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Anais do II Simpósio Temático: O estágio na intersecção entre a formação e a
atuação docente
AUTORES
ARTIGOS
Aline N. V. de Santana; José F.de Oliveira Neto;
Marilda Shuwartz
O formador de professores e a busca por uma identidade(s):
experiências no estágio docência.......................................02 - 11
Jailson Rogério Gomes
Estágio supervisionado: relatos de uma ‘boa’ professora de língua
estrangeira a respeito de sua formação.............................12 - 21
João Carlos de Lima Neto; Adriana Olívia Alves
Estágio supervisionado na formação dos professores de geografia
no IESA/UFG....................................................................22 - 39
Ana Paula de A. S. Magalhães; Dalva Eterna
Gonçalves Rosa
Prática reflexiva no estágio supervisionado dos cursos de formação
de professores de matemática da Universidade Estadual de
Goiás...............................................................................40 - 50
Ivana Alves Monnerat de Azevedo
Os saberes docentes e a prática pedagógica na educação
infantil.............................................................................51 - 59
Ana Cristina G. de Jesus; Dalva Eterna
Gonçalves Rosa
Professores formadores do curso de pedagogia: formação,
concepções, práticas e o ensino de matemática..................60 - 68
José Carlos da S. Freire; Francisca Maria da S.
Costa
O estágio como componente curricular na formação de
professores: uma aproximação ao seu conceito..................69 - 78
Haline S. de Barros; Nilma F. do Amaral Santos;
Verônica Larraylla Fernandes Taveira
Estágio curricular supervisionado em pedagogia: conceito e
legislação em questão.......................................................79 - 88
Ana Cristina O. Silva; Eryka da S. Santos; Ivone
Caroline K. Justino; Maria Gilma de S. Romão;
Natália S. da Silva; Roselita da Conceição S. dos
Santos; Valderice Lopes C. Cardoso; Marilza
Vanessa Rosa Suanno
Sustentabilidade, meio ambiente e sociedade:projeto de trabalho
transdisciplinar na educação de adolescentes, jovens e
adultos.........................................................................89 - 98
2
O FORMADOR DE PROFESSORES E A BUSCA POR UMA
IDENTIDADE(S): EXPERIÊNCIAS NO ESTÁGIO DOCÊNCIA
Aline Neves Vieira de Santana1
José Firmino de Oliveira Neto2
Marilda Shuwartz3
Caminhamos construindo uma itinerância que se desenvolve entre a errância e o
resultado, muitas vezes incerto e inesperado, de nossas estratégias. A incerteza nos
acompanha e a esperança nos impulsiona
Edgar Morin
RESUMO
O presente trabalho busca apresentar experiências vivenciadas pelos pós graduandos do
Programa Doutorado em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de
Goiás durante a realização do Estágio Docência no curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas, disciplinas de Estágio Supervisionado I. Para tanto, intentou-se: a) delinear o
espaço de ação do Estágio Supervisionado; b) pontuar as relações e pretensões do Estágio
Docência; c) apresentar uma relação entre as atividades desenvolvidas durante o Estágio
Docência na disciplina de Estagio Curricular Supervisionado do Curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas a fim de apresentar dois episódios e suas relações com a (re)construção
da identidade de formadores dos pós-graduandos.Conclui-se neste estudo que o espaço do ED
nos programas de pós-graduação é pertinente se desenvolvido em parceria com os professores
formadores para a (re)constituição de uma identidade de formador.
Palavras-chave: Formação do formador. Estágio Supervisionado. Estágio Docência.
Identidade.
INTRODUÇÃO
A diversidade de formadores é uma questão comum nas Universidades, como
coloca Saraiva (2009). Sendo assim, “a heterogeneidade faz parte da identidade dos cursos de
licenciatura e, consequentemente, contribui para a construção da identidade docente dos
professores em formação inicial” (MIRANDA, 2015, p. 19). Esses docentes são frutos de uma
1 Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática/UFG. Email: [email protected].
2 Doutorando em Educação em Ciências e Matemática/UFG. Email: [email protected].
3 Docente do Instituto de Ciências Biológicas/UFG. Programa de Educação em Ciências e Matemática.
Email:[email protected].
3
identidade(s)4, que foi, e é, construída mediante experiências que (re)significam o fazer
docente dos formadores de professores.
Denota-se, portanto uma problemática acerca dos formadores que advém
justamente da pluralidade de formação respalda acima. Muitos docentes não estão preparados
para o exercício da docência, pois foram constituídos enquanto pesquisadores. Sendo assim,
indagou-se: Como a identidade docente para atuar como formador de professores vai sendo
construída durante a pós-graduação? As experiências vivenciadas durante o Estágio Docência
(ED) contribuem de fato para a construção de saberes para a docência?
Nesse sentido, na busca por respostas para estas questões, apresentar-se-á
experiências vivenciadas pelos primeiros autores deste trabalho durante o ED5. O ED aqui
relatado foi realizado na disciplina de Estágio Supervisionado (ES) do curso de Licenciatura
em Ciências Biológicas (CB) da Universidade Federal de Goiás na turma A.Visando
caracterizar os espaços de onde se fala, serão apresentadas considerações acerca do ES e em
seguida do ED para, posteriormente, traçar relações entre os espaços na busca pela
constituição de uma identidade de formador de professores.
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO: delineando o espaço de ação
Consoante a Lei nº 11.788 de 2008, existem duas formas de estágio, a saber: o
estágio curricular obrigatório e o estágio curricular não obrigatório. O primeiro entendido
como condição para aprovação e obtenção de diploma, e o segundo desenvolvido como
atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória (BRASIL, 2008).
Assim, o Estágio Curricular Supervisionado designado como ES, um componente
de 400 h no currículo das Licenciaturas, é compreendido como “ato educativo escolar
supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho
produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de
educação superior” (BRASIL, 2008, p.1). Logo, supõe uma relação pedagógica entre o
estagiário e um profissional habilitado inseridos em um espaço educativo.
Nessa perspectiva, o Estágio representa “o tempo de aprendizagem que, através de
um período de permanência, alguém se demora em algum lugar ou ofício para aprender a
4 A identidade é entendida neste trabalho como uma “categoria teórica que explicita e expressa muito bem o
caráter social, histórico, dinâmico e transformador do homem, do seu psiquismo e da sua forma de expressão, a
subjetividade” (CARVALHO, 2011, p. 10). 5 O ED é uma dos quesitos obrigados no Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática da
Universidade Federal de Goiás de que fazem parte os autores.
4
prática do mesmo e depois poder exercer uma profissão ou ofício” (BRASIL, 2001, p.10).
Assim, é fundamental para a formação inicial docente com vistas à imersão na vivência da
profissão, na promoção de discussão e na construção de bases conceituais, pedagógicas,
socioculturais e epistemológicas específicas do oficio.
Portanto, é foco do ES relacionar as dimensões teóricas e práticas em uma visão
de unidade (CANDAU; LELIS, 2008), pressupondo “a autonomia e a dependência simultânea
e recíproca entre os dois termos” (OLIVEIRA, 2013, p.143). Defende-se, nesse sentido uma
formação pautada na epistemologia da práxis que se alicerça na dialética entre teoria e prática
para constituição de conhecimento (SOUZA; MAGALHÃES, 2016, p. 3).
Para tanto, espera-se que o estagiário egresso para além de dominar os conteúdos
técnicos, científicos e pedagógicos, perceba a realidade social numa dimensão histórica,
crítica, econômica e cultural. E, amplie a responsabilidade profissional, mediante a
(re)construção oportunizadas pela vivência e pelos referenciais teóricos ofertados durante o
ES.
Nesse sentido, o ES do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFG
Campus Goiânia, é dividido em duas disciplinas, o ES-I6 e o ES-II. Com relação ao
desenvolvimento do ES-I, o licenciando vivencia o ambiente escolar com vistas a
compreendê-lo a partir de uma diagnose desse espaço e, elabora coletivamente um projeto de
intervenção (a pesquisa). Já no ES-II, os estagiários retornam para escola em que realizaram o
ES-I e, percebem à dinâmica do Ensino de Ciências e Biologia, além de planejarem e
ministrarem aulas (SOUZA, 2013).
As atividades do ES culminam com a realização do Seminário do Estágio
Supervisionado de Ciências Biológicas – Licenciatura (SESBIO), concebido como um
momento de discussão e reflexão sobre as práticas de estágio desenvolvidas nas escolas
campo. Desse modo, os professores formadores, os professores em exercício e os professores
em formação inicial discutem as atividades outrora efetivadas.
O ESTÁGIO DOCÊNCIA: relações e pretensões
A docência no ensino superior é um espaço pouco explorado, se comparado ao
outros campos, apenas recentemente tem sido foco de debate e pesquisas no campo da
6 O ED ocorreu em uma turma de ES-I.
5
Educação. Assim,“não há programas de formação para professores do ensino superior e
apenas uma parte do corpo docente envolvido com cursos de formação de professores tem
algum tipo de preparação pedagógica” (MIZUKAMI, 2006, p. 1). Porém, respalda-se
juntamente com a autora
a importância de uma base de conhecimento sólida e flexível, imprescindível para
que o formador desempenhe suas funções, oportunizando situações e experiências
que levem o futuro professor a „aprender a ensinar‟ de diferentes formas para
diferentes tipos de clientelas e contextos (idem, p. 8).
A colocação da autora reforça um processo de profissionalização em que a
formação seja eixo central, o que podemos ampliar com Saraiva (2009, p. 4) quando coloca
que a “formação docente universitária não se limita à formação inicial, sendo uma constante
no desenvolvimento profissional”.
Nesse viés, é inegável o enfoque para a formação de um pesquisador em
detrimento de um docente nos cursos de pós-graduação como, por exemplo, respalda
Anastasiou (2006) e Pimentel, Mota, Mikura (2007). A constatação acarreta distintos
problemas, como: falta de domínio pedagógico por parte de muitos docentes; valorização da
pesquisa em detrimento do ensino; não desenvolvimento de atividades no campo da extensão
universitária; problemas de aprendizagem por parte dos graduandos e tantos outros que
poderíamos aqui citar.
Com vista a tentar sanar alguns destes problemas a Coordenação de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) na Portaria nº 76, de 14 de abril de 2010 em seu artigo 18 coloca
que: “O estágio de docência é parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a
preparação para a docência, e a qualificação do ensino de graduação sendo obrigatório para
todos os bolsistas do Programa de Demanda Social”.
Acerca do Estágio Docência Feitosa (2002) relata que foi alvo de muitos
questionamentos pela comunidade acadêmica, principalmente sobre a necessidade de
obrigatoriedade para os bolsistas com a justificativa de que o tempo para realização da
pesquisa já é curto, e ainda que o governo mediante à medida que induz o uso de “mão-de-
obra barata” ao invés de contratar professores para ocuparem as disciplinas.
Na contramão do que foi explicitado acima se defende neste trabalho a realização
do ED como espaço para construção de uma identidade de professor formador, sobretudo em
cursos onde a relação com os aportes teórico-práticos da docência não são o foco. A defesa
aqui está atrelada em um trabalho coletivo entre os pós-graduandos e os professores
6
universitários, não se corrobora com a proposta do aluno assumir de forma solidária uma
disciplina, pois nestes casos o processo de reflexão e formação se dá infligido.
O ESTÁGIO NO ESTÁGIO: (re)construção de uma identidade(s)
Com vista a apresentar uma relação mais direta com as atividades desenvolvidas
durante o ED na disciplina de ES no curso de Licenciatura em CB, delinear-se-á sobre dois
episódios e suas relações com a (re)construção da identidade de formadores dos pós-
graduandos. Porém, julga-se necessário delinear algumas considerações preliminares, haja
vistas, essas estarem imbricadas no processo de (re)construção da identidade aqui perseguida,
pois como referenda Osório (2011) é por intermédio de nossas experiências que construímos
nossa identidade, saberes, apropriamos e (res)significamos outros, o que penetra nosso
exercício de ser professor, pesquisador e cidadão.
Os primeiros autores deste trabalho são graduados em CB (Licenciatura), porém o
fizeram em momentos distintos7. Sendo assim, a primeira autora foi formada em um modelo
de racionalidade técnica, onde a preocupação está centrada nos instrumentos (SCHÖN, 1992),
o curso foi portanto alicerçado no modelo 3+18. Durante o curso, em paralelo, atuou como
professora na Educação de Jovens e Adultos e em cursinhos pré-vestibular, após a formação
trabalhou com alunos do Ensino Fundamental II e em seguida deixou esse espaço para atuar
em escolas no regime socioeducativo. Durante o curso de Mestrado desenvolveu trabalho
pensando as questões ambientais no espaço do socioeducativo. Em seguida ingressou no
programa de doutorado. O segundo autor deste trabalho, diferentemente da anterior, e devido
a mudanças na legislação foi formado em outro modelo, porém que muito carregava de
nuances de uma racionalidade técnica e prática9, como a ênfase em uma dimensão prática. Ao
término da graduação ingressou no programa de Mestrado e consecutivamente no Doutorado.
Episódio 1: Conhecendo a escola campo do ES
7 A trajetória dos autores pode ser encontrada de forma detalhada em Santana (2013) e Oliveira-Neto (2016).
8 Disciplinas específicas nos três primeiros anos e disciplinas pedagógicas, como o ES, ao final do curso.
9 A racionalidade prática pode ser caracterizada como uma “aprendizagem da prática, para a prática e a partir da
prática” (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p.363), nesse modelo a relação de unidade entre teoria e prática não é
perceptível.
7
Um dos objetivos do ES é oportunizar a relação teoria-prática. Neste movimento
conhecer a escola campo se torna imprescindível. Assim, a primeira atividade da disciplina
ES I, turma foi à visita a instituição escolar10
, inicialmente para ambientação e em seguida
com um questionário de diagnose. E, assim, iniciamos o nosso ED na referida turma.
A produção do questionário para coletar os dados durante o processo de diagnose
foi de suma importância para nós, pós-graduandos, já que assumimos essa tarefa juntamente
com os estudantes. Pensar em parceria com a turma, o que seria importante constatar e a quem
dirigiria as perguntas proporcionou espaço para colocar em prática a proposta do diálogo, o
qual pressupõe um processo a escuta. Neste momento, rompeu-se com um modelo de ensino
tradicional centrado no professor, corroborando com Freire (2011) de que ensinar é respeitar
os saberes dos educandos.
No momento da coleta de dados o que nos chamou a atenção foi à relação da
professora formadora com a instituição escolar. Por ser uma escola militar a dinâmica
relacional se encontrava a todo momento em uma linha tênue de interesses e necessidades que
possibilitassem uma formação de qualidade para os licenciandos e os entraves que a nova
organização militar, sobretudo, impunham para a realização das atividades do ES. Visando
eliminar conflitos a professora formadora modificava os caminhos. Nesses momentos
enquanto futuros formadores de professores percebíamos a necessidade de estarmos sempre
vigilantes com a formação para que esta não seja modificada, em ordem primeira, pelo que
determina a escola campo, haja vista que, certos aspectos, como o próprio processo de
diagnose, ser imprescindível para o ES.
Com o processo de diagnose fomos (re)significando nosso olhar para a escola,
antes vivenciamos a mesma enquanto alunos e agora temos que vê-la enquanto espaço de
formação de professores e mediarmos processos para alcançar uma formação que seja de
qualidade. Consideramos como qualidade uma formação que esteja ligada a princípios contra
hegemônicos, que possibilite um processo de reflexão crítica sobre o sistema, com ênfase na
política educacional, para entender a dinâmica escolar. Faz-se salutar aqui o quanto é difícil
trabalhar nesta proposta no espaço que nos encontrávamos, já que a escola militar é um dos
reflexos das políticas neoliberais, as quais visam apenas manter o status quo.
Percebe-se, portanto que a identidade dos pós-graduandos vai se modificando a
partir de “múltiplas determinações, que são desenvolvidas nas interações sociais do indivíduo
com os outros e com a estrutura social” (CARVALHO, 2011, p. 61).
10
A Instituição escolar campo do ES não será aqui mencionada por questões éticas. O que será afirmado, por
modificar o processo de análise é que a mesma é uma escola militar.
8
Episódio 2: Mediando diálogos com os licenciandos – O ensino com e pela pesquisa
Uma das atividades realizadas com a turma de ES foi à construção do projeto de
intervenção a partir dos dados coletados via o processo de diagnose. Porém, antes da
produção do projeto a professora formadora e os pós-graduandos optaram em apresentar
inicialmente as bases do ensino com e pela pesquisa e as etapas básicas de uma pesquisa.
Durante as aulas que se sucederam, e a maior proximidade com os licenciandos,
os processos de diálogo se tornaram mais profícuos e dinâmicos. As falas dos licenciandos
reforçavam, em alguns momentos, uma visão tradicional sobre o ensino e a própria
incapacidade, devido ao sistema educacional, de constituírem-se enquanto professores-
pesquisadores. Não se viam como agentes de transformação e só conseguiam enxergar
dificuldades no trabalho com a pesquisa na escola básica.
Para tanto, nós enquanto mediadores do processo de ensino-aprendizagem
fazíamos mão de todos os nossos conhecimentos para (re)construir as concepções de escola,
educação e ensino, apontando que há dificuldades, mas que devemos acreditar e trabalhar na
contra hegemonia efetivando os ditos de Freire (2011) de indissociabilidade entre o ato de
ensinar e pesquisar. Nestes momentos é visível à necessidade de conhecimentos sólidos, como
coloca Mizukami (2006), para que o formador realize suas funções.
Nessa perspectiva, elaborou-se e desenvolveu-se um Projeto de Intervenção
Pedagógica (PIP) nos moldes da Resolução CEPEC 766 da UFG, o qual intenta através de
oficinas pedagógicas oferecer ao estagiário “saber observar, descrever, registrar, interpretar e
problematizar e, consequentemente, propor alternativas de intervenção” (PIMENTA, 2001, p.
76). Logo, através da operacionalização do PIP pode-se rever conhecimentos teóricos e
práticos da docência, do Ensino de Ciências e Biologia, além de realizar atividades de
monitoria e regência desta área do conhecimento.
CONSIDERAÇÕES PRIMEIRAS
Reporta-se que este trabalho apresenta de forma sucinta dois episódios que
vivenciamos durante o ED com os alunos do curso de Licenciatura em CB no ES I. São
percepções iniciais, porém já conseguimos perceber o quanto fomos impregnados das mesmas
e como modificaram nosso olhar sobre a formação de professores com suas dificuldades,
9
entraves e disputas. Somos mais certos do nosso caminho enquanto sujeitos que se formam e
desejam tornarem-se formadores, certos de que ainda há um caminho pela frente e que a todo
momento entre eu e outros nos (re)significaremos.
Assim, o espaço do ED nos programas de pós-graduação é riquíssimo se
desenvolvido em parceria com os professores formadores para a (re)constituição de uma
identidade de formador. Primeiro, por oportunizar vivencias jamais antes realizadas e depois
por propiciar a relação teoria-prática, certos de outras tantas contribuições que ainda não
conseguimos perceber pela proximidade com os fatos, mas que no processo que estamos
delineando de reflexão ainda irão emergir.
Por fim, coloca-se a necessidade de (re)afirmação da palavra parceria a todo
momento, pois defende-se aqui um trabalho conjunto entre formadores e pós-graduandos, na
contramão do que muitas vezes acontece, em que alunos são obrigados a assumirem
disciplinas de seus orientadores sozinhos. Nesse último caso, a formação não é oportunizada,
já que os pós-graduandos acabam por realizar um ensino pautado no que já vivenciaram
enquanto alunos dos cursos de formação sem nenhuma reflexão e, por vezes por imitação. Em
alguns momentos assumimos as atividades, porém nunca fomos deixados à deriva o que foi
circunstancial.
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12
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: RELATOS DE UMA ‘BOA’ PROFESSORA DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA A RESPEITO DE SUA FORMAÇÃO
Jailson Rogério Gomes
RESUMO
Este artigo intenta discutir as atividades que um professor desempenha em sala de aula, tendo como
referência as atividades desenvolvidas pela professora entrevistada durante as aulas de Estágio
Supervisionado. Como aporte teórico usamos os pressupostos da Linguística Aplicada e da Pedagogia,
especificamente de teóricos como Cunha (2000), Paiva (1997), Pennington (1990) e Wheeler (1999).
Desses autores buscou-se o que eles destacam como características atitudinais aconselhadas ao bom
professor. A pesquisa se justifica pela enorme quantidade de problemas relatados por professores
quando passam a atuar como professores regentes e busca minimizar essas questões problemáticas
levantadas pelos professores. Este artigo encontra-se organizado em quatro partes precedidas por uma
introdução que contextualiza a investigação, apresenta os objetivos, as justificativas e as perguntas que
direcionaram seu desenvolvimento. A primeira parte apresenta as características dos bons professores
de acordo com os estudos e orientações dos teóricos mencionados. A segunda parte coloca em
evidência a professora-sujeito da pesquisa e a metodologia utilizada para a execução deste artigo. No
subtítulo subsequente os dados da pesquisa são analisados e na última parte são feitas as considerações
finais. As considerações aqui elencadas são provenientes das observações realizadas durante as aulas
da professora entrevistada e também das conversas informais realizadas com acadêmicos que estavam
no processo de conclusão de seus estágios. Buscou-se também, verificar se os professores regentes
participam de alguma atividade que se caracterize como formação continuada.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como professor da disciplina Prática de Ensino de Inglês & Estágio Supervisionado
tenho, dentre outras atribuições, que observar e nortear os alunos-professores em seus
processos práticos de aprendizagem que visam colaborar com a formação de docentes de
língua estrangeira (especificamente o inglês). O que surpreende a cada nova observação é a
especificidade de cada aluno-professor durante o desenvolvimento das atividades propostas
pelo Estágio, e em especial, suas justificativas quando questionados sobre o porquê adotam
um determinado procedimento em detrimento a um outro apresentado pelos teóricos
estudados ou sugerido por algum linguista lido durante as aulas de Prática.
Desde minhas primeiras experiências como coordenador de cursos em uma escola de
idiomas, percebi que mesmo professores formados nas mesmas universidades, que tiveram os
mesmos professores de Prática e, consequentemente, leram os mesmos teóricos, tinham
pontos de vistas bastante distintos a respeito de suas docências e sobre o que constitui um
bom professor de língua estrangeira. Alguns demonstravam possuir um domínio bem maior
Doutorando pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected]
13
em determinada habilidade e, por conseguinte, tendiam a priorizar tal habilidade quando
estavam lecionando, enfatizando a necessidade de aprendê-la como sendo portadora de uma
importância relativamente superior às demais habilidades.
Percebi também que, quando um aluno muda para o próximo nível em uma escola de
idiomas e tem um professor que enfatiza uma habilidade diferente daquela anteriormente
adotada, este aluno, comumente, tem dificuldades para se orientar e adaptar-se ao novo estilo
de ensinar. Nota-se, então, que alguns docentes são mais bem-sucedidos que outros na arte de
ensinar, enquanto que a alguns lhes faltam ora teorias linguísticas ora a própria língua ou
ainda a habilidade de conciliar teoria e prática. De acordo com Heller (1985, p. 94), “no
„dever-ser‟ revela-se a relação do homem inteiro com os seus deveres, com suas vinculações,
sejam essas econômicas, políticas, morais ou de outro tipo”. O professor precisa se encontrar
na profissão, isto é, sentir-se bem quando desempenhando sua função, possuir um excelente
conhecimento linguístico prático e teórico e ainda demonstrar empatia para com todos aqueles
com os quais lidam no dia-a-dia de sua prática pedagógica.
O dia-a-dia do professor-indivíduo interfere bastante em sua atuação como professor-
profissional. O tempo disponibilizado para o planejamento, para a imagem mentalizada de
como sua aula se concretizará, o tempo para refletir na e sobre a execução e avaliação de todo
o processo incidirá de forma significativa na qualidade final do „produto‟. Essa ideia está em
consonância com a percepção de Telles (1996) da necessidade de reconhecer que o
conhecimento profissional dos professores é também determinado pela sua vida cotidiana,
história pessoal, história social e pelo papel moral de outros professores e não apenas por
competências a serem adquiridas e exibidas. Visto por essa perspectiva, o desenvolvimento
profissional é um processo que acontece de dentro para fora, em que as atitudes, os valores, o
conhecimento e o pensamento do professor precisam ser verbalizados para serem conhecidos.
Trata-se de um assunto em voga desde o final do século passado: „A Formação do Professor
Reflexivo‟.
Desta forma, para desenvolver esse artigo, orientei-me pelas seguintes perguntas de
pesquisa:
1. Quais são as características que a professora-sujeito da pesquisa apresenta que
coincidem com as características apresentadas por Cunha (2000)?
2. Em que sentido tais características beneficiam e facilitam o ensino e a aprendizagem
de uma língua estrangeira?
3. Por que nem todos profissionais que lidam com o ensino de línguas conseguem
adquiri-las e aplicá-las com eficiência?
14
A pesquisa proposta justifica-se pela contribuição que pode prestar à professora-
sujeito, oportunizando-lhe, através do olhar do Outro, considerações com base nas quais
poderá refletir sobre sua prática docente, considerando e se conscientizando sobre as ações
que são tomadas no decorrer das aulas, mas que nem sempre são levadas em consideração
quando da reflexão sobre os procedimentos adotados na sala no decorrer das aulas, bem como
a todos interessados no ensino de línguas, sejam profissionais atuantes em salas de aula,
teóricos, professores e estudantes de Letras que entrarem em contato com a pesquisa.
ORGANIZAÇÃO DO ARTIGO
Este artigo encontra-se organizado em quatro partes precedidas por essa introdução
que contextualiza a investigação, apresenta os objetivos, as justificativas e as perguntas que
direcionaram seu desenvolvimento.
