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142 Vol XV N o 3 Alternativas cirúrgicas para o tratamento da ICC 3 Artigo de Revisão O transplante cardíaco é, sem dúvida, a melhor opção cirúrgica para o tratamento da insuficiência cardíaca terminal. Todavia o reduzido número de doadores impede a extensão desta forma de tratamento a um número maior de pacientes. Em função desta realidade, formas alternativas de tratamento cirúrgico vêm sendo propostas e despertando interesse. Dentre estas, podemos citar a ventriculectomia parcial (cirurgia de Batista), a plastia endoventricular circular (cirurgia de Dor), a correção da insuficiência mitral, a cardiomioplastia, a estimulação multissítio e os mecanismos de assistência circulatória. Plastia Endoventricular circular A plastia endoventricular circular é a técnica cirúrgica utilizada no tratamento das cardiomiopatias dilatadas de origem isquêmica, que apresentam grandes áreas de acinesia ou de discinesia do ventrículo esquerdo (VE). Esta técnica foi proposta por Vincent Dor, em 1985, e consiste na exclusão da área do ventrículo que apresenta alteração contrátil, incluindo aí a parede livre do VE e o septo inter-ventricular, associada à revascularização completa do miocárdio, inclusive da área infartada, e à plastia ou troca da válvula mitral, quando esta apresenta graus de regurgitação significativos 1 . A proposta do Dr. Dor vai além de uma nova técnica de abordagem cirúrgica, como também sugere uma mudança no conceito de aneurisma de VE. Até então era chamado de aneurisma de VE a área de fibrose do ventrículo que se movia de maneira paradoxal durante a sístole e a diástole. Acinesia era a área do ventrículo que não apresentava movimento em nenhuma fase do ciclo cardíaco. A mudança neste conceito consiste em chamar de área de assinergia tanto as grandes áreas de acinesia como as de discinesia, e abordando cirurgicamente de forma semelhante as duas, promovendo assim uma reconstituição mais completa da arquitetura do ventrículo esquerdo, revertendo os efeitos do processo de remodelamento que ocorre após a formação da região de fibrose pós-infarto 2 . A plastia endoventricular é feita através de abertura no VE, a partir de onde se identifica a região de transição entre músculo viável e músculo fibrosado. Nesta região de transição é feita uma sutura circular (Figura 1), de forma que o colo da região aneurismática seja reduzido. Ao nível desta sutura circular é implantado um enxerto, normalmente de pericárdio bovino, que mede de 3 a 4 centímetros de diâmetro e que vai passar a ser o limite da nova cavidade ventricular reconstituída (Figura 2). Esta forma de reconstituição difere das demais técnicas propostas até então, como as de Jatene e Cooley, por excluir não só a região de fibrose da parede livre como também a do septo inter-ventricular. A revascularização do miocárdio é feita de forma completa, inclusive da região do infarto, uma vez Mario R. Amar e José Jazbik Sobrinho Cirurgião do Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ e do Hospital de Clínicas de Niterói / Professor do Setor de Arritmias, Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca do HUPE / UERJ

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Alternativas cirúrgicas para o tratamento da ICC

3 Artigode Revisão

O transplante cardíaco é, sem dúvida, a melhoropção cirúrgica para o tratamento da insuficiênciacardíaca terminal. Todavia o reduzido número dedoadores impede a extensão desta forma detratamento a um número maior de pacientes.

Em função desta realidade, formas alternativasde tratamento cirúrgico vêm sendo propostas edespertando interesse. Dentre estas, podemoscitar a ventriculectomia parcial (cirurgia deBatista), a plastia endoventricular circular(cirurgia de Dor), a correção da insuficiênciamitral, a cardiomioplastia, a estimulaçãomultissítio e os mecanismos de assistênciacirculatória.

Plastia Endoventricular circular

A plastia endoventricular circular é a técnicacirúrgica utilizada no tratamento dascardiomiopatias dilatadas de origem isquêmica, queapresentam grandes áreas de acinesia ou dediscinesia do ventrículo esquerdo (VE).

Esta técnica foi proposta por Vincent Dor, em 1985,e consiste na exclusão da área do ventrículo queapresenta alteração contrátil, incluindo aí a paredelivre do VE e o septo inter-ventricular, associada àrevascularização completa do miocárdio, inclusiveda área infartada, e à plastia ou troca da válvulamitral, quando esta apresenta graus de regurgitaçãosignificativos1.

