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ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança em Configurações Estéticas Setembro/2014 http://www.portalanda.org.br/anais 1 A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS EM INTERFACE COM A DANÇA Tatiana WonsikRecompenza Joseph (UFSM)* RESUMO: O texto é uma reflexão sobre a pesquisa “O gesto na dança e o corpo poético na língua brasileira de sinais: interfaces possíveis” , realizada como Projeto de Desenvolvimento Científico Regional, em Cuiabá e microrregião, com parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso, CNPq e Universidade Federal do Mato Grosso. Discutem-se interfaces entre a dança e a língua de sinais, gesto e corporeidade. Os referenciais teóricos utilizados foram Merleau-Ponty, Rudolf von Laban, Ronice Quadros, Nelson Pimenta. PALAVRAS-CHAVE: Dança. Língua de Sinais. Gesto. Corporeidade. THE BRAZILIAN SIGN LANGUAGE TO INTERFACE WITH THE DANCE ABSTRACT: The textis a reflection on the survey "the gesture in dance and the poetic body in Braziliansign language: possible interfaces", performed as Regional scientific development project in Cuiaba and region, with a partnership between Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso, CNPq and Federal University of Mato Grosso. It discusses interfaces between dance, signlanguage and gesture and corporality. The theoretical references used were Merleau-Ponty, Rudolf von Laban, Ronice Quadros, Nelson Pimenta. KEYWORDS: Dance. Signlanguage. Gesture. Corporality.

ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA · um curso de cem horas para surdos e ouvintes, e com duas oficinas de vinte horas para surdos que viajavam do interior

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A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS EM INTERFACE COM A DANÇA

Tatiana WonsikRecompenza Joseph (UFSM)*

RESUMO: O texto é uma reflexão sobre a pesquisa “O gesto na dança e o corpo poético na língua brasileira de sinais: interfaces possíveis”, realizada como Projeto de Desenvolvimento Científico Regional, em Cuiabá e microrregião, com parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso, CNPq e Universidade Federal do Mato Grosso. Discutem-se interfaces entre a dança e a língua de sinais, gesto e corporeidade. Os referenciais teóricos utilizados foram Merleau-Ponty, Rudolf von Laban, Ronice Quadros, Nelson Pimenta.

PALAVRAS-CHAVE: Dança. Língua de Sinais. Gesto. Corporeidade.

THE BRAZILIAN SIGN LANGUAGE TO INTERFACE WITH THE DANCE

ABSTRACT: The textis a reflection on the survey "the gesture in dance and the poetic

body in Braziliansign language: possible interfaces", performed as Regional scientific development project in Cuiaba and region, with a partnership between Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso, CNPq and Federal University of Mato Grosso. It discusses interfaces between dance, signlanguage and gesture and corporality. The theoretical references used were Merleau-Ponty, Rudolf von Laban, Ronice Quadros, Nelson Pimenta.

KEYWORDS: Dance. Signlanguage. Gesture. Corporality.

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Apresentação

A pesquisa relatada aqui é parte de um mergulho na língua de sinais iniciado há

doze anos, em 2002, e que se mantém até os dias de hoje, sempre com o olhar para a

sua transformação poética em dança. Neste percurso, discussões sobre relações entre a

língua de sinais, gesto e corporeidade estiveram presentes, concomitantes aos processos

criativos experimentados, os quais articulam materialidade da LIBRAS com estudos da

dança. A maneira como isto é feito progride atualmente para uma metodologia de trabalho

em dança com a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), a qual conta com a elaboração e

aplicação de recursos visuais e gráficos que foram nomeados pela pesquisadora de

“jogos coreográficos”. A comunicação feita no Comitê de Dança em Configurações

Estéticas, em ocasião do III Congresso da Associação Nacional de Dança –ANDA 2014

foi uma ilustração com aplicações (possíveis) destes jogos. Do ponto de vista dos

resultados alcançados, faz-se um relato da pesquisa “O gesto na dança e o corpo poético

na língua brasileira de sinais: interfaces possíveis”, realizada como Projeto de

Desenvolvimento Científico Regional, em Cuiabá e microrregião, financiada pela

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso e Conselho Nacional de

Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq) em parceria com a Universidade Federal do Mato

Grosso. Esta pesquisa teve duração de 18 meses1, devido à mudança de estado para o

Rio Grande do Sul (onde atualmente tem continuidade com novas reformulações).

Contexto da pesquisa

Esta pesquisa foi realizada em Cuiabá e microrregião, com surdos e ouvintes de

Cuiabá, Várzea Grande, Sinop, Campo Novo do Parecis, Pontes de Lacerda, Tangará da

Serra, Nova Xavantina, Vila Bela de Trindade e Poconé. Trata-se de um público que

forma parte importante da comunidade surda, com professores e alunos de escolas

inclusivas e escolas especiais, alunos da Universidade Federal de Mato Grosso

(ouvintes), intérpretes e instrutores da Língua Brasileira de Sinais. Contou com a oferta de

um curso de cem horas para surdos e ouvintes, e com duas oficinas de vinte horas para

surdos que viajavam do interior do Estado de Mato Grosso para a capital, dentro de várias

ações educativas realizadas pela Secretaria de Educação Especial/MT (Seduc). Os

1Esta reconfiguração social refere-se à mudança de um status de pesquisadora bolsista pelo CNPq,

atuando junto ao Programa de Pós-Graduação Estudos Culturais do Contemporâneo (ECCO) para o status de professora adjunta dentro da Universidade Federal de Santa Maria, como professora concursada.

