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Anais da
Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435
XX Semana de Pedagogia da UEM VIII Encontro de Pesquisa em Educação / I Jornada Parfor
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
PRINCÍPIOS FRAGMENTADOS, UMA RELEITURA SUSPENSA
GODINHO, Ana Caroline Marques [email protected] BALISCEI, João Paulo
[email protected] Universidade Estadual de Maringá - UEM
Formação de Professores e Intervenção pedagógica
INTRODUÇÃO
Venho por meio deste artigo, relatar todo o meu processo de produção da proposta de
releitura, tendo o guarda-chuva como um inusitado suporte. A proposta entregue pelo
professor João Paulo Baliscei, na disciplina de Produções Artísticas: Pintura II, teve como
foco a realização de uma releitura da obra e do artista de acordo com a escolha de cada aluno.
Como referencial da obra, escolhi Pablo Picasso com as obras “Guernica” (1937), e
“A família de saltimbancos” (1905), uma das produções de sua Fase Rosa. A junção dessas
obras de diferentes épocas e de diferentes sentidos me levou a tratar a respeito de um tema
que vem me chamando muito a atenção.
Em um segundo momento, a partir do texto de Valeska Bernardo, “Releitura não é
cópia: refletindo uma das possibilidades do Fazer Artístico” será destacado neste artigo o
conceito de releitura, atividade comumente trabalhada em arte-educação.
Na produção da releitura, o romantismo, a alegria, a doçura, o amor retratado por
Picasso na Fase Rosa, foram cenário para uma releitura de “Guernica” que transmite a
imagem de guerra, dor, tristeza, com apenas tons de rosa, sem nenhum tom cinza, como na
obra original. A ideia foi retratar o amor passando pela guerra. O último tópico deste texto
trata sobre o relato dessa experiência.
O ARTISTA E SUAS OBRAS
Durante o desenvolvimento da proposta de releitura, escolhi trabalhar com o artista
Pablo Picasso. Antes de descrever como foi todo o processo de produção da releitura, é
importante apresentar o artista.
Pablo Ruiz Picasso, nascido na cidade Málaga, Espanha, em 25 de outubro de 1881.
Foi pintor, naturalizado Francês. A partir do século XX, tornou-se um dos maiores mestres
das Artes Plásticas, além de pintor, foi escultor, artista gráfico e ceramista. Herdou o talento
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
do pai que era professor de desenho e pintor. Quando tinha apenas 15 anos, Picasso já tinha
seu próprio ateliê. Ao lado de Georges Braque, foi considerado co-criador do Cubismo.
Picasso morre em 1973, na França.
As obras de Pablo Picasso podem ser divididas em várias fases, algumas possuem um
grande destaque. A Fase Azul (1901-1904) foi o período onde o artista, que se encontrava
triste pela perda de seu melhor amigo, pintou suas obras com tons de azul, obras que
passavam certa frieza, tristeza.
Auto-retrato - Pablo Picasso, 1901. Fonte: SOBRENOME, nome. Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura, 2007, p. 41.
Na Fase Rosa (1905-1907), Picasso está apaixonado, usa tons de rosa, vermelhos e
ocres para escurecer as cores, suas obras passam uma visão mais alegre, com movimento e
calor. Nesta fase, retrata artistas de circo, atores e saltimbancos. Esta fase faz parte da
produção da releitura.
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Moço com cachimbo - Pablo Picasso, 1905. Fonte: Pablo Picasso, Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura, 2007, p. 48.
Com influências de Cézanne, Picasso desenvolve um novo estilo, o Cubismo,
movimento que tem como uma das principais características, usar de figuras geométricas,
para representar a realidade, em 1907.
Les Demoiselles d’Avignon - Pablo Picasso, 1907. Fonte: Pablo Picasso, Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura, 2007, p. 55.
Para a produção da releitura, escolhi duas obras de Picasso, a obra “Guernica”, 1937,
pela ideia de fragmentado, e a obra da Fase Rosa, “A família saltimbancos” (1905), devido ao
sentimento e às cores envolvidos nas obras desta fase do artista.
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
Guernica - Pablo Picasso, 1937. Fonte: Pablo Picasso, Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura, 2007, p. 80-81.