A proposta do Dr. Dor vai além de uma nova técnicade abordagem cirúrgica, como também sugere umamudança no conceito de aneurisma de VE. Até entãoera chamado de aneurisma de VE a área de fibrosedo ventrículo que se movia de maneira paradoxaldurante a sístole e a diástole. Acinesia era a área doventrículo que não apresentava movimento emnenhuma fase do ciclo cardíaco. A mudança nesteconceito consiste em chamar de área de assinergiatanto as grandes áreas de acinesia como as dediscinesia, e abordando cirurgicamente de formasemelhante as duas, promovendo assim umareconstituição mais completa da arquitetura doventrículo esquerdo, revertendo os efeitos doprocesso de remodelamento que ocorre após aformação da região de fibrose pós-infarto 2 .

A plastia endoventricular é feita através de aberturano VE, a partir de onde se identifica a região detransição entre músculo viável e músculo fibrosado.Nesta região de transição é feita uma sutura circular(Figura 1), de forma que o colo da regiãoaneurismática seja reduzido. Ao nível desta suturacircular é implantado um enxerto, normalmente depericárdio bovino, que mede de 3 a 4 centímetrosde diâmetro e que vai passar a ser o limite da novacavidade ventricular reconstituída (Figura 2). Estaforma de reconstituição difere das demais técnicaspropostas até então, como as de Jatene e Cooley, porexcluir não só a região de fibrose da parede livrecomo também a do septo inter-ventricular.

A revascularização do miocárdio é feita de formacompleta, inclusive da região do infarto, uma vez

Mario R. Amar e José Jazbik Sobrinho

Cirurgião do Serviço de Cirurgia Cardíacado Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ e do Hospital de Clínicas de

Niterói / Professor do Setor de Arritmias, Eletrofisiologia e EstimulaçãoCardíaca do HUPE / UERJ

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Figura 1O passo inicial na reconstrução do ventrículo esquerdo é acolocação de uma sutura circular contínua em torno da base doaneurisma na junção do endocárdio normal com o fibrosado.Quando amarrada adequadamente, esta sutura restabelece aorientação normal das fibras do músculo viável do ventrículo,excluindo o aneurisma.

Figura 2O enxerto endocárdico é ancorado no nível da suturacircunferencial contínua para completar o fechamento doventrículo esquerdo.

que, havendo nessas áreas alguma quantidade demúsculo viável, o mesmo será capaz de contribuirna função global do VE.

Fotos 1 e 2Pré-operatório (foto 1) e pós-operatório (foto 2) de plastiaendoventricular circular.

A válvula Mitral é abordada nas situações em queapresenta regurgitação de grau moderado ou graveque, na maioria das vezes, é devida a falha nacoaptação dos folhetos que ocorre pela dilatação doanel mitral. Normalmente a anuloplastia mitral éutilizada, uma vez que não há alteração estruturalda válvula.

A Figura 3 nos mostra o aspecto cirúrgico eangiográfico no pré e pós-operatório de um pacientesubmetido à correção de grande aneurisma deventrículo esquerdo pela técnica da plastiaendoventricular circular.

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Correção da Insuficiência Mitral

A existência de regurgitação Mitral funcional(RMF) é fator da maior importância na evoluçãonatural da cardiomiopatia dilatada. O seuaparecimento aumenta o grau de insuficiênciacardíaca e diminui a expectativa de vida 3,4.

Vários são os mecanismos de RMF e talvez o maisimportante seja: como consequência do aumentodo V.E., ocorre uma distorção do aparelho valvarmitral. Os folhetos são tracionados pelasestruturas sub-valvares em função do aumentoda distância entre os músculos papilares e o níveldo anel mitral, dificultando a perfeita coaptaçãodos folhetos 5.

O tratamento cirúrgico visa à restauração dacompetência da válvula Mitral com umaconcomitante redução da base do coração 6. Istoleva a uma redução no volume do VE, uma vezque a base do cone cardíaco se torna menor. Emalguns casos uma remodelação favorável do V.E.se segue, levando a maior redução do seuvolume, porém isso não acontece com grandefreqüência e o objetivo principal da cirurgia émanter o volume sistólico semelhante ao do pré-operatório, porém agora anterógrado, commelhora do débito cardíaco 3.

A correção da RMF pode ser feita tanto por trocacomo por plastia da válvula Mitral. Aanuloplastia foi considerada ideal, porém houvereaparecimento da regurgitação com relativafreqüência no seguimento desses pacientes 6.

