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CLEITON ALMEIDA DE SOUZA ANÁLISE DA LINGUAGEM JURÍDICA NA PETIÇÃO INICIAL SINOP 2014

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CLEITON ALMEIDA DE SOUZA

ANÁLISE DA LINGUAGEM JURÍDICA NA PETIÇÃO INICIAL

SINOP

2014

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CLEITON ALMEIDA DE SOUZA

ANÁLISE DA LINGUAGEM JURÍDICA NA PETIÇÃO INICIAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

à Banca Examinadora do Curso de Letras, da

Universidade do Estado de Mato Grosso –

UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito

parcial para a obtenção do título de

Licenciatura Plena em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Neusa Inês

Philippsen

SINOP

2014

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ANÁLISE DA LINGUAGEM JURÍDICA NA PETIÇÃO INICIAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

à Banca Examinadora do Curso de Letras, da

Universidade do Estado de Mato Grosso –

UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito

parcial para a obtenção do título de

Licenciatura Plena em Letras.

_____________________________________________

Cleiton Almeida de Souza

Discente

____________________________________________

Profa. Dra. Neusa Inês Philippsen

Curso de Letras / Orientadora

____________________________________________

Profa. Dra. Cristinne Léus Tomé

Curso de Letras / Banca Examinadora

___________________________________________

Profa. Dra. Tânia Pitombo de Oliveira

Curso de Letras / Banca Examinadora

____________________________________________

Profa. Dra. Tânia Pitombo de Oliveira

Curso de Letras / Coordenadora de TCC

____________________________________________

Coordenadora do Curso de Letras

Profa. Dra. Neusa Inês Philippsen

____________________________________________

Prof. Dr. Genivaldo Rodrigues Sobrinho

Diretor da FAEL – Faculdade de Educação e Linguagem

SINOP

2014

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Dedico este trabalho a minha família,

especialmente aos meus filhos, que por

muitas vezes suportaram minha

ausência com calma e paciência.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus, que me impulsionou durante toda a caminhada.

Agradeço à minha família, principalmente meus filhos Caio e Victor, que muitas vezes

tiveram que ficar longe do pai, mas sempre compreenderam a importância de dar

continuidade aos estudos.

Aos meus pais, que sempre me apoiaram e me incentivaram.

À minha orientadora, professora Dra. Neusa Inês Philippsen, por ter me orientado

sabiamente e me apoiado sempre.

Aos meus amigos Gladson, que me orientou diversas vezes em relação à recursos

tecnológicos em informática, ajudando a solucionar problemas e Mailza, que tão gentilmente

auxiliou na obtenção do corpus para a pesquisa realizada.

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O discurso não é simplesmente

aquilo que traduz as lutas ou os

sistemas de dominação, mas

aquilo porque, pelo que se luta,

o poder do qual nos

queremos apoderar.

Michel Foucault

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SOUZA, Cleiton. Análise da Linguagem Jurídica na Petição Inicial. 2014. 39f. Trabalho

de Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso. Campus

Universitário de Sinop.

RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar a linguagem jurídica utilizada em petições

iniciais. A importância do estudo se justifica pelo fato de a Petição Inicial se constituir na

peça inaugural de toda demanda na esfera cível, de procedimento ordinário. A pesquisa

baseou-se nos pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso de origem

francesa, utilizando-se, em especial, as reflexões propostas por Foucault (1973, 2002) e

Orlandi (2002). Do ponto de vista jurídico, o estudo se fundamentou no Código de Processo

Civil Brasileiro e na concepção de linguagem jurídica de Brito (2009). O corpus

consubstanciou-se por duas petições iniciais relacionadas à posse de terras, cujas

materialidades discursivas foram selecionadas conforme as noções operatórias objetivadas

para a análise.

PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso; linguagem jurídica; petição inicial.

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SOUZA, Cleiton. Analysis of Legal Language in the Initial Petition. 2014. 39 p. Course

Conclusion Paper. – UNEMAT – State University of Mato Grosso. University Campus of

Sinop.

ABSTRACT: The objective of this project is analyzing the legal language used at the initial

petition. The importance of the study is justified, in fact, the initial petition, which is the

opening part of the whole demand in the civil sphere and the ordinary procedure. The research

was based on literature survey, that consists in the concept of original French speech,

proposed by Foucault (2002) and Orlandi (2002). From a legal standpoint, the study was

based on the Brazilian Civil Code of Procedure and the legal language of Brito (2009). The

body took the form of two initial petitions related to land ownership whose models were

chosen randomly.

KEYWORDS: Discourse Analysis; legal language; initial petition.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO DISCURSO 12

1.1 Formações Ideológicas 13

1.2 Formações Discursivas

1.3 Memória Discursiva

14

15

2 LINGUAGEM JURÍDICA 17

2.1 Aquisição do Poder Através do Discurso Jurídico 19

3 PETIÇÃO INICIAL: APONTAMENTOS CONTEXTUAIS E

ANALÍTICOS

23

3.1 Conceituação de uma Petição Inicial 23

3.2 Análise do Corpus 25

3.2.1 Petição Inicial 01: ação de reintegração de posse 25

3.2.2 Petição Inicial 02: ação de indenização por danos morais 28

CONCLUSÃO 31

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 32

REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS 33

ANEXO A 34

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o discurso jurídico na petição inicial. A

linguagem jurídica se torna cada vez mais ininteligível, dificultando a compreensão da

população leiga e omitindo seu direito ao acesso à justiça. O discurso jurídico, em sua

maioria, é elaborado com palavras e termos técnicos de conhecimento quase único da

comunidade jurídica.

