11
Poema Cantiga, do livro Lira dos Vinte Anos Ilustrações e Textos Adicionais álvares de azevedo rui de oliveira 1 a edição são paulo, 2017

álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

  • Upload
    letram

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

Poema Cantiga, do

livro Lira dos Vinte Anos

Ilustrações e

Textos Adicionais

álvares de azevedo

rui de oliveira

1a edição

são paulo, 2017

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 5ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 5 19/07/2017 12:33:1119/07/2017 12:33:11

Page 2: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

A quem dedico são muitos os artistas que fizeram parte de

minha formação e permanecem até hoje ao

meu lado na companhia de novos e importantes

criadores que vou admirando.

Não apenas os artistas plásticos participaram da

criação deste grande mosaico que, na verdade,

compõe o trajeto de qualquer artista, ao longo dos

anos, mas também fui influenciado por escritores,

arquitetos, quadrinistas, designers, músicos e

cineastas, tanto de animação quanto de cinema de

sequência viva.

No caso pontual de ilustradores de livros,

seria muito difícil enumerar todos eles. Cada

um foi importante, numa determinada fase

de meu trabalho.

Recortando unicamente os ilustradores, que

representam um segmento clássico e eternamente

atual, eu citaria, entre tantos outros: Charles

Ricketts, Richard Doyle, Sidney Sime, Charles

Robinson, Gustave Doré, Arthur Rackham,

Edmund Dulac, William Robinson, Harry Clarke,

Charles Dana Gibson, N.C. Wyeth, Jirí Trnka,

Albín Brunovsky e Werner Klemke. Esta relação

está incompleta. Mas a todos eles — num certo

período de minha vida profissional e cultural —

admirei profundamente, e estudei as suas obras.

Tenho também grande apreço e acompanho os

trabalhos de alguns ilustradores de nossos dias.

Todos são verdadeiros mestres na arte de contar

histórias por imagens. 

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 6ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 6 19/07/2017 12:33:1519/07/2017 12:33:15

Page 3: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

rui de oliveira

sou muito grato a todos vocês.

Mas o maior destinatário deste livro são

crianças do meu país, às quais dediquei

mais de quarenta anos de meu trabalho.

Sobretudo àquelas sem acesso às

minhas imagens, por conta da profunda

injustiça e anomia social que infelizmente

grassam em nossa sociedade. Mas gostaria

de dizer a essas crianças que tudo o que

desenhei em minha vida foi em seu nome.

Com o objetivo único de enaltecê-las,

dignificá-las e criar a realidade

transformadora e consciente do sonho

em suas vidas.

neste elenco de influências, eu não

poderia deixar de citar o brasileiro

Álvaro Marins, o Seth, especialmente a

sua monumental obra em bico de pena

O Brasil pela Imagem. Além de enriquecer

e enternecer o meu imaginário durante

toda a minha infância, ele me despertou

também para a arte da ilustração.

Faço também uma carinhosa menção a

dois outros quadrinistas e ilustradores que

eu, um menino na Zona Norte do Rio,

copiava avidamente: Jayme Cortez e

André Le Blanc. Magníficos artistas que,

muitos anos mais tarde, tive a honra de

conhecê-los pessoalmente.

Nesta sequência de depoimentos, eu

gostaria também de dedicar este livro à

Mônica Balloussier, que acompanhou e

participou de toda a sua criação, desde

os primeiros traços, das primeiras artes

finais, até a conclusão do livro.

Gostaria de fazer uma agradecida menção

aos mestres que, academicamente, me

formaram, tanto na Escola de Belas Artes

da ufrj quanto na Universidade de

Arte e Design Moholy-Nagy, em Budapeste

na Hungria. Também cito, com muito

carinho, a minha querida professora

Regina Yolanda. Fui seu aluno em

uma escolinha de arte quando eu tinha

quinze e dezesseis anos.

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 7ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 7 19/07/2017 12:33:1619/07/2017 12:33:16

Page 4: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

Acredito que, para um ilustrador realmente comprometido com a imagem

e com a materialização da palavra, ilustrar um conto de fadas será sempre

uma aventura, um labirinto, uma sala de espelhos. Em suas versões mais

próximas do original, portanto, longe das releituras, o conto de fadas é

sempre um texto que nos assombra ante os seus mistérios. Esta é a minha

experiência e testemunho, após ilustrar alguns contos de fadas.

Acho que, pelo fato de ele se originar da palavra falada, talvez explique

o seu conteúdo intrigante e insondável. Nos imemoriais serões à luz de

velas, ou à beira das lareiras, as palavras ditas pelas Sibilas, Mamãe Gansa

e Griôs ecoavam nestes recintos bruxuleantes e com isso ganhavam corpo

e sombras. Um texto lido solitariamente tem outro tipo de sombra,

ou seja, ele tem sombra própria, mas não projetada. E, pairando acima

de tudo, temos de admitir que a fala é muito sedutora. Os augúrios e

presságios pronunciados ganham forma e matéria diante da imaginação

e devaneio dos ouvintes. Ao visualizar um conto de fadas, o ilustrador se

transforma num gênero de Mamãe Gansa. Um rapsodo visual.