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espaços físicos utilizados foram o Centro Estadual de Atendimento e Apoio ao Deficiente

Auditivo Profa. Arlete Pereira Migueletti (CEAADA), atualmente uma escola estadual

bilíngue, o Centro de Apoio e Suporte à Inclusão da Educação Especial (CASIES) –

ambos atendem a surdos de todo o Estado do Mato Grosso- e a Universidade Federal de

Mato Grosso (UFMT).

A pesquisa foi realizada entre outubro de 2011 e abril de 2013, e contou diferentes

grupos: de surdos, de ouvintes e grupos mistos (surdos e ouvintes).

Um pouco sobre a Língua Brasileira de Sinais

A Língua Brasileira de Sinais –LIBRAS- é uma língua de modalidade visual-motora,

que foi reconhecida “como meio legal de comunicação e expressão “dos surdos pela Lei

10436, de 24 de abril de 2002. O texto da lei afirma, em parágrafo único, que

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS a forma de

comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (Lei 10.436).

Trata-se de uma língua com estrutura própria, com uma gramática que se orienta e

se organiza espacialmente. Com a Lei 10.436 e o decreto 5626 que a regulamenta, houve

uma maior divulgação da LIBRAS devido à sua obrigatoriedade nos espaços da educação

como direito de acessibilidade ao surdo, que depende de sua língua natural para adquirir

conhecimento científico, cultural, humano, enfim, e todos os demais mecanismos sociais

que uma língua permite vivenciar. Existe uma grande divulgação da história da educação

dos surdos, resgatada como parte fundamental para a compreensão de seu processo

linguístico. É frequente, na literatura específica2 fazer-se referência ao Congresso

Mundial de Surdos em Milão, ocorrido em 1880, quando se definiu a corrente oralista para

a educação dos surdos. Desde aquela época as línguas de sinais foram proibidas e

estigmatizadas porque não eram reconhecidas como línguas. Em 1960 são iniciadas as

pesquisas linguísticas, com William Stokoe que demonstra ser a língua de sinais uma

língua genuína, no léxico e na sintaxe e na capacidade de gerar um número infinito de

proposições: “Stokoe convenceu-se de que os sinais não eram figuras, e sim complexos

símbolos abstratos com uma estrutura interna complexa.” (SACKS,1990, p.85). Stokoe

2 Ver Kojima e Segala (2008), Quadros eKarnopp (2004); Brito (1993), Quadros e Cruz (2011).

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reconheceu três partes independentes na formação dos sinais: a localização, a

configuração de mãos e o movimento executado. Em 2004, Ronice Quadros3 esclarece

que atualmente são reconhecidos cinco parâmetros fonológicos na estrutura gramatical

da língua de sinais: configuração de mão, ponto de locação, movimento, orientação da

mão e expressão não manual. Isto apenas para falar de fonologia. A gramática da

LIBRAS oferece um cabal enorme de possibilidades que podem ser exploradas em

processos criativos em dança, como componentes da morfologia e da sintaxe, através de

diferentes tipos de textos como poesias, piadas, narrativas infantis, textos formais. Para

este trabalho escolhemos apenas alguns dos aspectos da gramática da LIBRAS, que

serão apresentados ao longo do caminho. Em 1971 aconteceu o Congresso Mundial de

Surdos em Paris; neste evento as línguas de sinais4 foram novamente valorizadas,

destacando-se o fracasso da educação oralista. Com os avanços dos estudos linguísticos

pôde-se comprovar que as línguas de sinais são naturais5: “As línguas de sinais são

visuoespaciais e fazem uso de recursos diferentes dos usados nas línguas orais; no

entanto, apresentam organização formal nos mesmos níveis encontrados nas línguas

faladas” (QUADROS e CRUZ, 2011, p.09).

Apesar da Lei supracitada e do seu consequente ingresso nas Universidades,

ainda há um grande desconhecimento da LIBRAS, o que demanda esclarecer, muitas

vezes, o ouvinte a respeito de suposições equivocadas sobre sua materialidade e,

portanto, de sua potencialidade poética para a dança como um caminho dentro dos

processos criativos. Em meu trabalho de doze anos de pesquisa com a língua de sinais

para sua transformação em dança, deparo-me com falas que tendem a relacionar o objeto

língua de sinais no contexto da dança como algo específico para processos inclusivos ou

como tema próprio da educação especial. Reitero, deste modo, que esta pesquisa é uma

pesquisa em processos criativos, e não em educação especial. Não deixo de considerar,

porém, os discursos provenientes desta e de outras áreas, como a linguística, assumindo

3 Linguista que estuda a sintaxe da LIBRAS e fez um importantíssimo estudo da Língua Brasileira de Sinais

a partir de uma comparação com a Língua de Sinais Americana. 4Existem tantas línguas de sinais quanto línguas orais. É comum ouvintes que desconhecem a realidade do

surdo acreditarem que a língua de sinais é única; mas este é um equívoco fadado a ser esclarecido com a própria Lei 10436, que está possibilitando a divulgação linguística da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). 5As linguas naturais são aquelas que podem ser adquiridas pelas crianças, de forma natural e inconsciente,

através da interação com os seus falantes (no início da vida, principalmente com os pais), permitindo-lhes o desenvolvimento linguístico e cognitivo e servindo de suporte para a aprendizagem de outras línguas e todo o género de conhecimentos.

