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ANÁLISE As Origens e as Correntes Atuais do Enfoque Estratégico em Planejamento de Saúde na América Latina* Lígia Giovanella** * Esse artigo faz parte da dis- sertação Ideologia e Poder no Planejamento Estratégico em Saúde: uma discussão da aborda- gem de Mario Testa, apresen- tada à Ensp em 1989 para ob- tenção do título de Mestrado em Saúde Pública. A dissertação foi elaborada sob a orientação do Prof. Adolfo Horacio Chor- ny. ** Pesquisadora-Assistente do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Ensp/Fiocruz. A partir de um breve histórico do planejamento econômico e do planejamento em saúde na América Latina, a autora aponta três vertentes do enfoque estratégico do planejamento em saúde e suas origens: na discussão do planejamento para o desenvolvimento da América Latina, na administração estratégica empresarial e na discussão e crítica do método Cendes/Opas. BASES CONCEITUAIS E HISTÓRICAS DO PLANEJAMENTO ECONÔMICO E SOCIAL A noção mais simples de planejamento é a de não-improvisação. Uma ação planejada é uma ação não improvisada e, nesse sentido, fazer planos é coisa conhecida do homem desde que ele se descobriu com capacidade de pensar antes de agir, estando relaciona- do a todo processo de trabalho, e conseqüentemente, a toda vida humana, pois o trabalho é condição ine- rente à vida humana. De forma mais abrangente enquanto cálculo de futuro agir tendo como objetivo alcançar um fim determinado previamente podemos considerar o pla- nejamento como decorrência da calculabilidade e previ- sibilidade integrante da racionalidade concernente à sociedade capitalista moderna. Pensar o futuro e calcu- lar a ação presente e futura para atingir uma finalidade genericamente a maximização do rendimento em dinheiro é o ethos da sociedade moderna (Bourdieu, 1979). Calculabilidade e previsibilidade integram o sis- tema de disposições em relação ao mundo e ao tempo concernente à nova racionalidade instituída com o de- senvolvimento da sociedade industrial, passando a fa- zer parte da conduta razoável correspondente à razão capitalista. Calculabilidade e previsibilidade presentes no cotidiano de todos: no interior da casa, nos cálculos de economia doméstica e no pensar o futuro dos filhos, na indústria, no comércio, na especulação financeira.

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ANÁLISE

As Origens e as Correntes Atuais do EnfoqueEstratégico em Planejamento de Saúde naAmérica Latina*

Lígia Giovanella**

* Esse artigo faz parte da dis-sertação Ideologia e Poder noPlanejamento Estratégico emSaúde: uma discussão da aborda-gem de Mario Testa, apresen-tada à Ensp em 1989 para ob-tenção do título de Mestradoem Saúde Pública. A dissertaçãofoi elaborada sob a orientaçãodo Prof. Adolfo Horacio Chor-ny.

** Pesquisadora-Assistente doDepartamento de Administraçãoe Planejamento em Saúde daEnsp/Fiocruz.

A partir de um breve histórico do planejamentoeconômico e do planejamento em saúde na AméricaLatina, a autora aponta três vertentes do enfoqueestratégico do planejamento em saúde e suas origens:na discussão do planejamento para o desenvolvimentoda América Latina, na administração estratégicaempresarial e na discussão e crítica do métodoCendes/Opas.

BASES CONCEITUAIS E HISTÓRICAS DOPLANEJAMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

A noção mais simples de planejamento é a denão-improvisação. Uma ação planejada é uma açãonão improvisada e, nesse sentido, fazer planos é coisaconhecida do homem desde que ele se descobriu comcapacidade de pensar antes de agir, estando relaciona-do a todo processo de trabalho, e conseqüentemente,a toda vida humana, pois o trabalho é condição ine-rente à vida humana.

De forma mais abrangente enquanto cálculo defuturo — agir tendo como objetivo alcançar um fimdeterminado previamente — podemos considerar o pla-nejamento como decorrência da calculabilidade e previ-sibilidade integrante da racionalidade concernente àsociedade capitalista moderna. Pensar o futuro e calcu-lar a ação presente e futura para atingir uma finalidade— genericamente a maximização do rendimento emdinheiro — é o ethos da sociedade moderna (Bourdieu,1979). Calculabilidade e previsibilidade integram o sis-tema de disposições em relação ao mundo e ao tempoconcernente à nova racionalidade instituída com o de-senvolvimento da sociedade industrial, passando a fa-zer parte da conduta razoável correspondente à razãocapitalista. Calculabilidade e previsibilidade presentesno cotidiano de todos: no interior da casa, nos cálculosde economia doméstica e no pensar o futuro dos filhos,na indústria, no comércio, na especulação financeira.

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Na sociedade tradicional — pré-capitalista — oque impera é a previdência: "pré-vidência", antevi-dência, um ver de antemão determinado pela tradiçãodo sempre foi assim e assim será, como ciclos naturaisque se repetem sempre da mesma forma. Nessa socieda-de, a riqueza vem da natureza, a terra produz o valor.O trabalho vale em si e não vale pelo valor que produz:um homem digno é um homem sempre ocupado. Oresultado do trabalho camponês, expressado na colhei-ta, depende da natureza e não do próprio trabalho,da ação pensada, pois o futuro a Deus pertence. Pelatradição conserva-se o que é, a mudança não é cogita-da. Previdência na sociedade tradicional tem o signifi-cado de um futuro imposto como o único possível.

Na sociedade moderna (capitalista), a previsãoé resultado de um cálculo e pressupõe um outro futuropossível. O futuro não está predestinado, já não per-tence a Deus, mas resulta da ação de homens e mulhe-res sobre a natureza. O valor — a riqueza — é produtodo trabalho e o espírito de cálculo, objetivando maiorprodutividade e maiores ganhos, é exigência da própriaeconomia capitalista (Bourdieu, 1979).