Nesta grandiosa obra, Picasso retrata a dor e o terror dos ataques que arrasaram a
cidade de Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola, em abril de 1937. Uma obra que passa
a sensação de dor, destruição, tragédia, medo.
Escolhi a Fase Rosa (1904-2907), devido à influência do tom rosa nas obras desta fase,
como obra especifica selecionei a obra “A família de saltimbancos” (1905), Picasso estava
feliz, apaixonado pela francesa Fernande Olivier.
A família de saltimbancos - Pablo Picasso, 1905. Fonte: Pablo Picasso, Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura, 2007, p. 44.
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
O PROCESSO DE CRIAÇÃO
Entender o conceito de releitura é essencial, para desenvolver a produção teórica,
relatar todo o processo de criação. Com base no artigo de Bernardo, pode-se concluir com
clareza a enorme distância que existe entre os termos releitura e cópia. Bernardo descreve, de
maneira simples e objetiva que, releitura não é cópia (BERNARDO, 1999).
A cópia também é um recurso didático possível, quando queremos realizar estudos de estilo, de técnica, estudos comparativos, mas não deve estar associada à releitura, que requer não copiar a obra escolhida, mas recriá-la sob uma nova ótica, a ótica do fruidor-produtor, e não somente do artista. (BERNARDO, 1999, p.3)
Bernardo (1999) relata em seu artigo que a má interpretação do conceito de releitura,
faz com que o fazer artístico, tanto do aluno, como de qualquer pessoa que venha ter contato
com esse tipo de atividade, seja limitado.
A autora faz menção à Proposta Triangulari de Ana Mae Barbosa que ganhou destaque
nos anos 80, no Brasil. Tal proposta é dividida em três partes que são destacadas como
“pilares”, sendo eles: a Apreciação, a História da Arte e o Fazer Artístico.
A leitura da imagem entraria na categoria Apreciação, e a releitura entraria no Fazer Artístico. À História da Arte, caberia não apenas o estudo dos Movimentos Artísticos e seus respectivos artistas, mas também o contexto em que surgiram. (BERNARDO, 1999, p.3)
Citando Ana Mae Barbosa, Bernardo (1999), descreve a Proposta Triangular como
sendo uma maneira de ampliar o conhecimento e a linguagem nas Artes Plásticas.
O foco do desenvolvimento da produção está no Fazer Artístico, nele encontra-se a
releitura (porém, vale ressaltar aqui que o Fazer Artístico não se limita somente à releitura),
onde o aluno produzirá com base na apreciação feita da imagem, uma obra que tenha tal
imagem como referência, mas que possua, principalmente, as peculiaridades e os sentimentos
do aluno.
[...] o aluno é colocado em contato com o processo de criação, de uma imagem, de uma obra, podendo assim aprender sobre os diferentes aspectos que envolvem este processo, como seleção de materiais a serem utilizados, escolha do tema, da técnica entre outros. Ele agora poderá traduzir plasticamente o que não comporta apenas em palavras ou gestos, ao colocar suas vivências, suas interpretações no trabalho produzido. (BERNARDO, 1999)
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
É exatamente por isso, que ao realizar a proposta de releitura no guarda-chuva, venho
com a intenção de buscar não apenas elementos das obras, mas também, incluir elementos
referentes à minha personalidade e de problematizar e questionar valores e paradigmas
sociais.
Quando se trata do fato de envolver a própria identidade, peculiaridades, gostos e
costumes, com a obra a ser realizada, pode-se descrever que dois conceitos surgem para
fundamentar tal experiência entre artista e obra: os conceitos de poética e poiética, relatados
por Icleia Borsa Cattani (2007), em “Mestiçagens na arte contemporânea”.
Para Cattani (2007), a poética pode ser considerada como a carga sentimental entre o
artista e a obra, é a relação entre criador e criação, tudo que a obra possui em si mesma, a
partir do momento que está pronta, despertando múltiplos sentidos e significados. Já a
poiética pode ser entendida como o que estuda a motivação do artista, o que levou o artista a
elaborar tal obra, o seu processo de criação até a instauração da obra, pode ser virtual ou
concreta, permanente ou efêmera.