A primeira parte apresenta as características dos bons professores de acordo com os
estudos e conclusões de alguns teóricos. A segunda parte coloca em evidência a professora-
sujeito da pesquisa e a metodologia utilizada para a execução deste artigo. No subtítulo
seguinte os dados da pesquisa são analisados e na última parte são feitas as considerações
finais.
CARACTERIZAÇÕES DE UM BOM PROFESSOR DE LÍNGUAS
A partir da asserção de que os princípios de ensinar língua com sucesso não diferem
dos que marcam o ensino de qualquer outra matéria, Wheeler (1999) levanta uma lista com
oito características do bom professor da era contemporânea. A lista é a seguinte:
a) O bom professor é um exemplo de boa conduta;
b) O bom professor estabelece bom relacionamento com os alunos;
c) O bom professor tem paciência;
d) O bom professor corrige gentilmente;
e) O bom professor promove a autonomia dos alunos;
f) O bom professor mantém a disciplina;
g) O bom professor tem um bom método para apresentar o conteúdo;
h) O bom professor considera os fatores psicológicos dos alunos.
15
A literatura na área de educação geral registra muitas tentativas em descrever e ava-
liar as características de bons professores. A conclusão que chegaram é a de que eles
geralmente produzem listas de características pessoais de professores que apresentam eficácia,
julgados como tal a partir dos resultados de seus alunos em testes, e procuram prescrever
essas características para os professores em geral.
As pesquisas na área de ensino de língua estrangeira e/ou segunda língua não se
ocuparam de estabelecer relações entre os comportamentos dos professores e os resultados de
seus alunos, pois pouco se considerava do que ele trazia consigo para o processo de ensino
além de seu domínio linguístico.
Um exemplo de estudos nessa área que constatou a influência do professor sobre seus
alunos foi o de Girard (1970), que concluiu que o bom professor de inglês é aquele que
procura tornar seu curso interessante, explicar com clareza, falar bem o idioma estrangeiro,
demonstrar interesse nos processos de aprendizagem dos alunos, promover participação de
todos, ser paciente, insistir no uso da língua estrangeira durante as aulas; fazer seus alunos
produzirem e utilizar métodos coerentes com os objetivos do ensino.
Pennington (1990) termina seu artigo, dentro de uma perspectiva continuada,
sugerindo uma série de objetivos que julga serem importantes para o desenvolvimento
profissional dos professores, tais como:
- Conhecimento da base teórica na área de aprendizagem de línguas e da pesquisa
em sala de aula;
- Conhecimento de si e de seus alunos;
- Atitudes de flexibilidade e abertura para mudanças;
- Habilidades comunicativas e de tomada de decisão;
- Capacidade analítica para avaliar diferentes situações de ensino e para avaliar as
condições de mudança em sala de aula;
- Conhecimento de abordagens de ensino alternativas e a habilidade de colocá-las
em prática;
- A confiança e as habilidades para mudar sua abordagem de ensino, se necessário;
- Experiência prática com diferentes abordagens de ensinar.
Paiva (1997) também apresenta um perfil do professor de inglês que ela mesma chama
de ideal. Segundo a autora, o professor de inglês deve ter consciência política, domínio oral e
escrito da língua que vai ensinar, formação pedagógica e em Linguística Aplicada. Perceba
que Paiva menciona „ter consciência política‟, esse atributo tende a ser cada vez mais
16
valorizado pelos teóricos e destacam que sua posição deve incentivar e servir de exemplo para
que seus alunos aprendam a tomar posição e, por conseguinte, argumentar e agir consciente e
coerentemente.
As particularidades dos melhores professores de inglês evidenciadas por Cunha
(2000), são: tornar as aulas atraentes, estimular a participação do aluno, saber se expressar de
forma que todos entendam, induzir à crítica, à curiosidade e à pesquisa, procurar formas
inovadoras de desenvolver a aula e fazer com que o aluno participe ativamente do ensino. E
acrescenta:
É importante salientar que os alunos não apontam como melhores professores os
chamados “bonzinhos”. Ao contrário, o aluno valoriza o professor que é exigente,
que cobra participação e tarefas. O aluno quer um professor intelectualmente capaz e
afetivamente maduro. (CUNHA, 2000, p.43)
À medida que o aluno vai se desenvolvendo, principalmente durante as primeiras
avaliações e também após pegar os resultados dos primeiros testes e/ou provas, o aluno
começa a valorizar o professor que foi capaz de lhe ensinar adequadamente e percebe que o
bom professor é aquele que é capaz de lhe ensinar adequadamente e não aquele leniente com
suas possíveis inadequações disciplinares.
A PROFESSORA-SUJEITO E A METODOLOGIA DA PESQUISA
Eliane é professora de inglês há mais de vinte anos. Cursou Letras Português/Inglês na
UEG – Campus Pires do Rio e também fez curso de inglês em uma escola de idiomas. A
professora-sujeito deste estudo já lecionou em outros dois colégios de Ensino Fundamental
antes de atuar no Ensino Médio. Atualmente, leciona nos turnos matutino e noturno em um
grande colégio da rede estadual de ensino. No turno matutino a professora leciona para duas
oitavas séries, quatro primeiros colegiais e dois terceiros anos. No turno noturno, leciona para
quatro primeiros anos e três terceiros anos do curso colegial.
A professora em questão destaca-se no município onde trabalha como sendo a única
que executa projetos de língua estrangeira em uma unidade escolar com mais de mil alunos e
que consegue envolver a comunidade e os pais dos alunos. Os projetos “International Music
Festival” e “Halloween” já se tornaram marcas distintivas do colégio e dos demais
professores de inglês da instituição, os quais são orientados pela professora-sujeito desta
pesquisa. A comunidade também é envolvida e oferece prêmios e patrocina os projetos.
17
As informações para esta pesquisa começaram a ser coletadas em abril de 2004 e
terminaram em agosto do mesmo ano. O primeiro contato com a professora-sujeito da
pesquisa deu-se em meados do mês de abril, na ocasião o entrevistador expôs brevemente os
objetivos da pesquisa e combinou datas para observar as aulas e os procedimentos adotados
pela entrevistada quando ministrando a disciplina de inglês.
Após observar e analisar as aulas, o pesquisador elaborou um questionário no qual
constava questões relativas à formação do professor e também questões sobre os aspectos
pedagógicos constatados durante a observação.
A última etapa da coleta de dados foi a execução de uma entrevista audiogravada na
qual o entrevistador teve oportunidade de verificar a visão de ensino-aprendizagem da
entrevistada, bem como esclarecer questões que ficaram pendentes no decorrer das duas
primeiras fases.
ANÁLISE DOS DADOS
O primeiro passo para a análise dos dados foi examinar as notas de campo feitas
durante a observação das aulas. Dessa apreciação o pesquisador pode depreender que a
professora-sujeito adota um método particular para o ensino de língua estrangeira, não se
prendendo a um método ou técnica em específico. A participante ora se utiliza de
procedimentos comuns ao Método Gramática Tradução, ora ao Audiovisual e ainda algumas
técnicas comuns à Abordagem Comunicativa. As mudanças ocorrem de acordo com o nível
de domínio linguístico e da quantidade de alunos em sala de aula. Normalmente as salas dos
primeiros anos do Ensino Médio contam com um número de alunos bem superior ao daquelas
com alunos do terceiro ano.
A professora demonstrou possuir muitas das características citadas pelos teóricos, já
mencionados neste trabalho, como pertencentes a bons professores de língua estrangeira tais
como:
Domina e usa técnicas de ensino variadas - Brown (1994);
Planeja suas aulas - Brown (1994), corroborado por Girard (1970);
Tem bom relacionamento com os alunos - Girard (1970);
Estabelece relações do conteúdo com outras áreas do saber - Cunha (2000);
Transfere indagações de um aluno para outro ou para toda a classe - Cunha (2000);
18
Possui habilidades comunicativas e de tomada de decisão – Pennington (1990)
A partir do questionário foi possível levantar dados relativos à formação e à visão de
educação que a participante possui. Quanto às experiências de formação Eliane afirma que:
Mesmo tendo feito pós-graduação, não acho que sou habilitada suficiente. A maior
parte do meu aprendizado foi através das leituras e das experiências vividas com os
próprios alunos.
Os desafios e as dificuldades vivenciadas por professores de língua estrangeira no
interior do Estado de Goiás (antes sem a presença de instituições universitárias) se fizeram
presentes na voz da professora que se pronuncia assim:
No início não foi fácil, eu fiquei com muito medo, por causa da pouca idade e
nenhuma experiência, mas com a escassez de professores nessa área, eu resolvi
enfrentar e hoje adoro ser professora de Língua Inglesa, mesmo ainda não sendo
uma “expert” no assunto.
A respeito dos conceitos de ensinar e aprender, bem como o que constitui uma
boa aula de língua estrangeira, Eliana relata no questionário:
Ensinar e aprender é uma troca de conhecimento entre aquele que ensina e aquele
que aprende, em uma situação de interação na qual o professor aprende com os
alunos e estes aprendem com o professor. O professor passa a ser o “mediador” de
informações fazendo com que seus alunos transformem essas informações em
conhecimento. Quanto a uma boa aula eu acho que ela ocorre quando o professor é
capaz de seduzir seus alunos a interessar por ela. Eu posso iniciar uma aula com a
tradução de um texto qualquer, normalmente ninguém presta atenção, minha função
é fazer com que os alunos fiquem interessados, curiosos pelo assunto, atentos e
queiram participar. E para que isso aconteça o professor precisa falar a linguagem do
aluno.
Na entrevista audiogravada, o entrevistador procurou abordar assuntos relacionados à
situação do ensino no município de Pires do Rio – GO, onde a pesquisa foi feita, e ainda,
questionar a tomada de algumas decisões no decorrer das aulas observadas. A professora não
é muito otimista a respeito da atuação dos docentes de língua estrangeira, conforme o seguinte
registro:
Acho que os professores deveriam doar mais, ousar em sala, gostar do que fazem e
passar entusiasmo para a turma. Eu sei que, na maioria das vezes isso soa como
utopia, porém acho que nós, professores, somos capazes de mudar nossa prática e
mudar para melhor, sem ter o medo das hierarquias que regem o sistema
educacional, principalmente se esta mudança visar a melhoria do aprendizado do
aluno.
19
Em relação à tomada de decisão em sala de aula a professora justifica que quase todas
as mudanças de plano efetuadas ocorreram porque ela percebeu que sua abordagem não
estava chamando a atenção dos alunos ou, às vezes, a técnica mostrava-se inadequada. Em
duas situações a mudança de plano ocorreu porque o resultado foi diferente daquele esperado.
Em uma dessas situações a professora propôs a tradução individual de várias frases que
frisavam as distintas funções do Present Perfect em suas múltiplas funções. Ao perceber que
pouquíssimos alunos haviam trazido os dicionários de suas casas, a professora, então, pediu
aos alunos que fizessem grupos de quatro elementos sendo que o critério para formação fosse
que pelo menos um aluno de cada grupo estivesse com um dicionário inglês-português em
mãos. Em outra ocasião, a professora tinha a intenção de fazer com que seus alunos
respondessem oralmente algumas perguntas com base em um trecho de uma peça que eles
ouviram; ao perceber que os alunos apresentaram extrema dificuldade em formular oralmente
as respostas, a professora permitiu-lhes que respondessem por escrito, pois assim eles
poderiam reestruturar e reconsiderar possíveis erros.
A professora relata que mudanças no planejamento ocorrem com muita frequência no
decorrer de suas aulas, devido ao fato de que comumente os professores são convidados a
„subir aulas‟ para cobrir a falta de um outro professor, o tempo de duração das aulas ainda
pode sofrer alteração devido a reuniões e/ou acontecimentos de última hora de forma que o
professor precisa ser bem preparado para tentar cumprir seu plano de curso no decorrer do
ano. Entre outros fatores externos que dificultam o cumprimento do plano e obriga o professor
a adotar mudanças, a professora comenta que naquele ano houve paralisações, greve, bem
como ocasional falta de energia. Esses acontecimentos compelem o professor a adequar seu
programa de ensino. Ainda de acordo com a professora entrevistada, flexibilidade é uma
característica imprescindível aos bons professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Conforme afirmo no início deste artigo sou professor de Prática de Ensino de Inglês e
nas várias observações que já tive oportunidade de realizar, pude perceber que os professores
que apresentam um número razoável das características citadas têm mais facilidade para
ministrar suas aulas bem como se interagem melhor com os alunos. Outra possível conclusão
é que o processo ensino-aprendizagem é facilitado à medida que o professor vai se
distanciando dos métodos pré-fabricados e começa a elaborar seu próprio método de ensino,
20
criando suas próprias técnicas, refletindo em sua prática e vai ora alterando ora validando suas
próprias descobertas.
Os alunos sentem-se seguros e interessados quando percebem que o professor também
tem certeza daquilo que desempenha. A aquisição e a posterior aplicação de tais propriedades
oferecem ao processo ensino-aprendizagem de língua estrangeira uma melhoria significativa
no sentido de dotar o professor de subsídios que beneficiarão toda a comunidade envolvida no
sistema.
É notória a enorme responsabilidade tanto do professor, quanto do acadêmico durante
o período de Estágio Supervisionado. Por um lado, percebe-se que o professor orientador
precisa estar bastante atento aos eventos que ocorrem com o formando no decorrer de suas
observações que devem ser feitas com o acompanhamento de um professor regente bem
experiente em sala de aula. Necessário também que tenha um clima de cordialidade e
cooperação entre o estagiário e os demais colaboradores do ambiente escolar. Tais
recomendações também devem ocorrer no período que o estagiário vai desenvolver suas
regências efetivamente. Os novos desafios socioculturais pelos quais nosso país está passando
exigem que o profissional seja capaz de demonstrar distintas competências em serviço. Além
de ser um bom conhecedor dos conteúdos da disciplina que vai lecionar, precisa também ter
jogo de cintura para lidar com os alunos, coordenadores e demais pessoas pertencentes ao
ambiente escolar, ou seja, ser capaz de externar competência intelectual e ainda sócio afetiva.
Os relatos de vários egressos, demonstram que muitos dos graves problemas enfrentados nos
primeiros anos de trabalho podem ser enormemente minimizados com seriedade e
compromisso durante o período em que ocorre o Estágio.
Outro aspecto que às vezes é negligenciado pelos professores é o que se refere à
Formação Continuada. Poucos são aqueles que se mostram disponíveis e com boa vontade de
participar de cursos de Formação Continuada ou a continuar fazendo pesquisa. Sabemos que a
sala de aula é um ambiente muito heterogêneo e que oferece diversas possibilidades de
pesquisas e observações. Além disso, os professores deveriam ser incentivados a ler
periódicos de sua área de atuação, bem como participar de simpósios, colóquios e demais
atividades acadêmicas com o intuito de se manter atualizados com as novas perspectivas de
ensino de línguas que podem conhecer a cada novo evento que se participa. A antiga
„reciclagem‟ que hoje nos é apresentada com o nome „Formação Continuada‟ mostra-se ser
uma ferramenta de enorme utilidade para todos aqueles que se comprometem com o ensino,
seja ele de qual disciplina for.
Foi possível constatar que nem todos os docentes envolvidos no ensino de língua
21
estrangeira conseguem infundir e legitimar as características propostas pelos teóricos e
linguistas aplicados como pertencentes aos bons professores. Este fato muitas vezes ocorre
porque um grande número daqueles que lecionam inglês o faz para completar a carga horária,
outros já estão lecionando há tanto tempo que sentem prescindirem de novas teorias e
inovações. Há também aqueles que simplesmente são desinteressados já que são concursados
e ninguém põe seus cargos em perigo. Verificou-se também que é preciso estender ações e
proporcionar encontros, debates, atualizações com o professor em exercício, favorecer
situações de análise e reflexão sobre a sua própria condição e experiência, além de criar
dispositivos que incentivem os professores que estão na ativa a refletir e entrar em contato
com novas metodologias de forma que tenhamos um professorado preparado para enfrentar os
desafios propostos pelo mundo globalizado, pelas demandas dos alunos e pelas novas
tecnologias pedagógicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BROWN, H. Douglas. Research on teacher education: a philosophical orientation. Journal of
Research and Development in Education, v. 15, n. 4, pp. 13-18, Chicago: 1994.
CUNHA, Maria Isabel. O Bom Professor e sua Prática. 11a edição. Campinas, SP: Papirus
Editora, 2000.
GIRARD, Denis. Motivation – The responsibility of the teacher. ELT Journal, v. 31, n. 2,
New York: 1970.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
PAIVA, Vera Lúcia. A Identidade do Professor de Inglês. Revista da APLIEMGE, n. 1, pp. 9-
17. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1997.
PENNINGTON, Martha. A professional development focus for the language teaching
practicum. In: RICHARDS, J.C. e NUNAN, D. (Eds.) Second Language Teaching Education.
New York: Cambridge University Press, 1990.
TELLES, Joan Andrew. Being a Language Teacher: stories of critical reflection on language
and pedagogy. Tese de doutorado não publicada. Toronto: Graduate Department of
Education, University of Toronto, 1996.
WHEELER, Garon. Personal Knowledge and the teaching of languages. TESL Canada
Journal, v. 16, n. 2, pp. 70-76. Toronto, 1999.
22
ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE
GEOGRAFIA NO IESA/UFG
João Carlos de Lima Neto11
Adriana Olívia Alves12
RESUMO
A presente pesquisa foi realizada no período de abril de 2015 a fevereiro de 2016 e objetivou
investigar o desenvolvimento das disciplinas de estágio supervisionado no curso de
licenciatura em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal
de Goiás, propondo reflexões acerca das contribuições destas à formação dos futuros
professores de Geografia, destacando-as como espaços propícios à elaboração dos saberes
docente. De caráter qualitativo, este trabalho foi desenvolvido no formato de pesquisa
participante, tendo como sujeitos dezoito licenciandos que cursaram as disciplinas Estágio
Supervisionado em Geografia no referido período. Os dados empíricos referem-se às
atividades desenvolvidas no âmbito das disciplinas e foram coletados por meio da observação
direta, análise documental, aplicação de questionário e entrevista. As análises envolveram
discussões acerca da formação, profissionalização e prática reflexiva no ofício docente,
concepções, histórico e legislação que fundamentam o desenvolvimento dos estágios nos
cursos de licenciatura (no Brasil e na UFG), e saberes docentes formados e mobilizados pelos
licenciandos durante a realização do estágio. A partir da análise dos dados concluímos que o
estágio supervisionado no curso de licenciatura em Geografia do IESA/ UFG tem sido
desenvolvido em uma perspectiva de articulação entre teoria e prática docente, e propõe o
desenvolvimento de atividades que priorizem a formação crítica e reflexiva dos futuros
professores.
Palavras-chave: Estágio supervisionado. Licenciatura em Geografia. Saberes docentes.
Introdução
Neste artigo é apresentado parte dos resultados da pesquisa monográfica realizada no
período de abril de 2015 a fevereiro de 2016, que teve como sujeitos dezoito licenciandos em
Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás
(UFG) que cursaram as disciplinas de Estágio Supervisionado em Geografia I e II no referido
período. Buscou-se, através desta, investigar o desenvolvimento das disciplinas de estágio
supervisionado e propor reflexões acerca de suas contribuições à formação dos futuros
professores de Geografia, destacando-as como espaços propícios à elaboração dos saberes
docentes. Os dados que serão apresentados e discutidos referem-se à disciplina de Estágio
Supervisionado em Geografia II, desenvolvida no segundo semestre letivo de 2015.
Esta foi uma investigação com abordagem qualitativa e seus fundamentos teóricos e
metodológicos estão baseados nas proposições de Ludke e André (1986) e Malheiros (2011).
11
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás.
Email: [email protected] 12
Professora Adjunta dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de
Goiás. Email: [email protected]
23
A opção pela pesquisa qualitativa deu-se em virtude da natureza de seu objeto de estudos e foi
desenvolvida no formato de pesquisa participante. Bem como salienta Malheiros (2011), a
pesquisa participante é caracterizada pela interação direta do pesquisador com o objeto de
estudo. Desta forma, os membros que compõem este objeto foram corresponsáveis pela
interpretação e análise dos dados. Destaca-se, neste sentido, a atuação do pesquisador como
monitor das disciplinas no período da pesquisa, o que favoreceu a proximidade entre este e os
sujeitos da pesquisa e a coleta dos dados.
Nesta perspectiva, bem como proposto pelos autores supracitados, o estudo foi
realizado em três fases: exploratória, coleta dos dados e, por fim, análise e interpretação
sistemática destes. A fase exploratória englobou a definição do problema e dos objetivos de
pesquisa e a delimitação do objeto (MALHEIROS, 2011). Na etapa seguinte, que compreende
a coleta dos dados, foi realizada análise documental, observações em campo e entrevistas.
A análise documental, neste sentido, consistiu na leitura e interpretação dos cadernos
de registros de campo, construídos pelos licenciandos ao longo da disciplina, com a descrição
das aulas observadas e regidas, e dos planos de aula elaborados para as atividades de regência.
Esta também foi utilizada na fase exploratória, na qual foram analisados os documentos legais
que regulamentam o desenvolvimento dos estágios supervisionados nos cursos de formação
de professores em diversas instâncias, tais como as leis, decretos e as portarias redigidas e
publicadas pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE), resoluções que regulamentam a formação de professores na Universidade Federal de
Goiás (UFG) e o Projeto Pedagógico do Curso de Geografia do Instituto de Estudos
Socioambientais (IESA). Todos estes documentos contêm dados relativos aos pressupostos
que orientam e regulamentam o desenvolvimento dos Estágios Supervisionados, objeto desta
pesquisa.
Ao longo da pesquisa foram realizadas observações das aulas da turma, dadas nas
dependências da universidade, para estudos e discussões de referenciais teóricos que
subsidiaram as reflexões acerca do papel formativo dos estágios, planejamento educacional,
projeto político pedagógico e regimento escolar, dentre outros temas, além de troca de
experiências entre os estagiários. Ao todo foram observados e registrados dez encontros. Vale
ressaltar que esta técnica de coleta de dados é de fundamental importância e seus pressupostos
metodológicos são debatidos por diversos autores, tais como Ludke e André (1986) e Cañete
(2010).
Outra técnica adotada para a coleta dos dados nesta pesquisa foi a realização de uma
entrevista estruturada com quatro licenciandos estagiários, a qual foi gravada e seu conteúdo
24
transcrito. Conforme destaca Ludke e André (1986, p. 34), a vantagem da entrevista em
detrimento das demais técnicas de coleta de dados é que “[...] ela permite captação imediata e
corrente da informação desejada”, podendo permitir um aprofundamento de dados coletados
por outras técnicas. Esta entrevista foi composta por questões relacionadas às atividades
desenvolvidas durante o Estágio Supervisionado em Geografia II. Por fim, destaca-se que o
uso das diversas técnicas na coleta dos dados desta pesquisa foi responsável pela riqueza de
seus resultados, ora apresentados logo adiante. Este artigo, em virtude do limite de sua
extensão, reserva-se à análise e discussão, especificamente, das atividades desenvolvidas no
âmbito da disciplina de Estágio Supervisionado em Geografia II.
Estágio supervisionado e a formação docente em Geografia
O Estágio Supervisionado em Geografia II possui a maior carga horária dentre os
estágios (160 horas aulas) e prevê que sejam realizadas atividades de observação,
planejamento e regência das aulas de Geografia em turmas de ensino fundamental e médio em
escolas públicas. Foram considerados para a análise deste estágio os cadernos de campo com
o registro das observações, descrições e análises das práticas docentes em sala de aula e das
dinâmicas cotidianas vivenciadas nas escolas campo, os planos de aula elaborados para a
regência das aulas de Geografia e o resultado da entrevista realizada com quatro licenciandos
ao fim das atividades.
A essência deste estágio reside nas atividades de planejamento, regência e seus
princípios formativos da profissão docente. Bem como salienta Pimenta (1997), estas
atividades são valorizadas por professores e estagiários pela possibilidade de exercitar
atividades relacionadas diretamente à prática profissional, dentre elas o planejamento de aula,
manejo de classe, mediação e avaliação do processo de ensino e aprendizagem.
Contexto de formação: Escolas campo
A seleção das escolas campo e distribuição dos licenciandos foi coordenada pela
professora orientadora e se deu em virtude da disponibilidade da escola, da proximidade
destas e da concordância dos horários das aulas de estágio às de Geografia nas escolas campo.
Foram selecionadas escolas que ofertam turmas entre a segunda fase do ensino fundamental e
o ensino médio e que têm, em seu quadro docente, professores que possuem formação e
lecionam a disciplina de Geografia para atuarem como supervisores de estágio. Ao todo foram
selecionadas quatro escolas pertencentes às redes de ensino federal, estadual e municipal, em
Goiânia, que ofertam diferentes níveis e modalidades de ensino. A distribuição se deu
25
conforme apresentado no Quadro 01:
Quadro 01 – Escolas campo do Estágio Supervisionado em Geografia II.
Escola campo Rede e modalidade de ensino Estagiários (quantidade)
Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas à
Educação – CEPAE/ UFG
Federal – Ensino Fundamental e
Médio
08
Colégio da Polícia Militar Waldemar
Mundim
Estadual – Militar – Ensino Médio 04
Colégio Estadual de Ensino Integral Pré-
universitário
Estadual – Integral – Ensino Médio 02
Escola Municipal Balneário Meia Ponte Municipal – Ensino Fundamental 04 Fonte: Arquivos do Estágio Supervisionado em Geografia II (2015). Organizado por LIMA NETO, J. C. (2016).