Com a industrialização os processos de trabalhocomplexizam-se, fragmentam-se, especializam-se e suaorganização racional impõe-se. Cada indústria precisatornar-se uma máquina bem azeitada e, cada vez mais,os processos de trabalho vão sendo organizados. Éassim que as primeiras elaborações teóricas mais siste-matizadas sobre planejamento referem-se à organizaçãoda produção industrial nos primordios da adminis-tração científica" quando, em 1916, Henry Fayol, aoeditar o seu livro "Administração Industrial e Geral",coloca a previsão como um dos elementos da adminis-tração. Previsão é entendida aí enquanto projeção,cálculo de futuro, e a programação objetiva facilitara utilização de recursos e a escolha dos melhores meiosa empregar para atingir o objetivo desejado de máximaeficiência, máximo lucro.

E enquanto função administrativa que o planeja-mento tem o seu desenvolvimento, e métodos e técni-cas são elaborados. E no interior da empresa o seulocus. Inicialmente de maneira fechada e cada vezmais levando em consideração as flutuações do meioambiente. Progressivamente complexizam-se seus pro-cedimentos, chegando até a técnicas de projeção dediferentes cenários. Quanto mais complexo o que seplaneja — o objeto do planejamento — maior numerode variáveis a serem consideradas para o cálculo futu-ro. Impossível conhecer e controlar todas as variáveise, ainda que conhecidas todas as variáveis, difícil esta-belecer todas as relações causais. Impossível esmiuçarcompletamente o presente, e o planejamento empresa-rial atual propõe-se, então, a diminuir esta variabi-

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lidade e pensar probabilidades de atingir-se os resulta-dos desejados.

Calculabilidade e previsibilidade são parte tam-bém da ação consciente na construção da história futu-ra. E, se já a própria revolução soviética resulta deum processo onde o cálculo e a previsão estão presen-tes — a possibilidade de um futuro diferente é afirmada—, após a revolução o planejamento vem dar raciona-lidade às transformações almejadas para toda a socieda-de. E a primeira proposta de planejamento social surgena forma de um plano setorial na União das RepúblicasSocialistas Soviéticas quando, em 1918, é elaboradoo primeiro Plano Nacional de Eletrificação. Porém,somente após uma década de governo socialista, éelaborado o primeiro plano global: lo Plano Qüinqüe-nal (1928 a 1932). Na sociedade socialista, com ainstituição da propriedade social dos meios de produ-ção, o plano vem para substituir o mercado como ins-trumento de alocação de recursos e distribuição deprodutos e estabelecer justas proporções entre produ-ção e consumo, oferta e demanda e entre os váriosramos da economia, com o propósito de satisfazer asnecessidades de todos os membros dessas sociedades(Giordani, 1974).

Nas sociedades capitalistas baseadas nas "livresleis de mercado", no laissez faire, o planejamentoeconômico e social só é admitido após a crise econô-mica mundial dos anos 30 — profunda e prolongadadepressão. Por essa época John M. Keynes, economistainglês, propõe uma maior intervenção do Estado naeconomia, com o intuito de diminuir a importânciae freqüência das crises. Para Keynes é preciso dotaro Estado de instrumentos efetivos de política econô-mica que lhe permitam regular a taxa de juros, aumen-tar o consumo e expandir a inversão, visando o plenoemprego. Keynes propõe maior dirigismo e racionali-dade: propõe planejamento estatal (Keynes, 1978).

Suas formulações são assumidas na Europa princi-palmente após o final da Segunda Guerra Mundial.Os primeiros planos são feitos em 1948 pelas naçõeseuropéias participantes do Programa de RecuperaçãoEuropéia ou Plano Marshall. Nessa ocasião, foram ela-borados planos integrais para quatro anos, com o intui-to de ordenar a produção e resolver a situação econô-mica e política nas zonas devastadas. Resolver a situa-ção política e econômica era também a forma maiseficaz de contrapor-se ao avanço do mundo socialistaemergente e presente no continente europeu após apartilha da segunda guerra (Giordani, 1974).

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O PLANEJAMENTO NA AMÉRICA LATINA E ASORIGENS DO PLANEJAMENTO DE SAÚDE: OMÉTODO CENDES/OPAS

Na América Latina, o planejamento é introduzidoa partir da década de 40, por influencia da ONU ede um pensamento próprio que entende ser necessáriosuperar as diferenças econômicas com os países capita-listas centrais. Aqui o planejamento é entendido en-quanto instrumento para o desenvolvimento, e desen-volvimento significa crescimento do produto nacional,aceleração do ritmo deste crescimento. Desenvolvi-mento significa industrialização, modernização, e aracionalidade do cálculo econômico e do planejamentoas acompanha.

E principalmente através da Comissão Econômicapara a América Latina — Cepal — organismo interna-cional ligado a ONU, que se difunde a noção do plane-jamento enquanto necessidade para alcançar o desen-volvimento. Esta noção é baseada numa teoria queexplica o subdesenvolvimento pela tendência à deterio-rização dos termos de troca entre os países capitalistascentrais — economias industrializadas com produçãodiversificada e tecnicamente homogênea — e os paísesperiféricos — economias exportadoras de alimentos ematérias-primas aos países centrais com produção mui-to especializada e tecnicamente heterogênea (Cardosode Melo, 1984). Na noção difundida considerava-seque através do planejamento, poder-se-ia romper comessa tendência, promover a industrialização e, atravésdela, alcançar o desenvolvimento.

O planejamento é, então, introduzido na AméricaLatina enquanto método de seleção de alternativasque otimiza a relação entre objetivos e instrumentoscom o propósito de crescimento, pois dentro das teo-rias desenvolvimentistas, entende-se ser o crescimentoa solução para o subdesenvolvimento. Somente a acele-ração do crescimento pode diminuir a distância comos países desenvolvidos: esta é a compreensão quecaracteriza o planejamento da década de 50 (Matus,1978).