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um comprometimento ético mais do que um enquadramento estético. Do ponto de vista

artístico, não se trata de reproduzir a língua de sinais em cena, pura e simplesmente, ou

mesmo, neste momento, de utilizar da língua de sinais como espécie de citação estética

intercultural6. Minha proposta é uma reelaboração estética da língua de sinais em dança,

de modo que muitas vezes sequer se reconhece onde está a língua de sinais nos

resultados cênicos, mas cujo processo está imbricado em sua essência. Para tanto, é

impossível, para mim, entender como isso seria possível sem o mergulho na própria

língua e, portanto, sem a imersão na cultura surda. Ou seja, os surdos estão presentes na

pesquisa o tempo todo, em interface comigo e com os grupos de ouvintes com que

também trabalhei, sendo que foram aplicados os mesmos procedimentos -os quais

contam com os elementos da gramática da LIBRAS.

Atualmente há um grande movimento em prol do respeito às línguas de sinais e da

educação bilíngue, que garante tanto o letramento em português quanto o

desenvolvimento em língua de sinais. O trabalho do ator e pesquisador surdo Nelson

Pimenta é uma referência, com o desenvolvimento de materiais especializados em

LIBRAS. Vale a pena ressaltar mais alguns aspectos expressivos da língua de sinais,

visto que muitos não conhecedores da mesma ainda confundem língua de sinais com

gestos e mímica. O gesto, no sentido comum, é parte integrante da língua e da expressão

humana: é melhor não confundirmos a língua de sinais com linguagem gestual, em

respeito à história do surdo e de sua árdua conquista pelo seu direito linguístico.

Considerar a língua de sinais como uma “forma de expressão artística” é uma ocorrência

desde o século XIX. Lucinda Ferreira Brito, uma das linguistas pioneiras na pesquisa com

língua de sinais no Brasil, conta que quando iniciou sua pesquisa em 1979 encontrava

“pessoas falando sobre mímica (e não língua de sinais), e o assunto era tido como tabu”

(BRITO, 1993, p.2). Segundo a autora, na época se considerava que o papel dos

psicólogos era mais importante do que o papel dos linguistas. Do ponto de vista

linguístico, a língua de sinais não é mímica, nem uma “expressão gestual”. Ela é

acompanhada por expressão gestual, como a fala oral, mas tende a se tornar gramática

através da expressão facial e corporal. De fato, este componente corporal e facial é

fundamental para a língua, e sem ele a língua não existe. A expressão facial e a direção

dos olhos complementam a organização do espaço e do tempo, além de todo o conjunto

6 Este recurso pode ser encontrado em trabalhos de grupos como Cia 9, entre outros.

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de significações oferecidas pela língua. Fazemos aqui uma diferença entre língua e

linguagem, entendendo a língua como um sistema estruturado e codificado, e a

linguagem como intercomunicação de múltiplas naturezas entre sujeito e mundo, sendo

língua uma delas, e dança, outra. Neste sentido, a linguagem abrange outras formas de

expressão (ou comunicação) e a língua refere-se ao sistema de comunicação verbal. No

entanto, língua e linguagem estão intimamente associados. Linguistas demonstram que a

língua de sinais não é gesto, e não é uma “mistura de pantomima e gesticulação concreta,

incapaz de expressar conceitos abstratos” (QUADROS & KARNOPP, 2004, pp.31-36). No

entanto, dentro do contexto da dança, os sinais passam a ter uma significação de gesto.

Muitos também confundem a língua de sinais com a mímica, devido à sua característica

corporal, expressiva e espacial. Em muitos contextos, trata-se de construir imagens no

espaço: como exemplifica Segala (2008), o surdo, ao escrever a lista (de supermercado)

pensa primeiro no arroz, na embalagem com as cores, a marca, o tamanho. Ele projeta,

em sua mente, a imagem. Para cada produto, vê antes suas formas, tamanhos, cores e

tipos. Dada esta característica, muitas das imagens construídas podem ser reconhecidas,

o que faz parte de um entendimento do léxico em LIBRAS. Pode ser citado como exemplo

o relato de uma surda, durante a pesquisa, sobre sua visita a um engenho, quando ela

narra todo o processo de fabricação da rapadura, desde a moagem da cana até a prova

do gosto do doce ao final. Foi impressionante o seu desempenho em LIBRAS, e a

maneira como se fez entender com naturalidade, apesar de sua vivência recente com a

