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2018 ANA CRISTINA MENDONÇA CRISTIANE DUPRET PENAL 1ª e 2ª FASES PRÁTICA revista, ampliada atualizada 5 edição

ANA CRISTINA MENDONÇA CRISTIANE DUPRET PENAL · Parte I – Direito Penal • Parte Geral 23 Parte Geral 1. CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME Ao iniciarmos o estudo do Direito Penal teremos

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2018

ANA CRISTINA MENDONÇACRISTIANE DUPRET

PENAL

1ª e 2ª FASES

PRÁTICA

revista, ampliada atualizada

5 edição

Parte I – Direito Penal • Parte Geral 23

Parte Geral

1. CONCEITO ANALÍTICO DE CRIMEAo iniciarmos o estudo do Direito Penal teremos como base principal de análise o Código

Penal. No entanto, ao tratar principalmente dos crimes em espécie, serão realizadas comparações com leis penais especiais, de forma que possa o leitor ter um conhecimento conglobado e direcio-nado para a prova da OAB, sendo abordados os temais mais recorrentes e cobrados ao longo dos Exames elaborados pela FGV.

Para iniciarmos o estudo da parte geral do Código Penal, focaremos inicialmente no conceito analítico de crime, um dos pontos mais explorados em diversas questões de Exames anteriores.

O crime é espécie do gênero infração penal. Vejamos:

1.1 Infração PenalA infração penal é um gênero que se divide em crime e contravenção penal. Vejamos o que

dispõe o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal:Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.

(Lei de Introdução ao Código Penal – grifo nosso)

De acordo com o artigo acima, a diferença está basicamente na pena. Em se tratando de penas privativas de liberdade, os crimes são punidos com reclusão ou detenção e, a contravenção penal com pena de prisão simples.

Há alguns anos, ao analisar o artigo 28 da Lei 11.343/06, notadamente a tese de eventual descriminalização da conduta do usuário, o STF entendeu que o artigo 1º. Da LICP é meramente exemplificativo. Ou seja, poderíamos ter, por exemplo, um crime punido com outra pena que não fosse reclusão, detenção ou multa. Naquela época, o STF entendeu que não teria ocorrido a des-criminalização, mas tão somente a despenalização em relação à privação de liberdade do agente. Com isso, foi reconhecida à época a natureza de crime do artigo 28 da lei de drogas.

Passemos à análise de uma das modalidades de infração penal: O crime. Nos debruçaremos sobre o seu conceito analítico ou estratificado. Ou seja, analisaremos os chamados requisitos ou elementos do conceito de crime: Tipicidade, ilicitude ou culpabilidade.

1.2 Conceito analítico de crime (ou estratificado de crime):O conceito analítico de crime compreende a estrutura do delito. Quer se dizer que crime é

composto por fato típico, ilícito e culpável. Com isso, podemos afirmar que majoritariamente o conceito de crime é tripartite e envolve a análise destes três elementos.

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Dentro do fato típico é preciso analisar a conduta; nexo causal; resultado e se há previsão le-gal. Na ilicitude será verificado se o agente não atuou em: legitima defesa; estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal; exercício regular do direito ou consentimento do ofendido. Por fim, na culpabilidade, será analisada a imputabilidade; a potencial consciência da ilicitude; a exigibilidade de conduta diversa.

Pergunta-se: E a punibilidade?

A punibilidade não integra o conceito analítico de crime. Trata-se da normal consequência da prática do crime. Praticado o crime, nasce para o Estado o Ius Puniendi, o direito de punir.

Pergunta-se: É possível que exista crime, mas que não haja punibilidade?

A resposta é positiva, embora a regra seja a existência da punibilidade. Existem duas situações possíveis:

a) A punibilidade sequer nasce – Neste caso, haverá uma escusa absolutória.b) A punibilidade nasce e posteriormente morre, seja porque o Estado perdeu, seja porque

ele abriu mão do seu direito de punir – Neste caso, estaremos diante de uma causa extin-tiva da punibilidade.

