Levando os direitos a sério, no original “Taking Rights Seriously”. Para maiores informações, vide: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: WMF Editores, 3ª edição, 2010.
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Trabalho apresentado ao seminário sobre Reforma do Estado na América Latina organizado
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Parceira Público-Privada Fundamentos Econômicos-Jurídicos. 1ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo:
Malheiros Editores, 2007.
RIBEIRO, Mauricio Portugal. Concessões e PPPs: Melhores Práticas em Licitações e
Contratos. São Paulo: Atlas, 2011.
_________. Novo fundo garantidor de PPPs federais pode ser também utilizado por Estados e
Distrito Federal: agora vai? Disponível em http://www.slideshare.net/portugalribeiro/novo-
fundo-garantidor-de-ppps-federal.