As propostas de planejamento na América Latinaforam inicialmente elaboradas para a economia, mas,progressivamente, o campo de atuação para o planeja-mento é ampliado, sendo introduzido também nos seto-res sociais. Na saúde os primeiros programas surgemcomo decorrência da carta de Punta del Este. Em 1961os EUA, através da Organização dos Estados America-nos — OEA —, promovem uma reunião de Ministrosdo Interior dos países das Américas, em Punta delEste, no Uruguai, onde é lançado o "Programa Aliançapara o Progresso". Este programa é parte da políticanorte-americana do período Kennedy que colocava ên-

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fase nos obstáculos internos ao desenvolvimento (Car-doso, 1980). Considerava os problemas sociais e políti-cos como obstáculos internos ao desenvolvimento eentendia o subdesenvolvimento, pelos seus ingentesproblemas sociais, como campo fértil para a prolifera-ção de idéias alienígenas — socializantes. Com a"Aliança para o Progresso", através do financiamentode projetos sociais, pretendia-se contrapor à expansãodessas idéias, cujo exemplo de Cuba não se queriadeixar reproduzir. A "Aliança para o Progresso" surge,portanto, como aliança para o desenvolvimento e con-tra o socialismo, com clara intenção de controle social.

E, pois, com essa intenção que, na reunião dePunta del Este, toma-se a decisão de incorporar ossetores sociais à planificação do desenvolvimento. Me-tas sociais são acordadas entre países participantes,e o Banco Interamericano de Desenvolvimento e oBanco Mundial — Banco Internacional de Reconstru-ção e Desenvolvimento — sob a égide do FMI, sãoencarregados de financiar os projetos para o alcancedessas metas.

Para a área de saúde, a Carta estabelece objetivose, por vezes, quantifica metas para o decênio próximoem relação a: taxas de mortalidade para certas idadese doenças preveníveis; saneamento e alimentação; or-ganização dos serviços de saúde; planejamento de saú-de. Comprometem-se os países signatários da Cartaa: reduzir a mortalidade de menores de 5 anos deidade; erradicar a malária e a varíola; intensificar ocontrole da tuberculose e das doenças entéricas; me-lhorar a alimentação e a nutrição aumentando a inges-tão de proteínas; abastecer de água potável e serviçosde esgoto pelo menos 70% da população urbana e50% da população rural; melhorar a organização dosserviços de saúde e aumentar o seu rendimento, procu-rando que se atenda cada vez melhor um número maiorde enfermos com atividades de prevenção e cura; am-pliar a formação de profissionais e auxiliares em saúde;criar nos ministérios de Saúde unidades de planeja-mento integradas aos organismos de planejamento dodesenvolvimento econômico e social; melhorar as esta-tísticas vitais e sanitárias; elaborar planos decenaisnacionais de saúde; ter como meta geral o aumentode cinco anos na esperança de vida ao nascer de cadapessoa (OPS/OMS, 1971).

A Organização Pan-Americana de Saúde — Opas— fica encarregada de avaliar os projetos elaborados,objetivando o alcance dessas metas, e de ser a fiadoradestes frente às agências financiadoras. Cabia aindaà Opas a função de assessorar os países na elaboraçãode seus planos e de promover a formulação de procedi-mentos para o planejamento de saúde, pois faltavaum método para a elaboração dos planos.

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Até então, na Opas, trabalhava-se por objetosisolados e seus técnicos quase que desconheciam oplanejamento, não havendo um método que permitisseformular planos globais de saúde e, por isso, AbrahamHorwitz, diretor da Opas na época, logo após a reuniãode Punta del Este, dirige-se a Caracas para contatoscom Jorge Ahumada, diretor do Centro de Estudosdo Desenvolvimento da Universidade Central da Vene-zuela — Cendes-UCV. Economista e professor de pla-nejamento econômico, Jorge Ahumada dispõe-se a par-ticipar da elaboração de um método de planejamentode saúde e sugere que, para tal, seja tomado comobase um trabalho realizado por Mario Testa, quandoaluno do mestrado de planejamento econômico no Cen-des. Ahumada estivera interessado em saber se o méto-do de planificação econômica podia ser aplicado auma área social e por isso solicitara a Mario Testa,que era médico, que realizasse um trabalho nesse senti-do. O diretor da Opas aceita a sugestão, sendo entãoformada uma equipe de trabalho para a elaboraçãode um método de planejamento de saúde. Dessa equipeparticiparam o próprio Ahumada e Mario Testa peloCendes, Alfredo Arreaza Guzmán, médico sanitaristavenezuelano da Escuela de Salud Pública, Mario Pizzi,médico chileno dedicado à estatística de saúde e inte-grante do Ministerio de Sanidad y Asistencia Social,e, pela Opas, Eduardo Sarué, também dedicado à esta-tística medica, e Hernán Durán, sanitarista.

Tomando como base o trabalho de Testa e o mode-lo do planejamento econômico, esta equipe elaborouo método de planejamento em saúde que ficou conhe-cido como "método Cendes/Opas". Este método foieditado pela Opas, em 1965, na sua Publicação Cientí-fica número 111, sob o título: Problemas Conceptualesy Metodológicos de la Programación de la Salud(OPS/OMS, 1965).

Para a elaboração do método Cendes/Opas é reali-zada uma transposição rígida do planejamento econô-mico normativo, de linha cepalina, para a saúde, resul-tando num método de planejamento de saúde ondea realidade deve funcionar enquanto norma e cujo obje-tivo é otimizar os ganhos econômicos obtidos comsaúde e/ou diminuir os custos da atenção, sendo aescolha de prioridades feita a partir da relação custo/benefício. Nesse método, a formulação do plano éiniciada com a realização de um diagnóstico: dos pla-nos e de seus condicionantes, dos recursos, com suaforma de organização (instrumentação) e rendimentocorrespondente, e da alocação dos recursos aos danos.A partir desse diagnóstico, é feita uma seleção deprioridades e proposta uma nova organização de recur-sos, relacionando-se então os instrumentos normali-

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zados aos danos priorizados, com o intuito de alcançarmaior eficácia e eficiência nas ações de saúde.

Esta é uma proposta tecnocrática, onde o planeja-dor, baseado em seus conhecimentos técnicos "neu-tros", faz o plano e estabelece prioridades. E um méto-do normativo e economicista, onde a norma — o deveser — tem como fundamento principal a relação custo-benefício.