Vejamos um exemplo de escusa absolutória:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Já o art. 107 do CP prevê algumas causas extintivas da punibilidade.

Extinção da punibilidade

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

Parte I – Direito Penal • Parte Geral 25

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Em ambas as situações, o crime persiste, mas o agente não será punido por ele.

Escusas absolutórias Causas extintivas da punibilidade

Exemplos: art. 181, do CP e art. 348, parágrafo 2º. do CP. Exemplos: art. 107, do CP e art. 312, par. 3º do CP.

A punibilidade não nasce. Há punibilidade a princípio, mas com o decurso do tem-po o Estado perde o direito de punir.

Vejamos a seguir cada um dos elementos ou requisitos do conceito analítico de crime, a co-meçar pela tipicidade.

1.2.1 Tipicidade:

Conforme vimos acima, o fato para ser típico exige a prática de uma conduta que dá causa a um resultado previsto na lei. Presentes tais elementos, o fato será formalmente típico.

Além da tipicidade formal, exige-se também a tipicidade material. Tipicidade material, em poucas palavras, é analisar se a ofensa ao bem jurídico é relevante.

O princípio da insignificância (ou bagatela) é apto para excluir a tipicidade material.

De acordo com os nossos Tribunais Superiores, são requisitos para aplicação do Princípio da insignificância (ou bagatela):

a) Conduta minimamente ofensiva;b) Reduzido grau de reprovabilidade;c) Ausência de risco social;d) Lesão inexpressiva para a vítima.Esses requisitos são cumulativos e devem ser analisados em cada caso concreto. Um exemplo

é o de alguém que subtrai (sem violência ou grave ameaça), R$ 10,00 da carteira da vítima, dei-xando mil reais restantes na carteira. Esse exemplo já foi cobrado no Exame da OAB.

Cabe destacar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem afastando a aplicação do princípio da insignificância em alguns casos. Neste sentido, podemos apontar as súmulas 589, 599 e 606 do STJ:

Súmula 589 - É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contraven-ções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

Súmula 599 - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a admi-nistração pública.

Súmula 606 - Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997.

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Aproveitando que abordamos o princípio da insignificância, é importante entender que há outros princípios que podem impactar na tipicidade, inclusive na formal. É esse o caso do princí-pio da legalidade ou reserva legal, já que o fato praticado precisa ter previsão legal.

Para tratarmos desse assunto é preciso entender o princípio da legalidade (ou reserva legal), que está disposto no art. 5º, inciso XXXIX, da CRFB, e no art. 1º do CP.

Art. 5º, XXXIX, da CRFB - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Art. 1º, do CP - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Com isso, torna-se necessária a existência de uma lei em vigor quando da prática da conduta pelo agente. Não podemos aplicar uma lei que surja após essa prática. Com isso, podemos per-ceber que a irretroatividade da lei maléfica, também consubstanciada no artigo 5º da CF é um corolário do princípio da reserva legal.

Vejamos um exemplo: Art. 180-A do CP x art. 180, caput, do CP. O art. 180-A foi incluído no CP pela Lei 13.330 em 2016. Como fica a situação de quem praticou a conduta nele prevista antes da entrada em vigor da referida lei?

Inicialmente, é preciso prestar atenção no art. 180-A, do CP, pois admite-se dolo eventual (“deve saber”). Já o art. 180, caput, o dolo é direito (“coisa que sabe ser produto de crime”).

Se por um acaso a pessoa praticar um dos verbos núcleo do tipo em relação ao semovente, antes da entrada em vigor da Lei 13.330/2016, e ela fizer devendo saber ser produto do crime não teria tipificação. Isso porque a única modalidade de receptação que admitiria o dolo eventual seria a do parágrafo 1º, que tem que ser praticada pelo comerciante ou industrial.