Ressalta-se a pluralidade dos espaços e contextos formativos do estágio, sendo
disponibilizado aos licenciandos um conjunto de opções de escolas campo e turmas para sua
realização. As escolas campo em questão diferem-se em relação à rede de ensino, ao contexto
de atuação, níveis, construção política pedagógica e organizacional, estrutura física e
disponibilidade de recursos humanos, materiais e didáticos. Todos estes contextos formativos,
mesmo que não vivenciados diretamente, enriquecem o processo de formação destes futuros
professores, tendo em vista que todas as experiências são compartilhadas entre os
licenciandos ao longo dos estágios.
O CEPAE é o colégio de aplicação da Universidade Federal de Goiás e configura
como campo de estágio para diversos cursos de licenciaturas, dentre eles o de Geografia. É
uma escola modelo e possui uma excelente estrutura física (laboratórios, biblioteca, quadra
poliesportiva, salas de aula grandes e bem arejadas), pedagógica e organizacional
diferenciadas. Esta escola se destaca dentre as demais em virtude tanto da formação dos
docentes (portadores de títulos de mestrado e doutorado), oferta dos espaços e condições de
aprendizagem, quanto em relação às políticas de estágio desenvolvidas, uma vez que esta se
configura como uma de suas funções institucionais.
O Colégio Estadual de Ensino Integral Pré-universitário, juntamente com o Colégio da
Polícia Militar de Goiás Waldemar Mundim, pertencem à rede estadual de ensino e estão
localizados nas regiões oeste e norte da capital, respectivamente. O primeiro é a única escola
campo que trabalha com ensino integral do grupo e recebeu dois licenciandos, que atuaram
em duas turmas do Ensino Médio. Destaca-se, nesta unidade escolar, sua ampla estrutura
física (contudo o acesso a esta é limitado em virtude da falta de profissionais no quadro da
escola), e o regime de trabalho de parte de seu quadro de professores, que são contratados por
40hs (os quais atuam nas disciplinas obrigatórias e eletivas).
No período do estágio, o Colégio da Polícia Militar de Goiás Waldemar Mundim
passou por adaptações em sua estrutura político pedagógica, física e organizacional, em
26
virtude do processo de militarização da unidade, instituído pela Lei 18.967/201513
, a exemplo
da extinção das salas temáticas, bem como explicitado no registro de campo de um dos
Licenciandos (CADERNO DE REGISTROS 07). Ressaltamos que este período de transição
foi riquíssimo à aprendizagem dos quatro licenciandos estagiários, no qual vivenciaram dois
modelos organizacionais propostos na rede pública estadual.
A Escola Municipal Balneário Meia Ponte, por sua vez, pertence à rede municipal de
ensino de Goiânia e está sediada em um prédio alugado, anexo a uma instituição religiosa, a
qual, de acordo com profissionais da escola, compartilha deste espaço aos finais de semana.
Este prédio, que anteriormente sediou uma escola religiosa, foi adaptado, com poucos
critérios, para o atendimento aos estudantes da segunda fase do ensino fundamental. Neste,
não foram projetadas a quadra poliesportiva, a biblioteca e os laboratórios, sendo utilizadas
salas de aula e o pequeno pátio da escola para estes fins. Chama a atenção, neste contexto, a
realização das aulas de Educação Física no pátio da escola, que, estando localizado abaixo das
salas de aula14
, segundo relato dos estagiários, produz muito barulho e atrapalha as aulas de
vários professores.
No contexto desta análise, ressalta-se ainda que as escolas campo também se diferem
em relação à disponibilidade dos recursos e espaços, e quanto ao regime e condições de
trabalho de seus profissionais. Durante o Estágio Supervisionado em Geografia II, também
foram realizadas algumas observações e análises na escola campo antes de iniciar as
atividades no interior da sala de aula, tendo em vista que esta, em muitos casos, não é a
mesma em que fora realizado o primeiro estágio. Busca-se, desta forma, a inserção do
estudante a este contexto antes de propor intervenções.
Formação docente: observação, planejamento e regência
O momento da regência configura-se como um dos mais aguardados do estágio e gera
apreensão e nervosismo, de acordo com os licenciandos. Para o Estágio Supervisionado em
Geografia II é proposto que este seja antecedido de observações sistematizadas e registro das
aulas regidas pelo/a professor/a supervisor/a em uma turma selecionada, e o planejamento
deve ser avaliado e aprovado pela professora orientadora. Estas atividades foram
desenvolvidas em dupla ou individualmente entre os meses de novembro de 2015 e fevereiro
de 2016.
A observação e o registro sistematizado das tramas cotidianas da sala de aula são
13
Lei Estadual 18.967, de 22 de julho de 2015, que dispõe sobre a transformação das unidades de ensino que
especifica em Colégios Militares e dá outras providências. 14
A Escola Municipal Balneário Meia Ponte possui, no piso superior, sete salas de aula.
27
fundamentais no processo de reconhecimento do contexto, o qual serão realizadas as
atividades de intervenção e regência, uma vez que “[...] o trabalho pedagógico se investe de
um tipo de postura que emerge, muitas vezes, do contexto escolar” (PIMENTA; LIMA, 2004,
p. 111). Neste sentido, é imprescindível que o professor estagiário esteja imerso no ambiente
o qual irá atuar, reconhecendo todas as dinâmicas que conduzem os processos de ensino e
aprendizagem.
Reconhecendo a importância deste exercício de escrita, tanto nas observações do
estágio quanto na prática docente, foi proposta aos licenciandos a elaboração de cadernos de
campo com o registro sistematizado das observações realizadas nas escolas e nas salas de
aula. Sendo assim, escrever sobre a prática docente é uma importante prática formativa nos
estágios, desenvolvendo a memória e a reflexão do professor (CAÑETE, 2010).
Para compor os dados empíricos desta pesquisa foram disponibilizados nove destes
cadernos de campo, os quais foram transcritos e seu conteúdo deu origem aos dois quadros
apresentados logo adiante (Quadros II e III).
Nestes, estão expostas situações didáticas vivenciadas pelos licenciandos, nas quais
são evidenciados os saberes docentes15
mobilizados durante as aulas. Dentre elas, destacamos
algumas que evidenciam o domínio dos conhecimentos específicos da ciência geográfica, os
objetivos da aprendizagem, o uso dos recursos didáticos e a elaboração de atividades e
situações de aprendizagem. No quadro 02 estão dispostos alguns fragmentos dos registros de
campo dos licenciandos, nos quais é evidenciada a mobilização dos saberes do conteúdo.
Quadro 02 – Fragmentos dos registros de campo dos licenciandos: Saberes do Conteúdo.
Saberes do conteúdo
“O assunto da aula refere-se à população e movimentos migratórios, no qual o professor seguindo o livro
didático utiliza o quadro negro para passar o conteúdo [...]” (Licenciando B, grifo nosso);
“[...] importante é que o livro didático não foi utilizado nem pelo professor, nem pelos alunos, em que o
embasamento teórico se baseia nas anotações do quadro, no qual o docente segue linearmente sua exposição de
acordo com a sequência do conteúdo no quadro” (Licenciando B, grifo nosso);
“A professora perguntou o motivo da mudança da capital para o interior e um aluno respondeu que seria para
facilitar o escoamento e diminuir as distâncias [...] a professora disse que o principal motivo era estratégia de
“guerra” – ataque e contra-ataque. A professora explicou um pouco sobre a arquitetura de Brasília e Oscar
15 Para o desenvolvimento desta pesquisa foram destacadas as classificações de saberes docentes elaboradas por
Pimenta (2002), Guimarães (2004) e Tardif (2011), agrupados em: experienciais (oriundos das experiências e
vivências cotidianas dos professores, e se dão em dois sentidos: anterior e durante a atuação profissional), do
conteúdo (conhecimentos socialmente produzidos pelos campos científicos específicos das diversas áreas do
conhecimento), e pedagógicos (conhecimentos específicos da mediação do processo de ensino-aprendizagem,
relacionados à teoria da educação, ao trabalho coletivo e aos princípios da organização escolar).
28
Niemeyer” (Licencianda D);
“Os conteúdos trabalhados envolvem a formação vegetal, a partir do Cerrado, Mata dos Cocais, Mangues,
Restinga, Caatinga e outros” (Licencianda E);
“O professor começou falando de algumas questões ambientais como: chuvas ácidas e efeito estufa [...]”
(Licenciando F). Fonte: Cadernos de campo dos licenciandos estagiários. (2015). Organizado por LIMA NETO, J. C. (2016).
Destaca-se, a partir da análise dos fragmentos expostos no quadro, a importância do
domínio dos conhecimentos específicos da matéria na atividade docente, reconhecendo-o
como um dos instrumentos de legitimação da profissão. No entanto, a exemplo do exposto
pelo Licenciando B, ressaltamos a ocorrência de situações nas quais foi evidenciado o
protagonismo do livro didático durante as aulas, retirando do professor a responsabilidade
com o conhecimento (CALLAI, 1995), o que pode caracterizar a ausência deste domínio
teórico-metodológico.
Neste contexto, o professor assumiu a função de reprodutor mecânico das prescrições
e dos conteúdos presentes nele, realizando, bem como definido por D'Ávila (2008), uma
mediação didática mecânica com o uso do manual. A este respeito, defendemos a utilização
do livro didático de forma propositiva, atuando como um dos instrumentos que favoreçam a
mediação entre os sujeitos e os objetos de conhecimento (LIBÂNEO, 2011).
Ainda de acordo com D'Ávila (2008, p. 126), o professor deve ter um posicionamento
crítico na utilização destes manuais, tendo-os como "[...] instrumento auxiliar no processo de
ensino-aprendizagem". Deste modo, o professor tem no livro didático um aliado, que tem um
papel específico de auxílio, jamais de substituto do seu conhecimento.
Outro apontamento importante diz respeito à amplitude e aos desdobramentos dos
temas abordados durante as aulas. Foi evidenciado o trabalhado com conteúdos relacionados à
cartografia, às dinâmicas populacionais, à urbanização, à biogeografia e à climatologia,
ressaltando o amplo campo de conhecimento geográfico e sua abordagem na educação básica.
No quadro 03, por sua vez, estão dispostos alguns fragmentos dos registros de campo dos
licenciandos, nos quais é evidenciada a mobilização dos saberes pedagógicos.
Quadro 03 – Fragmentos dos registros de campo dos licenciandos: Saberes Pedagógicos.
Saberes pedagógicos
“A atividade teve o intuito de contribuir para que os alunos tivessem mais domínio com o mapa, aprendendo
interpretá-lo” (Licencianda A);
“[...] foi feita uma contextualização sobre os principais fatos que consolidaram a primeira revolução industrial e
que levaram ao acontecimento da Segunda Revolução Industrial” (Licenciando B, grifo nosso);
“As questões não permitiram uma exploração mais ampla dos conteúdos e as respostas das atividades estavam
29
no livro didático [...] percebe-se que a professora utiliza muito a memorização e a conceituação com os alunos”
(Licencianda D);
“A atividade poderia ter sido melhor planejada, mas os alunos aparentaram gostar da atividade” (Licencianda D,
grifo nosso). Fonte: Cadernos de campo dos licenciandos estagiários. (2015). Organizado por LIMA NETO, J. C. (2016).
Os licenciandos trazem, em seus registros de campo, diversas situações cotidianas da
prática docente e, dentre elas, destacamos algumas que explicitaram os saberes pedagógicos
mobilizados durante as aulas. Estes trechos apontam, por exemplo, os objetivos de
aprendizagem, a utilização de recursos didáticos (quadro negro, livros didáticos e mapas
temáticos), e a elaboração das situações de aprendizagem (LIBÂNEO, 2011).
No contexto destes relatos, destacamos os métodos de ensino utilizados nas aulas
observadas, com destaque para a exposição do professor, que englobou desde a apresentação
verbal dos conteúdos, a demonstração, a ilustração e a exemplificação destes (LIBÂNEO,
1996). Este autor destaca ainda que este é o método mais utilizado no ensino básico e tem
como característica a posição passiva do aluno frente ao conteúdo da exposição.
Aqui, colaboramos com as proposições de Anastasiou e Alves (2003), e reafirmamos
que esta exposição do professor deve ser sempre acompanhada de diálogo entre os sujeitos,
em outras palavras, deve ser expositiva dialogada.
Os registros de campo descrevem as aulas observadas e, em alguns casos, as regidas
por seus pares de estágio. Verifica-se que os licenciandos enfocaram a descrição das práticas e
pouco se posicionaram criticamente em relação ao observado. Neste sentido, salientamos que
este exercício de escrever sobre a prática docente é um instrumento formativo tanto para
professores experientes quanto para os iniciantes, neste caso, professores estagiários
(CAÑETE, 2010).
Estes registros, no âmbito do estágio, são objetos de análises e reflexões, individuais e
coletivas, e dão subsídios à elaboração dos planos de aula para as atividades de regência e
corroboram com a construção dos Projetos de Intervenção Pedagógica (PIPs) a serem
desenvolvidos pelos licenciandos no ambiente escolar durante o Estágio Supervisionado em
Geografia III. Acreditamos que, ao registrar suas experiências e práticas vivenciadas no
contexto das escolas campo, os licenciandos são levados a exercitar tanto a escrita quanto a
prática reflexiva, os quais são fundamentais na formação e atuação dos professores.
Com relação aos planos de aula para as aulas de regência, cabe destacar que o Estágio
Supervisionado em Geografia II foi, em muitos casos, a primeira experiência dos licenciandos
com o planejamento escolar, logo, sua elaboração foi orientada a partir de um modelo
proposto pela professora orientadora (Quadro 04), que, por sua vez, foi apresentado e
30
discutido durante dois encontros presenciais da turma, realizados no início da disciplina.
Quadro 04 – Modelo de plano de aula proposto.
Plano de aula
Escola:
Disciplina: Data:
Período: Ano:
Professores:
Unidade Didática:
Tema da aula:
Conteúdos:
Referem-se aos principais temas estruturadores da aula. Os conteúdos não consistem apenas em conhecimentos,
mas também habilidades, capacidades, atitudes e convicções. Os conteúdos surgem a partir das unidades
temáticas que se referem ao conjunto dos temas inter-relacionados que compõe o plano de ensino para uma
série/ano. Cada unidade didática contém um tema central do programa, detalhado em tópicos.
Objetivo geral
Compreende o objetivo principal. Deve apresentar, de forma clara e direta, a finalidade mais ampla, do processo
de ensino e aprendizagem. Os objetivos são direcionados aos alunos. É importante relacionar o título da aula ao
objetivo geral. Deve responder às seguintes questões: o que vou ensinar? O que pretendo desenvolver nos
alunos? O que espero que os alunos assimilem após o estudo desta aula? Devem ser escritos na forma do verbo
no infinitivo, exemplos: analisar, compreender, interpretar.
Objetivos específicos
São chamados de objetivos secundários e derivam do objetivo geral. Orientam a elaboração dos conteúdos e
métodos. Os resultados são conhecimentos, conceitos, procedimentos e atitudes. São chamados de conteúdos
fatuais, conceituais e procedimentais.
Desenvolvimento metodológico:
A função deste componente do plano é articular os objetivos e conteúdos com métodos e procedimentos de
ensino que provoquem a atividade mental e prática dos alunos (resolução de situações problema, trabalho de
elaboração mental, discussões, resolução de exercícios, aplicação de conhecimentos e habilidades em situações
distintas as trabalhadas em classe). Indica o que o professor e os alunos farão no desenrolar de uma aula ou de
um conjunto de aulas. Devem ser detalhadas todas as etapas do processo de ensino e aprendizagem.
Recursos didáticos:
Listar os recursos materiais didáticos que serão utilizados na consecução da aula.
Processo de avaliação:
Deve descrever qual é a concepção de avaliação e os instrumentos avaliativos. Fonte: ALVES, A. O. (2015). Adaptado por LIMA NETO, J. C. (2016).
Este modelo de plano de aula foi elaborado a partir das propostas de Libâneo (1996) e
contém os componentes mínimos do planejamento escolar necessários para o
desenvolvimento do trabalho pedagógico em sala de aula. De acordo com o autor supracitado,
os objetivos, os conteúdos e os métodos são elementos constituintes e indispensáveis no
planejamento da ação pedagógica e estes são permeados de implicações sociais e possuem um
significado puramente político.
No decorrer do estágio, todos estes componentes, suas funções e significados, foram
objeto de estudos e reflexões, e a elaboração final dos planos de aula pelos licenciandos
recebeu contribuições tanto da professora orientadora quanto, em alguns casos, dos
professores supervisores das escolas campo, ressaltando-o como uma atividade colaborativa
entre os pares.
Acerca desta etapa do planejamento escolar, durante as entrevistas, realizadas com
31
quatro estagiários ao final das atividades do Estágio Supervisionado em Geografia II, os
licenciandos apontaram terem tido dificuldades relacionadas tanto a sua elaboração quanto a
sua efetivação durante as aulas.
Neste contexto, destacamos que esta, enquanto um dos instrumentos utilizados para a
coleta de dados da pesquisa foi composta por quatro questões que versaram sobre o processo
de planejamento, o domínio dos saberes específicos e dos conhecimentos didáticos da
matéria, a elaboração dos saberes docentes e a prática reflexiva realizada no âmbito das
disciplinas. Sobre as dificuldades enfrentadas pelos licenciandos na elaboração dos planos de
aula, destacamos duas respostas obtidas nas entrevistas:
As minhas principais dificuldades na elaboração do Plano de aula foram referentes
aos objetivos no início, porque eu não estava compreendendo que eu tinha que
pensar não como eu iria dar aula e sim como os alunos iriam entender o que eu
estava passando; e os procedimentos metodológicos também, que não consegui
entender que eu deveria fazer uma descrição da minha aula (Entrevista II, grifo
nosso).
Neste relato, a licencianda entrevistada destacou ter tido dificuldade com relação à
compreensão dos componentes que o constituem (os objetivos e os procedimentos
metodológicos). Esta dificuldade também foi apontada por outros licenciandos entrevistados
e, de acordo com eles, foram sanadas a partir dos estudos de alguns referenciais teóricos
metodológicos na disciplina, como destacam para Libâneo (1996) e Vasconcellos (2002):
[...] eu fiquei confuso em como eu deveria levar em conta ao conteúdo específico, já
que eu não me baseei só no plano de aula para preparar, eu fiz um roteiro do que eu
iria falar. [...] a questão de procedimentos metodológicos, a própria questão de
recursos, eu acho que não foi uma dificuldade, mas foi uma coisa no plano de aula
que eu achei desnecessário [...] elaborei um roteiro do que ia falar, estudei, me
baseei em textos que se referia ao conteúdo que ia abordar. Então a maior
dificuldade do plano de aula foi segui-lo, pois eu não me baseei nele para preparar
minha aula (Entrevista III, grifo nosso).
Este relato apresenta uma situação preocupante: a subversão do sentido do
planejamento. O licenciando em questão afirma ter desconsiderado o plano de aula como
instrumento pedagógico, substituindo-o por um roteiro para atividades, pré-estabelecidas,
sem a necessidade de reflexão sobre o trabalho desenvolvido. Constata-se que o entrevistado,
de fato, não compreendeu o papel desempenhado pelo plano de aula no ofício docente,
conforme foi defendido ao longo da disciplina (LIBÂNEO, 1996; VASCONCELLOS, 2002).
No decorrer deste exercício, os licenciandos tiveram dificuldades relacionadas à
elaboração dos objetivos (gerais e específicos), seleção e organização dos procedimentos
metodológicos, os quais foram igualmente evidenciados a partir da análise de seis planos de
aula elaborados pelos licenciandos. Destaca-se, por exemplo, que foram elencados
32
procedimentos metodológicos como objetivos específicos e recursos didáticos, ou seja, uma
confusão do significado dos componentes de ensino do plano de aula.
No contexto desta análise, destacamos a pesquisa realizada por Richter (2013),
desenvolvida neste mesmo curso e instituição, que também abordou as dificuldades
enfrentadas por licenciandos na elaboração dos planos de aula durante o estágio
supervisionado. Entre seus apontamentos, o autor destaca que o exercício do planejamento
durante o estágio permite a superação do entendimento de plano de aula como um documento
meramente burocrático, e ressalta sua importância para a prática pedagógica.
Neste sentido, corroboramos com as ideias do autor e reforçamos que este exercício,
no âmbito dos estágios supervisionados, deve possibilitar o reconhecimento da importância do
planejamento, enquanto saber pedagógico, para o ofício docente e o rompimento com a
concepção errônea que o burocratiza e o coloca como algo desnecessário.
Tendo em vista que os conteúdos propostos às aulas de regência são selecionados
pelos professores supervisores e dão sequência aos temas em desenvolvimento na turma, os
professores estagiários são desafiados ao propor aulas dinâmicas e inovadoras que colaborem
e intervenham no processo formativo dos alunos da escola. Desta forma, dominar os saberes
específicos da ciência geográfica e o conhecimento didático destes é fundamental nesta etapa
do estágio. Acerca deste domínio, ressaltamos os relatos de dois dos licenciandos
entrevistados:
[...] analisei o livro didático referente ao conteúdo que eu ia dar, eu achei uma
abordagem muito superficial e muito pobre em conhecimento para aplicá-lo em
duas aulas. [...] os textos acadêmicos trazem esse conteúdo em uma linguagem que é
complexa e que não caberia no contexto escolar, [...] então me baseei mais na
internet, claro que eu filtrei o que encontrava, até mesmo, porque nem tudo na
internet você pode confiar 100%, e tive também um auxílio de um texto de uma
disciplina chamada geografia da indústria (Entrevista III, grifo nosso).
O licenciando entrevistado questiona a abordagem superficial dos conteúdos propostos
para as aulas de regência nos livros didáticos, ao passo em que estes são tratados de forma
complexa nos textos acadêmicos. Ainda de acordo com o licenciando, o domínio do
conhecimento deu-se em virtude de seu preparo, a partir da pesquisa. Outro licenciando
entrevistado questionou a quantidade de conteúdos propostos para a aula e afirma ter tido
dificuldades na obtenção de referenciais para trabalhá-los:
Do ponto de vista dos saberes específicos e conhecimento da matéria do
conhecimento didático, tive dificuldade, porque eram muitos conteúdos, eram vinte
e sete conteúdos, nos quais selecionei alguns para fazer as perguntas dos jogos. Mas
a principal dificuldade foi conseguir referencias para poder trabalhar eles (Entrevista
II).
33
Constata-se, a partir da análise destes relatos, que os licenciandos atribuíram a
ausência deste domínio conceitual-metodológico, principalmente, relacionado ao
distanciamento entre a Geografia acadêmica trabalhada na universidade e a Geografia escolar,
tal como apontado em pesquisas anteriores (RICHTER, 2013), e à amplitude dos temas que
foram selecionados para as aulas, os quais foram apresentados de forma geral.
Neste mesmo contexto, destacamos a motivação dos licenciandos pelo conhecimento,
uma vez que, ao reconhecerem tais limitações, buscaram em outras fontes a construção destes
saberes, dentre as quais, destacaram os textos estudados nas disciplinas, os livros didáticos
adotados pelas escolas campo, web sites, livros publicados por seus professores e por autores
clássicos da Geografia. Esta atitude de busca pelo conhecimento caracteriza a importância da
prática da pesquisa no oficio do professor (LIBÂNEO, 2011).
Outro destaque importante está relacionado ao domínio dos conhecimentos didáticos
destes conteúdos, bem como exposto nos relatos a seguir:
No conhecimento didático, eu acabei me perdendo um pouco, não consegui
compreender muito, eu não sei o método que utilizei, eu sei que algumas partes eu
utilizei tempestade mental, porque por mais que os alunos não lembravam, eu tentei
jogar algumas coisas e eles também para vê se eles relembravam alguma coisa do
conteúdo, eles conseguiram lembrar. [...] tentei trazer o conteúdo para o cotidiano
dos alunos e usar o conhecimento que eles já tinham (Entrevista II, grifo nosso).
Este relato da licencianda entrevistada nos coloca diante de um componente
importante no planejamento escolar e na prática pedagógica: os métodos de ensino. Estes, de
acordo com Libâneo (1996), são determinados pela relação estabelecida entre os objetivos e
os conteúdos, e correspondem ao caminho trilhado pelo professor para atingir tais objetivos,
sendo classificados pelo autor em: exposição pelo professor, trabalho independente,
elaboração conjunta, trabalho de grupo e tarefas especiais.
A tempestade mental, brainstorm, utilizada pela licencianda, por sua vez, está ligada
ao método de trabalho de grupo e corresponde a um dos procedimentos, também
denominados de estratégias de ensinagem (ANASTASIOU; ALVES, 2003), que podem ser
utilizados pelo professor para desenvolver determinadas operações mentais de seus alunos
durante a aula, a exemplo da observação, comparação, interpretação e crítica.
Outro destaque importante na resposta da licencianda, diz respeito à preocupação com
o cotidiano e com os conhecimentos prévios dos alunos durante suas aulas. Ainda com relação
ao domínio dos saberes pedagógicos um dos licenciandos afirma:
Na primeira aula eu senti que os alunos não se interessaram tanto, até porque muitos
já tinham conhecimento ou porque o conteúdo em si não era muito interessante, eu
tentei fazer uma mediação com eles, tentei abrir espaço para aula, mas poucos
34
alunos participaram. No entanto, na segunda aula, eu já senti uma diferença enorme,
porque como a aula retratava os tipos de meios de transporte, onde é um conteúdo
que você trabalha bastante o cotidiano dos alunos, foi uma aula muito produtiva,
pois muitos participaram e o debate foi tão rico e interessante (Entrevista III, grifo
nosso).