No texto de apresentação do método Cendes/Opas, inicialmente, propõe-se a elaboração de um mé-todo baseado nos anos de capacidade produtiva perdi-da. Idéia que os autores dizem ser abandonada pelasdificuldades de cálculo e falta de dados disponíveis.Propõe-se pensar a capacidade potencial produtiva —o número de anos/pessoa que dispõe uma comunidade,utilizável em qualquer tipo de atividade — a partirda determinação da esperança de vida para cada idade.A idéia era verificar quantos anos/meses de capacidadeprodutiva eram perdidos quando uma pessoa ficavadoente ou morria em tal ou qual idade. Não se esque-cendo de verificar os recursos gastos pela sociedadena formação da pessoa. Nessa concepção, se uma pes-soa morre, por exemplo, aos dezoito anos, tem-se umaperda maior do que com uma que morra aos 5 anosde idade, pois a quantidade perdida de anos de capaci-dade produtiva potencial é quase igual, mas os recursossociais investidos não. No jovem, a sociedade investiu,por 18 anos, recursos para a sua formação, e ele malcomeçou a produzir. Essa idéia de anos de capacidadeprodutiva perdidos orienta o método, porém, não sãoapresentados procedimentos para seu cálculo pela difi-culdade/impossibilidade que apresenta.

A norma geral para determinar a alocação de re-cursos nesse método é a obtenção de máxima produtivi-dade, máxima eficiência: um máximo de produto porunidade de recurso empregado, e o problema na progra-mação em saúde consiste então em como melhor empre-gar os recursos, ano por ano, para conhecer os distintosdanos de forma mais eficiente. Para isso, o procedi-mento mais importante é a determinação de quantose gasta, no total, no ataque a cada um dos danose qual o custo por morte evitada e por caso reparado.Análise que, por ser complexa, deve ser feita apenaspara os danos principais, selecionados a partir doscritérios de "magnitude", "transparência" e "vulnera-bilidade" aplicados às causas de morte.

Para o cálculo do custo unitário do ataque a cadadano, realiza-se inicialmente um inventário dos recur-sos disponíveis e das ações realizadas. Os recursosinventariados são relacionados aos seus usos atravésda sua agrupação em instrumentos, tarefas e técnicas*

* Instrumento é um conjunto he-terogêneo de recursos utilizadosna realização de uma tarefa ecombinados proporcionalmenteentre si segundo critérios de efi-cácia e eficiência. Tarefa é todoconjunto de ações seqüenciaisrealizadas para alcançar um obje-tivo definido e mensurável. Co-mo exemplo de uma tarefa temosa hospitalização, cujo instrumen-to denomina-se leito hospitalar.A técnica é o conjunto de tarefasrealizadas para o ataque a umdano, por exemplo: vacinação +tratamento ambulatorial + hospi-talização constituem a técnica deataque a uma doença qualquer.

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Analisada a composição dos instrumentos e seurendimento esses são comparados com uma norma paraa composição, grau de utilização e rendimento, identi-ficando-se possíveis deficiências de instrumentaliza-ção, baixo rendimento etc. Desse modo são normali-zados instrumentos e tarefas e são estabelecidas metasde rendimento, tendo-se um modelo normalizado daorganização dos recursos.

Conhecendo-se a composição do instrumento emtermos de recursos, o custo da unidade dos recursose o tipo e número de tarefas e técnicas utilizadas,pode-se calcular quanto custa o ataque a cada dano,qual o custo por morte evitada.

Conclue-se a eleição de prioridades pela ordena-ção dos danos, analisados segundo os custos, de formacrescente, sendo considerado prioritário o dano cujocusto para evitar uma morte é o menor. Alocam-seentão os recursos (instrumentos e técnicas normali-zados) ao dano prioritário, até alcançar-se a taxa demortalidade que permita essa técnica mais eficiente,passando-se subseqüentemente para os danos de menorprioridade. Como existem doenças não-redutíveis, cujavulnerabilidade zero as exclue das prioridades, sugere-se separar recursos para sua atenção, pois considera-seesta demanda uma exigência da comunidade.

Esses são, em síntese, os conteúdos principaisdo método Cendes/Opas. Para a divulgação do méto-do, já antes de sua publicação, a Opas promoveu emconjunto com o Ilpes (Instituto Latino Americano dePlanificação Econômica e Social) a capacitação de fun-cionários de órgãos de saúde na utilização do novométodo, através da realização de cursos em váriospaíses como Venezuela, Chile, Colômbia, Argentinae, já a partir de 1963, sistemas de planejamento emsaúde começaram a funcionar. Em 1968 foi criadoo Centro Pan-Americano de Planificação de Saúde,que passou a funcionar junto ao Ilpes, em Santiago.Esse centro, que funcionou até 1975, intensificou acapacitação de "funcionários de alto nível" e divulgouamplamente o método.

A idéia de que a formulação de planos nacionaisera um pré-requisito para obtenção de financiamentosperdeu força à medida que a expectativa de cooperaçãoexterna, através da "Aliança para o Progresso", tam-bém se diluíra (OPS/CPPS, 1975). Mas a idéia doplanejamento vingou, e muitos países passaram entãoa fazer planos de saúde utilizando, em sua estruturabásica, o método Cendes/Opas. Cada país apresen-tando, porém, peculiaridades nos seus sistemas de pla-nejamento e na aplicação do método.

Quando os países começaram a fazer planos, co-meçaram também a aparecer problemas que o métodonão resolvia, o que levou à incorporação de algumas

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modificações ao método. Uma delas foi a inclusãodo diagnóstico institucional, passando-se a considerardiferentes instituições prestadoras de serviços, poisno método inicial isto não ocorria. Propunham-se ape-nas divisões por regiões e áreas como se existisseum sistema único de saúde. Outra incorporação foia da "política" como um fator interferente para arealização dos planos, passando-se a considerar a im-portância de aumentar as propostas governamentais.

Por vários anos o método foi desse modo difun-dido e, ainda que sofrendo críticas, tentativas parasua aplicação foram feitas. Já no final dos 60 há des-contentamento dos planejadores com o método pelasdificuldades para a sua aplicação, porque políticos eadministradores não seguiam os planos elaborados. Nométodo Cendes/Opas, por ser um método normativo,— mesmo após a incorporação da política enquantoum fator — considera-se que apenas um ator planejacom plenos poderes, supondo sempre o consenso ouo quase-consenso. Desconsideram-se conflitos e dife-rentes interesses. Desconsidera-se a existência de inte-resses contraditórios quanto à saúde e sua atenção,como se houvesse uma decisão política, a priori, favo-rável ao emprego mais racional dos recursos visandoa maior eficiência. Estando, então, o técnico-plane-jador encarregado de implementar esta decisão. O pla-nejador é entendido como um técnico a serviço dopolítico. Acontece, porém, que essa decisão não existea priori. A realidade não se limita ao "deve ser"da norma. A situação é de conflito e disputa pelopoder e não de consenso, e a política implantada éo resultado de todo um conjunto de disputas e acordos.