Se, antes da entrada em vigor da lei, o agente praticar a conduta, envolvendo semovente, que foi produto de crime, e sabia da origem criminosa seria 180, caput.

Se ela praticou a conduta antes da entrada em vigor da Lei nº 13.330 em vigor, é preciso analisar se sabia ou devia saber. Se ela deveria saber a conduta é atípica. Só responde quem praticar após a entrada em vigor da Lei. Se ela sabia, trata-se da conduta do caput, visto que o semovente seria considerado patrimônio.

Ainda considerando e explorando o princípio da reserva legal, a Lei que dispõe sobre Direito Penal, precisa ser:

a) Escrita;b) Estrita;c) Prévia;d) Certa.

A Lei Penal será ordinária e de competência da União. Quanto a ser certa é no que tange à cla-reza da tipificação. O tipo penal precisa ser claro e preciso. Não pode deixar margens para dúvida.

Antes de prosseguirmos com os elementos do conceito analítico de crime, é necessário alertar que muitos princípios acabam sendo direcionados, principalmente ao legislador, como medida de criminalizar ou descriminalizar determinadas condutas. Ou seja, majoritariamente não são direcio-nados ao juiz como critério de absolver ou condenar o réu, sob pena de gerar insegurança jurídica.

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Vejamos alguns deles:

Princípio da ofensividade (ou lesividade): Para que uma determinada conduta possa ser criminalizada precisamos que haja ofensa ao bem jurídico tutelado ou cause perigo. O princípio da ofensividade possui determinadas funções que irão fazer com que não se possa criminalizar:

a) Condutas internas: Não se pode punir a cogitação;b) Características pessoais;c) Condutas moralmente reprováveis;d) Condutas que não ultrapassam a esfera do autor.

Princípio da culpabilidade: Proíbe a responsabilidade penal objetiva. Significa dizer que aconduta tem que ser praticada com dolo ou culpa.

Princípio da adequação social: Voltado primordialmente ao legislador, como forma de cri-minalizar ou descriminalizar condutas, com base na aceitação ou não pela sociedade. Um exem-plo da aplicação desse princípio se deu com a revogação do crime de sedução, antes previsto no artigo 217 do CP.

Princípio da intervenção mínima: O Direito penal só deve ser aplicado quando estritamente necessários, ficando sua intervenção condicionada ao fracasso das demais esferas de controle. Foi com base nesse princípio que foi revogado o crime de adultério, antes previsto no artigo 240 do CP.

Vamos agora prosseguir na análise da tipicidade, analisando detalhadamente alguns elemen-tos do fato típico.

1.2.1.1 Conduta:

Espécies de conduta: a conduta pode ser fazer ou deixar de fazer alguma coisa (omissiva ou comissiva).

Elementos da conduta: Dolo e Culpa. Via de regra, o crime é doloso. Existem casos em que o legislador trouxe a possibilidade de ser culposo. A culpa precisa ser expressa.

Art. 18 - Diz-se o crime:

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

O art. 18, inciso I, do CP traz a previsão do conceito de dolo direito de primeiro grau e de dolo eventual.

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Já no inciso II traz as formas de agir com culpa.

Dica:Imprudência: Fazer algo que não deveria ser feito.Negligencia: Não fazer o que deveria ser feito.Imperícia: A imperícia ocorre quando alguém que deveria dominar determinada técnica ou ter determinada habilidade não domina ou não tem. Trata-se da inobservância do dever objetivo de cuidado por parte do profissional em sua profissão.

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O Código Penal não faz a distinção entre culpa consciente e culpa inconsciente.

O dolo pode ser direto ou indireto. E quando for direto pode ser de 1º grau ou 2º grau.

Entende-se por dolo direito de 1º grau a hipótese em que o agente quer o resultado. Já o dolo di-reito de 2º grau é a consequência necessária (noção de certeza); é o efeito colateral daquilo que se quer.

Dolo eventual abrange noção de risco. No dolo eventual o agente não se preocupa com o que vai causar, ter como resultado.