Para a análise deste relato é fundamental assinalar o conceito grifado: mediação. Este,
de acordo com Libâneo (2011), refere-se à relação dialética entre o ensino e a aprendizagem
que, por sua vez, distingue-se entre mediação cognitiva (que liga o aluno ao objeto de
conhecimento), e mediação didática (o trabalho do professor sobre o objeto de
conhecimento). Verifica-se, a partir da análise deste fragmento, uma apropriação vaga deste
por parte do licenciando, o qual este foi esvaziado de sentido.
Ao passo em que os licenciandos afirmam ter tido dificuldades com relação ao
domínio dos conhecimentos pedagógicos da matéria, discorrem sobre o desenvolvimento de
suas aulas. Asseguram ter utilizado da contextualização e considerado a interação entre os
sujeitos, o cotidiano e a realidade vivida pelos alunos na abordagem dos conteúdos. Sendo
assim, acreditamos que os licenciandos não reconheceram tais ações/atitudes enquanto
conhecimentos pedagógicos. Possivelmente, este termo não esteja suficientemente esclarecido
para os licenciandos.
Ainda no intuito de investigar a elaboração dos saberes docentes, durante os estágios
supervisionados, especificadamente, o reconhecimento desta pelos licenciandos integrou à
entrevista a seguinte questão: De que forma o Estágio Supervisionado em Geografia II
contribuiu com o processo de elaboração de seus saberes docentes (disciplinares,
pedagógicos, experienciais, curriculares e da cultura profissional)? Dentre as respostas
obtidas destacamos duas:
Do ponto de vista curricular, esse conhecimento veio através também de alguns
documentos que eu analisei, enquanto elaborava o plano de aula, como por exemplo,
o currículo referência do Estado de Goiás e também olhando algumas análises de
livro didático que tange o conteúdo de cartografia (Entrevista I).
Os licenciandos necessitaram mobilizar saberes curriculares e pedagógicos utilizados
na fase do planejamento, no qual tiveram que buscar, no anseio das diretrizes curriculares, as
informações acerca da organização dos temas e conteúdos e a seleção dos métodos de ensino
(LIBÂNEO, 1996), a serem desenvolvidas em sala de aula durante a regência. O licenciando
em questão, especificamente, buscou esta referência no currículo da rede estadual de ensino16
:
16 GOIÁS. Secretaria de Estado da Educação. Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás.
Goiânia, 2012.
35
Sobre saberes experienciais, eu mudei o meu olhar e parei de pensar simplesmente
eu como aluna, como o grupo deve conhecer tal conteúdo e tal unidade, como eles
deveriam aprender sobre isso e como eu gostaria de ter aprendido também, o que é
importante. [...] então eu peguei a referência de vários outros professores que tive,
por exemplo, a Juliana, pelo meu professor do ensino médio (muito me inspiro nele),
pelo Tadeu também para segurar a turma (Entrevista II, grifo nosso).
Destacamos, a partir da análise deste trecho e das intervenções dos licenciandos
durante as aulas (PROTOCOLO DE REGISTRO 08), que estes extraíram dos saberes
experienciais, formados a partir das observações em campo e de suas experiências anteriores,
aos formatos de condução do processo educativo e do manejo da turma. Em ambas as
respostas analisadas, os licenciandos espelharam-se em exemplos de práticas dos chamados
bons professores com os quais tiveram contato, tanto na educação básica quanto na
universidade.
As respostas dos licenciandos, de modo geral, abarcaram a classificação de saberes
docentes apresentadas. Entendendo que estes saberes são temporais, plurais e compostos
(TARDIF, 2011), salientamos a importância dos estágios em sua elaboração, uma vez que
colocam os licenciandos diante de espaços (escolas de Educação Básica), situações (contato
com professores experientes e com os alunos), discussões (organização curricular, político
pedagógica e organizacional), e atividades (observações, planejamento e regência) que as
propiciam.
Uma vez que os saberes docentes são produzidos e legitimados pela prática
pedagógica (TARDIF, 2011), corroboramos com Santos (2008) e reafirmamos que os estágios
são espaços propícios a sua elaboração por configurar, em muitos casos, como a única
oportunidade de contato direto do licenciando com o campo de atuação e com as atividades
docentes durante a formação.
Por fim, o destaque para a prática reflexiva desenvolvida no âmbito dos estágios, tida
como um importante eixo formativo (PIMENTA, 2002; NÓVOA, 2007) dos futuros
professores de Geografia, propondo que todas as atividades desenvolvidas sejam objeto de
análise, trocas e reflexões individuais (por meio da redação dos relatórios) e coletivas durante
as reuniões da turma.
A este respeito, os licenciandos entrevistados destacaram em seus relatos diversas
contribuições da práxis17
nas atividades desenvolvidas no âmbito do estágio, sobretudo, nas
atividades de planejamento e regência das aulas. Tais apontamentos são apresentados de
forma sintética na figura 01:
17
Segundo Moacir Gadotti (2004), “Práxis significa ação transformadora, ela considera o homem um ser criador,
que se transforma na medida em que transforma o mundo”.
36
Figura 01 – Contribuições da prática reflexiva às atividades docentes no Estágio
Supervisionado.
Fonte: Entrevistas (2016). Organizado por LIMA NETO, J. C. (2016).
Estes destaques dos licenciandos relacionam-se com as proposições defendidas
(ZEICHNER, 1993; 2008; DARSIE; CARVALHO, 1996; PIMENTA, 2002) e reforçam a
importância da prática reflexiva contínua. Em seus relatos durante as entrevistas a destacaram
como componente formativo nos estágios. Nestes, evidenciaram que a prática reflexiva
permeou todas as atividades desenvolvidas no âmbito deste estágio, destacando-as no
processo de planejamento e as ações pedagógicas durante a regência. Ressalta-se que a
reflexão se deu na e sobre as práticas pedagógicas (PIMENTA, 2002) nas escolas campo e
possibilitou o aperfeiçoamento das mesmas e a formação pedagógica dos licenciandos.
Acreditamos que a prática reflexiva sobre suas ações e experiências possibilitou aos
licenciandos a tomada de consciência (DARSIE; CARVALHO, 1996) e a reelaboração de
seus saberes docentes, uma vez que atuaram como atores da sua prática docente. Destacamos,
neste contexto, que os licenciandos, a partir da reflexão, puderam reconstruir os
planejamentos, avaliar os resultados dos processos de ensino e aprendizagem, elaborar novos
conhecimentos, aperfeiçoar as práticas e assumir posturas críticas e autônomas sobre os rumos
do trabalho docente.
Ao longo dos estágios, os licenciandos são instigados a exercitar esta reflexão a partir
do confronto entre as experiências empíricas vivenciadas nas escolas campo e referenciais
teóricos e metodológicos que versam sobre temas relativos à atividade docente. Propõe-se que
esta prática esteja presente em todas as suas ações e que seja realizada de forma individual e
coletiva. Os estágios assumem, neste sentido, o papel de desenvolver nos licenciandos uma
atitude reflexiva, propiciando espaços e situações para que estas reflexões sejam realizadas.
Dentre estes, têm-se as rodas de conversa e trocas de experiências, as quais têm seus
resultados materializados nos relatórios críticos e reflexivos elaborados pelos licenciandos e,
37
ao final do Estágio Supervisionado II, culminam no Seminário de Estágio em Licenciatura em
Geografia. Bem como exposto anteriormente, esta prática deve ser contínua e permear não
apenas o processo de formação inicial, mas também todas as suas práticas como professores
na Educação Básica.
A reflexão é, neste sentido, uma prática formativa permanente (PIMENTA, 2002;
NÓVOA, 2007; ZEICHNER, 2008) no ofício docente. Acreditamos que a proposta de
desenvolver a práxis pedagógica sobre as atividades realizadas no âmbito dos estágios
possibilita a articulação entre a teoria e a prática pedagógica não apenas durante a formação
inicial, oferecendo aos licenciandos os subsídios para que estes a adotem como prática
cotidiana quando professores da Educação Básica.
Considerações Finais
Este texto apresentou dados referentes às atividades desenvolvidas no âmbito da
disciplina de Estágio Supervisionado em Geografia II do curso de licenciatura em Geografia
do IESA e almejou tecer reflexões acerca das contribuições destas atividades à formação dos
futuros professores de Geografia, com destaque à elaboração dos saberes docentes e ao
exercício da prática reflexiva.
A atuação do pesquisador como monitor voluntário das disciplinas no período da
investigação, tendo propiciado o contato direto deste com o objeto de estudos (pesquisa
participante), foi fundamental para a consistência de seus resultados e reflexões. Neste mesmo
contexto, destacamos que os sujeitos sociais da pesquisa, ao aderirem a sua proposta, atuaram
como atores e autores de seus resultados.
A adesão voluntária dos sujeitos à pesquisa foi, sem dúvida, imprescindível para o seu
desenvolvimento. Desta forma, cabe ressaltar que, em contra partida, buscou-se, a partir desta,
tecer reflexões que contribuam com o processo formativo de seus atores, sobretudo ao
analisar criticamente as atividades desenvolvidas no âmbito dos estágios e suas contribuições
à formação dos futuros professores de Geografia.
Bem como exposto no decorrer do texto, o período dos estágios formativo (os
estágios) configura como um importante espaço para a elaboração de saberes necessários à
docência (SANTOS, 2008), dentre os quais foram evidenciados, por meio da análise das
atividades desenvolvidas, os saberes do conteúdo, pedagógicos e curriculares.
O contato direto com o campo de atuação e com seus pares colabora com a
constituição da identidade profissional dos licenciandos, uma vez que possibilita o auto-
reconhecimento deste como parte de uma categoria profissional que é legitimada em virtude
38
da natureza de suas atividades, de seu espaço de atuação e do papel social que lhe é atribuído
e desenvolvido.
O desenvolvimento dos estágios foi permeado de diversas limitações e dificuldades
que estão relacionadas à articulação entre as instituições formadoras (escolas de educação
básica e universidade), ao distanciamento entre a formação específica na área científica e a
formação pedagógica e ao domínio dos conhecimentos específicos e dos saberes didáticos da
matéria, dentre outras já explicitadas.
No curso de licenciatura em Geografia do IESA estes são desenvolvidos em uma
perspectiva de formação teórico-prática, bem como é defendido por Pimenta e Lima (2004), e
viabilizam a articulação entre as bases teórico-metodológicas do curso, os dilemas e os
contextos do campo de atuação.
Destacamos ainda a prática reflexiva como um importante eixo formativo adotado
para os estágios supervisionados, que ocorreu continuamente sobre todas as atividades
desenvolvidas, de forma individual e coletiva. Neste contexto, cabe ressaltar os momentos de
diálogos e trocas de experiências entre os licenciandos, ocorridos em sala de aula e mediados
pela professora orientadora, os quais foram potencializadores desta práxis.
Referências Bibliográficas
ANASTASIOU, L. G. C; ALVES, L. P. Processos de Ensinagem na Universidade: pressupostos
para as estratégias em aula. Joinville: Editora UNIVILLE, 2003.
CALLAI, H. C.. A formação do professor de Geografia. Boletim Gaucho de Geografia, Porto
Alegre, vol. 00, n. 20, p. 38-41, dez, 1995.
CAÑETE, L. S. C.. O diário de bordo como instrumento de reflexão crítica do professor.
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40
PRÁTICA REFLEXIVA NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DOS CURSOS DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE GOIÁS (UEG)
Ana Paula de A. S. Magalhães
18
Dalva Eterna Gonçalves Rosa19
RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise das propostas contidas nos documentos oficiais que
tratam do Estágio Supervisionado (ES) dos cursos de licenciatura em Matemática da
Universidade Estadual de Goiás (UEG). Trata-se de um estudo bibliográfico com análise
documental e tem por objetivo investigar se a proposta de ES contempla uma prática reflexiva
na formação dos alunos. Esta análise foi fundamentada nas ideias de Schön, Zeichner, Nóvoa,
Gómez, Sacristán, Pimenta e Ghedin, sobre a reflexividade. O estudo salienta a importância
da compreensão do conceito e fundamentos da reflexão para elaborar propostas de ES que
abordem esta perspectiva. Ficou evidenciado que as propostas de ES dos cursos objeto desta
investigação convergem para uma reflexividade prática com nuances críticas. As ações
propostas para o desenvolvimento de uma prática reflexiva na formação de professores, no
contexto investigado ainda são tímidas e isoladas, pouco contribuindo para o terceiro nível de
reflexão.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores de matemática. Estágio Supervisionado.
Reflexão.
O Estágio Supervisionado é uma oportunidade que o futuro professor tem para entrar
em contato com seu campo de trabalho. Este se torna um componente essencial na formação
do estudante, que pode contribuir com o início da construção, reflexão, legitimação e
fortalecimento da identidade docente, bem como a formação do profissional crítico reflexivo.
É no contato direto com os alunos da educação básica, que o aprendizado irá acontecer
mediante aos conflitos cognitivos. Segundo Fiorentini; Nacarato e Pinto (1999), o saber
docente se constrói na própria “atividade profissional” sob a mediação de aportes teóricos
apropriados e da reflexão antes, durante e após a ação.
As pesquisas em educação têm apontado uma significativa valorização da abordagem
da prática com viés reflexivo para a produção do saber docente como superação da
racionalidade técnica, ainda presente, nos cursos de formação de professores. Segundo
Contreras (2002) esta ideia vem como uma forma de lidar com as situações imprevisíveis,
18
Universidade Estadual de Goiás. [email protected] 19
Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás. [email protected]
41
incertas, de dilemas e conflitos, para as quais as regras técnicas não são capazes de dar
respostas, pois estas requerem outras capacidades humanas, tais como a reflexão e a crítica.
No entanto, a apropriação generalizada da perspectiva da reflexão nas reformas
educacionais dos governos neoliberais transformou o conceito de professor reflexivo em uma
expressão da moda, à medida que o despiu de sua dimensão político-epistemológica. O que
temos presenciado atualmente é que o conceito “reflexão” vem sendo abordado de forma
equivocada, como slogan de ensino de qualidade, de forma acrítica, levando à banalização da
real perspectiva da reflexão. Na visão de Zeichner (1992, apud Pimenta, 2002), o que vem
ocorrendo é uma oferta de treinamento para que o professor se torne reflexivo. Nesta
perspectiva, a formação docente reflexiva tem contribuído pouco para o desenvolvimento real
dos professores, principalmente no que diz respeito a sua participação nas reformas
educacionais.
Tenho observado estes fatos em minha prática docente, na qual tive a oportunidade de
trabalhar com a Metodologia do Ensino de Matemática e o Estágio Supervisionado (ES), na
Universidade Estadual de Goiás (UEG). Meu objetivo era desenvolver um trabalho na
perspectiva da prática reflexiva, no entanto, constato hoje, que minhas ações pedagógicas se
reduziam a um fazer técnico. Mediante os problemas mencionados em relação ao uso
equivocado da concepção de prática reflexiva nos cursos de formação de professores, e,
principalmente em minha prática docente, me senti motivada a aprofundar estudos sobre o
assunto.
Para isso realizei um levantamento bibliográfico dos principais autores que discutiram
a perspectiva reflexiva na formação de professores a partir da década de 90. São eles: Donald
Shön (1997), que aborda a formação de profissionais reflexivos, Nóvoa (1992), Zeichner
(1993), Marcelo (1997), Gómez (1997), Pimena e Ghedin (2002), que tratam da formação
reflexiva de professores, Sacristán (1999), que discute sobre os níveis de reflexão e Giroux
(1997), que aborda a perspectiva reflexiva numa visão de professores como intelectuais.
Em relação à prática reflexiva no Estágio Supervisionado, destacam-se os trabalhos
de Alarcão (1996). Pesquisei, também, na revista Zetetiké (MELO, 2005 e 2008) sobre as
teses e dissertações no campo da educação matemática, defendidas no Brasil, no período de
1996 a 2008, não encontrando produção alguma sobre a prática reflexiva no Estágio
Supervisionado. Esse fato me fez constatar a pertinência de um estudo desta natureza, então,
busquei verificar se a proposta de ES dos cursos de licenciatura em Matemática da UEG
contempla a prática reflexiva na formação dos alunos.
42
IMPLICAÇÕES E IDÉIAS SOBRE A REFLEXÃO
As bases teóricas sobre o ensino reflexivo são lançadas a partir das ideias de John
Dewey (1959), que concebe o processo de reflexão como uma maneira de ser professor, de
encarar e responder aos problemas, não consistindo num conjunto de passos a ser seguidos
pelos professores.
A reflexão é um processo que se exige uma intencionalidade. É preciso ter vontade de
refletir sobre algo, não é somente se deparar com uma situação problemática, como pontua
Dewey (1959, p.25)
Para pensar verdadeiramente bem, cumpre-nos estar disposto a manter e
prolongar o estado de dúvida, que é o estímulo para uma investigação
perfeita, na qual nenhuma ideia se aceite, nenhuma crença se firme
positivamente, sem que lhes tenham descoberto as razões justificativas.
Nesta perspectiva o processo reflexivo inicia-se no enfrentamento de dificuldades que
a ação rotineira da aula não é suficiente para superá-las e que o mero conhecimento dos
métodos não basta. É preciso ter algumas atitudes que favoreçam a ação reflexiva, tais como:
espírito aberto, responsabilidade e entusiasmo. Ter o espírito aberto significa estarmos
receptíveis a várias opiniões ignorando as ideias pré-concebidas e assim admitir a
possibilidade de erro. Ser intelectualmente responsável é analisar as consequências de um
passo projetado e defender uma posição em relação a este passo. A dedicação corresponde ao
interesse e a disposição por determinado assunto. Na concepção de Dewey, essas atitudes,
juntamente com a formulação de questionamentos e o desenvolvimento de habilidades na
observação e análise constituem um professor reflexivo (Campos e Pessoa, 1998).
A concepção de Schön sobre a formação profissional é baseada na valorização da
prática como momento de construção de conhecimento, por meio da reflexão, análise e
problematização desta. Diante deste pressuposto, sua teoria se apóia em três ideias:
conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a reflexão na ação.
Para Schön (2000), a prática cotidiana se fundamenta em um conhecimento tácito,
implícito, do qual não temos controle específico. É um conhecimento que não precede a ação,
mas que está nela. A esse conhecimento ele denomina de conhecimento-na-ação, que vem
carregado de um saber escolar e também de saberes espontâneos, intuitivo, experimental que
podem ser descritos na tentativa de explicitar e simbolizar um tipo de inteligência.
A reflexão na ação é um processo tácito que ocorre quando refletimos durante a ação e
a reorientamos. Esta reflexão só acontece quando ficamos surpresos diante de situações
43
inesperadas, para as quais não encontramos respostas. Nesse momento há um posicionamento
crítico diante do problema.
A reflexão sobre a reflexão na ação acontece após o fato ocorrido, quando pensamos
no que aconteceu, no que observamos, no significado que demos aos fatos, ou seja, é quando
refletimos retrospectivamente sobre esses fatos, utilizando nosso conhecimento para descrevê-
los, analisá-los e avaliá-los, tendo em vista as ações futuras.
As ideias de Schön (2000) colocam o professor como centro da discussão, valorizando
o seu potencial de pesquisador, no entanto, para Zeichner e Liston (1993), a reflexão
defendida por ele, acontece num processo individualizado, cujas mudanças que conseguem
operar são imediatas, com enfoque reducionista, pois não considera o contexto institucional,
tendo em vista que ele não tem como objetivo em suas pesquisas encorajar um processo de
mudança social (Pimenta, 2002).
Nessa mesma linha de pensamento Ibernón (1994, apud, Perez 1999), Giroux (1997),
Smyth (1987, apud Amaral; Moreira; Ribeiro, 1996) defendem que a reflexão tenha uma
perspectiva crítica de transformação social e seja emancipatória, que se concentre na análise
das condições éticas e políticas da prática, as quais influenciam o modo de pensar dos
professores.
Assim entendida, a reflexão amplia o alcance da prática na medida em que os
professores percebem os efeitos e limites que as estruturas institucionais exercem sobre a
forma como analisam e pensam a própria prática, bem como o sentido social e político aos
quais obedecem.
Nesse sentido, a reflexão dos professores precisa ser sistemática e intencional. A
reflexão crítica não pode ser concebida como um processo de pensamento sem direção. Pelo
contrário, ela tem a intencionalidade de possibilitar um posicionamento diante dos problemas
e uma atuação, considerando-os como situações que estão além de nossas próprias intenções e
atuações pessoais.
Para Kemmis (1987, apud Contreras, 2002), refletir criticamente significa colocar-se
no contexto de uma ação, na história da situação, participar de uma atividade social e ter uma
determinada postura diante dos problemas.
A perspectiva crítica da reflexão, na concepção de Ibernón (1994, apud, Perez 1999)
aponta para outra forma de entender a relação teoria-prática, em que o professor transcende a
sala de aula, participando da construção das políticas educacionais em interação com os pares.
A fim de superar o tecnicismo do trabalho do professor Zeichner (1992, apud Pimenta,
2002) apresenta três direcionamentos que devem ser acionados conjuntamente: a) a prática
44
reflexiva deve centrar-se tanto no exercício profissional dos professores por eles mesmos,
quanto nas condições sociais em que esta ocorre; b) o reconhecimento pelos professores, de
que seus atos são políticos, direcionando-se para objetivos democráticos emancipatórios; d) a
prática reflexiva como prática social, só pode realizar em coletivos; e) a prática reflexiva deve
ser desenvolvida na perspectiva de levar à tona as teorias práticas do professor para análise
crítica e discussão, oportunizando, assim, a exposição de suas teorias práticas para si próprio e
para os colegas, de maneira que venha a perceber suas falhas e aprender com os outros.
Nessa mesma linha de raciocínio Smyth (1986 apud Contreras, 2002) e Kemmis
(1985, apud Contreras, 2002), também pactuam da idéia de que os professores, para favorecer
sua reflexão crítica, precisam participar de processos de colaboração a fim de que possam
analisar e questionar as estruturas institucionais em que trabalham.
Sacristán (1999), por sua vez, caracteriza o processo de reflexão em três níveis de
complexidade. Segundo o autor, a primeira manifestação da reflexibilidade é bastante
imediata, tem sua origem na experiência. É uma forma de admitir, refletir, dialogar com o
pensamento pessoal e compartilhado. O objetivo deste tipo de reflexão é explicitar e fazer
uma representação consciente das crenças para aceitá-las ou rejeitá-las, pensá-las
racionalmente, comunicá-las, entrelaçá-las umas às outras e formular hipóteses sobre seus
conteúdos.
O segundo nível de reflexão contribui para uma racionalidade mais depurada e
elaborada, que se situa na interação recíproca entre o conhecimento científico e o
conhecimento pessoal, o que não significa que todas as nossas ações possam ser submetidas
ao império da ciência. Na prática educativa, a ciência não intervém diretamente na realidade,
nem na ação das pessoas, mas na medida em que é transformada em um instrumento do
pensamento que diagnostica, desvenda e critica, torna-se uma ferramenta para reflexão
retrospectiva e prospectiva de ações educacionais (Sacristán 1999).
Pensar as características dos níveis anteriores de reflexão seria desenvolver uma
reflexão de terceiro nível, ou seja, pensar na epistemologia da ciência da educação, como diz
Sacristán (1999), “o pensador da educação é parte da educação e é preciso compreender que
papel desempenha”. Tendo em vista que a reflexibilidade modifica as relações do sujeito e o
objeto sobre o qual reflete, ou seja, que a ação da reflexão recria o objeto, então, entender o
que ocorre nos processos de configuração do pensamento sobre educação implica entrar na
análise de como incide a prática.
45
Compreendendo o percurso indicado pelos autores referenciados, resta o
questionamento inicial: a proposta de ES da UEG contempla uma prática reflexiva na
formação dos alunos?
METODOLOGIA
Com vistas a obter respostas para este questionamento me propus a realizar a presente
pesquisa na área de Educação Matemática, voltada para a formação de professores, tendo
como objeto o Estágio Supervisionado dos cursos de licenciatura em Matemática da UEG. A
UEG é uma Universidade multicampi, com 42 unidades disseminadas no Estado de Goiás.
Dentre estas unidades, 10 oferecem o curso de licenciatura em Matemática nos municípios de
Anápolis, Formosa, Goiás, Iporá, Jussara, Morrinhos, Porangatu, Posse, Quirinópolis e Santa
Helena de Goiás.
Para este estudo foi feita uma análise documental, a qual buscou identificar
informações factuais nos documentos dos quais constam a política de ES da UEG, as
propostas de estágio contempladas nos projetos pedagógicos dos cursos (PPC), de
Matemática, nos projetos específicos (PE) de ES de cada unidade e nos planos de curso (PC)
deste componente curricular.
O processo de busca dos documentos foi feito por e-mail e por telefone, mas não foi
possível recolher todos os documentos de todos os cursos, pois alguns não enviaram tudo o
que foi solicitado e outros não enviaram nada. Assim, participaram da pesquisa, somente os
cursos que enviaram pelo menos dois dos documentos solicitados, no caso, sete cursos.
A análise de conteúdo foi realizada com base nas concepções de Bardin (1977), que
considera esta atividade como uma forma de conhecer aquilo que está por trás das palavras
sobre as quais se debruça. Para análise dos dados foi realizada uma transcrição dos itens de
cada documento que continham informações relacionadas ao problema da pesquisa, essa
transcrição foi organizada em tabelas analíticas. Com as informações organizadas, foram
selecionadas as palavras e expressões mais significativas relacionadas ao conceito de reflexão.
Em seguida foi realizada uma leitura comparativa dos dados de um mesmo curso, depois o
cruzamento das informações entre todos os cursos.