Os planos elaborados pelo método Cendes/Opas,cujo suposto objetivo seria operacionalizar a decisãogovernamental de maior racionalidade numa situaçãode consenso, não são executados, pois não existe essadecisão e a situação não é de consenso. Ao não consi-derarem a variabilidade e complexidade da realidade,os conflitos e os diferentes interesses não dão contadessa realidade, tornando-se pouco úteis para a inter-venção. Tornam-se, apenas, livros-planos adormecidosno interior das gavetas. O método cai, então, em des-crédito e, já em 1973, a própria Opas em sua Publica-ção Científica no 272, assume o fracasso do método.

Pode-se dizer que atualmente o Cendes/Opas en-quanto um método de programação como um todonão é mais utilizado, porém, como resultado da suaampla divulgação, alguns de seus componentes aindapermanecem e, se não são aplicados, pelo menos aindacontinuam sendo ensinados em variados cursos. Umexemplo do que ficou é a eleição de prioridades basea-da nos critérios de magnitude, transcendência e vulne-rabilidade, assumindo-se, assim, ainda, uma visão tec-

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nocrática da programação de saúde. Tecnocrático temaqui o sentido literal do termo: o poder da técnicana definição de prioridades. Quer dizer, a partir deum conhecimento técnico e da avaliação que é feita,também pelo técnico, da importância de um determina-do grupo social, são definidas prioridades.

Por outro lado, também considero que alguns as-pectos do método continuam atuais para a programaçãode saúde, pela sua adequação enquanto procedimentospara uma análise e cálculo de recursos. É o caso dadefinição do instrumento e análise de sua composição(a organização dos heterogêneos recursos necessáriosà realização de uma tarefa), da análise do rendimentoe grau de utilização dos instrumentos, da quantificaçãode tarefas realizadas, da comparação desse observadocom algum parâmetro normativo.

A época, o descrédito do método Cendes/Opasnão advém apenas de problemas internos ao método,— não está em questão apenas um método de planeja-mento de saúde — o que está em discussão são aspróprias teorias desenvolvimentistas orientadoras daspropostas de planejamento como instrumento para asuperação do subdesenvolvimento. Para o planejamen-to econômico, já na metade dos anos 60, questiona-mentos começam a ser feitos, pois verifica-se que ummaior ritmo de desenvolvimento alcançado num paísnão fazia esse menos dependente nem levava à soluçãodos problemas diagnosticados, como, por exemplo, aconcentração de renda e o desemprego. Perguntas co-mo: Qual a direção do desenvolvimento? Aceleraçãoaté aonde? são realizadas. Pensar na direção significamudar os processos em curso. Mudar os processossignifica pensar no político, pensar uma estrutura derelações de poder, um sistema de decisões, um padrãode relações com o exterior, uma definição das relaçõessociais de produção que caracteriza a sociedade quese pretende construir (Matus, 1978). O político preci-sa, então, ser incorporado ao planejamento não maiscomo um fator, mas como objeto do planejamento.Começam aí as formulações de planejamento estra-tégico.

Carlos Matus, então diretor do Serviço de Asses-soria do Instituto Latino-Americano de PlanificaçãoEconômica e Social — Ilpes — partilha desses questio-namentos escrevendo, em 1968, Estrategia y Plan,texto publicado em 1972. Nesse trabalho Matus assu-me que a direcionalidade do desenvolvimento deveser a mudança de estruturas e sugere um rumo paraa abordagem dos grandes problemas enfrentados peloplanejamento, propondo a formulação de estratégiasde desenvolvimento que apresentem a coerência neces-sária entre eficácia econômica e eficácia política.

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Já nesse texto, Matus diferencia entre procedi-mentos normativos e procedimentos estratégicos. Peloprocedimento normativo define-se um conjunto deações necessárias para cumprir um objetivo fixado apriori, impondo-se sobre a realidade uma norma deconduta coerente com os objetivos. Nesse procedi-mento a trajetória entre a situação inicial e o objetivoé uma trajetória eficaz que deve substituir o comporta-mento real. O procedimento estratégico pressupõe res-postas do sistema às ações para sua alteração, e anorma é o ponto para o qual se quer encaminhar ofuncionamento do sistema. A trajetória é flexível, su-jeita a revisões de acordo com as circunstâncias, ea busca da modificação do sistema baseia-se no conhe-cimento da realidade e não numa imposição sobre arealidade.

A norma, fundamento do procedimento normati-vo, diz Matus, é uma categoria do necessário e aestratégia é uma categoria do possível em função donecessário. Na estratégia a condução do processo nãoestá dissociada da sua orientação (Matus, 1978).

A estratégia, para Matus, é uma análise e umpropósito para o futuro, onde se integram o econômicoe o político social. O necessário é conflitivo, diz ele,e a consideração do conflito, contradições, oposições,acordos — a análise de viabilidade política — diferen-ciam entre o procedimento estratégico e o normativo.Propõe a construção de um modelo que funcione comoa realidade, reagindo e dando respostas a simulações/ensaios de fatos e perturbações. Um modelo que possapermitir a dedução de uma política viável, capaz deaproximar-se dos objetivos perseguidos.

Essa discussão com alguma defasagem de tempoatinge também a área da saúde. As críticas às teoriasdesenvolvimentistas e ao planejamento econômico, de-correntes da situação político-econômica dos paíseslatino-americanos, somadas a problemas internos aométodo Cendes/Opas, produzem o descrédito dessemétodo.