Já a culpa se divide em culpa consciente e culpa inconsciente. Quando falamos da culpa consciente quer se dizer que há previsão. O agente prevê o resultado. Na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas acredita que tal fato não irá acontecer. Ou seja, neste caso não há assunção de risco pelo agente.

Dolo eventual e culpa consciente possuem um fator de convergência: Trata-se da previsão. Porém, no dolo eventual o agente não liga para o resultado, assume o risco da sua ocorrência. Na culpa consciente, o agente acredita que não vai acontecer.

Culpa inconsciente é aquela em que o agente não possui a previsão. Ou seja, ele não chega a visualizar o resultado como possível. O agente atua com inobservância do dever objetivo de cuidado, mas não prevê o resultado como possível.

Verificada a existência da conduta, passa-se ao passo seguinte: A conduta precisa dar causa a um resultado previsto na lei. É preciso ter o nexo causal.

Base Legal: art. 13, do CPRelação de causalidade (“Teoria da Conditio sine qua non”).

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Obs.: Atenção ao parágrafo 1º.Superveniência de causa independente

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputaçãoquando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

O parágrafo 1º adotou a teoria da causalidade adequada. Trata-se de uma exceção à regra da teoria da conditio sine qua non, adotada no caput do artigo 13.

Ao identificar uma hipótese em que em tese poderíamos estar diante de análise de nexo de causalidade, é necessário analisar primeiramente se a hipótese se refere à exceção prevista no parágrafo 1º. Ou seja, verificamos se tendo como ponto de referência a conduta do agente, há aparentemente uma outra causa depois dela, que seja relativamente independente que por si só produza o resultado. Neste caso, será excluída a imputação do agente pelo resultado.

Imaginemos o caso clássico de uma vítima que leva um tiro de alguém que deseja matá-la e que é socorrida. Já no hospital, ocorre um desabamento que provoca a morte da vítima. O desa-bamento é a causa superveniente (ocorreu após o tiro), relativamente independente (a vítima só morreu no desabamento porque levou o tiro e por isso, foi levada ao hospital) que por si só pro-duz o resultado (a vítima morreu do desabamento). Neste caso, quem deu o tiro não responderá por homicídio consumado, mas meramente por tentativa de homicídio.

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Caso não estejamos diante da exceção, torna-se necessária a utilização de uma eliminação hipotética. Imaginemos que antes de levar um tiro, a vítima tenha ingerido veneno e que a perícia comprove que esta foi a causa da morte. Trata-se de uma causa preexistente. Levando em consi-deração o caput do artigo 13, percebemos que o agente não deu causa. Neste caso, responderá tão somente por tentativa de homicídio.

Concluindo:

A diferença essencial entre o caput e o parágrafo 1º é a teoria adotada. No caput, a teoria da conditio sine qua non acaba nos determinando a análise de que se foi ou não o agente que deu causa. Por isso, no exemplo do veneno, eliminamos hipoteticamente a conduta do agente que deu o tiro. Aí percebemos que ainda assim, o resultado teria ocorrido. O que isso significa? que não foi ele que deu causa à morte, mas sim o veneno que a própria vítima havia ingerido voluntariamen-te. Mas ele queria matar e iniciou a execução, por isso seu crime foi de tentativa de homicídio.

Já o parágrafo primeiro adota a teoria da causalidade adequada. O que isso significa? Duas coisas:

1 - Só pode ser adotado quando você encontra na questão uma causa superveniente (que ocorreu depois da conduta do agente), relativamente independente (tem alguma ligação com a conduta do agente. No nosso exemplo, ele só estava no hospital, porque levou o tiro), mas que por si só produz o resultado (no nosso exemplo, foi o desabamento que matou).

2 - Sempre que encontramos a causa prevista no parágrafo 1º, a consequência é simples: vamos excluir a imputação do agente pelo resultado, devendo ele responder apenas pelos atos anteriores de acordo com seu dolo. Ele queria matar, como excluímos a imputação pelo resultado morte, ele responderá apenas pela tentativa de homicídio.