Como trata-se de cirurgia paliativa, o retorno dossintomas de forma mais branda e compossibilidade de mais fácil controle clínico, podeser considerado como sucesso do procedimento.

A indicação da cirurgia para correção da RMFpode ocorrer nos casos de regurgitação moderadaà grave ou de regurgitação grave, entretanto hágrupos que indicam a correção cirúrgica emregurgitações moderadas para pacientes comsintomas de insuficiência cardíaca 3.

Ventriculectomia Parcial Esquerda

O Dr. Randas Batista, de Curitiba, Paraná,desenvolveu uma técnica cirúrgica baseada em suateoria de que o problema nos corações dilatados é afalha na hipertrofia muscular que deveria ocorrerconcomitantemente ao aumento do diâmetro.

Examinando corações de diferentes tamanhos eespécies, sadios e doentes, ele observou que haviauma relação constante entre o tamanho (raio) doventrículo e sua massa muscular, independente daespécie (massa= 4 x raio3). Ele também observouque, apesar da massa muscular total estaraumentada nos corações dilatados , esta nãoaumenta na mesma razão que nos corações“normais”, levando assim a uma relativa falta demassa muscular para aquele tamanho (raio) decoração. Através da ressecção de alguma quantidadede músculo, reduzindo o raio do coração, a relaçãomassa / raio da cavidade retornaria a valorespróximos do normal, aumentando a eficiência dacontração do coração dilatado 7.

Nesta cirurgia, a redução da cavidade ventricularesquerda é obtida pela ressecção de um fuso, tãolargo quanto possível, do miocárdio da paredelateral do ventrículo esquerdo, na regiãocompreendida entre os músculos papilares, quegeralmente estendem-se desde o ápice do coraçãoaté a 2 ou 3 cm do anel da válvula Mitral (Figura 4).

Às vezes, é necessária a ressecção parcial ou totaldos músculos papilares ou a sua translocação paraobtenção de uma redução efetiva da câmaraventricular.

Na presença de insuficiência funcional das válvulasatrioventriculares, é obrigatória a sua correção, queé normalmente realizada através de plastias deredução do anel valvar. Nos casos em que é feita aressecção dos músculos papilares, é comum anecessidade de substituição da válvula mitral.

Está demonstrada uma correlação importante entreo diâmetro do miócito e a sobrevida 8. Os pacientesque apresentavam diâmetro aumentado do miócito(maior que 22 µm) tiveram menor sobrevida (31%)quando comparados aos pacientes com diâmetro dafibra menor que 22 µm, os quais apresentaram umasobrevida de 73%. Outro aspecto importante naanálise histológica é o grau de acometimento dotecido por fibrose. A determinação semiquantitativado grau de fibrose do miocárdio está inversamenterelacionada com a melhora do desempenhoventricular.

Figura 3 (ao lado)Fotografia e angiogramas pré-operatórios (A) e pós-operatóriosde paciente submetido à plastia endoventricular circular por umagrande área de acinesia do ventrículo esquerdo (OAD).

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A maioria dos centros de cirurgia cardíaca em nossomeio deixou de realizar esta cirurgia de formarotineira, devido a elevados índices de morbi-mortalidade, ficando, porém, como grandecontribuição do Dr Batista, o conceito da relaçãoentre diâmetro cavitário e espessura da parede.

Figura 4Representação esquemática da ventriculectomia parcialesquerda.

Cardiomioplastia

A cardiomioplastia realizada pela primeira vez em1985, por Carpentier e Chachquer, consiste nautilização de enxertos musculares esqueléticos,estimulados eletricamente em sincronia com ocoração, com o propósito de substituir parcialmenteou reforçar o músculo cardíaco no tratamento dascardiomiopatias dilatadas 9.

Apesar de ser indicada em pacientes comcardiomiopatias severas, a cardiomioplastia dependede um período de adaptação do enxerto muscular dedois a três meses. Como é um procedimento que visaapenas auxiliar o desempenho miocárdico, dependeda existência de algum grau de preservação dafunção miocárdica. Ela é, portanto, contra-indicadaem pacientes dependentes do uso de medicamentosinotróficos endovenosos, insuficiência mitralimportante, arritmias refratárias a terapêuticaconvencional, grande cardiomegalia com diâmetrodiastólico do ventrículo esquerdo maior que 80 mm.

Seus objetivos básicos são a melhora do quadro deinsuficiência cardíaca congestiva e a interrupção daprogressão da doença de base em conseqüência doaumento da contratilidade e do reforço das paredesdas câmaras ventriculares.