LIBRAS. Isto se explica devido à experiência visual que faz parte da maneira particular

dos surdos receberem o mundo, em relação aos ouvintes, e de interferirem no mundo

com sua linguagem. Gramaticalmente, chama a atenção o uso dos chamados

classificadores na língua de sinais. Esta especificidade da língua de sinais é bastante

complexa, sobretudo para falantes de uma modalidade oral como a nossa. Não se

poderá, aqui, esclarecer ao leitor sobre a definição e o uso dos classificadores

plenamente do ponto de vista linguístico, pois que as informações linguísticas aqui

reunidas o foram para fomentar a reflexão sobre esta nova área da linguagem, já que são

novidades no campo de pesquisa em artes. Do ponto de vista da dança, aproxima-se da

relação effort/shape proposta por Laban, dado que um tipo de classificador é aquele

quando o sinalizador incorpora referenciais da fala. Por exemplo, em uma piada surda em

que o sinalizador conta sobre três espadachins chineses, e com o corpo ele demonstra

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cada um dos espadachins descrevendo-os através do uso deste próprio corpo: um é

gordo, com cabelo comprido e uma espada fina, o outro é forte, careca e com uma

espada com a lâmina larga, o terceiro tem uma faixa a cabeça, é magro e a lâmina de sua

espada é larga de um lado e estreita de outro. Todas estas informações são passadas

através do recurso em que o sinalizador incorpora cada uma das personagens, ou seja,

assume a forma de cada uma delas em seu próprio corpo e situa cada uma delas em um

ponto diferentes do espaço (campo de enunciação).

Compreender esta proposta de interface entre a dança e a língua de sinais é

completamente diferente do que se faz comumente, entre ouvintes com os corais de

surdos. Cabe sublinhar, a respeito da arte e cultura surda que, segundo Strobel (2008), a

música não faz parte da cultura surda, embora os sujeitos surdos possam e tenham o

direito de conhecê-la como informação e como relação intercultural. Não se quer aqui

reincidir no que, segundo a autora, tem acontecido com frequência, que é a apresentação

de danças, corais e balés próprias da cultura ouvinte. Strobel afirma que melodias e

ritmos harmoniosos não foram criados pela cultura surda e sim pelos grupos ouvintes.

Esta advertência vale para a formação de corais de língua de sinais, prática criticada pela

autora porque não representa a cultura surda e muitas vezes é a produção de um

português sinalizado e não de uma tradução de fato para a LIBRAS.

Passemos à pergunta do como transformar a língua de sinais em dança,

desconfigurando-a conscientemente enquanto língua para uma nova configuração

estética na dança? E como estabelecer as relações entre prática e teoria a partir de um

reconhecimento do corpo poético na própria língua de sinais? A resposta a estas

perguntas é o que resulta no presente artigo.

Interfaces entre a LIBRAS e a dança: dimensões do corpo no espaço

Uma das características mais presentes no desenvolvimento dos processos

criativos em dança com a gramática da LIBRAS, dentro desta pesquisa, é o procedimento

adotado com todos os grupos com que trabalhei está baseado em uma relação simples

de uma analogia entre a macro-estrutura do corpo na dança refletida por uma micro-

estrutura do corpo na forma da mão na língua de sinais. Na dança, temos o corpo-espaço

como uma realidade expressiva que se estabelece de acordo com a contração ou

expansão da cinesfera, que é “a esfera de espaço em volta do corpo do agente na qual e

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com a qual ele se move. O centro da cinesfera é o centro do corpo do agente, e/ou o

corpo todo do agente* é a locação central da cinesfera”. (RENGEL, 2003,p.32). SILVA

(2002) esclarece, sobre a cinesfera, que

Pode-se entendê-la imaginando o corpo do sujeito envolvido por uma esfera na qual a periferia pode ser atingida pela amplitude dos movimentos deste, tomando por base a posição ereta, sem o deslocamento de seu ponto de suporte, que poderá residir em uma das pernas. A kinesfera, de acordo com Laban e Arruda (1988), entre outros, irá se formar com a união dos elementos Níveis, Planos e Dimensões. Ampliando esta ideia de kinesfera, Serra in Soraia (1994) argumenta que esta tem uma característica de elasticidade, que na vida cotidiana pode ser relacionada aos aspectos emocionais (estados introspectivos e extropectivos do ser humano) e que é variável de acordo com os movimentos executados pelo corpo, por isso, a “ocupação” desta será realizada de acordo com a necessidade de expressão de cada um (SILVA, 2002, p.121).

Na língua de sinais também temos o corpo-espaço que se organiza num contexto

de língua, em que entre o sinalizador e o interlocutor está o campo de enunciação. Os

sinais são realizados dentro deste campo, que se constitui pelos pontos possíveis que

incluem o próprio corpo do sinalizante e o espaço à frente de seu corpo (PIMENTA,

2006). Ronice Quadros e Lodenir Karnopp (2004) também esclarecem:

Na língua de sinais brasileira, assim como em outras línguas de sinais até o momento investigadas, o espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos dentro do raio de alcance das mãos em que os sinais são articulados (QUADROS & KARNOPP, 2004, p.57).