46
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com base nas informações coletadas na política de regulamentação do estágio da
UEG, pude apreender que este documento faz menção à natureza articuladora do ensino,
pesquisa e extensão, objetivando a ação-reflexão-ação no que diz respeito ao conceito e
finalidade do ES, o que propicia ao graduando a construção do seu conhecimento. Nos
objetivos das atividades faz-se uma pequena referência a perspectiva crítica do estagiário.
Pude observar este tipo de ação no item que trata dos direitos e deveres do estagiário, o qual
propõe que ele participe do planejamento do estágio, sugerindo modificações. Essa ação é
uma forma de incentivar a atitude reflexiva do estudante, visto que o insere na tomada de
decisões a respeito dos processos educativos e formativos, como defende Ibernón (1994,
apud, Perez 1999).
Em relação ao estudo dos Projetos Pedagógicos verifica-se a preocupação em
desenvolver o pensamento reflexivo dos alunos, pois observa-se que o perfil almejado é o de
um profissional crítico-reflexivo. Os cursos têm como princípio norteador a formação para a
prática profissional do educador, procurando oferecer-lhe a oportunidade de aperfeiçoar sua
formação humana, social, política e cultural, como agente de transformação social. Essa
preocupação em promover uma formação ampla no sentido de desenvolver a consciência
crítica e promover a emancipação social, indica uma reflexão mais aprofundada ou uma
reflexão de terceiro nível como propõe Sacristán (1999).
Dos sete cursos pesquisados, dois não apresentaram o PPC, argumentando que esse
documento está em fase de elaboração. Dos cinco projetos de cursos analisados, todos
pontuaram que o ES é o momento de se promover a ação-reflexão. Três propõem uma
formação crítico-reflexiva, mas os fundamentos desta concepção não são contemplados nos
objetivos dos cursos nem nas habilidades e competências requeridas do graduando. Os
objetivos não explicitam a análise e avaliação da própria prática pelos estudantes, levando-os
a questionamentos mais amplos a fim de refletirem sobre a viabilidade e eficácia dos
resultados e ao posicionamento diante dos problemas. Nas habilidades e competências não
fica explícito o desenvolvimento das capacidades de analisar, observar, descrever, confrontar,
interpretar e avaliar, que são atitudes características da reflexividade. Em um deles, mesmo
defendendo a formação crítico-reflexiva, percebe-se uma preocupação em aplicar os
conhecimentos, evidenciando uma proposta técnica de formação, na qual a atividade do
professor é dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação de teorias e técnicas
47
científicas produzidas por outros pesquisadores (SCHÖN, 2000).
Em dois outros cursos, o PPC está totalmente voltado para a formação de um
profissional crítico-reflexivo, deixando transparecer um entendimento conceitual na medida
em que os itens do projeto estão bem articulados em relação à proposta do curso e apresenta
uma fundamentação teórica condizente com a perspectiva crítico-reflexiva.
Na comparação entre os PPCs de cada curso e o respectivo PE, observa-se que a
proposta de formação de um profissional reflexivo contemplada nos PPCs, não é destacada
nos PE de dois cursos analisados, deixando transparecer que no processo de elaboração do
PE, não se teve a preocupação de observar a proposta de ES descrita no PPC. Em dois outros
cursos, a proposta do PE apresenta coerencia com o a proposta de ES do PPC. Em um deles,
apesar de os objetivos proporem a formação reflexiva, as ações metodológicas descritas
parecem não favorecer ao estagiário uma reflexão crítica. O PE dos dois cursos que não
apresentaram o PPC não explicitou, nos objetivos a perspectiva de formação de um professor
reflexivo.
Dos PE, analisados apenas um apresentou uma proposta de estágio que se fundamenta
nos princípios da concepção crítico-reflexiva, pois tem como objetivo fazer do ES uma
oportunidade de investigação em que ocorra a reflexão coletiva sobre as ações realizadas
durante o Estágio; um momento de compartilhamento dos sucessos e angústias, a tomada de
consciência da situação vivida, o desenvolvimento de atitude argumentativa e pesquisadora.
Este foi o único projeto que apresentou coerência entre os princípios gerais do PE e as ações
metodológicas. A proposta deste curso faz várias referências à troca de experiências entre
professor regente, orientador de estágio e alunos, propõe a reflexão na ação e sobre a ação e
direciona para a pesquisa sobre a prática pedagógica, a qual deve ser constantemente
problematizada a partir do confronto reflexivo e crítico com a realidade da sala de aula.
Pontua, ainda, que a participação dos estagiários nas atividades da escola-campo tem como
intenção levá-los a compreender mais claramente as forças que atuam na escola, o efeito
destas sobre a realidade pedagógica e, principalmente, sobre o trabalho realizado pelos
docentes, fato este que condiz com a perspectiva crítica de reflexão defendida por Zeichner
(1993), Ibernón (1994, apud, Perez 1999), Giroux (1997), Smyth (1987, apud Amaral;
Moreira; Ribeiro, 1996).
Alguns cursos propõem o contato do aluno com os PCNs, outros promovem a auto-
avaliação, outros propõem a participação dos alunos em conselhos de classe, trabalho
coletivo, reuniões, ações estas que denotam a possibilidade de concretização de uma proposta
reflexiva, conforme vem sendo anunciado pelos dois cursos que mantiveram coerência em
48
relação a proposta dos três documentos analisados (PPC, PE e PC).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na coleta de dados encontrei muitas dificuldades no acesso aos documentos, pois a
Pró-Reitoria de Graduação não dispunha de arquivos com os projetos de curso, sendo
necessário recorrer aos coordenadores de curso, que tiveram alguma resistência para
disponibilizar os referidos projetos e os planos de curso. Tive que entrar em contato com os
coordenadores várias vezes, inclusive pessoalmente, esse contato facilitou o acesso as
informações.
Os documentos sobre ES dos cursos de Matemática da UEG propõem uma formação
que tenha em vista o desenvolvimento de um profissional crítico-reflexivo. As propostas
direcionam para o primeiro e segundo nível de reflexão (SACRISTÁN 1999), pois valorizam
o fazer e a reflexão sobre o que foi feito, ou seja uma reflexão do próprio ensino, uma
reflexão mais imediata. Não contemplam o nível crítico com uma práxis contextualizada, que
leva ao desenvolvimento de uma consciência crítica, com vista à transformação social, pois
não direcionam o aluno para uma análise das condições éticas e políticas da prática, para a
participação nos contextos sociais que afetam a atuação do professor, não incentivam a
participação do estagiário na criação do conhecimento pedagógico e na tomada de decisões.
Os cursos propõem uma formação crítico-reflexiva, mas ainda enfatizam a aplicação
de teorias, priorizam ações individualizadas, direcionam a reflexão a um fazer técnico. As
ações propostas para o desenvolvimento de uma prática reflexiva, ainda são tímidas e
isoladas, pouco contribuindo para o terceiro nível. Nesta perspectiva, percebe-se que não há
um claro entendimento do que seja a prática reflexiva, a formação crítico-reflexiva,
confirmando a crítica de vários autores de que esta concepção vem sendo abordada de forma
equivocada.
Compreendo que para se formar um profissional da educação matemática, com
autonomia intelectual, de modo a atender as novas demandas profissionais é necessário que a
formação tenha um caráter crítico-reflexivo. Assim, a reflexão deverá permear toda a
formação do professor, nos diferentes componentes curriculares com um suporte teórico que
fundamente suas reflexões e atitudes, tendo em vista sua participação e atuação nas tomadas
de decisões a respeito dos processos educativos. Estas reflexões devem ocorrer de forma
coletiva e não se limitarem às questões técnicas, mas levarem em conta o contexto social e
institucional no qual o ensino ocorre, ou seja, levar em conta o seu conteúdo político.
49
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51
OS SABERES DOCENTES E A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Ivana Alves Monnerat de Azevedo20
RESUMO
O presente texto tem como finalidade apresentar algumas reflexões teóricas acerca da
constituição dos saberes docentes e da prática pedagógica na educação infantil, a partir dos
estudos de Freire (1996); Saviani (1996), Tardif (2002); Pimenta (1999). Destaca as
proposições legais concernentes à prática docente nas escolas de educação básica,
especificamente na educação infantil permeada pela observância da integração entre os eixos
de aprendizagem e sua relevância como uma prática primordial para a formação e para a
atuação docente e que contribui para a edificação da integração entre a teoria e a prática
docente, concebendo o ensino e a prática docente, como atividades reflexivas.
Palavras-chave: Saberes Docentes. Educação Infantil Prática Pedagógica. Estágio Curricular
Supervisionado.
Justificativa
Atualmente muitas são as discussões em torno da questão da formação inicial do
professor, principalmente com os avanços dos conhecimentos, em especial, da ciência e da
tecnologia. Essas mudanças apontam para um futuro pleno de perspectiva, como também
coloca esses futuros docentes frente a frente com os conflitos, problemas e inovações do
mundo contemporâneo.
A prática docente consiste em um grande desafio, haja vista que esse trabalho é
complexo e exige a construção e a integração de saberes e de práticas que ultrapassem as
relações mantidas no interior da instituição formadora e da sala de aula – lócus de sua atuação
profissional.
Nesse sentido, é importante conhecer as implicações dos processos formativos da
docência na prática pedagógica na educação infantil, por meio das atividades de Estágio
20
Campus de Ciências Socioeconômicas e Humanas (CCSEH) – Universidade Estadual de Goiás (UEG). E-
mail: [email protected]
52
Curricular Supervisionado identificando quais saberes são mobilizados, como e em que
momentos são colocados em prática, haja vista que é por meio das práticas e das relações
pedagógicas que o professor manifesta os seus saberes, conforme as necessidades postas pela
realidade de sala de aula (TARDIF, 2002).
Objetivos
Identificar quais são os saberes docentes e de que forma são mobilizados durante a
formação docente e nas atividades de estágio na educação infantil.
Distinguir as implicações dos processos formativos da docência na prática pedagógica
na educação infantil durante o Estágio Curricular Supervisionado.
Correlacionar as características dos saberes e sua relação com a prática pedagógica na
educação infantil.
Metodologia
O estudo está alicerçado na pesquisa bibliográfica realizada por meio da busca de
informações e proposições teóricas alusivas aos conceitos, características dos saberes
docentes e a efetivação e influência desses nos processos de formação e atuação docente,
durante as atividades de Estágio Curricular Supervisionado do curso de Pedagogia.
Discussão Teórica
Os saberes docentes têm sido objeto de investigação por um grande número de
estudiosos nacionais e internacionais, dentre esses: Freire (1996); Lima (2001); Saviani
(1996), Tardif (1996, 2002) e Pimenta (2002). Esses autores se propõem uma reflexão acerca
da formação docente, a partir de um conjunto de saberes e de competências que permeiam a
prática educativa, na perspectiva de promoção da atuação profissional dos professores e que
incidem na reelaboração dos conhecimentos iniciais dos professores em confronto com sua
prática profissional.
Os saberes dos professores são plurais e heterogêneos, como afirma Tardif (2002),
considerando a relevância dos saberes oriundos da experiência. O autor distingue os saberes
que são adquiridos na prática da profissão (saberes da experiência ou experienciais) dos
saberes adquiridos no âmbito da formação de professores (saberes profissionais), afirmando
que:
Pode-se chamar de saberes profissionais o conjunto de saberes transmitidos
pelas instituições de formação de professores (escolas normais ou faculdades de
ciências da educação). O professor e o ensino constituem objetos de saber para
as ciências humanas e para as ciências da educação (TARDIF, 2002, p. 36).
53
Os saberes experienciais ou práticos são analisados e caracterizados pelo autor como
os saberes produzidos pelos professores com base no seu trabalho diário e no conhecimento
de seu meio. Tardif (2002) afirma ainda, que esses saberes se incorporam à experiência
individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades de „saber-fazer‟ e de „saber-ser‟.
Esses saberes que são construídos no exercício da prática docente construída por
„sujeitos reais‟ que estão em constante interação com o meio social e que caracterizam uma
profissão que fazem parte da identidade desse grupo, a qual deve ser construída coletivamente
com vista ao alcance de objetivos comuns.
Assim, a prática profissional não se refere apenas à aplicação de teorias elaboradas
fora dela, mas, em um espaço original e relativamente autônomo de aprendizagem e de
formação para os futuros professores (TARDIF, 2002).
Para Pimenta (2002), os saberes docentes consistem em aspectos que contribuem para
a constituição da identidade da profissão do professor a partir:
[...] da significação social da profissão; da revisão constante dos significados
sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas também da reafirmação das
praticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas
que resistem a inovações porque são concebidas de prenhes de saberes válidos
as necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da
análise sistemática das práticas a luz das teorias existentes, da construção de
novas teorias (p. 19).
A autora destaca, ainda, a importância de se analisar o professor em sua própria
formação, por meio dos processos de autoformação e de reelaboração dos saberes que são
construídos ao longo da formação inicial confrontados com a sua prática educativa cotidiana.
Nesse sentido, os saberes são constituídos reconstituídos pelos docentes, ao longo de
sua trajetória pessoal e formação profissional, haja vista que o acesso aos „saberes docentes‟ é
determinado, a partir da identificação dos motivos e das causas que edificam suas práticas, de
forma reflexiva e contextualizada.
Desse modo, as ações docentes carecem que sejam que sejam dirigidas à
desvinculação de uma formação/atuação profissional eminentemente técnica voltada para a
racionalidade instrumental, para se buscar um perfil profissional mais integralizado (teoria e
prática) por meio de uma compreensão ampla da ambiguidade, da complexidade e das
especificidades existentes.
No que tange à prática pedagógica na educação infantil efetivada pelos pedagogos
estagiários do curso de Pedagogia durante as atividades de Estágio Curricular Supervisionado
vislumbra propostas e ações que, ora direciona para a busca de informações que contribuam
54
ora para a ampliação dos conhecimentos teóricos, ora para a identificação da forma como
esses conhecimentos são edificados, ao longo da prática docente.
Segundo Lima (2001), a prática sempre esteve presente na formação do professor, seja
por meio da observação ou da participação em contextos escolares, pois,
A prática pela prática e o emprego de técnicas sem a devida reflexão pode
reforçar a ilusão de que há uma prática sem teoria. ... a prática deve ser
entendida como práxis, ou seja, deve ser uma atitude teórico-prática humana,
transformadora da realidade. (p.26).
Corroborando com a essa afirmativa, Tardif (2002) apresenta três concepções de
prática. A primeira, que considera a prática enquanto arte; a segunda, enquanto técnica e a
terceira concepção analisa a prática educativa como um processo de interação que privilegia o
desenvolvimento de uma consciência fortemente social, tendo como referência a afirmativa de
que os educadores não trabalham com „coisas e nem com objetos‟, mas com os seres humanos
dotados, também, de liberdade.
Pimenta e Lima (2004) asseveram que a universidade é por excelência o espaço
formativo da docência, e intensificam que não é simples formar para o exercício da docência
de qualidade, mas, destacam que nesse ambiente formativo (universidade) haja a interação
e/ou integralização com as escolas de educação básica – lócus de atuação desses profissionais.
Nesse sentido, as instituições formadoras necessitam realizar uma análise prévia das
necessidades de formação de professores, por meio de um levantamento de novas aptidões, de
novos papéis, de novas estratégias e de novas práticas que emergem para a utilização de um
conjunto de princípios e métodos orientadores que devem estar presentes na formação inicial
e nas atividades docentes (prática pedagógica) desses profissionais.
O envolvimento do estagiário com a escola de educação básica, conforme as
prerrogativas legais, vista como prática preponderante ao futuro educador e que, por sua vez é
oportunizado conhecer e vivenciar todas as atividades da escola - gestão, planejamento,
relação com a comunidade, etc., bem como retornar à comunidade o os saberes construídos na
universidade, contribuindo, significativamente, para uma maior interação da universidade e da
escola de educação básica.
De acordo com Pimenta e Lima (2004), o estágio é uma atividade prática e teórica
onde, em uma compreensão filosófica e sociológica, cuja ação é sempre aludida a objetivos,
finalidades e meios, implicando na consciência dos sujeitos para essas escolhas, supondo
certo saber e conhecimento.
55
De acordo com as Diretrizes Curriculares dos Cursos de graduação - Licenciaturas
regulamentadas pelos seus colegiados acadêmicos devem primar por ações que tem como
padrão de qualidade, o domínio teórico e prático de conteúdos imprescindíveis para o
exercício da profissão.
A obrigatoriedade do estágio curricular na formação profissional está definida na
LDBEN nº 9394/96 e nos atos normativos dali originados. A teoria e prática como
componentes essenciais à formação de professores estão destacadas no seu artigo 60, da
seguinte forma:
A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos
diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do
desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I - a associação entre
teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; ....
O artigo 82 da mesma Lei enfatiza que a finalidade do estágio supervisionado é
proporcionar a complementação do ensino e da aprendizagem a serem planejados, executados,
acompanhados e avaliados segundo os currículos, programas, calendários escolares, a fim de
se constituírem em instrumentos de integração, em termos de treinamento prático,
aperfeiçoamento técnico-cultural, científico e relacionamento humano.
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), em consonância com a LDBEN mantêm
a exigência da vinculação entre a prática escolar e a prática social do educando,
principalmente tratando-se do mundo do trabalho e encontra-se discutido no Parecer CNE/CP
27/2001 que estabelece que o estágio curricular supervisionado seja realizado em escolas de
educação básica deve ser vivenciado durante o curso de formação e com tempo suficiente
(CNE/CP 28/2001).
Essas conjecturas são pertinentes ao „novo‟ papel do curso de formação de
professores, porque se tratando de um curso para a educação básica devem ser concebido a
partir de competências teóricas e práticas acerca do processo de ensino aprendizagem,
cabendo à disciplina de Estágio Curricular Supervisionado consolidar a relação entre as
especificidades de discussão dos aspectos básicos dos conteúdos específicos de cada curso de
licenciatura e das teorias da aprendizagem aplicadas em forma de ensino, articuladas e
orientadas pelos princípios da relação teoria e prática (LIMA, 2002).
Segundo a Lei 11.788 de 25/09/2008, o estágio é definido como uma ação educativa
escolar supervisionada, desenvolvida no ambiente de trabalho visa a preparação para o
trabalho produtivo do acadêmico, proporcionando aprendizagem social, profissional e
cultural, por meio da sua participação em atividades de trabalho, vinculada à sua área de
formação acadêmico-profissional.
56
Os pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação, que instituíram as
Diretrizes Curriculares Nacionais para os diversos cursos de graduação, dentre esses, a
Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de Fevereiro de 2002, a organização de um curso de
graduação, por meio do seu Projeto Pedagógico, o qual deve abranger, necessariamente, a
concepção e a composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes
formas e as condições de realização.
Ao propor orientações para elaboração das Diretrizes Curriculares dos Cursos de
Graduação, o Conselho Nacional de Educação estabeleceu alguns princípios. Em relação ao
estágio o CNE, por meio do Parecer 67/2003 estabelece que as diretrizes precisam fortalecer
articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como
os estágios participação em atividades de extensão, as quais poderão ser incluídas como parte
da carga horária.
A Resolução CNE/CP nº 1/2006 que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o
curso de graduação em Pedagogia, Licenciatura, a configuração de um curso de Pedagogia
com base na docência traz um significativo avanço em relação à superação da dicotomia, ou
seja, entre os saberes e a prática pedagógica, predominante ao longo dos anos no Curso de
Pedagogia como reflexo da divisão técnica das tarefas e da fragmentação do trabalho
pedagógico.
Nessa ótica, o objetivo a ser alcançado durante o processo formativo consiste em
adquirir conhecimento da prática pedagógica e aplicá-los sobre a ação educativa. Assim, o
conhecimento se efetiva, por meio de sua aplicação na prática, para que a partir desse
processo possam ocorrer relações entre ambas, contribuindo para a construção de novos
conhecimentos e de novas práticas pedagógicas.
Essa forma de visualizar ou caracterizar a formação de professores representa uma
nova abordagem de ensino, mais autônoma e reflexiva, em oposição com as propostas
anteriores que acabavam por reduzir a profissão docente a um conjunto de competências e
técnicas rigidamente determinadas, fazendo com que a instituição formadora funcionasse
como um sistema fechado face ao meio circundante (NÓVOA, 1995).
Nessa perspectiva, a formação docente tem como cerne a dimensão teórica agregada à
dimensão prática de maneira indissociável e simultânea, com a finalidade de promover
vínculos entre o „pensar e o fazer‟, consistindo em uma prática de ensino, em que as teorias
vistas no decorrer do curso de licenciatura serão confrontadas e assimiladas continuamente.
No que se refere à prática pedagógica na educação infantil do curso de Pedagogia
cabe ressaltar que, ao trabalhar com as crianças, o professor utiliza um elenco de
57
conhecimentos internalizados no seu curso de formação - saberes da Didática, da Psicologia,
da Sociologia e da sua experiência no Estágio Curricular Supervisionado.
Há, também, os saberes experienciais - saberes da prática, que o professor edifica, a
partir da vivência na dinâmica nesse nível de ensino, quando se depara com as problemáticas
ali existentes.
Esses saberes são relevantes e compõem, na maioria das vezes, o saber do professor de
Educação Infantil. Para tanto, ele precisa conhecer como se efetiva o processo de
desenvolvimento infantil, como também, a forma de organização do espaço e do tempo (a
rotina) que influencia nas atividades desenvolvidas - atividades lúdicas, educativas, de
higiene, sono, alimentação, integrando os processos de cuidar e ensinar, de forma garantir a
aprendizagem das crianças.
Nas atividades da educação infantil, a linguagem, como primeira expressão da criança
é propulsora das relações interpessoais, devendo ser trabalhada e valorizada, continuamente,
haja vista que consiste em uma prática essencial para o desenvolvimento do aprendizado da
criança. Dessa forma:
É importante criar – e garantir – na rotina do grupo, situações em que as
crianças e a sua professora ou o adulto responsável pelo grupo leiam e
escrevam, explorando as relações entre a utilização da linguagem (oral e escrita)
com a organização do mundo em que vivem (FILHO, 2001, p.143).
A linguagem matemática e os conhecimentos básicos relativos à natureza e à
sociedade, à noção de espaço, também, são eixos imprescindíveis para o processo de
aprendizado das crianças. Assim cabe ao professor subsidiar a apreensão desses
conhecimentos de forma lúdica e interativa, a partir da socialização dos conhecimentos
prévios das crianças àqueles construídos na rotina diária nos centros de educação infantil.
As artes, o teatro, a música, a dança, o desenho são também, eixos de aprendizagem
que contribuem para que criança aprenda a explorar o mundo à sua volta e que contribuem,
marcadamente, o desenvolvimento de sua criatividade.
Barboza (1994, p. 67) destaca que:
O professor tem como papel principal, ser o mediador entre a criança e o objeto
do seu conhecimento. A ele cabe a tarefa de lançar a pergunta à qual a criança
ainda não foi exposta; instigar sua curiosidade das mais diferentes maneiras;
definir uma ação pedagógica que vá ao encontro de seu desenvolvimento.
Nessa perspectiva, os saberes que intensificam a prática pedagógica do professor na
educação infantil estão direcionados à reflexão sobre a concepção de infância, de integração
curricular e o vínculo dos conhecimentos à prática social circundante, visando à mediação do
processo ensino aprendizagem integrada e interativa.
58
Resultados
Do exposto pode-se afirmar que os saberes docentes e a prática pedagógica na
educação infantil devem ter como cerne a dimensão teórica agregada à dimensão prática de
maneira indissociável e simultânea, com a finalidade de promover vínculos entre o pensar e o
fazer docente, consistindo em uma prática de ensino, em que as teorias vistas no decorrer do
curso de licenciatura são confrontadas e assimiladas continuamente.
Nesse sentido, a universidade tem como papel fundamental nesses processos, com
vista à preparação dos alunos para se tornarem professores, englobando as disciplinas práticas
e teóricas que devem fundamentar a atuação na sala de aula, permitindo uma maior
aproximação entre o professor em formação com a prática profissional - Estágio Curricular
Supervisionado, por meio da aquisição de um „saber fazer e de um saber julgar' vinculados às
ações didáticas desenvolvidas no cotidiano profissional (FREIRE, 1996).
Assim, a prática pedagógica realizada na educação infantil se constitui em ato
educativo desenvolvido no ambiente de trabalho educação infantil passa ser considerada uma
atividade, simultaneamente, teórica e prática que vislumbra, pois, a integração entre os
saberes docentes e a prática pedagógica podendo ser concretizados, de forma significativa,
durante as atividades de Estágio Curricular Supervisionado.
Referências
BARBOZA, Laura Moreira. Reflexões sobre a prática. Série Idéias, n. 2. São Paulo: FDE,
1994.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9. 394, de 20 de dezembro de
1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivo. Acesso em: 13. abril.2016.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE nº 009/2000. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
delicenciatura de graduação plena. Brasília. CNE, 2000.
BRASIL. Parecer CNE/CP 28/2001. Diário Oficial da União de 18/1/2002, Seção 1, p. 31.
_______. Resolução CNE/CP 1/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002.
Seção 1, p. 31.
_______. Parecer 67/2003 CNE/CES. Diário Oficial da União, Brasília. 31de março de 2003.
Seção 1, p.26.
59
_______. Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006,
Seção 1, p. 11.
_______. Lei 11. 788. Diário Oficial da União. Brasília. 26 de setembro de 2008.
FILHO, G. de A. J. CRAIDY, C. M. ; KAERCHER, G.E. P.da S. Educação Infantil: pra que
te quero? Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
FREIRE, Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessários à Prática Docente. 19. ed. Paz e
Terra, São Paulo, 1996.