O músculo grande dorsal esquerdo é o músculoesquelético normalmente utilizado. Ele apresenta

um pedículo vásculo-nervoso ao nível da regiãoaxilar, permitindo sua completa desinserção erotação para o interior do tórax.

Além disso, o músculo grande dorsal é ummúsculo de grandes dimensões, fato quepossibilita o envolvimento quase completo daparede livre das câmaras ventriculares peloenxerto. Se a cardiomioplastia for utilizada comoprocedimento isolado, o acesso ao coração podeser feito através de uma toracotomia lateralesquerda, utilizando-se a mesma incisão cutâneaempregada para a dissecção do músculo grandedorsal esquerdo.

A dissecção do músculo grande dorsal é realizadaseparando-se o tecido muscular dos tecidos vizinhose seccionando-se suas inserções lombares e umeral.A seguir, os eletrodos de estimulação muscular sãoimplantados transversalmente na face costal doenxerto muscular. O catodo é implantado junto aonervo toracodorsal e o anodo, paralelamente, a cercade 4 a 8 cm de distância. O músculo é então rodadopara o interior da cavidade torácica, através de umajanela ao nível do segundo e terceiro arcosintercostais.

Realiza-se o envolvimento das câmarasventriculares pelo músculo, fixando-se o enxerto aomiocárdio ventricular ou ao pericárdio parietalatravés de suturas separadas. O implante de umeletrodo epimiocárdico e o implante de umcardioestimulador encerram o procedimentocirúrgico.

A estimulação elétrica do enxerto é iniciada duassemanas após a cirurgia, com o objetivo de permitira adequada recuperação da perfusão tecidual doenxerto. A partir de então, segue-se um protocolode estimulação progressiva com a finalidade depromover o condicionamento elétrico do enxertomuscular. Este condicionamento fará atransformação de fibras musculares do tipo II demetabolismo anaeróbico, em fibras tipo I, quemantêm um metabolismo predominantementeaeróbico resistente à fadiga. Após dois meses decondicionamento elétrico, a contração do enxertomuscular pode ser mantida sincronizada a todos osbatimentos cardíacos ou a cada dois batimentos.

Os resultados da cardiomioplastia são influenciadospelo comportamento do enxerto muscularestimulado cronicamente. Existe a possibilidade deatrofia das fibras musculares e sua substituição portecido gorduroso, após períodos prolongados deestimulação contínua. Como não há nenhumainfluência sobre as arritmias ventriculares, pode

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ocorrer morte súbita no pós-operatório tardio. Maiorduração do enxerto tem sido conseguida com apossibilidade de programação de períodos derepouso do enxerto muscular durante a noite.

Dispositivos mecânicos para assistênciacirculatória

De longe é o sonho de prestar assistência circulatóriamecânica a um coração insuficiente da mesma formacomo é possível, atualmente, com o uso dosrespiradores na insuficiência respiratória e dahemofiltração na insuficiência renal. O grandeproblema no uso da circulação assistida não é aqualidade ou o desenho das máquinas, mas asconseqüências do contato do sangue com ummaterial diferente do endotélio. A evoluçãotecnológica permitiu realizar uma assistênciacirculatória com um mínimo de traumatismo àscélulas sangüíneas, permitindo uma assistênciaprolongada sem o aparecimento de hemólise.

Provavelmente, os fatores mais importantes paraprevenir a coagulação no sistema vascular normal são:1 - superfície lisa do endotélio, que evita a ativação

por contato do sistema intrínseco de coagulação;2 - a camada de glicocálice, um mucopolissacarídeo

absorvido na superfície interna do endotélio, querepele os fatores de coagulação e plaquetas,evitando desta maneira a ativação dacoagulação;

3 - uma proteína ligada à membrana endotelial, atrombomodulina, que se liga à trombina. Aligação da trombomodulina à trombina não sóretarda o processo de coagulação ao remover atrombina, como também o complexotrombomodulina-trombina ativa uma proteínaplasmática, a proteína C, que atua como umanticoagulante inativando os Fatores V e VIIIativados. Quando a parede endotelial é lesadaou inexistente, a sua superfície lisa e a camadade glicocálice-trombomodulina são perdidas,ativando o Fator XII e as plaquetas,desencadeando a via intrínseca da coagulação,que é a via mais poderosa 10.

O desenvolvimento da circulação extracorpóreaatravés do coração-pulmão artificial foi um dosmais importantes feitos da medicina moderna,proporcionando extraordinário avanço à cirurgiacardíaca.