Acredito que seja um privilégio ilustrar um conto de fadas. Ainda

mais neste caso, quando o trabalho do ilustrador é o de um inventariante

da memória, do sonho e do passado não vividos das pessoas. Toda a

imagem é regeneradora ao olhar da criança, quando ela é feita com arte

e empenho. A imagem será sempre crível em sua irrealidade. Mesmo

quando os adultos agem com a sua demonização e a veem como horror e

angústia, ela é — como arte e verdade — eternamente transcendente na

alma de um pequeno leitor.

Olhar é contemplar, ver é imergir. Acho que estes dois estados da

fruição da imagem deságuam no mesmo estuário. Convergem, tangenciam

sem se tocar, principalmente quando estamos diante de ilustrações de

contos de fadas. Será pelo fato de tratarem de temas imutáveis e

imorredouros da alma humana? Ou por elaborarem esfinges, enigmas,

símbolos no interior de seus textos que remontam à noite dos tempos?

Especialmente na representação dos contos de fadas, a ilustração

deve ser sempre uma aura física das palavras. Ele, o conto de fadas, é

um espelho côncavo e convexo ao mesmo tempo, e só nos resta, como

ilustrador, deixar passar a luz do texto através de um prisma. A ilustração é

uma imagem caleidoscópica deste gênero de texto. A imagem espelhar de

Ilustrando Contos de Fadas

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 8ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 8 19/07/2017 12:33:1919/07/2017 12:33:19

Page 5: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

um conto de fadas delimita a sua revelação, como foi dito anteriormente, nós

estamos num quarto de espelhos.

Confesso que tenho preferência — apesar de não fazer muito — pela

ilustração que convencionalmente classificamos como clássica.

O que seria uma ilustração clássica? O que seria uma ilustração

contemporânea? Fugiria ao escopo deste pequeno texto discutir esta questão.

Mas, sinceramente, não posso negar que me encantam os drapeados

e os brilhos das vestimentas pintadas por Veronese, Ingres e Watherhouse.

Gosto de representar minúcias do que já é um detalhe. E, diante de todas

estas indagações, como poderíamos definir, mesmo que parcialmente, a

arte de ilustrar?

Ilustrar é supor. A ilustração é uma esfinge a partir de um texto, em que

só nós possuímos a chave para o desnudamento de seu mistério. Neste caso,

podemos nos referenciar a Alice, ou seja, não vemos a imagem por meio do

espelho, e sim através do espelho. Repetindo: ver é imergir. É passar através

de uma superfície física, no caso de nosso estudo, a ilustração. Em outras

palavras, a ilustração nos livros é um elo, um liame que une à sua

forma visível, figurativa e tangível, o universo do invisível, que se abriga

dentro de nós.

A ilustração de um Conto de Fadas, ao nosso mais íntimo e atento olhar,

também se apresenta como uma espécie de acróstico visual. Em vez de letras

de uma palavra que compõem novas palavras, como é o caso do acróstico, as

ilustrações também constroem renovadas formas no imaginário de cada um.

E o que são estas imagens oriundas de tantas outras?

Vemos o que já vimos, e não o que estamos em realidade vendo.

Estes extratos, estas camadas de memória que passam pela cultura, pelas

desafeições, pelas inseguranças e sonhos feitos e desfeitos, todo este

inventário de vida passada, presente e até mesmo futura confluem para

a leitura de uma ilustração de contos de fadas.

Para encerrar estas reflexões sobre as ilustrações de contos de fadas,

gostaria de invocar um exemplo da música. O grande pianista polonês Arthur

Rubinstein, amigo de Villa-Lobos, dizia que se sentia tranquilo quando

tocava Chopin porque ele sabia que “este grande mestre tocava no coração

das pessoas”. Portanto, a boa ilustração é aquela diante da qual os nossos

olhos brilham, os nossos corações resplandecem e a nossa memória eterniza.

rui de oliveira

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 9ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 9 19/07/2017 12:33:2419/07/2017 12:33:24

Page 6: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 10ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 10 19/07/2017 12:33:2919/07/2017 12:33:29

Page 7: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

11

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 11ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 11 19/07/2017 12:33:4819/07/2017 12:33:48

Page 8: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

12 Em um castelo doirado

Dorme encantada donzela;

Nasceu — e vive dormindo

— Dorme tudo junto dela.

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 12ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 12 19/07/2017 12:33:5019/07/2017 12:33:50

Page 9: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 13ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 13 19/07/2017 12:33:5719/07/2017 12:33:57

Page 10: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

Adormeceu-a sonhando

Um feiticeiro condão,

E dormem no seio dela

As rosas do coração.

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 14ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 14 19/07/2017 12:34:0419/07/2017 12:34:04

Page 11: álvares de azevedo - cortezeditora.com · carinho, a minha querida professora ... e com a materialização da palavra, ... também se apresenta como uma espécie de acróstico visual

15Dorme a lâmpada argentina

Defronte do leito seu:

Noite a noite a lua triste

Dorme pálida no céu.

ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 15ABelaAdormecida_miolo_FINALindd.indd 15 19/07/2017 12:34:1119/07/2017 12:34:11