LIMA, Maria Socorro Lucena. A hora da prática: reflexões sobre o estágio supervisionado e
ação docente. 2. ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.
NÓVOA, Antonio (Org). Vidas de professores. 2. Porto: ed. Porto, 1995.
PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2004.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
60
PROFESSORES FORMADORES DO CURSO DE PEDAGOGIA:
FORMAÇÃO, CONCEPÇÕES, PRÁTICAS E O ENSINO DE
MATEMÁTICA
Ana Cristina Gomes de Jesus21
Dalva Eterna Gonçalves Rosa22
RESUMO
Este trabalho é resultado de uma pesquisa desenvolvida no programa do Mestrado em
Educação em Ciências em Matemática da UFG, realizada entre 2012 -2015 e teve como
proposta analisar as concepções e a prática de ensino do professor formador de disciplina da
área de Matemática do curso de Pedagogia. A abordagem metodológica desta pesquisa é de
cunho qualitativo, fazendo uso do método de Estudo de caso, com múltiplos casos. Na
primeira fase foi feita uma pesquisa documental para levantamentos de dados e na segunda
fase a observação da prática docente de duas professoras formadoras de duas Universidades
do estado de Goiás. Utilizamos como instrumento de coleta de dados o diário de campo e
realizamos uma entrevista semiestruturada com as participantes da pesquisa. Investigou-se os
possíveis reflexos das respectivas trajetórias formativas e de suas concepções acerca da
Matemática e do seu ensino na atuação docente Para caracterizar e analisar os dados,
tomamos como aporte teórico a Análise de Discurso da linha francesa e autores como Curi,
Vasconcelos, Tardif, Mizukami, Orlandi, Coracini, Pimenta, Anastasiou, Yin, dentre outros
contribuem para a estruturação deste trabalho. Os resultados indicam que os saberes docentes
construídos ao longo da trajetória formativa das docentes, assim como as marcas deixadas por
seus ex-professores influenciam a prática pedagógica. As concepções e saberes apresentados
por elas acerca da Matemática e de seu ensino apresentam uma multiplicidade de olhares e
conversam com a prática pedagógica.
Palavras-chave: Professor. Formador. Licenciatura. Matemática. Pedagogia.
1. Quando tudo começou...
Há muito tempo, a dificuldade de aprendizagem e aceitação da disciplina de
Matemática pelos alunos da educação básica tem me incomodado e sempre busco, durante
minha atuação docente, fazer reflexões e discutir com meus alunos sobre essa problemática.
Frequentemente ouço dos meus alunos do ensino básico muitas lamúrias: “não gosto
de matemática; não entendo matemática”... Esses sentimentos de negação e impotência
fortemente arraigados são difíceis de desconstruir. Procuro, com falas e atitudes, mostrar que
21
Universidade Federal de Goiás – UFG [email protected]
22 Universidade Federal de Goiás - UFG [email protected]
61
a matemática é importante no cotidiano, que ela pode ser divertida e principalmente
entendível por qualquer um que esteja aberto ao aprendizado.
Os alunos, em geral, internalizaram a ideia de que precisam ser “gênios” para
entender matemática e em muitos casos reclamam do método utilizado por seus ex-
professores de matemática, da distância entre a fala do professor e a sua respectiva
compreensão.
Alguns alunos dizem que foram ótimos em matemática quando crianças e que depois
que começaram o ensino fundamental tudo mudou. Então, comecei a refletir sobre o que
poderia estar acontecendo nessa mudança de fase do ensino, que a matemática de “mocinha”
se converte em “vilã” da história. Assim me veio à questão: o que de tão grave pode acontecer
com a aprendizagem da matemática na passagem de uma fase de ensino para o outra?
Tive a oportunidade de lecionar para o curso de Licenciatura em Pedagogia de uma
Universidade privada e, para minha surpresa, deparei mais uma vez com a mesma situação:
uma rejeição de quase 100% da turma em relação à disciplina da área de matemática, a qual
eu ensinaria. Os questionamentos seguiram imediatamente: “por que tenho que aprender
matemática? Não gosto de matemática! Escolhi esse curso porque achei que não tinha que
estudar matemática”.
Diante de mais um contexto de negação dessa disciplina fiquei preocupada, pois, em
tese, seriam futuros professores de matemática das séries iniciais e com uma aversão
declarada à disciplina de matemática. Nesse sentido, pensei: Qual seria o reflexo no ensino e
aprendizado de matemática dos alunos da educação básica, tendo estes licenciandos como
professores de Matemática, futuros profissionais que repudiam tal disciplina? Quais seriam as
implicações dessa rejeição ao conteúdo de matemática na sua atuação como docente de
matemática das séries iniciais?
Instigada por estes questionamentos me propus a investigar a formação matemática do
pedagogo, mais especificamente a formação dos professores formadores da área de
Matemática do curso de Licenciatura em Pedagogia.
2. Como chegamos ao problema de pesquisa...
Mediante às problemáticas já detectadas em pesquisas e da minha própria experiência
profissional na formação dos futuros professores de matemática das séries iniciais no curso de
Pedagogia, resolvemos refletir sobre o papel do professor formador.
Pensando sobre esse viés, nossa pesquisa teve como foco analisar a prática pedagógica
do professor das disciplinas da área de Matemática no curso de Pedagogia.
62
Concordamos com Roseira (2010, p.70), quando afirma
É ilusório pensar que a educação é um processo apolítico, neutro e imune às
influências que emergem do pensamento e das ações dos sujeitos e do contexto em
que vivem. O processo educativo ocorre como resultado das relações entre os
indivíduos – quer seja no âmbito da família–, da escola ou sociedade em geral, os
quais são movidos por ideias, crenças, concepções, conceitos e representações e,
sendo assim, sujeitos às influências ideológicas.
Nesse sentido para compreender a prática pedagógica do professor formador se faz
necessário perceber o professor como um todo, perpassando pela necessidade de estudar a sua
formação global: sócio, histórica, política e cultural. Esse movimento pode ser entendido por
meio de sua trajetória formativa, e conhecê-la pode possibilitar desvelar suas concepções.
Jesus (2015, p.21) afirma que
Para discutir a respeito da trajetória formativa do professor é necessário se enveredar
por sua história de vida, pois é fundamental entender como se deu a sua formação
sócio-histórica e cultural. É necessário compreender as suas concepções, construídas
ao longo do percurso, que influenciam diretamente a sua prática pedagógica, uma
vez que, como sabemos, a formação acadêmica é somente uma das partes dos
saberes docentes, a outra, por sua vez, se constitui por meio da sua vivencia,
realizada tanto no âmbito familiar, como escolar e social.
Assim a trajetória formativa do professor traz informações fundamentais para desvelar
os saberes a as concepçoes docentes. Concordamos com Tardif(2008) que define e comprende
os saberes docentes pela constituição dos saberes pré-profissionais(Saberes pessoais dos
professores , Saberes provenientes da formação escolar anterior) e profissionais(Saberes
provenientes da formação profissional para o magisterio, Saberes provenientes dos programas
e livros didáticos usados no trabalho, Saberes provenientes de sua própria experiência na
profissão, na sala de aula e na escola ) no decorrer de sua trajetória formativa.
Em meio a essas reflexões nos deparamos como o seguinte problema de pesquisa: Em
que medida as concepções dos professores formadores, sobre a Matemática, o seu ensino e
sua trajetória formativa interferem na sua prática pedagógica?
3. Objetivo geral da pesquisa
A pesquisa em foco teve como objetivo analisar a prática pedagógica de duas
professoras da área de Matemática, do curso de Licenciatura em Pedagogia em duas
Universidades do Estado de Goiás, com vistas à compreender os reflexos das concepções e da
formação dos professores formadores na sua prática docente no ensino de Matemática.
63
4. Objetivos específicos
analisar, por meio da observação, a prática pedagógica do professor formador;
evidenciar as concepções do professor formador em relação ao conhecimento
de Matemática e em relação ao ensino da Matemática no curso de Pedagogia;
4. Caminhos metodológicos
A abordagem metodológica desta pesquisa é de cunho qualitativo, pois “envolve a
obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação
estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva
dos participantes” (BOGDAN E BIKLEN, 1982 apud LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.13). Sendo
assim, por meio da observação, buscamos apreender a prática docente e as perspectivas dos
atores envolvidos no processo formativo.
Como método de pesquisa fizemos uso do Estudo de Caso do tipo Casos múltiplos.
“Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga o fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o
contexto não estão claramente definidos.” (YIN, 2001, p.32). O estudo caso nos permitiu estar
mais próximos dos sujeitos da pesquisa.
Buscamos apreender a prática docente e as perspectivas dos atores envolvidos no
processo formativo, para tal fizemos o registro da prática de ensino dos docentes por meio da
observação. Como a pesquisa analisou a prática do professor formador acreditamos que a
observação seria um instrumento adequado aos nossos objetivos, pois ela oportuniza ao
pesquisador vivenciar a práxis, uma vez que está permeado por ela.
O nosso trabalho pautou-se no estudo de dois casos, sendo que os participantes foram
duas professoras formadoras do curso de pedagogia que ministraram disciplinas da área de
Matemática. Uma professora de uma Universidade pública e outra da uma Universidade
privada. A pesquisa foi dividida em duas fases: na primeira fase foi realizada uma pesquisa
documental, “a característica da pesquisa documental é que a fonte de coleta de dados está
restrita a documentos, escritos ou não, [...].” ( MARCONI e LAKATOS, 2003. p. 174), nessa
perspectiva fizemos o levantamento de dados em fontes tais como, currículo dos professores
formadores, ementas e planos de ensino da disciplina e na segunda fase foram realizadas as
observações das aulas e as entrevistas semiestruturadas. Esse último instrumento de pesquisa
64
pode ser definido de acordo com Ludke e André (1986, p. 34), como um meio termo entre a
pesquisa estruturada e a não estruturada, “[...] que se desenrola a partir de um esquema básico,
porém não aplicado rigidamente, permitindo ao entrevistador faça as necessárias adaptações.”
abordamos a história de vida do professor, a trajetória formativa do professor universitário,
suas metodologias, a sua concepção sobre a Matemática e o ensino de Matemática.
Destaca-se que as observações foram realizadas nas duas universidades durante um
semestre letivo, período em que as componentes curriculares ocorreram, apesar de assumirem
nomenclaturas distintas, possuíam o mesmo ementário. As observações foram realizadas com
o intuito de conhecer a prática pedagógica das professoras formadoras para relacioná-la com
as suas concepções e trajetória formativa. Durante as mesmas foram realizadas os respectivos
registros, entendidos como notas de campo, “o relato escrito daquilo que o investigador ouve,
vê, experiência, e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados do estudo
qualitativo” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 150).
6. Referencial teórico
Para analisar o discurso e a prática dos professores formadores, utilizamos como
referencial teórico a Análise de discurso (AD) na perspectiva francesa. Essa perspectiva parte
do pressuposto de que todo discurso está imbuído por uma ideologia, na qual o sujeito está
condicionado a fazer determinado discurso amarrado por conjecturas históricas culturais
(MUSSALIM, 2003). Segundo Orlandi (2005, p.275) “O sentido está sempre no viés. Ou
seja, para se compreender um discurso é importante se perguntar: o que ele não está querendo
dizer ao dizer isto? Ou: o que ele não está falando disso?”.
Assim, faz-se necessário analisar o que o discurso disse e que não está explicito na
discursivação, ou seja, analisar em que condições foi produzido esse discurso, quais foram os
processos constitutivos da sua formação.
Lembramos que o analista da AD não faz uma analise Total do Discurso, caso
recorresse nesse viés cairia no erro da arrogância da visão de uma verdade absoluta, da
tradição marxista, dos fundamentalistas, ou dos ortodoxos, pensar em uma verdade única.
Contudo, isso não implica que a analise seja falsa. Apenas é um dos possíveis olhares de
acordo com as pistas deixadas pelo sujeito. Assim o “[...] Trabalho do analista: observando as
condições de produção e verificando o funcionamento da memória, ele deve remeter o dizer a
uma formação discursiva (e não outra) para compreender o sentido do que ali está dito”.
(ORLANDI, 2005, p.45).
65
AD é de natureza especulativa, interpretativa e por meio dela buscaremos identificar e
construir pistas de uma hipótese a ser formulada de acordo com os dizeres do sujeito, para
depois então buscar inferências. No caso da nossa pesquisa teremos como apoio para analisar
o discurso das participantes, os referenciais teóricos que tratam da formação de professores:
CUNHA (2007; 2010); LDB (1996); MIZUKAMI (1986); TARDIF (2000); LIBÂNEO
(1994). E aqueles que discutem a Educação Matemática: BARALDI (1999); CURI (2004;
2005); COSTA, POLONI (2012); FIORENTINI, LORENZATO (2006); PONTE (1992);
ROSEIRA (2010); TOMPSON (1997); VILA, CALLEJO (2006); ZAPATA, BLANCO,
CAMACHO (2012). Analisar o discurso das formadoras tomando como base esses discursos.
Na AD entende-se que se estuda determinado objeto segundo determinado olhar, admitindo
que a linguagem não é transparente e que o analista jamais terá uma interpretação totalmente
imparcial.
Voltando nosso olhar para compreensão acerca a profissão docente Nóvoa (2007,
p. 10) afirma que
esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender
em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obriga a
opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de
ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar nossa maneira de ser.
Partindo dessa perspectiva analisamos os dados coletados, concebendo a formação
discursiva dos sujeitos como dispositivo de análise, admitindo que o discurso é composto pelo
interdiscurso e intradiscurso, onde o primeiro se realiza de acordo com a posição que ocupa o
sujeito e o segundo se dá pela memoria discursiva, ou seja, concepções adquiridas ao longo da
sua respectiva trajetória formativa, sendo que essas concepções nem sempre são claras para os
sujeitos.
A Análise do Discurso nos auxiliou a descobrir os diálogos existentes nas
entrelinhas do intradiscurso e do interdiscurso. Compreendendo as relações entre a trajetória
formativa, as concepções e as práticas pedagógicas das docentes participantes deste estudo.
7. Resultados/ Discussão
Compreendida a importância de se abarcar e conhecer a trajetória formativa das
participantes da pesquisa e estar inserido no contexto de sua prática pedagógica para análise
de sua práxis, respondemos o nosso problema de pesquisa, a saber: Em que medida as
66
concepções dos professores formadores, sobre a Matemática, o seu ensino e sua trajetória
formativa interferem na sua prática pedagógica?
Os dados coletados foram organizados e sistematizados em quatro eixos de análise: 1)
A trajetória formativa das professoras formadoras; 2) A prática pedagógica das professoras
formadoras no seu locus de trabalho; 3) Uma síntese das concepções das professoras
investigadas em relação à Matemática e ao seu ensino; 4) Os reflexos das concepções
sustentadas pelas professoras e de suas trajetórias formativas na prática pedagógica no curso
de Pedagogia.
No primeiro eixo fica destacado os saberes pré-profissionais e profissionais adquiridos
ao longo da historicidade das participantes. Algo que chama a atençao é antecipação na
aprendizagem dos modelos de comportamentos docentes.
No segundo eixo oportunizou analizar o contexto do desenvolvimento das aulas e sob
qual enfoque metodológico as professoras participantes se apoiavam. Com destaque especial a
diferença na prática pedagógica das duas participantes foi a ênfase dada aos fundamentos de
Matemática por uma das formadoras e à metodologia de ensino pela outra.
No terceiro eixo percebeu-se que as concepções sustentadas pelas formadoras em
relação à Matemática e ao seu ensino apresentam várias facetas em relação à posição que cada
sujeito ocupa frente às concepções construídas ao longo de suas respectivas trajetórias
formativas.
E no quarto eixo procurou-se relacionar o diálogo entre a trajetória formativa das
professoras formadoras, a concepção acerca da Matemática e do ensino de Matemática e a sua
prática pedagógica.
Os resultados indicam que os saberes docentes construídos ao longo da trajetória
formativa das docentes, assim como as marcas deixadas por seus ex-professores influenciam a
prática pedagógica. As concepções e saberes apresentados por elas acerca da Matemática e de
seu ensino apresentam uma multiplicidade de olhares e conversam com a prática pedagógica.
8. Algumas considerações
O olhar investigativo sobre o professor formador da disciplina da área de matemática
do curso de Licenciatura em Pedagogia pode contribuir para uma melhor qualificação do
professor de matemática das serieis iniciais do ensino básico, pois concordamos com Pimenta
e Anastasiou (2002, p. 71),
67
Em nosso entendimento, nos processos de formação de professores, é preciso
considerar a importância dos saberes das áreas de conhecimento (ninguém ensina o
que não sabe), dos saberes pedagógicos (pois o ensinar é uma prática educativa que
tem diferentes e diversas direções de sentido na formação do humano), dos saberes
didáticos (que tratam da articulação da teoria da educação e da teoria do ensino para
ensinar nas situações contextualizadas) dos saberes da experiência do sujeito
professor (que dizem do modo como nos apropriamos do ser professor em nossa
vida).
Consideramos, como as autoras citadas, que o professor é um profissional cuja
formação não deve limitar-se ao conteúdo, por isso há que se reconhecer a importância da
formação pedagógica e da sua práxis no seu desenvolvimento. A legislação educacional
brasileira exige a licenciatura plena para o professor do ensino básico, contudo é omissa
quanto à formação pedagógica do professor universitário. O artigo 66, da Lei de Diretrizes e
Bases (LDB), define que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em
nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado”. Sabe-se,
entretanto, que a pós-graduação tem como foco a pesquisa e não o ensino. Assim,
consideramos que a formação do professor formador tem uma lacuna.
Para melhor explicitar a nossa compreensão acerca da profissionalização do professor,
citamos Libâneo (1991, p.27),
A formação do professor abrange, pois, duas dimensões: a formação teórica-
cientifica, incluindo a formação acadêmica especifica nas disciplinas em que o
docente vai especializar-se e a formação pedagógica, que envolve os conhecimentos
de Filosofia, Sociologia, História da Educação e da própria Pedagogia que
contribuem para o esclarecimento do fenômeno educativo no contexto histórico-
social; a formação técnico-prática visando a preparação profissional específica para
a docência, incluindo a didática, as metodologias especificas das matérias, a
Psicologia da Educação e outras.
Com isso, justificamos a necessidade dessas discussões e esperamos contribuir para a
reflexão sobre a prática e a formação do professor universitário, mais especificamente, o
professor que leciona a disciplina da área de matemática do curso de Licenciatura em
Pedagogia. Esperamos, ainda, que este trabalho possa contribuir para impulsionar mudanças
nas políticas públicas de formação de docentes universitários.
Referências
BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. 22ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2010.
68
CUNHA, M. I. (org). Reflexões e práticas pedagógicas. Campinas, SP: Papirus, 2007.
CURI, E. Formação de professores polivalentes: uma análise dos conhecimentos para ensinar
matemática e das crenças e atitudes que interferem na constituição desses conhecimentos.
2004. Tese de Doutorado. PUC/SP. São Paulo.
CURI, E. A matemática e os professores dos anos iniciais. São Paulo: Musa Editora, 2005.
JESUS, A.C.G. Formação de Professores Formadores: Concepções e Práticas em Disciplinas
da Área de Matemática do Curso de Pedagogia. Dissertação( Mestrado em de Educação em
Ciências e Matemática. Universidade Federal de Goiás. 2015.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo:
Atlas, 2003.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991.
LUDKE, M; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas. São Paulo: EPU,
1986.
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: As abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.
ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas. SP: Pontes, 6ª
ed., 2005.
PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez,
2002.
ROSEIRA, N. A. Educação matemática e valores: das concepções dos professores à
construção da autonomia. Brasília: Liberlivro, 2010.
VILA, A.; CALLEJO, M. L. Matemática para aprender a pensar: o papel das crenças na
resolução de problemas. Tradução Ernani Rosa. –Porto Alegre: Artmed, 2006.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. -3.ed.-Porto
Alegre: Bookman, 2005.
FONTE DE FINANCIAMENTO
FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE GOIÁS (FAPEG).
69
O ESTÁGIO COMO COMPONENTE CURRICULAR NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES – UMA APROXIMAÇÃO AO SEU CONCEITO
José Carlos da Silveira Freire23
Francisca Maria da Silva Costa24
RESUMO
O trabalho discute o conceito de estágio no Projeto Pedagógico, do Curso de Pedagogia, da
Universidade Federal do Tocantins – Campus de Palmas. Assume o estágio como práxis
sócio-histórica e evidencia os limites e possibilidades deste quando toma a prática docente
como eixo articulador do estágio.
I - Introdução
O presente artigo visa problematizar o conceito de estágio e suas abordagens com
vistas à atualização do projeto de estágio da formação de professores, numa universidade
pública. A base empírica desta reflexão será a experiência vivenciada, na condição de
professores da disciplina Estágio dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, no Curso de
Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins – Campus de Palmas.
Discutir o estágio como componente curricular não é tarefa fácil, pois seu sentido e
significado dependem de como se compreende o papel que a prática educativa e a docência
cumprem no projeto formativo do curso. A dificuldade de formalização da prática educativa
apresenta-se como um dos problemas teóricos deste componente curricular-formativo. A esse
respeito Sacristan (1995) revela-nos os limites e possibilidades de racionalização da prática
educativa quando afirma que “à educação referem-se açções muito diversas, que influenciam
a prática didácta. /.../ a prática não se reduz às açções dos professores” (p.68). Ou seja, a
prática educativa é pouco permeável ao processo racionalizador presente em outras áreas de
conhecimento humano e social. Entretanto, é pouco defensável que para exercer a docência se
utilize somente a experiência ou a prática docente. Como em outras práticas sociais, a
educação não prescinde de argumentos ou marcos teóricos que fundamentem suas decisões.
Atualmente já dispomos de conhecimentos, validados na prática educativa, suficientes para
atuar com certa segurança no ofício de ensinar.
23 Mestre e Doutor em Educação UFG. Professor de Estágio Curso de Pedagogia – UFT. [email protected] 24 Mestre em Educação PUC-GO. Professora de Estágio Curso de Pedagogia – UFT. [email protected]
70
Dificuldade adicional do estágio como componente curricular é a própria estrutura da
formação acadêmico-profissional na universidade. Os currículos de formação acadêmica e
profissional reproduzem a separação entre atividades teóricas e atividades práticas no
conjunto dos componentes curriculares. As disciplinas de fundamentos da educação não
conseguem articular adequadamente os conceitos aí gerados com os problemas da prática
profissional docente. O mesmo acontece nos componentes curriculares do eixo didático-
pedagógico. A problemática do campo de atuação profissional, do trato com as práticas de
ensino e da iniciação à docência são desenvolvidas como se tivesse autonomia frente aos fins
sociopolíticos que a educação cumpre. Entretanto, percebe-se uma mudança de postura no
campo das práticas de ensino e estágio supervisionado, particularmente no que diz respeito às
modalidades de estágio e ao tratamento interdisciplinar dos componentes curriculares do
curso.
Nesta perspectiva, objetivamos evidenciar a concepção e lógica de funcionamento do
estágio curricular do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins – Campus de
Palmas. Para tanto, utilizaremos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica,
sobre o tema do estágio, e a pesquisa documental, centrada na análise do Projeto Pedagógico.
O artigo estrutura-se em três seções: a primeira discute o significado etimológico do estágio,
consagrado pelos dicionários em geral e, na legislação educacional da área: na segunda seção
abordam-se as principais concepções dos autores do campo de estágio, na terceira seção
busca-se demonstrar a concepção que orienta a lógica de funcionamento do estágio curricular
do Curso de Pedagogia da referida universidade, e, na última seção propõe-se alguns
indicativos para repensar o estágio no âmbito dos cursos de formação de professores na
universidade.
II - Aproximação ao conceito de estágio – etimologia e base legal.
Uma primeira aproximação ao conceito de estágio é o significado atribuído pelos
textos de referência geral como dicionários ou glossário. No dicionário Aurélio, (2000) o
termo estágio aparece com o significado de: “sm. 1. Aprendizado, tirocínio (de qualquer
profissional). 2. Etapa, fase” (p. 293). Embora um pouco mais elaborada essa definição se
aproxima da visão geral do estágio como momento da prática ou da aplicação prática do
conhecimento acadêmico ou escolar. Tal acepção mantém a separação entre teoria e prática,
pois a compreende como fase ou etapa de treinamento ou capacitação profissional de uma
área de estudo específica. Esses termos são inadequados para designar o estágio como práxis
71
ou experiência de formação humana. A ideia de que se busca, no estágio, modelar
comportamentos ou tornar alguém capaz de algo vai de encontro à concepção sócio-histórica
de sujeito que orienta a educação como práxis emancipadora.
Nessa perspectiva de formação do sujeito, o estágio supervisionado converte-se em
objeto de conhecimento e de disputa ideológica e política. A definição de estágio consagrado
pela legislação educacional expressa o intenso embate em torno de projetos distintos de
sociedade. Vejamos como a Lei n. 11. 788/2008 define o estagio em seu artigo 1°:
Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no
ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo
de educandos que estejam frequentando o ensino regular em
instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino
médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental,
na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. (grifos
meus)
A ideia de preparação para o trabalho produtivo de educandos não supera o
significado do estágio como treinamento ou capacitação profissional. Entretanto, tal
formulação constitui avanço, pois vincula a educação escolar ao mundo do trabalho e às
demais práticas sociais. A exigência de que “o estágio faz parte do projeto pedagógico do
curso” e a concepção de que o mesmo “integra o itinerário formativo do educando” sinaliza o
reconhecimento deste como um componente curricular distinto e complementar aos demais e
indica sua institucionalização junto à universidade e as agências concedentes de estágio.