Poéticas e poiéticas possuem sentidos diferentes, porém relacionam-se entre si, por
exemplo: se em uma série de obras, a poética for semelhante, ou seja, a obra em sua
integridade, o que irá diferenciá-las será sua poiética, ou seja, o processo que de criação
propriamente dito, a elaboração, a construção da obra.
Cattani (2007) destaca que a mestiçagem se resume nas suas poiéticas, que não está na
obra acabada. Por mais que os resultados sejam iguais ou parecidos, as poiéticas fazem as
obras se diferenciarem. Pode-se entender então, que poética e poiética caminham juntas, uma
faz com que a outra aconteça. Sendo assim, ao desenvolver tal proposta, cada aluno passou
pelos dos processos, o de envolvimento de sentimentos entre artista e obra (poiética); e, o de
criação concluída, acabada (poética).
Ostrower (1977) descreve em seu livro “Criatividade e Processos de Criação”, que
existem dois fatores que se destacam no desenvolvimento humano: o individual e o cultural.
O segundo, refere-se ao lugar onde o indivíduo cresce, desenvolvendo-se numa cultura local,
influencia em quem esse indivíduo se tornará. A cultura traz para a pessoa diferentes modos
de ver, de pensar e de desenvolver seu processo criativo.
O ato criador não nos parece existir antes ou fora do ato intencional, nem haveria condições, fora da intencionalidade, de se avaliar situações novas ou buscar novas coerências. Em toda criação humana, no entanto, revelam-se certos critérios que foram elaborados pelo individuo através de escolhas e alternativas. (OSTROWER, 1977)
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
Entre a obra “Guernica” e a obra “A família de saltimbancos”, de Pablo Picasso, existe
uma grande diferença. Uma, conta a história de uma guerra, traz um sentimento de dor,
tragédia, sofrimento, caos, destruição retratados com tons frios de cinza; a outra passa a
sensação de alegria, amor, doçura, movimento retratados com os tons da cor rosa.
O objetivo na releitura em guarda-chuva é realizar uma junção das duas obras,
trazendo os aspectos de separação, dor, frieza, fragmentos, guerra, para dentro de uma fase
onde o amor e a alegria são predominantes. É como realizar uma união entre a razão e a
emoção.
A decisão de realizar essa proposta de releitura com esse tema veio de maneira rápida,
não foi difícil pensar no que fazer, mas, o colocar em prática foi o que deu mais trabalho.
Optei por trabalhar com o tema casamento. Ao pensar na ideia de amor, no casamento,
como a união sagrada, nos laços do matrimônio, questionei-me a respeito de um conhecido e
lindo texto bíblico.
Quem ama é paciente e bondoso. Quem ama não é ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso. Quem ama não é grosseiro ou egoísta; não fica irritado, nem guarda mágoas. Quem ama não fica alegre quando alguém faz uma coisa errada, mas se alegra quando alguém faz o que é certo. Quem ama nunca desiste, porém suporta tudo com fé, esperança e paciência. O amor é eterno. (I Coríntios 13. 4-8. Bíblia, Nova Tradução na Linguagem de Hoje – NTLH, p.1424)
Questões como “O que houve com o amor?”, “Onde estão os princípios?”, “O que
aconteceu com o ‘tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta’?”, surgiram. E, observando
a obra “Guernica”, de Pablo Picasso (1937), achei conveniente trazer como tema para minha
releitura, o amor em “guerra”.
Com a proposta de releitura, eu trouxe aspectos das duas obras para o suporte.
Primeiramente, no papel, esbocei as figuras fragmentadas, soltas, vazias, para representar a
ideia de que os princípios do casamento estão sendo cada vez mais corrompidos e que a união
concedida por uma benção está perdendo o valor, o amor está se esfriando.
Ao fundo, a cor rosa, além de fazer referência à fase onde Picasso destacou como tema
o amor, demonstra a sutileza, a delicadeza e o carinho que deveriam reinar sobre a atmosfera
do matrimônio.