Contribuem também para esse descrédito as pro-postas de extensão de cobertura dos serviços de saúdesurgidas no início dos anos 70. Na terceira ReuniãoEspecial de Ministros de Saúde das Américas, realizadaem 1972, propõe-se a extensão dos serviços de saúdepara populações urbanas e rurais até então desassis-tidas (OPS/OMS, 1975). O método Cendes/Opas nãotem resposta a essa proposta, pois, a análise da capaci-dade instalada, sua expansão e tecnologia não sãosuficientemente elaboradas para tal.

Em 1973 é escrito pelo Centro Panamericano dePlanificación de la Salud o documento Formulaciónde Políticas de Salud. Nesse documento as relaçõesentre as forças sociais, os conflitos e a viabilidade

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do planejado são abordadas. A análise de viabilidadepassa a ser parte integrante do processo de planeja-mento. E entendida enquanto possibilidade políticado plano ser executado sendo, então, consideradospossíveis aliados e oponentes. Para a análise de viabili-dade, são estudadas quais oposições surgirão ao planoe as formas de reagir frente a estas e quais acordosserão necessários para alcançar a execução do plano.

Neste documento, estratégia tem o sentido daseleção de meios, intensidade e oportunidades de açãoe discussão, que exige a dialética das vontades enfren-tadas (OPS/CPPS, 1975).O planejamento é situadono campo das decisões políticas. A análise da política— dos processos que conduzem à tomada e execuçãode decisões — é considerada fundamental para o plane-jamento.

Para Uribe, o documento apresenta uma contradi-ção básica: o conflito assumido no marco interpretativodo processo político desaparece no esquema apresenta-do para a formulação de políticas ... de maneira queeste processo reduz-se a uma seqüência de etapas emque se afirma a vontade da autoridade política (qual-quer uma). O conflito só reaparece na análise de viabi-lidade (elaboração da estratégia) quando se trata, nãode modificar substancialmente as proposições políticasjá assumidas, mas de ordená-las e dosá-las em confor-midade com o estudo das reações sociais...(Uribe,1982).

A principal contribuição do documento é a propo-sição da análise de viabilidade, introduzindo a questãoda estratégia no planejamento de saúde. Ainda queseja uma crítica ao planejamento de saúde realizadoaté então, o documento apresenta uma visão funciona-lista do que acontece na realidade. Nesse documentopropõe-se certa normatividade da política, uma opera-cionalização tecnocrática da problemática da política.Sugere-se uma série de passos para a operacionalizaçãodo político, estabelecendo um "deve ser" da políticaao nível das funções, onde o conflito advém da possedesigual de bens pelos diferentes grupos sociais, nãose discutindo as determinações dessa posse desiguale não sendo colocadas as contradições e interessesantagônicos fundadores da sociedade de classes queé o capitalismo.

Mesmo assim, o documento Formulación de Polí-ticas de Salud, publicado em 1975 pelo Centro Pana-mericano de Planificación de la Salud, tem sua distri-buição restringida/proibida pela Opas que não assumeo seu conteúdo "mais político". Essa é a época emque o avanço significativo do movimento popular, emvários países da América Latina, é sufocado por golpesmilitares com a imposição de ditaduras, com o apoionorte-americano, em todo o cone sul (Testa, 1985).

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Com a derrota dos movimentos populares e a im-plantação das ditaduras militares, muitos dos profissio-nais e teóricos do planejamento são afastados dos ní-veis de intervenção e vão reinserir-se em outros países,geralmente em instâncias acadêmicas, onde se dedicama uma reflexão sobre as suas atuações e sobre o fra-casso dos movimentos dos quais participaram.

AS TRÊS VERTENTES DOENFOQUE ESTRATÉGICO

O Planejamento Situacional

Carlos Matus, ex-ministro do governo socialistade Allende no Chile, faz essa reflexão inicialmentenos cárceres de Pinochet e, depois, em seu exílio naVenezuela, como assessor das Nações Unidas (Ilpese PNDU) e do Cendes. Mario Testa, que, após traba-lhar no Cendes desenvolvendo o método Cendes—Opase na divisão de pesquisa do CPPS, deslocara seusinteresses para os movimentos populares que ocorriamna Argentina, atuando no movimento peronista, fazessa reflexão no exílio. A temática de Testa e Matusé a mesma. Motivados pelo fracasso dos movimentospopulares, ambos discutem a questão do poder.

Matus aprofunda a sua discussão iniciada no Es-tratégia y Plan fazendo uma análise globalizante doplanejamento na economia. Inicialmente, enfatiza adiscussão sobre o poder e tenta desenvolver um rigoro-so método de planejamento. Atualmente, porém, estámais preocupado com a construção/elaboração de ins-trumentos de condução que aumentem a governabi-lidade de um sistema político.

Propõe um método de planejamento situacionalonde o ator que planifica está dentro da realidadee coexiste com outros atores que também planificam,diferente do método normativo, onde o planejador éum sujeito separado da realidade, colocando-se foradela e pretendendo controlá-la como se fosse seu obje-to. Situação é o lugar onde estão os atores e suasações. E a explicação da realidade que realiza umaforça social em função de sua ação e luta com outrasforças sociais (Matus, 1982).

Nessa concepção, a contradição e o conflito sãoassumidos e a planificação situacional, diz Matus, énecessariamente política, pois um dos recursos escas-sos que restringem o desenvolvimento de ações quepromovam mudanças são os recursos de poder.

Planejamento situacional é um método de planeja-mento constituído por quatro momentos não-seqüen-ciais, simultâneos e em constante processo. Um mo-mento explicativo equivalente ao diagnóstico onde sãoselecionados problemas e discutidas suas causas ao

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nível dos fenômenos (fenoestrutura) e das estruturassociais básicas (genoestrutura). Um momento normati-vo: o desenho do "deve-ser". Um momento estratégicode análise e construção da viabilidade política: a dis-cussão do poder. Um momento tático-operacional detomadas de decisão e de realização da ação concreta.

Por refletir sua própria experiência, o ator privile-giado é o governo. Planejar, para Matus, é conduziro processo. E tentar submeter à vontade humana ocurso encadeado dos acontecimentos cotidianos, fixan-do uma direção e dando uma velocidade à mudançaque inevitavemente acontece. E método de conduçãodo governo para o alcance de seus objetivos. Planejaquem governa: quem tem a capacidade de decidir ea responsabilidade de conduzir (Matus, 1981).