A definição explícita de que o estágio “visa ao aprendizado de competências próprias
da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do
educando para a vida cidadã e para o trabalho” sugere que este seja tratado como campo de
conhecimento necessário à constituição da docência como profissão. Essa ideia é importante
por que define a docência como um ofício pleno de saberes, ou “feito de saberes”, que
configuram a profissionalidade docente (cf. GAUTHIER, 1988, p. 28).
A ideia de que o estágio vise também “à contextualização curricular objetivando o
desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho” assume relevância no
projeto de estágio, pois possibilita que as aprendizagens aí adquiridas tenham sentido e
significado para os estudantes que estão na condição de aprendizes. Nesta perspectiva, a
práxis social dos sujeitos implicados no processo formativo do estágio apresenta-se como
ponto de partida e de chegada, cujo fim deve ser a formação para o trabalho e a cidadania.
Este entendimento da prática vai de encontro a abordagens que situam a docência como ação
72
reiterativa e de instrumentalização da prática educativa. Serve ainda como contraponto a
imagens muito difundidas entre nós de que ser professor é um dom, uma vocação, uma
missão, ou seja, de que a pessoa já nasce professor. Essas imagens de cunho religioso pouco
ajudam no desenvolvimento da docência como profissão. Assim como em outras profissões,
no magistério o professor não nasce professor, torna-se professor. Trata-se de uma construção
sócio-histórica, de uma prática social que se constrói a partir das relações sociais e produtivas
de uma determinada sociedade.
Outro dispositivo legal que reconhece a docência como profissão e trata do estágio é a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB - Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Nessa lei, o estágio comparece como fundamento e meio, ao lado de outros, da
formação dos profissionais da educação. O inciso II do parágrafo único do Art. 61 determina
que exista “a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e
capacitação em serviço”. Vê-se que o estágio pode se constituir no eixo integrador do
currículo do curso de formação na medida em que este se organize e funcione de forma
articulada aos demais componentes curriculares.
No que se refere ao tempo pedagógico dispensado do estágio supervisionado a LDB
estabelece que a carga-horária de prática de ensino, na formação docente para a educação
básica, deverá ser de trezentas horas (Art. 65). Esta determinação também esta prevista na
Resolução CNE/CP N.° 01 de 15/05/2006 do Curso de Graduação em Pedagogia. Entretanto,
a Resolução CNC/CP N.° 02, de 01/07/2015 que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a
Educação Básica25
acrescentou 100h (cem horas) às 300hs previstas nas resoluções anteriores.
A argumentação para esse incremento de carga horária no estágio estaria no entendimento de
que o mínimo de horas estabelecido pela LDB não seria suficiente para dar conta de todas as
exigências, especialmente da associação entre teoria e prática. Desta forma nesta resolução, o
estágio passa a ter, conforme Art. 13. Inciso “II - 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao
estágio supervisionado, na área de formação e atuação na educação básica, contemplando
também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto de curso da instituição
formação profissional de docentes” (BRASIL, 2016, p. 11).
25
A Resolução CNC/CP N.° 02, de 01/07/2015, Definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de
segunda licenciatura) e para a formação continuada.
73
A profusão de orientações legais no campo da formação de professores reflete o
contexto de disputa de projetos de sociedade e de homem e do momento de intensa produção
teórica no campo da pesquisa em educação. No atual cenário de mudanças na função social da
escola e do perfil da profissão docente, os conceitos de docência e prática se reconfiguram. O
conceito de prática (educativa), por exemplo, ultrapassa ao domínio metodológico e ao espaço
escolar. Ou seja, “a prática não se reduz às ações dos professores”, isto é, as práticas didáticas
(SACRISTÁN, 1995). Nesse sentido, o objeto do estágio abrange outras dimensões e
variáveis da prática educativa que não apenas da dimensão do processo de ensino-
aprendizagem. O conceito de docência também passa por uma ressignificação mais próxima
da ideia de profissionalidade. Na Resolução CNC/CP N.° 02, de 01/07/2015 docência é
entendida como “ação educativa e como processo pedagógico intencional e metódico”
certamente contribui para ampliar a visão e a atuação do profissional da educação. Entretanto,
o texto legal, por seu estilo e linguagem jurídica não consegue evidenciar as concepções
subjacentes aos conceitos de docência e estágio. Vejamos o que dizem alguns estudiosos
sobre esses temas.
III - Estágio como campo de conhecimento
O estágio, enquanto campo de conhecimento pedagógico tem despertado o interesse e
a atenção de estudiosos e pesquisadores da área da educação. Trata-se de um campo teórico
que se produz na interação das práticas formativas que ocorrem na universidade e na escola,
entendidas como lócus de formação profissional docente.
Segundo Diniz Pereira (2007 apud RODRIGUES, 2013) na realidade brasileira os
estágios supervisionados e as práticas de ensino ocupam espaços pouco prestigiados nos
currículos. O diagnóstico é: os estágios aparecem bastante tardiamente nesse percurso,
alimentando a ideia de que chegou a hora de aplicar os conhecimentos aprendidos (ou
supostamente aprendidos) por meio das disciplinas de conteúdo específico e/ou pedagógicos.
Para Pimenta & Lima (2004) essa contraposição entre teoria e prática, entre formação
específica e pedagógica nos cursos de formação de professores não é meramente semântica.
Na verdade, se traduz em espaços desiguais de poder na estrutura curricular, atribuindo menor
prestígio à carga horária designada prática. A incompreensão dos conceitos de prática e teoria
e a inadequada relação entre elas resultam em um empobrecimento das práticas nas escolas.
Tal fato evidencia a necessidade de explicitar por que o estágio é teoria e prática (p. 34).
As autoras discutem as concepções de estágio a partir dos requistos que constituem a
profissão docente. A percepção inicial de que a docência é uma profissão prática, ou seja, de
74
que se trata de aprender a fazer “algo” ou “ação” produz um entendimento de que se aprende
a ser professor imitando a “prática do bom professor”. Nesta perspectiva o estágio reduz-se a
observar os professores em aula e imitá-los. Esse tipo de prática artesanal mostrou-se
inadequado para a formação docente.
Em vez disso passou-se a investir nas habilidades técnicas de transmissão dos
conteúdos de aprendizagem. A aquisição de capacidades para o manejo do ensino, sem o
domínio dos conhecimentos científicos, transformou essa atividade em algo estéril e sem
sentido. O estágio converteu-se numa prática de treinamento de comportamentos desejáveis.
A crítica ao caráter instrumental da prática de ensino conduziu a negação da dimensão
técnica da educação realçando a sua dimensão política, que em geral se expressa pela
denúncia do caráter excludente e desigual da escola. Essa postura pedagógica traduziu-se em
modalidades de estágio que se resumia a captar os desvios e falhas da escola e de seus
profissionais, que segundo relatórios de estágio estavam apenas reproduzindo a lógica de
dominação social na escola. Entretanto, as pesquisas no campo da Pedagogia e da Didática, ao
longo dos anos 90, mostraram que era preciso elaborar uma concepção mais articulada e
ampliada de docência e, da relação teoria e prática na educação. Uma concepção de docência
que não descuidasse dos requisitos pedagógicos e profissionais, bem como dos valores e
atitudes éticos e políticos que caracterizam o trabalho docente. Uma concepção de teoria e
prática que não refletisse uma ideia de mera contraposição ou identidade absoluta.
Dentre as várias concepções de docência gestadas nesse período, como alternativa a
prática de ensino artesanal e técnica, destaca-se a docência como trabalho ou práxis. Trata-se
de uma concepção que caracteriza o professor como intelectual crítico que busca sua
autonomia na autorreflexão sobre as distorções ideológicas, no desenvolvimento da análise e
da crítica e na participação na ação política transformadora (CONTRERAS, 2002, p. 192).
Essa concepção de docência implica noutra organização de estágio. Uma organização que
leve em conta os desafios próprios da prática profissional docente e as concepções do
professor como intelectual crítico. Nesta perspectiva a relação teoria e prática não seria
resolvida pela sua negação ou afirmação, mas pelo caráter dialético que reside em ambas.
Diante dessas considerações, pretende-se demonstrar a concepção que orienta a proposta de
estágio curricular do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins no Campus
de Palmas.
75
IV - O estágio curricular no Curso de Pedagogia - concepção e lógica de funcionamento
Antes de adentrar ao projeto pedagógico do Curso de Pedagogia da UFT para
evidenciar a concepção de estágio subjacente ao mesmo é necessário fazer uma breve
caracterização das origens históricas desse curso de licenciatura nessa instituição.
A Universidade Federal do Tocantins – UFT surge pela incorporação da estrutura
física e patrimonial de sete campi da Universidade do Tocantins – Unitins, no ano de 2003. O
Curso de Pedagogia é ofertado em quatro campi: Arraias, Palmas, Miracema e
Tocantinópolis. O Curso de Pedagogia de Palmas, assim como os demais elaboraram seus
projetos pedagógicos segundo as diretrizes curriculares contidas na Resolução CNE/CP n.°
01de 15/05/200626
.
Segundo dispõe seu PPP (2007) o estágio é assim definido:
O Estágio Curricular Obrigatório é um conjunto de atividades teórico-práticas
relacionadas com a área de estudo e pesquisa do Curso de Pedagogia capaz de
construir e reconstruir experiências em torno da dinâmica própria da atividade
educacional e tem por objetivo oportunizar o contato do aluno com questões
inerentes ao processo pedagógico, por intermédio do conhecer, do interpretar e
do agir consciente, e do desenvolvimento da capacidade científica do
estagiário (p. 27).
Depreende-se que há um alinhamento à concepção de estágio defendida por Pimenta e
Lima (2004), quando afirmam que esse é teoria e prática (e não teoria ou pratica). Outro
aspecto reforçado é a ideia de que o estágio propicie ao aluno uma aproximação à realidade
na qual atuará. Se orientado por essa concepção o estágio deixa de ser visto como a parte
prática do curso. As autoras propugnam o estágio como práxis, ou seja, como atividade
teórica intrumentalizadora da práxis docente (p. 45).
Percebe-se ainda no PPP do curso em análise a pretensão de vincular o estágio às
pesquisas desenvolvidas pelos professores do curso, quando afirma textualmente que “o
Projeto de Estágio, os Estágios na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental assumem caráter de pesquisa da realidade concreta”. Outra passagem é
reveladora dessa intencionalidade: “o estágio se constitui em momento articulador entre os
estudos teóricos, a gestão e a docência, vivenciada no contexto escolar, eliminando a
dicotomia no processo de construção do conhecimento”. Esse “não se limita a regência
escolar”. Por outro lado, o objetivo geral descrito de “garantir a aprendizagem significativa
dos conteúdos da formação educativa” parece indicar uma preocupação mais com a
26
Trata-se da resolução que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,
licenciatura.
76
instrumentação da prática de ensino do que com a preparação com a investigação da prática
educativa (PPP, 2007, p. 27).
A sistemática e organização do estágio pode esclarecer melhor o sentido de estágio do
curso de Pedagogia. Segundo o PPP a Prática de Ensino e Estagio Supervisionado
compreende dois componentes curriculares: Projeto de Estágio (60h): que objetiva a
elaboração de projetos de intervenção na realidade escolar e, Estágio Supervisionado, que
envolve a Educação Infantil (120h) e Anos Iniciais do Ensino Fundamental (120h), que
buscam executar e avaliar os projetos de intervenção propostos. Por fim, o projeto do curso
prevê que a reflexão das atividades realizadas no estágio sejam sistematizas em um relatório
de pesquisa no final do curso na forma de Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia
(PPP, 2007, p. 29).
No PPP do curso surge uma orientação geral para a organização do estágio da Prática
de Ensino/Estágio: “o Estágio pressupõe, portanto, o envolvimento de todos os docentes do
Curso, dos acadêmicos e das escolas do sistema envolvidas” na perspectiva da “construção de
um trabalho interdisciplinar”. E sugere que a “estruturação da prática centrar-se-á no estudo
da escola em sua concreticidade”, o que supõe “a intervenção do estagiário na prática
pedagógica”. Em linhas gerais o projeto indica o desenvolvimento das seguintes atividades:
diagnóstico27
, planejamento28
, regência e produção de relatório (PPP, 2007, p. 27).
A despeito de adotar a prática como eixo articulador do estágio e a
interdisciplinaridade como princípio orientador do mesmo, não se vislumbra no PPP como os
outros componentes curriculares vão se articular ao trabalho desenvolvido no estágio. A
forma rígida de organização do currículo do curso parece ser indicador dos limites desta
proposição.
V- Considerações finais
Essa descrição e análise parcial dos elementos básicos que constitui a proposta do
estágio no PPP do Curso de Pedagogia, não servem como indicador de sua efetividade, pois
carece de uma interpretação mais acurada de como essa proposição se materializa nas práticas
formativas de estagiários, professores da universidade e supervisores da escola campo.
Entretanto pode ajudar na melhoria e esclarecimento do projeto escrito. Pensar o estágio como
27
Diagnóstico, no PPP, é descrito como: diagnóstico da escola, participação em planejamentos, estudos com professores das
escolas para reorientar os problemas de aprendizagem detectados, reuniões com a comunidade etc. 28 Consiste no projeto de ensino e aprendizagem a ser desenvolvido nos Estágios na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
77
práxis, ou seja, implica compreender que a relação em teoria e prática não é, nem de
antagonismo, nem tão pouco de identidade. Para sair desta mistificação que tem justificado o
praticismo e o subjetivismo na educação, que ora opõe a teoria á pratica, ora promove sua
identificação, é preciso concebê-la como uma práxis social contraditória, onde “não há uma
senda contínua que conduza da práxis à teoria”. Como afirma Adorno (1995):
A práxis é a fonte de onde a teoria extrai suas forças, mas não é recomendada
por esta. Na teoria, ela aparece meramente, e mesmo de maneira necessária,
como ponto cego, como obsessão pelo criticado; nenhuma teoria critica pode
ser desenvolvida nos aspectos particulares sem subestimar o particular mas,
sem a particularidade, ela seria nula (p. 229).
Compreender o conceito de práxis, como construção lógica e histórica, não muda a
realidade, mas altera nossa maneira de pensar e fazer educação, na medida em que contribui
para desmistificar as falsas noções que impede os homens de se verem como sujeitos de sua
própria história. No caso do estágio significa pensá-lo dialeticamente como prática e
proposições que consideram a teoria e a prática, que se realiza tanto na universidade quanto
nas instituições escolares. Como diz Pimenta & Lima (2004) “o desafio é proceder ao
intercâmbio, durante o processo formativo, entre o que se teoriza e o que se pratica em
ambas” (p. 127).
VI - REFERENCIAS
ADORNO. Theodor W. Notas Marginais sobre Teoria e Práxis. IN: ADORNO. Theodor
W. Palavras e Sinais: modelos críticos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
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78
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Político-Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Pedagogia. Consepe. Palmas - TO, 2007.
79
ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM PEDAGOGIA: CONCEITO E
LEGISLAÇÃO EM QUESTÃO
Haline Souza de Barros29
Nilma Fernandes do Amaral Santos30
Verônica Larraylla Fernandes Taveira31
RESUMO
Este trabalho refere-se a uma pesquisa maior, ainda em andamento, que visa a um estado da
arte acerca do estágio curricular supervisionado em pedagogia tendo como referência
dissertações e teses disponíveis no site da Capes no período de 2004-2014 (SANTOS, 2014) e
outros projetos de trabalho de conclusão de curso. No entanto, para esse texto apresentamos
um recorte, centrando a discussão nos conceitos de estágio e pedagogia; e legislação que rege
a temática. Assim, nossos objetivos são conceituar estágio, pedagogia e apresentar um estudo
com base em leis que regulamentam o estágio supervisionado. Trata-se de um estudo com
abordagem qualitativa e do tipo bibliográfico que alerta para o fato da importância da
pesquisa no processo formativo dos professores, entendendo que esta é instrumento
epistemológico e metodológico do processo de construção do conhecimento do professor em
formação e que promove a indissociabilidade entre teoria e prática.
Palavras-chave: estágio supervisionado, pedagogia, legislação.
Justificativa
São poucas as pesquisas que envolvem a formação docente via estágio supervisionado
(ANDERI; SANTOS, 2014), o que sinaliza a importância da pesquisa que aqui se delineia.
Nas pesquisas sobre formação de professores, entre elas as de André et. al (2009) e
Nóvoa (2009), há o aceno para importância de pensarmos o trabalho docente no momento de
sua formação inicial. Nesse momento, os futuros professores atuam no seu campo de atuação,
acompanhados e supervisionados por professores mais experientes, o que indica tratar a
formação entre os pares, na relação entre a universidade e a escola. Quando discute esse
aspecto, Nóvoa esclarece que: “Não haverá nenhuma mudança significativa se a comunidade
dos formadores dos professores e a comunidade dos professores não se tornarem mais
permeáveis e imbricadas” (p.17). Do exposto, podemos entender que estudos acerca do
29
Graduanda de Pedagogia, Universidade Estadual de Goiás (GO). [email protected] 30
Professora Mestre em Educação, Linguagem e Tecnologias,
Universidade Estadual de Goiás, Anápolis (GO). [email protected].
31 Graduanda de Pedagogia, Universidade Estadual de Goiás (GO). [email protected]
80
estágio supervisionado poderão trazer à tona questões problematizadoras e orientadoras da
formação e atuação docente.
Desta feita, para fundamentar o presente estudo recorremos às produções teóricas de
Saviani (2008), Ghedin (2007), Pimenta e Lima (2011), Piconez (2012) e a seguinte
legislação: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/1996, Diretrizes
Curriculares do curso de Pedagogia (2006) e a lei de nº 11.788 de 25 de setembro de 2008.
Objetivos
Os interrogantes que propomos para pesquisa são: Como teóricos concebem a
Pedagogia e o estágio curricular supervisionado? Qual a legislação que aborda aspectos
acerca do Estágio Curricular Supervisionado? A resposta a estas questões está no alcance dos
objetivos que são: conceituar Pedagogia e Estágio Curricular Supervisionado além de
conhecer a legislação que rege sobre os mesmos.
Metodologia
A investigação apresenta uma abordagem qualitativa, entendida como aquela onde é
realizado um levantamento das características conhecidas que compõem o objeto de estudo,
que no caso desse estudo trata-se do conceito de estágio e pedagogia. Segundo Triviños
(1987), a pesquisa qualitativa tem como pressuposto a realidade concebida como uma
construção social, devendo ser compreendida nas interrelações com o contexto histórico-
social, pois realidade e contexto se relacionam, influenciam e se transformam mutuamente na
evolução do tempo. Nesse texto, as interrelações serão apresentadas articulando conceitos e
legislações, entendendo-os como construção histórica, fruto das demandas de um contexto.
O trabalho que se apresenta é de tipo bibliográfico sendo este um primeiro passo de
toda pesquisa científica, cuja finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo
aquilo que foi escrito sobre determinado assunto (MARCONI; LAKATOS, 2010).
De acordo com Groppo (2007, p 42) “A pesquisa bibliográfica não é apenas uma
técnica de coleta de dados.” Ou seja, não é apenas uma maneira de obter instrumentos para
estudo, ela possui importância significativa quando não essencialmente obrigatória.
Discussão teórica
De acordo com Saviani (2008), a origem da pedagogia desenvolveu-se juntamente
com a prática educativa, convertendo-se em ciência ou teoria. No Brasil, o termo Pedagogia
só passou a ser utilizado após a Independência do Brasil com o Projeto de Lei proposto por
81
Januário da Cunha Barbosa no ano de 1817. Desse projeto se derivou a Lei das Escolas de
Primeiras Letras e essas passaram a se chamar Pedagogias.
Em 1939, com o Decreto de nº 1.190, teve origem o curso de Pedagogia. A Faculdade
de Educação passou a se organizar em quatro seções (filosofia, ciências, letras e pedagogia) e
uma seção especial (destinada à didática). Com essa organização do currículo dos cursos de
educação, o curso de pedagogia recebeu um rearranjo de currículo diferente dos demais e foi
definido como um curso de bacharelado (isso porque o profissional formado seria técnico em
educação) formado em 3 anos. Já para aqueles que queriam o diploma de licenciados, teriam
que cursar mais um ano de curso (seção especial – didática) para receberem também o
diploma de licenciados. Deste modo, estariam habilitados para lecionar filosofia, história e
matemática nos cursos de nível médio. Esse modelo implantado no curso de pedagogia ficou
conhecido como 3 + 1.
Mas é no ano de 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9.394 (LDBEN) que se estabelece o ensino superior como nível de formação
obrigatória para os professores. Tal determinação comparece no art. 62:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos
do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.
Ainda sobre a Lei 9.394/1996, Pimenta e Lima (2011) ressaltam que esta apresentou a
obrigatoriedade do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura. Para as autoras, o
estágio curricular supervisionado é entendido como momento de inserção do aluno estagiário
na realidade escolar, ampliando sua formação, sendo compreendido como campo de
conhecimento, cujo fio condutor é a teoria e a prática. Neste sentido, acredita que a teoria
orienta os sujeitos em variados pontos de vista, pois ocorre por meio de uma ação
contextualizada, oferecendo perspectivas de análise. Assim, conforme as autoras,
O papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para
compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de
si mesmo como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para
neles intervir, transformando-os (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 49).
Pelo exposto, compreende-se que a teoria orienta a prática, sendo esta ação precedida
de objetivos estabelecidos conscientemente, que buscam a efetivação de um certo saber e
conhecimento, num processo de ensino e aprendizagem “composto de conteúdos educativos,
82
habilidades e posturas científicas, sociais, afetivas, humanas; [...] de mediações pedagógicas
específicas” (PIMENTA e LIMA, 2011, p.42). Para tanto, o estágio supervisionado não pode
ser desenvolvido como prática modeladora, uma vez que esta se estabelece quando o
educando se apropria de um modelo por meio da observação sem promover uma análise
crítica daquilo que pretende imitar. Quando se estabelece no educando a prática modeladora,
o educando situa o ensino e o aprendiz como componentes imutáveis, sendo esses não
susceptíveis de mudanças (PIMENTA; LIMA, 2011, p.8).
Desta forma, quando se adota a prática docente por meio desses modelos ditos
eficientes, adota-se também o estágio como momento de observação e aquisição desse modelo
técnico-eficiente de conduzir o saber dos alunos, mas descomprometido com a análise crítica-
teórica, aspecto já defendido desde a constituição de 1988 quando esta apresenta o eixo
norteador do trabalho pedagógico.
A LDB 9394/1996 trás especificações quanto à formação, indicando que esta deve
acontecer de maneira sólida, eficaz e com vistas à qualidade tanto do profissional quanto do
meio que este irá atuar.
Considerando a formação do professor, é importante destacar o sentido que a
legislação apresenta para a docência. De maneira explícita, esta comparece nas Diretrizes
Nacionais para o Curso de Pedagogia via Resolução CNE/CP Nº 1/2006:
Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico
metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e
produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da
Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos
e culturais, valores éticos e estéticos inerentes aos processos de
aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito
do diálogo entre diferentes visões de mundo (BRASIL, RESOLUÇÃO
CNE/CP nº 01, 2006).
É ainda nas Diretrizes Curriculares do curso de Pedagogia que comparecem as áreas
de atuação dos profissionais egressos desse curso, sendo estabelecido que estes exercerão o
“magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio
escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos” (DCN
Pedagogia, 2006). Nas palavras de Saviani (2008), é importante tratar a Pedagogia como
campo que possibilita o desenvolvimento de atividades de ação educativa como também
espaço que a desenvolve.
83
Dois anos depois, a lei nº 11.788, de 25 de setembro 2008, em seu artigo 1° traz a
definição do que é estágio supervisionado e suas especificidades, estabelecendo que este “é
ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à
preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular
em instituições de educação superior”. Na referida lei, é declarado que o estágio é parte do
projeto pedagógico do curso como um caminho de formação e tem como objetivo o
aprendizado das competências da atividade profissional.
Já as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia apresentam
finalidades, princípios, condições de ensino aprendizagem, planejamento e avaliação dos
cursos. Em seu 2° artigo, define que o curso deve se constituir por meio de estudos teórico-
prático, pela reflexão crítica, com as seguintes aprendizagens:
I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas;
II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de
conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-
ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o
econômico, o cultural (BRASIL. RESOLUÇÃO CNE/CP nº 1, 2006).
Para o interesse dessa pesquisa, convêm destacar que as diretrizes indicam que a
atuação dos licenciandos deverá promover o conhecimento da escola, de sua diversidade, com
finalidade de proporcionar uma educação para a cidadania e ainda a participação nas
pesquisas e investigações que estejam relacionadas à educação. Ficam notórias as
especificidades para a consolidação da formação docente e dentre elas a sólida formação em
conhecimentos teóricos que devem conduzir a educação e a prática.
As orientações previstas na legislação apontam para indissociabilidade entre teoria e
prática. De acordo com Pimenta e Lima (2011, p. 6) “O estágio sempre foi identificado como
a parte prática dos cursos de formação de profissionais em geral, em contraposição à teoria”
(p.11). Segundo as autoras, esses componentes estão dissociados e cada um consolida-se
separadamente, ocorrendo assim uma deterioração das práticas nas instituições de ensino, o
que acarreta um esgotamento no ensino, por isso existe a necessidade de explicitar que estágio
é teoria e prática e que em nenhum momento elas se separam.
No entanto, a abordagem dada ao estágio nas universidades pode não proporcionar ao
formando um pensar reflexivo sobre a realidade em que será inserido futuramente, tornando-o
reprodutor de técnicas e métodos, tanto os aprendidos na universidade como os herdados de
sua própria educação escolar. Confirmando a denúncia de Piconez, segundo a qual “o
conhecimento da realidade escolar através dos estágios não tem favorecido reflexões sobre uma
84
prática criativa e transformadora nem possibilitado a reconstrução ou redefinição de teorias que
sustentam o trabalho do professor” (2012, p.15).