Do ponto de vista da dança, podemos dizer que o que se refere ao campo de

enunciação na língua de sinais corresponde a uma ênfase do espaço da cinesfera do

sinalizador, pois ele irá se mover dentro deste espaço. As primeiras estruturas que

estabelecemos são, pois, espaciais, em que o corpo pode explorar um espaço amplo ou

restrito. Do ponto de vista da cena, também propomos uma analogia visual, como se o

campo de enunciação se expandisse a tal ponto que tomasse todo o espaço cênico, e o

corpo do agente passasse a representar as mãos do sinalizador. Na figura abaixo

mostramos o desenho de uma mão e sobre o mesmo um esquema em que se visualiza

ou imagina o dedo médio como a extremidade cabeça e pelve ou conexão cabeça-cauda

no sistema Laban/Bartenieff (FERNANDES, 2006). Os dedos indicador e anelar seriam

membros superiores ou inferiores dependendo da orientação da mão:

Figura 1-possível esquema do corpo representado na palma da mão

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Deste modo, para uma configuração de mão podemos criar uma posição de corpo

de acordo com a maneira como imaginarmos como seria fazer aquela forma com o corpo

inteiro. As 46 configurações de mão descritas pela linguística como um dos parâmetros

fonológicos da língua brasileira de sinais podem ser interpretadas pelo menos como 46

posições do corpo7.

Como dito, cinco são os parâmetros fonológicos que formam um sinal. É preciso

deixar claro que um sinal não é uma configuração de mão, mas a articulação entre a

configuração de mão, o movimento, o lugar no espaço em que é executado (ponto de

locação), a orientação da mão e a expressão não manual (facial e corporal). Quando

vamos brincar de imitar o sinal com o corpo todo, estamos admitindo o movimento que

vem do impulso interno para o sinal ampliando-se para um movimento executado por todo

o corpo. Seguindo o mesmo raciocínio, podemos entender o eixo da porta que secciona o

corpo em parte anterior e posterior como a orientação da mão entre palma-dorso. Já o

ponto de locação no espaço de enunciação pode ser compreendido o lugar ocupado pelo

corpo no espaço cênico8.

Outros aspectos da gramática da LIBRAS podem ser relacionados com

procedimentos de criação em dança. Por exemplo, muitos sinais são realizados com as

7 Ver JOSEPH (2010). 8 Mais detalhamento ver JOSEPH(2010).

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duas mãos, e a mesma lógica usada para um sinal criado em movimento para uma

pessoa pode ser aplicada para a criação de movimentos em duplas.

Deste modo, assim como o movimento da dança pode ser analisado e descrito em

termos dos fatores, propostos por Laban (peso, espaço, tempo e fluência), o sinal pode

ser analisado e descrito em cinco parâmetros fonológicos. Para cada sinal transformado

em corpo pode-se variar as combinações dos fatores de movimento, criando-se uma rica

gama de possibilidades criativas. De modo a visualizar esta potência de articulação, foram

desenvolvidos os materiais tanto a partir da análise gramatical da LIBRAS quanto da

análise do movimento de Laban:

Figura 2-exemplo de materiais Laban/LIBRAS

Acima, à esquerda, dentro de pequenas flores de E.V.A. temos a análise dos níveis

(alto, médio,baixo), dos eixos (porta, roda e mesa), das ações básicas (socar, pontuar,

sacudir, torcer, deslizar, chicotear, pressionar, flutuar). À direita, temos formas

correspondentes às configurações de mão9. Pode-se, por exemplo, usar em combinação

a criação de uma configuração de mão com um sacudir do corpo todo, no nível baixo

seguida de um movimento com o corpo encolhido (como a mão fechada que representaria

dos dedos encolhidos tal qual as extremidades do corpo encolhidas) em salto (nível alto)

e assim sucessivamente.

Outros materiais foram desenvolvidos, a partir não só da Análise de Movimento de

Laban e da gramática da LIBRAS, mas de outros registros visuais provenientes de

práticas como o Lian Gong, a capoeira e outros. Esses materiais foram constituindo jogos

9Material desenvolvido por LSB video.

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que podem ser articulados de diversas formas, incluindo dados, fichas de texto,

vocabulários, permitindo as possibilidades dos jogos coreográficos.10

Assim, muitas são as possíveis interfaces entre a língua brasileira de sinais e a

dança, a partir da compreensão da corporeidade que constitui o sujeito tanto surdo quanto

ouvinte.