Perceba que embora nos dois exemplos, tenhamos sido conduzidas à mesma resposta (tenta-tiva de homicídio), o raciocínio usado é diferente.

Ao analisar um caso concreto, basicamente o que deve ser feito é:

1 - Procure para ver se existe uma causa superveniente relativamente independente que por si só produziu o resultado. Se existir, exclua a imputação do agente pelo resultado.

2 - Caso não exista, aplique o caput e faça o juízo de eliminação hipotética que mencionei.

Se isso for feito, chega-se à resposta correta. Geralmente, o que nos confunde é que temos a tendência de ficar buscando entender as duas teorias juntas e elas são diferentes, sendo que se você só aplica o parágrafo único para uma das concausas (a superveniente relativamente independente que por si só produz o resultado), isso significa que em qualquer outra (preexistente, concomitan-te ou até mesmo superveniente, desde que, nesta última ela não seja a relativamente independente que por si só produz o resultado), será aplicado o caput do artigo 13.

Imaginemos que a vítima tenha morrido em virtude de uma infecção na ferida do tiro. Neste caso, estaremos diante de uma causa superveniente, relativamente independente, mas note que ela não causa o resultado por si só. A infecção foi na ferida do tiro. A ferida infeccionada matou. Logo, a hipótese não se adequaria ao parágrafo único, correto? Está acompanhando o raciocínio? se ela não se adequaria ao parágrafo único, o que você deveria aplicar? A regra do caput, a teoria da conditio sine qua non, que leva a um juízo de eliminação hipotética. Então vamos a ele: tirando

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o tiro, a vítima teria morrido? Não! Então qual é a conclusão? O tiro deu causa, logo a imputaçãoneste exemplo deveria ser por homicídio consumado.

Agora vejamos o parágrafo 2º do artigo 13. Nele, a causalidade é normativa. Ou seja, decorre pura e simplesmente da norma. O agente responderá pelo resultado, embora não tenha, natura-listicamente, dado causa a ele. Trata-se da imputação ao agente garantidor.

Relevância da omissão

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O crime comissivo será praticado por omissão. É o chamado crime omissivo impróprio. O sujeito passivo que o parágrafo 2º aduz é o agente garantidor. Ele tem o dever e o poder de agir. Responderá o agente pelo resultado que não evitou. Alguns exemplos já foram cobrados em prova: mãe que sabe que a filha de 12 anos está sendo estuprada e nada faz. Ela, como agente garantidora, responderá pelo crime de estupro de vulnerável e não por omissão de socorro.

Prosseguindo nos elementos do fato típico, é normal encontrar uma certa dificuldade ao se deparar com a análise do resultado, tendo em consideração que nem sempre o resultado almejado pelo agente é alcançado. Isso acaba por impactar diretamente na responsabilidade penal, no tipo de crime pelo qual o agente responderá.

Para entender isso corretamente antes de passarmos à análise da ilicitude, faz-se neces-sário abordarmos o iter criminis.

Iter Criminis:

É o caminho que se percorre para a prática do crime.

Etapas:

a) Cogitação;b) Preparação;c) Execução;d) Consumação.

A cogitação e a preparação não são puníveis, em regra. A preparação só será punida se os atosconstituírem crime autônomo.

Sendo assim, a possibilidade de punição no iter criminis depende de que o agente ingresse nos atos de execução. No entanto, há casos em que ele inicia a execução mas não atinge a consumação.

Pergunta-se: Quando o agente inicia a execução, mas não atinge a consumação, ele deve responde como?

Para responder essa pergunta, é necessário perquirir quais foram os motivos de não ter atin-gido a consumação.

Se o agente não atingiu a consumação por circunstâncias alheias a sua vontade: Neste caso, via de regra, haverá tentativa.