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
Assim como em “Guernica”, aqui as peças e acessórios são retratados separados,
espalhados, vazios. Procurei trazer elementos que correspondessem à obra original. Sob
orientação do professor João Paulo Baliscei, consegui, de maneira uniforme, transpor as
figuras para o guarda-chuva em lugares que elas se completassem, fazendo com que o
expectador entenda o que ele está vendo.
Estudo da releitura, 2013 Fonte: registro pessoal.
Depois de passar por todo o processo de produção da pintura no guarda-chuva,
analisar o trabalho final, o tema tratado e as questões levantadas a respeito do tema, a obra
recebeu o nome de Princípios Fragmentados.
Esse título vem da ideia de que os princípios não estão mais sendo seguidos, muitos
ignorados. Aquele amor que tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta, aquele amor que é
verdadeiro e nunca morre, está cada vez mais raro, quase extinto. O casamento como sendo
algo tradicional, sagrado, não tem mais tanto valor.
No decorrer do processo, passei por momentos frustrantes, porém, o mais interessante
é que as histórias e as experiências vão aumentando, sendo guardadas para com certerza,
serem utilizadas em novas propostas e desafios futuros.
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio das aulas onde foi trabalhado, na teoria, o que é a releitura em si, com base
no texto de BERNARDO (1999) pode-se concluir que a releitura de uma obra não implica em
copiá-la, mas sim em dar outro sentido a ela. Retirando elementos existentes, acrescentando
novos, organizando a composição de forma inusitada, por exemplo. Enfim, releitura é criação.
Finalizando o guarda-chuva, 2013 Fonte: registro pessoal.
Por fim, acredito que, por meio da Arte (não apenas como uma maneira de
contemplação, mas também uma ferramenta de expressão) o expectador, ao ver tal produção
não a entenda como uma crítica, mas sim como uma preocupação com os valores que estão se
perdendo em meio a tantas ideias que surgem na sociedade contemporânea.
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
Produção concluída, 2013. Fonte: registro pessoal.
O desenvolvimento de toda a proposta, mesmo em meio a momentos frustrantes,
momentos de alegria, agitação, correria, foram essenciais, para que uma tranformação de um
“simples” trabalho em uma produção artística, acontecesse.
A aplicação e o compromisso de cada aluno foram visíveis no final das produções. A
satisfação com o resultado também, mesmo em meio a tanto trabalho, pode-se entender que
cada um direcionou o seu processo de criação para um tema que nao estava solto, mas que
fazia parte da personalidade e dos gostos de cada aluno.
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
Segundo ano de Artes Visuais e suas releituras, 2013 Fonte: registro pessoal.
Sendo assim, pode-se dizer que as investigações e possibilidades de releituras não se
encerram aqui, e que estamos prontos para novos desafios. Desafios esses que nos dão
trabalho, nos tiram noites de sono, nos fazem chorar durante o processo, e rir quando tudo
acaba, mas que, acima de tudo, nos levam a crescer no caminho da Arte.
REFERÊNCIAS
BERNARDO, Valeska. Releitura não é cópia: refletindo uma das possibilidades do fazer artístico. Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. Florianópolis – SC. 1999. BÍBLIA. Português. Bíblia da adolescente aplicação pessoal. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005. 1604 p.
CATTANI, Icleia Borsa Cattani. Poiéticas e poéticas da mestiçagem. In: CATTANI, Icleia Borsa (Org.). Mestiçagens na arte contemporânea. Porto Alegre: EdUFRGS, 2007. p. 11-17. OSTROWER, Fayga. Criatividade de Processos de Criação. Editora Vozes. RJ. 1977.
Pablo Picasso / [coordenação e organização Folha de S. Paulo; tradução Martin Ernesto Russo]. – Barueri, SP:Editorial Sol90, 2007. – (Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura; 6).
i Criada nos anos 80, por Ana Mae Barbosa, a Proposta Triangular é hoje a principal referência do ensino da Arte no Brasil. Está apoiada em três pilares para efetivamente construir conhecimentos em Arte: a Apreciação, a História da Arte, e o Fazer Artístico. Cada pilar corresponde a uma categoria, a leitura de imagem na categoria Apreciação, e a releitura no Fazer Artístico, à História da Arte, caberia o estudo e o contexto em que surgiram os movimentos artísticos e seus respectivos artistas.