Reflexões sobre gesto, corporeidade e língua de sinais em interface com a dança

Em 2002, foi a intuição pré-verbal que me motivou a buscar pelo ambiente da

língua de sinais entre os surdos. Sentia que a dissolução dos signos da língua de uma

situação de uso, em movimentos de dança em um contexto cênico, era a essência da

poética corporal que eu queria para a minha dança. A ideia é muito parecida à colocação

feita por Merleau-Ponty: “O movimento abstrato cava, no interior do mundo pleno no qual

se desenrolava o movimento concreto, uma zona de reflexão e de subjetividade, ele

sobrepõe ao espaço físico um espaço virtual ou humano.” (MERLEAU-PONTY, 1999,

p.160). E´ isso que foi proposto como um dos procedimentos-chaves de criação a partir

do uso de elementos da língua de sinais: desmanchar o signo, que neste caso é concreto,

na criação de outros movimentos e situações de dança cujo interesse está no processo,

que entre outras coisas integra surdos e ouvintes através das brincadeiras e aplicações

dos jogos coreográficos –os quais, por sua vez, são elaborados com conteúdo escrito

tanto da gramática da LIBRAS quanto da análise do movimento proposta por Rudolf

Laban (1987) e figuras e vocabulários de outras práticas corporais. Os jogos

coreográficos são disparadores de estruturas de movimentos que podem ser

transformadas no processo, de acordo com a direção que se deseje; para a comunicação

do III Congresso da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança (ANDA 2014) foi

feita uma demonstração da aplicação desses jogos, que vieram dentro de uma caixa

chamada Caixa geradora de Criatividade., e que foram explorados com os grupos da

pesquisa em Cuiabá e microrregião. Em cada lateral da caixa, um jogo de ideias e

significações: na tampa, vem escrito A(s) gramática(s) da(s) ideias/A(s) ideia(s) da(s)

gramática(s); em um dos lados, vem escrito: Lingua(gem) (t)emMovimento; no outro lado,

lê-se Lingua (e)gen(te) em movimento. Os jogos oferecem caminhos de movimentos que

uma vez reconhecidos e integrados ao corpo, podem ser como referências a serem

10 Ver JOSEPH (2010), páginas 112 e 113, “Elementos que constituem a caixa geradora de criatividade”.

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apagadas para que o corpo faça o percurso que quiser neste espaço. Trata-se da

apreensão de uma significação, “mas apreensão motora de uma significação motora”.

(MERLEU-PONTY, 1999, p.198). Por exemplo, quando lidamos com o encadeamento

aleatório de sinais, sem a preocupação de seus significados linguísticos. Foram os

primeiros procedimentos que usamos: a seleção de um dado repertório de sinais

esvaziados de seu conteúdo gramatical para a composição de algumas frases de

movimento. Mas vale recuperar o sentido do gesto segundo a ótica fenomenológica.

Neste aspecto, antes de entrar na língua de sinais como sistema linguístico, entenda-se

gesto como a relação entremeada da percepção com o movimento, que “forma um

sistema que se modifica como um todo.” (MERLEAU-PONTY, 1999, pp143-204). O gesto,

nesta ótica fenomenológica, é uma expressão que integra o corpo ao seu contexto

espacial e situacional, na medida em que ele se dá espontaneamente em determinados

contextos, como uma ação aparentemente involuntária, ou seja, sem premeditação. Ao

olhar para uma pessoa sinalizando em LIBRAS, sentia um desejo de recuo linguístico:

que experiências do corpo no mundo poderiam levar àquela expressão corporal?

Façamos uma analogia com o que Merleau-Ponty coloca sobre os hábitos corporais como

o uso da bengala pelo cego, quando esta deixa de ser para ele um objeto porque sua

extremidade se torna uma zona sensível e torna-se o análogo de um olhar:

Os lugares do espaço não se definem como posições objetivas em relação à posição objetiva de nosso corpo, mas eles inscrevem em torno de nós o alcance variável de nossos objetivos ou de nossos gestos. Habituar-se a um chapéu, a um automóvel ou a uma bengala é instalar-se neles ou, inversamente, fazê-los participar do caráter volumoso de nosso corpo próprio. (MERLEAU-PONTY, 1999, p.199).

Sobre a íngua de sinais, antes de se tomar consciência da espacialidade da

gramática na língua de sinais, há um uso do corpo no mundo –a própria vivência em que

mundo e corpo são espaços contíguos- que constitui o corpo do que é também as

condições para que a língua de sinais se desenvolva com sua gramática própria. Isto

porque mundo e língua não se dissociam como dois universos paralelos, mas são dados

envolvidos um no outro. Não devemos confundir, aqui, este sentido do gesto com uma

falsa ideia de que a língua de sinais não seria uma língua mas apenas a combinação de

gestos (ver BRITO :1979). É mais apropriado inverter a relação entre gesto e fala e

entendermos, como coloca Merleau-Ponty, que

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“(...)a palavra, longe de ser o simples signo dos objetos e das significações, habite as coisas e veicule as significações. Assim a fala não traduz, naquele que fala, um pensamento já feito, mas o consuma”. (MERLEAU-PONTY, 1999, p.242)

O gesto a que nos referimos é aquele que desenha o próprio sentido, indicando

uma relação entre o homem e o mundo sensível. Este gesto não deixa de estar presente

na fala oral, nem na sinalização (fala em língua de sinais) e nem na dança: pelo contrário,

é ele que, sendo a manifestação imediata da vida humana através da percepção imersa

no mundo será fala, expressão e dança em diferentes contextos.