O fracasso do planejamento é também fracassoda condução. Uma das razões que Matus detecta paraesse fracasso é a falta de instrumentos, procedimentose técnicas de condução e, por isso, coloca aí sua ênfa-se, desenvolvendo instrumentos para que aquele quetenha responsabilidade da condução consiga exercê-la.Preocupa-se então em dotar o governo com elementostécnicos que aumentem a governabilidade do sistema(procedimentos para lidar com a incerteza, sala desituações...).

O planejamento situacional é uma evolução dopensamento crítico dos anos sessenta em relação aoplanejamento econômico. Pode ser considerado comouma vertente do planejamento estratégico de saúde,pois o pensamento de Matus, pelo seu freqüente traba-lho como assessor da Opas, tem sofrido adaptaçõespara a saúde. Essas, mesmo que nem sempre bem suce-didas, têm influenciado atuações de planejamento emsaúde.

As Propostas Programático-Estratégicas

Mario Testa, em sua reflexão e autocrítica, porsua participação na política, pensa o problema do Po-der como problema central do planejamento de saúde.Sua reflexão á como participante de um movimentosocial desde fora do governo. Seu ator privilegiadoé, então, a classe/grupo/força social/movimento, enão, como em Matus, o governo. Refere toda a suaproposta à luta pelo poder: como conduzir desloca-mentos de poder em favor das classes/grupos subordi-nados/dominados.

Ao considerar a determinação social do processosaúde-enfermidade, identifica os problemas de saúdecomo integrantes da totalidade social, fazendo a liga-ção saúde-totalidade social através das relações de po-der. Propõe um diagnóstico da situação, cuja sínteseé a identificação do setor enquanto a estrutura do

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poder: relações entre forças sociais com interesses emsaúde e as tensões decorrentes do debate em saúde.Síntese realizada a partir da consideração do cálculoadministrativo tradicional (diagnóstico administrati-vo); das relações de poder e suas determinações nasociedade (diagnóstico estratégico) e das formas deconsciência social e sanitária (o diagnóstico ideológi-co) (Testa, 1986).

Baseado na síntese diagnóstica, onde foi identifi-cada a estrutura de poder setorial, formula propostasprogramático-estratégicas que consideram a análise dasrepercussões das ações propostas sobre essa estruturade poder. Na seqüência de programas sugerida, Testaconsidera a criação e a manutenção da viabilidade polí-tica que garantam a realização e consolidação das mu-danças propostas. Programas cujo conteúdo estratégicosão suas formas organizativas democráticas e participa-tivas, pois, segundo Testa, estas estabelecem diferen-tes formas de relações de poder, dando direcionalidadeàs suas proposições (Testa, 1987).

Mario Testa apresenta um quadro de análise parase pensar as questões do planejamento. Suas proposi-ções setoriais são acompanhadas de toda uma discussãodo Poder na sociedade, suas determinações e possibili-dades de transformação. A preocupação de Testa como setor é subsidiária à sua preocupação com o Podercomo um todo, configurando à sua produção um quadrode análise/um corpo de teoria, a partir do qual pensaro planejamento.

A proposta de Medellin

Uma terceira linha do planejamento estratégicode saúde desenvolve-se a partir de uma reflexão promo-vida no interior dos próprios organismos internacionais(OPS/OMS), dando uma certa continuidade a questõescolocadas no documento Formulación de Políticas. Es-sa vertente é apresentada inicialmente nas Notas sobrelas Implicaciones de la Meta SPT/2000, la Estrategiade Atención Primaria y los Objectivos RegionalesAcordados para la Planificación y Administración delos Sistemas de Servidos de Salud, um documentoborrador da Opas, de circulação restrita, elaboradoa partir de debates em seminános internacionais comespecialistas em planejamento — Medellin, Mérida eRio de Janeiro — e de um curso realizado na FacultadNacional de Salud Pública de Medellin. Em 1987,esse documento é editado como Salud para Todosen el Año 2000: Implicaciones para la Planificacióny Administración de los Sistemas de Salud, tendo comoautores Emiro Trujillo Uribe e Juan José Barrenechea(Barrenechea & Trujillo, 1987). Trujillo, inicialmentealuno e depois consultor do Centro Panamericano de

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Planificación de la Salud até sua extinção em 1975,foi diretor e professor de Planejamento na Escola deSaúde Pública de Medellin, na Colômbia, até 1988,quando foi assassinado. Barrenechea foi participantede Cursos de Planejamento e Desenvolvimento Econô-mico na Cepal e Ilpes e trabalhou em planejamentona Opas, de 1966 até 1980.

O texto de Trujillo e Barrenechea mantém-se co-mo notas sobre planejamento e administração de siste-mas de saúde, não pretendendo os autores a proposiçãode um método de planejamento.

Por suas origens, nas discussões nos seminários,o texto tem contribuições de vários autores: Matuse Testa, por exemplo, fazem parte de sua bibliografiade referência. Mesmo assim, apresenta uma especifi-cidade em sua orientação. Sua racionalidade basica-mente sustenta proposições do planejamento estraté-gico empresarial e, por isso, considero-o uma terceiravertente.

O planejamento estratégico e depois a adminis-tração estratégica, desenvolvidos para as grandes em-presas desde o final dos anos 60, diferem do planeja-mento normativo tradicional. Admitem a turbulênciado ambiente externo e tratam de como as empresasdevem orientar-se no processo de adaptação ao ambien-te. O comportamento estratégico é considerado comoum processo de interação com o ambiente, acompa-nhado de um processo de promoção da modificaçãode aspectos dinâmicos internos, onde a turbulênciaexterna e o poder configuram-se como influências bási-cas (Ansoff, 1983). Essas concepções permeiam o tex-to de Barrenechea e Trujillo, influenciando na origemdessa "vertente" do planejamento estratégico de saú-de.

O interesse desses autores é o setor saúde e suapreocupação principal a instrumentalização: como for-necer instrumentos que auxiliem técnicos atuantes nalinha de execução, que rompam com o normativo econtribuam na implementação das EstratégiasSPT2000. Propõem uma metodologia de planejamentopara ser utilizada por qualquer força social que assumaa meta SPT2000 e a estratégia de atenção primária.