Kulcsar (2012) diz que um dos elementos que a universidade tem e que pode
redimensionar teoria-prática é o Estágio Supervisionado, visto que este é obrigatório em todos
os cursos de licenciatura em Pedagogia. A mesma considera os estágios uma parte importante
da relação trabalho-escola, teoria-prática, e eles podem representar, em certa medida, o elo de
articulação orgânica com a própria realidade para contrapor o estágio entendido como
momento exclusivamente prático.
Alcançado o exposto por Kulcsar, o estágio deixa de ser atividades programadas a
priori, sem que tenham surgido das discussões entre educador-educando, no cotidiano da sala
de aula, da escola. Nesse sentido, torna-se interessante problematizar a distribuição das horas
de formação dos cursos, sendo que a resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, indica:
A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica,
em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será
efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e
oitocentas) horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos termos
dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos componentes
comuns:
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular,
vivenciadas ao longo do curso;
II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do
início da segunda metade do curso;
III - 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de
natureza científicos cultural;
IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-
científicos - culturais.
Entende-se, portanto, que a carga horária do curso de formação docente não deve
separar teoria e prática, mas conceber a formação numa constante e conjunta relação. Esse
encaminhamento proporcionará que licenciandos conheçam melhor a realidade escolar e não
se “assustem” ao se deparar com ela, considerando o estágio como um momento crucial para
a decisão de seguir ou não a carreira profissional e dando origem à expressão conhecida
popularmente que “na prática a teoria é outra”.
No cerne dessa afirmação popular, está a constatação, no caso da formação
de professores, de que o curso não fundamenta teoricamente a atuação do
futuro profissional nem toma a prática como referência para a
fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e de prática (PIMENTA;
LIMA, 2006, p. 6).
Ao indicar que os cursos carecem de teoria e prática, as autoras destacam que os
currículos estão sobrecarregados de disciplinas, não de teoria, e estão totalmente separadas
85
umas das outras e mais ainda da prática. A referida justaposição de saberes disciplinares não
possui conexão alguma com a realidade profissional. Para Pimenta e Lima (2011) os
currículos das instituições formadoras são elaborados a partir de um emaranhado de
disciplinas isoladas não contemplando a pesquisa como parte integrante do processo ensino-
aprendizagem, em que a teoria e a prática não se misturam, sendo estes conteúdos apenas
saberes disciplinares que por vezes são desvinculados do campo de atuação dos futuros
docentes.
Esse quadro apresenta como consequência que os estagiários ao se defrontarem com a
realidade, não veem conexão do que foi aprendido na universidade. Sendo assim, é necessário
que exista um olhar minucioso no sentido que teoria e prática devem assumir no processo de
formação, se o professor desde o início conseguir estabelecer essa relação, o mesmo terá
maiores condições de intervir na realidade das escolas.
Para superar a dicotomia teoria-prática, Pimenta e Lima (2011) e Ghedin (2007),
ressaltam o papel da pesquisa como parte integrante da formação de professores. Para os
autores, a pesquisa promove a reflexão a partir da realidade vivenciada, com a interpretação e
análise dos fenômenos vivenciados, visando desenvolver um trabalho de transformação da
realidade por meio da atitude investigativa e orientadora das atividades profissionais. Assim,
Nessa perspectiva, a pesquisa é componente essencial das práticas de
estágio, apontando novas possibilidades de ensinar e aprender a profissão
docente, inclusive para os professores formadores, que são convocados a
rever suas certezas, suas concepções do ensinar e do aprender e seus modos
de compreender, de analisar, de interpretar os fenômenos percebidos nas
atividades de estágio (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 114).
Integrar teoria e prática no estágio possibilita aos estagiários desenvolverem
habilidades de pesquisador, já que essa concepção “supõe que se busque novo conhecimento
na relação entre as explicações existentes e os dados novos que a realidade impõe e que são
percebidos na postura investigativa” (PIMENTA e LIMA, 2011, p. 46). Outra estudiosa da
temática que também defende essa compreensão é Piconez (2012). Para ela, é a prática de
reflexão, via pesquisa, que contribui para:
o esclarecimento e o aprofundamento da relação dialética prática- teoria-
prática; e tem implicado um movimento, uma evolução, que revela as
influências teóricas sobre a prática do professor e as possibilidades e/ ou
opções de modificação na realidade, em que a prática fornece elementos para
teorizações que podem acabar transformando aquela prática primeira
(PICONEZ, 2012 p. 23).
86
Quando o estágio é realizado mediante pesquisa promove a ampliação e a análise dos
contextos onde os acadêmicos desenvolvem o trabalho possibilitando a elaboração de projetos
que permitem compreender, analisar, problematizar e intervir na situação observada, o que
supõe que o acadêmico busque novos conhecimentos a partir da realidade observada. Para
Pimenta e Lima “a pesquisa no estágio é uma estratégia, um método, uma possibilidade de
formação do estagiário como futuro professor” (2011, p. 46).
O estágio é também momento ímpar de formação de identidade profissional, pois tem
espaço significativo na formação inicial fornecendo as bases para que o profissional possa
construir um conhecimento especializado. Nas palavras de Pimenta e Lima (2011) o estágio
curricular é o lócus que permitirá o acadêmico iniciar o processo de construção da sua
identidade docente dando experiência àqueles que não a tem e contribuindo para a formação
continuada dos que já exercem a docência. Convêm esclarecer que para as autoras, a
identidade do profissional professor não é algo estático, fixo e não suscetível às mudanças.
Pelas breves considerações aqui apresentadas, vislumbramos o estágio como momento
formativo pela pesquisa e importante na constituição identitária dos futuros professores.
Nesse momento de formação inicial, o estágio, possibilita relacionar a constituição da
identidade à outras esferas que fazem parte da profissão docente. Revela-se ainda como porta
de entrada para que aqueles que não estão no exercício da docência para levantar
questionamentos e responder dúvidas a respeito do que é ser docente; de como o professor
realiza seu trabalho e de como uma instituição escolar desenvolve suas atividades
pedagógicas. Pelo exposto, entende-se que o estágio propicia a reafirmação da escolha por
essa profissão, compreendendo as dificuldades, possibilidades e conjunturas que influenciam
a realidade escolar.
Resultados
O estudo em questão, ainda que em andamento, aponta para o estágio como campo de
conhecimento e espaço de consolidação da relação entre teoria e prática por meio da pesquisa.
Para tal, deve-se compreender o estágio como componente curricular ou eixo de convergência
de todas as disciplinas do curso.
A análise realizada até o momento, evidencia que a produção teórica acerca do estágio
supervisionado se interrelaciona com a legislação, ora afirmando ou problematizando-a
indicando articulações ou distanciamentos.
Por outro lado, as leis que orientam a formação em pedagogia são recentes no Brasil e
se considerarmos a homologação da LDB de 1996 são apenas 20 anos de uma construção que
87
busca caracterizar e regulamentar a profissão docente. Pelo exposto, a legislação é parte de
um processo de construção da profissão docente, da pedagogia e do estágio supervisionado,
que ocorre de forma lenta e gradual.
No que se refere ao embasamento teórico, os estudiosos denunciam que embora a
mente da sociedade ainda encontra-se nas técnicas, fazendo da educação e da formação
apenas um momento de transmitir conhecimentos e formar trabalhadores em grande escalas
(KULCSAR, 2012), o estágio precisa possibilitar momentos de reflexão e intervenção na
realidade, vinculando a prática à teoria e vice-versa, com exigência de reflexão, discussão e
intervenção na realidade com vistas à modificá-la. Para isso, é necessário que todos os
envolvidos: universidade, escola, professor colaborador, alunos estagiários e legislação
estejam em concordância, em prol de educação séria, ética e comprometida com todos aqueles
que frequentam as escolas públicas brasileiras.
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89
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PROJETO DE TRABALHO TRANSDISCIPLINAR
NA EDUCAÇÃO DE ADOLESCENTES, JOVENS E ADULTOS
Ana Cristina Oliveira Silva32
Eryka da Silva Santos33
Ivone Caroline Kuczkowski Justino34
Maria Gilma de Sousa Romão35
Natália Sales da Silva36
Roselita da Conceição Silva dos Santos37
Valderice Lopes Cruz Cardoso38
Marilza Vanessa Rosa Suanno39
Introdução
O estágio curricular supervisionado, na formação de pedagogos e pedagogas, é uma
disciplina de caráter teórico-vivencial, que possibilita aos estagiários a aproximação, análise e
desenvolvimento de práticas educativas e atividades de docência, bem como possibilita o
desenvolvimento de posturas e habilidades específicas da profissão. Sendo desenvolvida por
meio da apreensão, problematização, pesquisa e desenvolvimento de projetos de trabalho
transdisciplinar.
O estágio é regido pela Lei Federal nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, e no Artigo
n. 1 define que:
O estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de
trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educando que estejam
frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação
profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino
fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
32
Acadêmica do sexto período do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de
Goiás – UFG. E-mail:[email protected] 33
Acadêmica do sexto período do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de
Goiás – UFG. E-mail:[email protected] 34
Acadêmica do sexto período do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de
Goiás – UFG. E-mail:[email protected] 35
Acadêmica do sexto período do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de
Goiás – UFG. E-mail:[email protected] 36
Acadêmica do sexto período do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de
Goiás – UFG. E-mail:[email protected] 37
Acadêmica do sexto período do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de
Goiás – UFG. E-mail: [email protected] 38
Acadêmica do sexto período do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de
Goiás – UFG. E-mail:[email protected] 39
Professora orientadora do estágio nos anos iniciais do ensino fundamental do curso de Pedagogia, da Faculdade
de Educação, da Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: [email protected]
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O objetivo desse artigo é apresentar um breve relato do estágio curricular
supervisionado desenvolvido nos anos iniciais do ensino fundamental, na modalidade da
Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos - EAJA, no turno noturno, na Escola Municipal
João Paulo I, no ano de 2015.
No primeiro semestre do estágio desenvolvemos o processo de apreensão da realidade
escolar, por meio de entrevistas semiestruturadas e observação participante (GIL, 1999).
Concomitantemente, às atividades de campo desenvolvidas na escola fizemos o estudo teórico
para fundamentação do projeto de ensino com pesquisa (PIMENTA e ALMEIDA, 2009);
estudo didático sobre mediação de processos de ensino e de aprendizagem; planejamento
coletivo do Projeto do Trabalho Transdisciplinar (HERNÀNDEZ, 1998) e o estudo dos
conteúdos de ensino do metatema Sustentabilidade, Meio Ambiente e Sociedade, presentes
nos livros digitais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE (2012).
No segundo semestre desenvolvemos o Projeto de Trabalho Transdisciplinar e o
relatamos de modo fundamentado no Relatório Final de Estágio. As aulas foram
compartilhadas (OLIVEIRA, 2015), ou seja, as estagiárias lecionaram em conjunto, uma
complementando a outra na docência, nas atividades e mediação do processo didático. A
relação com os alunos nos possibilitou trocas de conhecimentos, experiências e aprendizagens
a partir do estudo coletivo, da problematização, da leitura e interpretação dos livros do INPE
(2012) e do diálogo aberto e espontâneo, por meio uma comunicação viva e alegre.
Nesse estágio buscamos pensar complexo (MORIN, 1999), ou seja, pensar de modo
articulado, religando razão, emoção, corporeidade, conhecimentos, saberes científicos e
populares, vivências, práticas sustentáveis, relatos de história de vida e momentos de
confraternização para aproximar as pessoas, criar vínculos, parcerias e confiança mútua para o
processo didático.
Para buscar pensar complexo criamos aulas e atividades com abordagem
multidimensional em torno do metatema Sustentabilidade, Meio Ambiente e Sociedade,
contemplando aspectos históricos, políticos, econômicos, sociais, ambientais, institucionais e
familiares. Para tal, foi preciso criar um planejamento multirreferencial, a partir da utilização
de diversas fontes de consulta e pesquisa, ou seja, obras, sites e documentários, de diferentes
autores de diferentes áreas do conhecimento. Valorizou-se também a perspectiva
autorreferencial, ou seja, a história de vida e as experiências dos sujeitos envolvidos nos
processos de ensino e de aprendizagem.
O Projeto visou romper com o ensino disciplinar, por meio de projeto de trabalho
(HERNÁNDEZ, 1998) com abordagem transdisciplinar a fim de pensar complexo sobre o
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metatema, produzir conhecimentos e pontos de vista, contribuir para a reforma do pensamento
e ampliar a consciência dos alunos da EJA e das estagiárias sobre si, sobre a realidade atual e
sobre as questões envoltas nas "4 ecologias" (BOFF, 2012), ou seja, a ecologia mental, a
ecologia sociopolítica, a ecologia ambiental e a ecologia integral.
A Ecologia Mental visa contribuir para o aprimoramento do humano, com vistas à
formação de pessoas conscientes, solidárias, cooperativas, equilibradas e amorosas. A
Ecologia Social pretende uma ação sociopolítica sustentável, democrática, justa e igualitária,
a fim de erradicar a pobreza, a injustiça, a desigualdade e a desumanização da vida em
sociedade. A Ecologia Ambiental almeja a proteção e a preservação dos recursos naturais. A
Ecologia Integral propõem a integração entre essas perspectivas ecológicas.
Pensar complexo remete ao esforço de articular vários aspectos e dimensões do objeto
de estudo e/ou pesquisa com a finalidade de ampliar a compreensão sobre o tema em estudo
religando conhecimentos, saberes e práticas. Assim,
O pensamento complexo propõe um modo de organizar o pensamento e a ação, por
meio de relações e conexões contextualizadas na produção do conhecimento e da
emoção via níveis de realidade, níveis de percepção do sujeito, implicados pela
subjetividade, objetividade, cultura, natureza e sociedade (SUANNO, 2015c, p. 49).
O paradigma educacional emergente (MORAES, 1997), o pensamento complexo
(MORIN, 1999, 2011) e a transdisciplinaridade (NICOLESCU, 1999; MORAES,
2008; SANTOS, 2003; BEHERES, 2003) são pensamentos-pimenta, que podem
mobilizar os professores para a reforma do pensamento e da prática educativa
criando possibilidades para a transformação da Educação, pois têm a intenção de
provocar metamorfoses (MORIN, 2011) no nosso modo de pensar, na nossa relação
com o conhecimento e no nosso estilo de vida. E para transformar a educação e
ampliar o seu alcance formativo é preciso interrogar nossas certezas, verdades e
rotinas (SUANNO, 2015c, p. 42).
A transdisciplinaridade visa ser uma via de complementação e/ou superação dos
limites da disciplinaridade. Uma vez que a transdisciplinaridade:
caracteriza-se por ser uma pulsão religadora, por buscar pensar complexo,
multidimensional, multirreferencial, articulando razão, emoção e atitude
transformadora, trabalhando assim com uma razão sensível e uma práxis complexa e
transdisciplinar (SUANNO, 2013, p. 07).
tem por objetivo ampliar a apreensão de um saber, ensinando-o a partir de vários
aspectos, a transdisciplinaridade vai além da interdisciplinaridade, pois esta valoriza
não somente os saberes científicos, mas busca e religa também valores culturais,
emocionais e biológicos, vem explicando algo, buscando despertar um agir naquilo
que está sendo falado. É preciso um paradigma de complexidade que, ao mesmo
tempo, disjunte e associe. Que conceba os níveis de emergência da realidade sem
reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais (SUANNO, 2014, p.5).
é uma corrente de pensamento que busca construir novos modos de compreensão da
complexidade que se manifesta na contemporaneidade. A transdisciplinaridade
incorpora a interdisciplinaridade e caracteriza-se por ir além das relações do campo
disciplinar ao incorporar e valorizar diferentes formas de saber (experienciais,
filosóficos, culturais, tradições, mitos, lendas...). A transdisciplinaridade relaciona-
se com a complexidade humana e suas representações (SUANNO, 2013, p.6).
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No desejo de pensar complexo e transdisciplinar o metatema Sustentabilidade, Meio
Ambiente e Sociedade é que se criou, nesse estágio, o Projeto de Trabalho (HERNÁNDEZ,
1998), que surge da necessidade de desenvolver uma metodologia de trabalho pedagógico que
valorize a participação, a autonomia, o engajamento dos educandos e dos educadores nos
processos de ensino e de aprendizagem, tornando-os corresponsáveis pela elaboração e
desenvolvimento de cada etapa do mesmo. O Projeto de Trabalho é um modo de organizar o
currículo, de buscar recriar o papel da escola e buscar superar o ensino disciplinar e
fragmentado.
Nesse Projeto de Trabalho utilizamos os livros digitais/online produzidos pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, a fim de refletir acerca das problemáticas
atuais e ambientais e estudar o metatema Sustentabilidade, Meio Ambiente e Sociedade: 1) O
futuro que queremos: Economia verde, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza;
2) Pegada ecológica: qual é a sua? e 3) Mudanças climáticas: o clima está diferente - O que
muda na nossa vida.
Todas as aulas do Projeto contemplaram aprendizagens conceituais, religação de
saberes, sensibilização e conscientização sobre o metatema e a experiências com práticas
sustentáveis.
Esse estágio em docência e as experiências vividas tiveram como colaboradores e
protagonistas os alunos e as alunas da EJA, pessoas de diferentes classes sociais, culturais e
faixa etária: a) uma senhora de 70 anos, dona de casa; b) uma senhora de 50 anos,
trabalhadora; c) 4 homens adultos de aproximadamente, 20, 26, 35 e 45 anos, sendo três
trabalhadores.
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Todos os estudantes demonstraram interesse e conhecimentos prévios sobre o tema
abordado. A maior preocupação das estagiárias no início do projeto era com o aluno H, dada a
ausência, dificuldade de interação e pouco envolvimento com as atividades da escola. A
professora A nos informou sobre seus esforços para que esse estudante fosse mais assíduo e
que nos dias que frequentasse a escola que o mesmo permanecesse em sala, no entanto a
mesma não obteve resultado. Logo que o Projeto de Trabalho desenvolvido pelas estagiárias
iniciou o referido estudante surpreendeu a todos pela participação, diálogo e envolvimento nas
aulas.
Na primeira aula trabalhamos com o livro Mudanças climáticas: o clima está diferente
- O que muda na nossa vida (INPE, 2012) a fim de pensar complexo e transdisciplinar sobre a
relação ser humano/natureza/sociedade; mudanças climáticas; efeito estufa; aquecimento
global; impactos ambientais pós-revolução industrial; desmatamento; emissão de gases
poluentes; utilização desordenada dos recursos naturais; descarte inadequado dos resíduos
sólidos e orgânicos; ampliação da população mundial, produção e consumo; necessidade de
preservação ambiental.
Criamos uma “Mandala de Saberes” para apresentar os conceitos que seriam
estudados e articulados ao longo do estudo e também utilizamos alguns vídeos e
documentários para ampliar a compreensão sobre o aquecimento global e as mudanças
climáticas. Nesse estudo problematizou-se: Por que devemos nos preocupar com as mudanças
climáticas? Como elas interferem no nosso dia-a-dia? O que podemos fazer para diminuir os
seus efeitos e nos adaptar a eles? Quais as implicações do aquecimento global, e das
mudanças climáticas? Quais são vias para superar as problemáticas ambientais em curso?
Utilizamos da fotolinguagem, ou seja, do uso de imagens para suscitar a interpretação,
o diálogo e o exercício do pensamento simbólico.
A dinâmica da fotolinguagem tem se mostrado um excelente exercício do
pensamento simbólico. A imagem provoca relações, associações e comparações,
além de permitir certa liberdade, pois não estamos mostrando as imagens para serem
descritas, mas para serem associadas com a realidade de cada participante da
dinâmica. Trata-se de um exercício de abstração, na medida em que o participante
deve transcender o significado imediato da imagem (SCHMIDT NETO, 2013, p.
107).
Ao observarem as imagens e fotos que retratavam o impacto das ações humanas sobre
o planeta os alunos expuseram suas percepções sobre o que viam, pensavam e relacionavam,
esse foi um momento em que os estudantes articularam as questões estudadas, aos vídeos
assistidos, textos e livros lidos, assim como retomaram suas memórias e histórias de vida. Tal
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atividade e diálogo possibilitou pensar sobre a urgente necessidade de preservação do meio
ambiente.
No segundo encontro do Projeto trabalhamos articulações em torno do metatema
Sustentabilidade, Meio Ambiente e Sociedade e das especificidades da temática Água e
Preservação Ambiental problematizando a crise hídrica, o uso da água na produção industrial,
agrícola e social, bem como o desperdício, a escassez, a poluição e a necessidade de rever a
sociedade do consumo, do desperdício e a possibilidade de reutilização da água.
Após o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos iniciamos o estudo do
livro Pegada ecológica: qual é a sua? (INPE, 2012), que informa que:
Atualmente somos 7 bilhões de pessoas no mundo. Desse total, 1 bilhão já tem
problemas de acesso a água de boa qualidade, elemento fundamental na terra (crise
da água). Embora nosso planeta possua água em abundancia, a maior parte está nos
oceanos e não pode ser consumida. Apenas cerca de 2,5% da água e potável e a
maior parte está nas calotas polares, geleiras e no subsolo. O porcentual acessível,
ou seja, que está nos rios e lagos do planeta, é de 0,3%,que devem ser distribuídos
entre todos os seres vivos terrestres e de água doce. No entanto, essa pequena porção
vem sofrendo perdas significativas por processos erosivos, pelo uso excessivo e pela
contaminação por de esgoto não tratado e resíduos tóxicos (principalmente
agrotóxicos) (INPE, 2012, p. 2).
O infográfico “A água que você não vê” oportunizou que aos alunos refletissem e
dialogassem sobre a quantidade de água potável necessária para a produção de alguns
alimentos e bens de consumo. O infográfico possibilitou uma nova perspectiva na
compreensão sobre o metatema.
O vídeo: “Porque falta água no Brasil”, da Fundação Boticário, que apresenta a crise
hídrica, os impactos ambientais da ação humana e a necessidade de restaurar as nascentes e
margens de rios, conter o desmatamento, dentre várias outras ações a fim de reverter tal crise.
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Nesse dia disponibilizamos o gibi da Turma da Mônica “Água boa pra beber” para que os
alunos pudessem fazer a leitura em casa.
No terceiro dia do Projeto articulamos o metatema Sustentabilidade, Meio Ambiente e
Sociedade com as questões referentes à sociedade do consumo, à degradação do meio
ambiente e à destinação dos resíduos sólidos, a fim de desperta para a consciência dos 5rs
(reutilização, repensar, reduzir, recusar e reciclar) e para tal estudamos o livro Pegada
Ecológica: Qual é a sua? (INPE, 2012).
No quarto dia do Projeto o metatema foi articulado ao estudo do livro “O Futuro que
queremos: economia verde, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza” (INPE,
2012, p.10 -11). Vale destacar que:
A expressão economia verde refere-se à otimização de atividades que façam uso
racional e equitativo dos recursos naturais (socialmente inclusivo), emitindo baixas
taxas de gases de efeito estufa (economia descarbonizada), agredindo minimamente
o meio ambiente. Para isso, são necessárias novas tecnologias que permitam aos
diferentes segmentos da economia utilizar maquinários de baixo consumo
energético. Explica que os equipamentos domésticos devem ser econômicos no
consumo de energia (INPE, 2012, p. 2).
O Livro foi relacionado ao texto “Você sabia? De onde vem à energia elétrica?”, aos
vídeos “De Onde Vem a Energia Elétrica?#Episódio 03”; “Hidrelétrica principal fonte de
energia do Brasil” e “Como funciona uma Usina Hidrelétrica?” e a dois infográficos com
dicas reduzir o desperdício de energia. Tais articulações possibilitaram construir interfaces
entre os conceitos de economia verde; desenvolvimento sustentável; consumo consciente;
mudança de estilo de vida; energia: fontes, produção e consumo; energia elétrica, usinas
hidrelétricas e degradação do meio ambiente. E a partir de então dialogar sobre matrizes
energéticas que precisam ser substituídas por fontes de energia não poluentes e renováveis.
No quinto dia do Projeto aprofundou-se o conceito de sustentabilidade e de ações
sustentáveis, por meio do estudo de tópicos sobre as relações entre ser humano e meio
ambiente e, também, relações entre desenvolvimento e meio ambiente. Assim, retomou-se o
estudo do livro “O futuro que queremos: economia verde, desenvolvimento sustentável e
erradicação da pobreza” (INPE, 2012) e o articulou a vídeos “O que é sustentabilidade?” A
partir dos quais foi possível evidenciar o reconhecimento mundial (científico, político e
econômico) sobre a necessidade imperativa de ações em prol de um desenvolvimento
sustentável.
No sexto e último encontro do Projeto de Trabalho Transdisciplinar Sustentabilidade,
Meio Ambiente e Sociedade buscou-se pensar complexo ao recordar e articular os conceitos e
as compreensões elaboradas nas aulas anteriores.
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Considerações
Esse Projeto de Trabalho buscou pensar complexo e transdisciplinar sobre o metatema
Sustentabilidade, Meio Ambiente e Sociedade, considerando múltiplos conceitos, múltiplas
referências e muitas aulas práticas.
Avaliamos que alcançamos nosso objetivo e oportunizamos uma aprendizagem
significativa, transdisciplinar e de qualidade social. O presente estágio curricular
supervisionado desenvolvido nos anos iniciais do ensino fundamental, na modalidade EAJA,
foi um desafio, uma experiência gratificante e um estímulo para a definição dos temas de
pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso.
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