Esta abordagem para o gesto permite reconhecer uma interface entre o corpo na

dança e o corpo na língua de sinais através da poética da corporeidade, que assume em

si, a impressão de diferentes qualidades do mundo como o volume, o desenho das

formas, o ritmo e os diferentes tipos de movimento, por exemplo, presentes na sinalização

e na realização da dança. Situações do cotidiano como comer, pentear-se, maquiar-se,

andar de ônibus, usar computador (máquina de escrever, antigamente), ou o gesto

emotivo baseado em estados emocionais e psicológicos como morder os lábios, esfregar

as mãos, torcer-se são exemplos do que comumente chamados de “gesto” para a dança,

e alguns destes poderão ser encontrados gramaticalizados pela língua de sinais. O effort

que será expresso em gesto de valor tangível ou intangível, como propõe Laban (1970)

em seu Domínio do Movimento, aparece como valor tangível nos sinais chamados

“manuais” pela gramática da LIBRAS (QUADROS e KARNOPP, 2004), que tornam visível

os contextos de ação corporal quando se necessita traduzir o verbo “pintar” (da língua

portuguesa) para a língua de sinais: esta tradução, em língua de sinais, vem junto ao seu

contexto como pintar uma parede ou pintar um quadro. O sinal muda em cada um destes

contextos.

No processo criativo com a língua de sinais, o trabalho pode dirigir-se para uma

diluição de seu significado literal. Ao seu articular o sinal com o trabalho com ênfase em

algum fator de movimento, o sinal se dissolve de seu signo ganhando outra significação.

O uso dos classificadores na língua de sinais também oferece a oportunidade de

experimentação de diferentes effort sem, no início, passar pela racionalização. O corpo

como que veste (ou se investe) de diferentes imagens do mundo, trazendo o referente

(sobre o que está falando) para sua corporeidade.

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Durante a pesquisa desenvolvida em Cuiabá, algumas questões valem a pena ser

destacadas no sentido de se visualizar uma dimensão do alcance do que se pôde levantar

como dado qualitativo e quantitativo. Do ponto de vista social, segundo os dados

oferecidos por esta Secretaria da Educação do Estado de Mato Grosso em 2012, estavam

registrados nas escolas estaduais inclusivas, distribuídos entre 22 municípios11, o total de

283 surdos, sendo destes 126 locados no CEAADA e, em Cuiabá, 154, em Várzea

Grande, 43, correspondendo as cidades de Cuiabá e Várzea Grande a 69,6113074% ou,

arredondando para 70% dos surdos registrado nas escolas do Estado de Mato Grosso.

Durante as atividades de dança com os grupos, foi aplicado um questionário

com o objetivo identificar o conhecimento, por parte da comunidade surda pesquisada, a

respeito da dança, do que é a dança para o surdo, da arte e cultura surda e das possíveis

contribuições que pode haver entre surdos e ouvintes através da dança.

Foram recolhidos 24 questionários completos, o que corresponde a uma

amostra de aproximadamente 8,5% dos surdos do Estado e 12% dos surdos de Cuiabá e

microrregião. Infelizmente apesar de haver distribuído um maior número de questionários,

a interrupção da pesquisa em 18 meses antes de seu término previsto impediu uma coleta

mais representativa do ponto de vista quantitativo, porém, qualitativamente, permite dar

visibilidade a algumas características da comunidade surda jovem, contemporânea.

Foram coletadas mostras sobre o leque de repertório de textos em LIBRAS a que os

jovens haviam tido acesso, e resumidamente:

12,5% do total dos questionários ficaram em branco (provavelmente não foi

compreendido devido ao texto em língua portuguesa);

4,16% respondeu conhecer histórias infantis em língua de sinais (produzido

pelo Instituto Nacional de Educação do Surdo/INES);

37,5% conheciam Alice no País das Maravilhas, editado por Célia Regina

Ramos da Coleção Clássicos da Literatura em LIBRAS/Português, vol.I;

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Arenápolis, Araputanga, Barra do Garças, Cáceres, Campo Novo do Parecís, Campo Verde, Canarana, Confresa, Cuiabá, Denise, Nova Marilândia, Marcelândia, Nova Olímpia, Nova Xavantina, Peixoto de Azevedo, Poconé, Pontes e Lacerda, Primavera do Leste, Rondonópolis, Sinop, Sorriso, Tangará da Serra, Várzea Grande.

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50% conheciam vídeos de poesias, histórias infantis, fábulas de Esopo

sinalizadas e números em LSB, produzidos pela LSB videos-produções;

16,6% conheciam o Dicionário Digital da Língua Brasileira de Sinais,

desenvolvido pelo Programa Acessa São Paulo, produzido em CD-rom;

16,6% conheciam de um a dois livros específicos de histórias de surdos;

37,5% conheciam pelo menos um e até quatro filmes com a temática da surdez;

58,33% já foram a um evento ou atividade da Cultura Surda;

33,33% já trabalhou com história em língua de sinais e teatro surdo;

25% já trabalhou com poesia surda;

50% já fez dança em algum momento.