Existem várias classificações para esses aparelhosde acordo com o mecanismo de funcionamento,fluxo oferecido, localização, tipo de assistênciaou tempo de uso no paciente:

• Modo de bombeamento:1. Não pulsáteis:

a) fluxo radial – centrífugas;b) fluxo axial – hemopump;c) fluxo misto – bomba de fuso;

2. Pulsáteis: Thoratec, Heartmate, Novacor,prótese total;

• Localização do dispositivo:1. Implantáveis: Heartmate, Novacor;2. Paracorpórea: Thoratec;

• Tipo de assistência:1. Em série: balão intra-aórtico;2. Em paralelo: bomba centrífuga, bomba de

fuso, ventrículo artificial;3. Substituição mecânica: coração artificial total;

• Modo de aplicação:1. Ponte para transplante;2. Suporte temporário para cirurgia;3. Assistência permanente.

Descreveremos abaixo apenas os sistemas maiscomumente encontrados em nosso meio:

• Balão Intra-Aórtico:

É o método mais empregado e o que apresentamelhores resultados. Com o refinamento na técnicade inserção por via percutânea, seu uso clínico temcrescido. Foi introduzido por Moloupolous, em1962, e implantado para uso clínico com sucesso porKantrowitz, em 1968. O balão intra-aórtico propiciaincremento do débito cardíaco pela queda daresistência arterial periférica e aumento do fluxocoronário. Estes efeitos provocam redução dapressão sistólica e aumento da pressão diastólica naaorta; a esta inversão da curva pressórica denomina-se contra-pulsação. O aumento da pressão diastólicana raiz da aorta melhora a circulação coronariana,aumentando a perfusão e o aporte de sangue aomiocárdio, obtendo melhor rendimento cardíaco eprovavelmente recuperando a massa de miocárdiohibernante. Este aumento da pressão diastólica nãoocorre na forma de pico de pressão, mas ao longode toda diástole e ao final desta ocorre uma quedaacentuada da pressão, facilitando a abertura daválvula aórtica, ocasionando uma diminuição dotrabalho cardíaco, de tensão da parede ventriculardurante a fase de contração isovolumétrica e,conseqüentemente, menor consumo de oxigênio.Observamos um aumento do débito cardíaco, umaqueda da resistência periférica e um aumento dofluxo renal (Figura 5).

A contrapulsação aórtica gera um aumento dodébito cardíaco de, no máximo, 20 a 30% do valorbasal, o que significa na prática um aumento médiode 800 ml/min.

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Figura 5Localização do cateter balão intra-aórtico e curva de pressãogerada pela contrapulsação.

• Bomba Centrífuga:

É um sistema centrífugo extracorpóreo, que consisteem um cone acrílico rotatório que proporcionafluxo de acordo com o princípio do redemoinho(Figura 6) e é acoplado a um console externo que ofaz girar por meio de imantação. Pode ser suporteuni ou biventricular. Para assistência, o sangue éretirado do átrio esquerdo ou ventrículo esquerdoe injetado na aorta. Ela não é capaz de produzirpressões negativas na cânula de entrada. Ela é capazde gerar fluxos que podem atingir 10 litros porminuto. A sua grande contra-indicação é anecessidade de nova toracotomia para retirada dosistema.

Cardioversor-Desfibrilador Implantável

Os portadores de insuficiência cardíaca avançada,além da dificuldade de manutenção do débitocardíaco, apresentam também anomalias do ritmocardíaco, que vão desde distúrbios simples atéarritmias graves, podendo levar a morte súbita,sendo este um dos mecanismos mais freqüentes. Éjustamente onde entra a estimulação artificial pelosmarca-passos denominados de multissítio e pelosdesfibriladores implantáveis. A presença debloqueios intraventriculares tende a provocardespolarização dessincronizada do ventrículoesquerdo e dos músculos papilares, culminando

Figura 6Representação esquemática do sistema da bomba centrífuga.

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com menor ou maior grau de insuficiência Mitral.O advento da estimulação multissítio de modo auniformizar sua despolarização contribuiu parauma melhora na classe funcional da insuficiênciacardíaca.

Os desfibriladores implantáveis evitariam oaparecimento de arritmias graves, pois, no momentode seu aparecimento, o aparelho implantadoprovocaria uma desfibrilação, revertendo ao ritmooriginal.