Nesse enfoque, o planejamento é entendido comoum processo social complexo, que trata de influenciaras características de uma mudança social a partir daperspectiva de uma determinada força social. Pressu-põe-se que, para pensar a ação futura, é necessárioconhecer-se uma teoria política, mas esta teoria nãoé explicitada nem discutida. Assim, a existência deinteresses conflitivos é reconhecida, porém a determi-nação desses conflitos não é colocada. Diferenças entregrupos sociais quanto ao acesso aos serviços e aosriscos de agravo à saúde são constatados, sem também

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* "Estratégia" e Tática" são ter-mos interligados, produzindo-sepor vezes confusões entre seussignificados. A tática subordina-se à estratégia. Tática é um meiode aplicação da estratégia, É par-te da guerra que trata da artede manobrar as tropas duranteo combate. Arte de utilizar asarmas em combate, tirando de-las o maior rendimento.

explicitar-se a determinação dessas desigualdades. Evi-denciadas as diferenças, os instrumentos elaboradospara a intervenção no setor saúde direcionam-se aosgrupos sociais chamados de "postergados" objetivandodiminuir essas desigualdades.

Barrenechea e Trujillo admitem: a complexidadedo sistema de saúde como parte integrante do social,pois o ambiente social é turbulento e pouco previsível;a fragmentação (o desenvolvimento dos processos so-ciais de forma brusca e não-linear); a dependênciado sistema de variáveis fora de seu domínio, fora deseu espaço de controle; e a incerteza no tratar como futuro. Admitem, ainda, a existência de forças emoposição, a necessidade da negociação e de procedi-mentos para tal, e colocam o plano como algo empermanente elaboração e execução, quebrando, em di-versos níveis, a base do planejamento normativo tradi-cional (Barrenechea & Trujillo, 1987).

CONCLUSÕES

Identificamos, assim, três vertentes de planeja-mento estratégico em saúde atualmente em difusãona América Latina: o planejamento situacional de Ma-tus aplicado à saúde, as propostas de Mario Testae o enfoque de Barrenechea e Trujillo.

Cabe, certamente, um esclarecimento sobre o sen-tido aqui empregado para a estratégia, pois é um termoamplamente utilizado, apresentando múltiplos signifi-cados. Estratégia é arte de explorar condições favorá-veis com o fim de alcançar objetivos específicos. Émeio para alcançar um objetivo. E proposição parafuturo: o enunciado de diretrizes para o longo prazo(significado que aparece, por exemplo, em documentosdas Nações Unidas). É proposta para ganhar um jogo.É arte de ganhar a guerra.

Na sua origem castrense, estratégia é arte de diri-gir operações militares (OPS/CPPS, 1975). Arte mili-tar de planejar e executar movimentos e operaçõesde tropas e veículos de guerra, visando alcançar oumanter posições favoráveis a futuras ações sobre deter-minados objetivos; programação a longo prazo do usode instrumentos militares e políticos na condução deconflitos (Bobbio et all, 1986).

Por sua origem militar, geralmente incorpora-seo termo "estratégia" a situações em que, para alcançarum objetivo, é necessário superar obstáculos: quandoexistem oponentes ao alcance de um objetivo, e paraalcançá-lo, é necessário vencer a resistência dos opo-nentes.* O termo 'estratégia' é, portanto, empregadoquando existe conflito, enfrentamento, relação de po-der, e este é o caso do planejamento de saúde.

O sentido militar do termo, em suas elaboraçõesmais acabadas, é teoria de movimento até o objetivo,

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buscando-se obter o máximo de liberdade de ação apóscada movimento (Matus, 1982). E este o sentido deestratégia quando falamos aqui de planejamento estra-tégico. Sem esquecer que, no conflito entre forçassociais, como bem diz Matus, o que acontece é umjogo dialético, pois as forças sociais têm uma históriae constituem uma unidade contraditória. Nesse, comoem qualquer outro jogo, enfrentam-se oponentes que,para ganhar, têm de vencer a resistência dos outros;porém, no jogo dialético, um jogador não existe semo outro. O jogo dialético supõe a unidade e a contradi-ção entre as forças sociais.

É com esse sentido que afirmamos os enfoquesde planejamento de saúde aqui apresentados como es-tratégicos, pois consideram o problema do poder eadmitem o conflito entre forças sociais com diferentesinteresses e com uma visão particular sobre a situação--problema na qual se planeja, fazendo parte do pro-cesso de planejamento a análise e a construção daviabilidade. E porque os processos de planejamentopropostos objetivam alcançar o máximo de liberdadede ação a cada ação realizada, movimento que possibi-lita a aproximação dos propósitos desejados.

As três vertentes tem em comum a ação estraté-gica e sua ruptura com a normatividade de um "deveser" que se impõe sobre a realidade, admitindo a im-possibilidade de contar-se com um plano pré-estabe-lecido que dê conta de todas as condições do real,devido a complexidade dos processos sociais. Cadauma, porém, apresenta um enfoque específico, comdiferente ênfase. Matus dá prioridade aos problemasde condução e governabilidade e procura instrumen-talizar a condução de governo. Testa aponta e aprofun-da as questões do poder, e Barrenechea e Trujillofornecem instrumentos para a execução de ações se-toriais.

As três vertentes do enfoque estratégico do plane-jamento em saúde têm suas origens na discussão ecrítica das metodologias e da compreensão do planeja-mento econômico normativo como instrumento parao desenvolvimento da América Latina; nas teorias deadministração estratégica empresarial; na discussão ecrítica da metodologia tradicional de planejamento emsaúde. Essas origens estão imbricadas (o debate técni-co-científico não se realiza isoladamente), diferencian-do-se cada vertente, quanto à sua origem, apenas pelaintensidade da influência de cada uma das discussões.

Following a brief historical review of economic andsocial planning in Latin America, the author presents

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the origins of three tendencies in the strategicapproach to health planning in: the debate overplanning for Latin American development, the strategicbusiness administration, and the discussion andcritique of the CENDES/PAHO method of healthplanning.

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