Ao final do questionário, foi proposto aos participantes que assinalassem, a

respeito de determinados conteúdos, quais seriam próprios da dança, quais da gramática

da LIBRAS e quais estava presentes nas duas áreas de conhecimento (acuidade visual,

organização espacial, pensamento visual, expressão corporal, uso de gestos, estudo do

movimento, tipos de deslocamento, expressão facial, comunicação de idéias, contato

visual e texto corporal). Para esta questão, 54,16% deixaram em branco, 4,1%

estabeleceu relações entre os conteúdos, 4,1% reconheceu apenas a expressão facial

como própria da dança e não fez mais nenhuma marca, e 20,83% reconheceu os

conteúdos como da dança, sem marcas para os conteúdos de língua de sinais.

Dado como característica das respostas dos questionários o grande número de

respostas em branco, tende-se a desconfiar da compreensão, por parte do público com

que se trabalhou, da leitura do questionário.

Autores como Carlos Skliar (1988; 1989), Ronice Quadros (2004; 2006), Lodenir

Karnopp (2004), Magali Schmidt (2006), Nelson Pimenta (2008), Karin Strobel (2008)

entre outros, chamam a atenção para o fato de a sociedade em geral demonstrar

preponderante preocupação com o nível de desenvolvimento do surdo na produção de

texto em português, sem de fato reconhecer que a língua de sinais merece, em si, a

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mesma atenção, o mesmo planejamento curricular, o mesmo estudo aprofundado e o

mesmo trabalho estético, com um alcance poético que lhe é singular.

Este alcance poético acima referido é expresso cenicamente.

O trabalho cênico demanda tempo de estudo, de reflexão, de percepção, de

registro e de direção e, antes de se falar em cena, pode-se falar em corpo.

Considerações finais

Deste modo, a primeira interface possível entre o corpo poético na Língua

Brasileira de Sinais e o gesto na dança pode ser encontrado nos estudos de Laban (1978)

quando o autor parte da observação e do estudo do movimento humano, certo de que são

sempre os mesmos elementos que o constituem, seja na arte, no trabalho, na vida

cotidiana.

Porém, é necessário dizer que muitos destes elementos se configuram, na língua

de sinais, como gramática linguística. Não se quer aqui, em hipótese alguma, levar a

confundir o que é gramática e próprio da área da Linguística com o que é dança, e por

isso, em respeito à História dos Surdos, poder-se-á incorrer em uma repetição exaustiva

de que língua de sinais “é língua, não é dança” ou “mímica”.

Nesta pesquisa, no trabalho com os surdos, eles demonstraram um interesse maior

pelas imagens mais legíveis, em termos de criação cênica, do que pelas imagens

abstratas, da “dança pura”. Os surdos adolescentes e crianças gostam de contextos em

que o corpo assume a forma dos objetos do espaço, de maneira muito semelhante à

lógica da mímica e à lógica imagética das animações (desenhos animados). Mas tanto

entre surdos quanto entre ouvintes, jovens e adolescentes, permanece uma ideia de

dança associada à música, consistindo uma (de)formação do senso comum em relação

ao “que é dança”, sinalizando algumas marcas do próprio sistema escolar, que ainda

apresenta grande tendência ao não reconhecimento da dança como área de

conhecimento.

Pode-se afirmar que o objetivo geral apresentado no projeto de pesquisa foi

alcançado. Propôs-se, como tal, desenvolver uma metodologia de criação cênica baseada

nos elementos em comum entre a corporeidade da língua de sinais e o gesto na dança. A

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intenção é proporcionar a grupos heterogêneos e multiculturais condições de realizarem

uma criação coletiva em dança de modo que a experiência em si, de criar e vivenciar

dança, permita aos participantes ampliarem seus conhecimentos.

Para finalizar, pode-se estabelecer interfaces entre a dança e a língua de sinais ao

se observar que em ambos os contextos identificamos: importância no uso do olhar para a

LIBRAS e do foco para a dança; importância e consciência no uso dopeso de partes do

corpo de forma diferente (classificadores em LIBRAS, effort e fatores de movimento em

Laban); expressão corporal para emoções em ambos (valor não tangível); uso de

diferentes planos e direções espaciais. Estas foram algumas convergências possíveis que

podem ser exploradas sem prejuízo da compreensão linguística da língua de sinais, ou

seja, sem se cair na perigosa armadilha de minimizar a língua de sinais em seu hemisfério

linguístico.

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https://www.essr.net/drupal/?q=pt/book/export/html/503 acesso in 23/10/ 2014.

*Tatiana WonsikRecompenza Joseph é graduada em Letras (Bacharelado e Licenciatura), Dança

(Bacharelado e Licenciatura), Mestre e Doutora em Artes (todas as titulações pela Universidade Estadual de

Campinas). Bailarina e pesquisadora, atualmente é professora Adjunta do Curso de Dança-Bacharelado da

Universidade Federal de Santa Maria. Líder do Grupo de Pesquisa Composição Coreográfica e Processos

Criativos/Arte e Cultura Surda.