Os cardioversores-desfibriladores automáticosimplantáveis são dispositivos que permitemreverter taquiarritmias ventriculares, por estímuloelétrico, aplicado diretamente na superfícieendocárdica de forma automática.

Os mecanismos de morte súbita em portadoresde insuficiência cardíaca avançada são:bradiarritmias e dissociação eletromecânica(58%) e taquiarritmias ventriculares (42%).Controvérsias existem no que tange ao benefícioa longo prazo desses cardioversores, pois elesprevinem apenas o risco de morte súbita, semafetar a história natural da insuficiência cardíaca.Alguns autores chegam a chamá-lo de modo deconversão, isto é, converte uma morte súbitaabortada, em uma morte lenta por insuficiênciacardíaca. Na prática, em comparação às drogasantiarrítmicas, os cardioversores mostram-secomo terapêutica superior na redução da mortesúbita.

Os cardioversores-desfibriladores implantáveisdevem ser usados nos pacientes com insuficiênciacardíaca e fração de ejeção baixa ou queapresentaram fibrilação ventricular ou taquicardiaventricular, com as seguintes recomendações:

1. Pacientes com história de fibrilação outaquicardia ventricular ou recuperados deparada cardiorrespiratória, exceto quando oestudo eletrofisiológico mostrar que ataquicardia ventricular é por reentrada ramoa ramo.

2. A presença de taquicardia ventricularsustentada em pacientes com insuficiênciacardíaca pode ser abortada pelo cardioversordesfibrilador com grande chance de reversãopor extraestímulo 11.

Estimulação Cardíaca Multissítio

Freqüentemente na cardiomiopatia dilatada,existe algum grau de retardo na condução doestímulo, além do que, por vezes, lesõesassociadas do sistema de condução produzemalargamento adicional do QRS. O retardo naativação ventricular provoca disfunção sistólicae diastólica, aumenta a insuficiência mitral pordisfunção do músculo papilar. Quando o QRS élargo, o aumento da pressão originado pelacontração de uma área do miocárdio é atenuadopela complacência de outras áreas, que, aindarelaxadas, serão ativadas tardiamente. Na contraçãonormal, a ativação muito rápida da maioria dascélulas miocárdicas cria sinergismo mecânicofavorável para o aproveitamento máximo doinotropismo, originando uma onda de pressão comgradiente mais rápido e altamente eficaz. Nomiocárdio dilatado, a ativação elétrica deflagradapelo marca-passo implantado na formaconvencional é distribuída num intervalo de tempomuito maior, originando uma onda de pressão tantomais atenuada quanto maior a duração do QRS.

Para preservar as funções sistólicas e diastólicas ereduzir a insuficiência mitral, parece serfundamental estimular os ventrículos com o QRSnormal ou com o QRS o mais estreito possível,fenômeno este chamado de ressincronizaçãoventricular. Na presença de bloqueio átrioventricular, o QRS resultante originado porestimulação ventricular, em geral endocárdicadireita, normalmente é muito alargado (Figura 7).Diante disso, pode-se obter estreitamento do QRSestimulando-se o ventrículo ao mesmo tempo emmais de um ponto (Figura 8).

Figura 7Esquema representativo da estimulação cardíaca clássica comcomplexo QRS estimulado. Pelo fato de ser monofocal, a ativaçãocompleta do miocárdio é bastante prolongada, prejudicando osinergismo contrátil.

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Figura 8Esquema representativo da posição dos eletrodos na estimulaçãoventricular bifocal. Estimulação na região do feixe de His ou navia de saída (septal) e na ponta do ventrículo direito(convencional).

O estreitamento do QRS melhora a contratilidademiocárdica quando os dois ventrículos sãoestimulados simultaneamente. O marca-passo deestímulo biventricular otimiza a dinâmicaventricular pelos seguintes mecanismos:

• Restauração da sincronia contrátil de ambos osventrículos;

• Ressincronização do movimento septalventricular;

• Redução da insuficiência mitral por contraçãosimultânea dos músculos papilares.

Uma das dificuldades desta técnica é a via de acessopara estimulação do ventrículo esquerdo. A viaepicárdica exige toracotomia, uma alternativa seriaatravés do seio venoso coronariano, porém asdificuldades de encontrar limiares adequadoslimitam este método. Uma alternativa encontradaé o implante do marca-passo endocárdico com doiseletrodos posicionados no ventrículo direito: oprimeiro na área septal na região do feixe de Hispróximo à via de saída do ventrículo direito; osegundo implantado de forma convencional naponta do ventrículo direito.

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