Iniciada a execução e não atingida a consumação tem-se duas possibilidades:

Parte I – Direito Penal • Parte Geral 31

1) por circunstâncias alheias.1.1) Tentativa: Quer prosseguir, porém não pode.1.2) Crime impossível.

2) por vontade própria.2.1) Desistência voluntária: Trata-se de um deixar de fazer. O agente pode ir além nos

atos de execução, mas não prossegue.2.2) Arrependimento Eficaz: Pressupõe a prática de nova conduta para que o resultado

não se produza.

Desistência voluntária e arrependimento eficazArt. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou im-pede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

É preciso complementar o artigo com a seguinte expressão: abstraindo o dolo inicial. Isso porque nos casos de desistência voluntária ou arrependimento eficaz em hipóteses em que o agente queria matar a vítima, ficando ela lesionada, fará com que o agente responda apenas pelo resultado efetivamente causado. Neste caso, a lesão corporal.

Cuidado! Quando tratamos da tentativa há infrações penais que não a admitem. Vejamos quais são:

Contravenções Penais (art. 4º, LCP- DL nº 3.688/41);Art. 4º Não é punível a tentativa de contravenção.

Crimes:

Culposos;

Habituais;

Omissivos Próprios;

Unissubsistentes;

Preterdolosos.

Voltando ao conceito analítico de crime, quando verificamos, no caso concreto, que o agente praticou uma conduta que deu causa a um resultado com previsão legal, ainda não podemos afirmar que existe crime, mas já podemos afirmar que o fato é formalmente típico. Se a ofensa for relevante ao bem jurídico, vimos que o fato será formalmente e materialmente típico.

O segundo passo no conceito analítico de crime é verificar se a ilicitude está presente. Via de regra, ela estará. O fato típico em regra é ilícito ou antijurídico. Sendo assim, é necessário estu-darmos a ilicitude por suas excludentes, tendo em vista que a tipicidade é indiciária da ilicitude.

1.2.2 IlicitudeAo estudarmos ilicitude, podemos pensá-la como algo que em regra, estará presente sempre

que o fato for típico. Por isso afirma-se que a tipicidade é a ratio cognoscendi da ilicitude, é indi-ciária da ilicitude

Desta forma, estudamos a ilicitude por suas excludentes e não por seus elementos. Vejamos quais são as excludentes da ilicitude:

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a) Legitima defesa;b) Estado de necessidade;c) Estrito cumprimento do dever legal;d) Exercício regular do direito;e) Consentimento do ofendido.

Vejamos o que dispõe o artigo 23 do Código Penal:Exclusão de ilicitude

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Observe que o consentimento do ofendido não está disposto neste artigo. Essa excludente não tem previsão na lei. É considerada causa supralegal excludente de ilicitude, com base na dou-trina e na jurisprudência.

a) Consentimento do ofendido: Pode ter duplo posicionamento no conceito analítico de crime. Pode ser:a.1) excludente de ilicitude: Causa que não tem previsão legal, mas que exige a presença de

alguns requisitos: Bem disponível; Capacidade para consentir; Consentimento anterior.a.2) excludente da tipicidade: Quando a falta de consentimento integra o tipo penal. Isso

ocorre nos tipos penais que possuem o verbo “constranger”. Nestes casos, se o agente con-sente não está sendo constrangido (obrigado), havendo exclusão da própria tipicidade.

A Legitima Defesa é um direito de reação a uma agressão humana, atual ou iminente e in-justa. É preciso usar meios necessários e moderados. Ou seja, a reação deve ser a suficiente para fazer cessar a agressão.

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

O Estado de necessidade torna-se possível diante de um perigo atual, inevitável e involuntá-rio. A noção de perigo é bem mais ampla que a noção de agressão. O perigo pode ser proveniente de uma conduta humana, mas também pode ser proveniente de uma calamidade, da força da natureza, do ataque de um animal ou de outros fatores. O Código Penal não restringiu ou especi-ficou o que seria o perigo. Embora tenha sido claro ao exigir que ele seja atual (esteja acontecendo no momento em que o agente pratica a conduta), inevitável (não havia outra forma de salvar o bem jurídico) e involuntário (o agente não provocou o perigo por sua vontade).

Cabe ainda destacar que o próprio artigo 24 não admite a alegação de estado de necessidade por parte daquele que tenha o dever legal de enfrentar o perigo.

Estado de necessidade

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

Parte I – Direito Penal • Parte Geral 33

É importante ainda que o bem jurídico salvo por aquele que atuar em estado de necessidade seja um bem jurídico de maior ou de igual valor ao bem a ser sacrificado. Não podemos, por exemplo, admitir que vida seja sacrificada para se salvar patrimônio.

Em qualquer excludente, o excesso doloso ou culposo será punido, de acordo com previsão expressa do artigo 23 do CP.

Quando em uma questão prática, verificamos que o fato é típico e que também é ilícito (não há qualquer excludente da ilicitude), podemos passar para a análise do terceiro elemento do con-ceito analítico de crime: a culpabilidade.

Repare que mesmo após constatar que o fato é típico e ilícito não se pode afirmar que há crime.

O terceiro substrato (elemento) do crime é a culpabilidade.

1.2.3 CulpabilidadeA culpabilidade é formada por três elementos: Imputabilidade, potencial consciência da ili-

citude e exigibilidade de conduta diversa. Para cada um dos elementos, é possível identificar uma respectiva excludente.

São excludentes da culpabilidade, portanto: A inimputabilidade, o erro de proibição inevitá-vel e a inexigibilidade de conduta diversa.

Pergunta-se: Como vamos entender ou definir, por exemplo, quem é imputável, quem tem potencial consciência da ilicitude ou de quem poderia exigir conduta diferente?

A resposta, como regra, é que qualquer pessoa seja imputável, tenha potencial consciência da ilicitude e dela se possa exigir uma conduta diversa. Sendo assim, a melhor forma de se estudar a culpabilidade é através das suas excludentes.

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Em qualquer dessas excludentes a consequência será a inexistência do crime. Isso se justifica, pois crime é fato típico, ilícito ou antijurídico e culpável. Portanto, na hipótese de inimputa-bilidade, erro de proibição inevitável, ou inexigibilidade de conduta diversa não haverá crime. Excluída a culpabilidade, não se completa o conceito analítico de crime.

O Código Penal, nos artigos 26, caput, 27 e 28, parágrafo 1º, trata desses casos. Em duas dessas hipóteses, o legislador valeu-se de um critério biopsicológico: Nos artigos 26, caput e 28, parágrafo 1º. Isso significa que além da doença mental ou da embriaguez completa proveniente de caso for-tuito ou força maior, exige-se que no momento da conduta, o agente esteja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Ex.: Em SP, determinada pessoa, teve um surto de esquizofrenia e começou a achar que era perseguido por seus vizinhos, pois estavam incomodados com o latido de seus cachorros. De ma-nhã, após desenvolver uma perseguição imaginária por parte de seus vizinhos, sai de casa armado e no meio do caminho subtrai veículos, trocando de carros o dia inteiro e no final do dia, foi encontrado escondido em uma vala.

Para ele, o fato de subtrair o carro de outras pessoas era necessário, visto que estava fugindo de seus perseguidores. No surto de esquizofrenia, não conseguiu se determinar de acordo com o entendimento que possuía.

Vejamos:

1.2.3.1 InimputáveisArt. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

O art. 26, caput, é uma das possibilidades de inimputabilidade previstas no Código Penal. Isso pode ser percebido no parágrafo 1º, do art. 28.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso for-tuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de en-tender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Tanto no art. 26, caput, quanto no parágrafo 1º, do art. 28, o legislador para aferir a situação de inimputabilidade, adotou o critério biopsicológico.