Todas as comunidades discursivas possuem termos técnicos que possibilitam aos seus

membros uma comunicação precisa entre si, porém, o abuso desses termos na linguagem

jurídica, denominados Juridiquês, torna praticamente impossível a compreensão da população

leiga ao discurso jurídico. Sobre o assunto, vale ressaltar que Santana (2012) afirma que é

importante que a linguagem jurídica seja entendida por todos. Trata-se de conhecer os direitos

e deveres que asseguram a própria dignidade da pessoa humana e que a transparência é um

princípio democrático, inclusive. Não há participação, não há luta sem compreensão.

Através dos estudos da Análise do Discurso propõe-se, neste trabalho, identificar os

elementos constitutivos do sujeito advogado de direito que profere seu discurso jurídico, tais

como as formações ideológica, discursiva e os discursos proferidos no decorrer da história

que foram esquecidos e que são resgatados através da memória discursiva. Utilizaremos, para

tal análise, a linguagem jurídica aplicada especificamente ao discurso de duas petições iniciais

coletadas na vara única da comarca de Feliz Natal/MT. Justifica-se a escolha das referidas

peças, para fins de estudo, devido ao fato de a petição inicial ser a peça que inicia o processo

judicial, é o ato do qual derivam todos os outros atos praticados ao longo do processo, seu

teor determinará, pois, o conteúdo da sentença.

A investigação proposta adota, para embasamento das considerações analíticas,

autores estudiosos da Análise do Discurso como Eni P. Orlandi e sua obra Análise do

discurso: princípios e procedimentos (2002) e Michel Foucault através da obra A verdade e as

forma jurídicas (1973).

A pesquisa divide-se em três capítulos: o primeiro capítulo se ocupa de uma

introdução, sucinta, da Análise do Discurso, com ênfase às noções conceituais sobre

formações ideológicas, formações discursivas e memória discursiva.

No segundo capítulo preocupa-se em apresentar alguns aspectos da linguagem

jurídica, breves relatos da aquisição do poder do Estado através do discurso jurídico e

observações sobre a importância de um discurso jurídico compreensível a todos.

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No terceiro capítulo analisamos o discurso elaborado em duas petições que tramitam

na justiça. Devido a uma determinação imposta pelo juiz diretor da referida comarca, as peças

judiciais não foram anexadas, na íntegra, ao presente trabalho, e foi mantido sigilo absoluto

das partes envolvidas nos processos, assim como dos advogados que as elaboraram.

Utilizamos apenas trechos/formulações das petições para analisar o discurso jurídico

apreendido nas marcas discursivas.

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1 INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO DISCURSO

A palavra discurso, segundo Orlandi (2002), etimologicamente nos remete à ideia de

percurso, de correr por, de movimento. Tendo essa visão de movimento, a Análise do

Discurso busca exatamente analisar essa transgressividade, essa movimentação que a

linguagem faz durante sua proliferação. Movimentação essa de sentidos, ideologias, conceitos

que cada sujeito impregna em seu discurso. Por sua vez, o objeto da Análise do Discurso, o

discurso, interessa-se por estudar a língua em movimento e seus efeitos de sentidos.

Surgida no final da década de 1960, a Análise do Discurso, doravante AD, emerge em

um contexto de grandes debates sobre o recorte teórico feito por Saussure em que o mesmo

separa a linguagem em duas vertentes: a língua, tomada como objeto de estudo pelo mestre

genebrino devido ao fato de ser considerada como categorizável, sistematizável, e a fala, que

foi deixada de lado enquanto objeto de estudo por ser ocasional, histórica, individual e

constituída de variáveis.

Durante muito tempo os estudos linguísticos foram norteados pela dicotomia

língua/fala, sendo a língua posta em evidência pelos estudiosos da linguagem. Contudo, em

fins dos anos 1960, período em que a França vivia profundas transformações sociopolíticas e

de valores, reconheceu-se que uma linguística limitada ao estudo interno da língua não dava

conta de explorar potencialmente seu objeto.

A necessidade de se introduzir a questão do histórico do sujeito falante causou

inquietação nos estudiosos do assunto e as grandes opções saussurianas foram colocadas

então em questão, especialmente o fato de a fala ser posta de lado.

Segundo Orlandi (2002, p.13), em um momento em que a leitura suscita questões a

respeito da interpretação, autores como Althusser (1970), Foucault (1969), Lacan (1973),

Barthes (1979) e outros interrogam o que ler quer dizer. A partir desse questionamento abre-

se um lugar teórico para a AD, ou seja, para o significado da leitura.

Ao recorrer a conceitos exteriores à linguística, a Análise do Discurso vai se filiar a

outras correntes teóricas. De acordo com Orlandi (2002), a AD se faz entre a linguística e as

ciências sociais, interrogando a linguística, que pensa a linguagem, mas exclui o que é

histórico-social, e interrogando as ciências sociais na medida em que estas não consideram a

linguagem em sua materialidade. Desta forma, a Análise do Discurso sustenta seu método e

seu objeto na interdisciplinaridade entre a linguística, a psicanálise e o marxismo, mas não se

confunde com eles.

Orlandi afirma que:

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A análise de discurso tal como a conhecemos no Brasil – na

perspectiva que trabalha o sujeito, a história, a língua – se constitui no

interior das consequências teóricas estabelecidas por três rupturas que

estabelecem três novos campos de saber: a que institui a linguística, a

que constitui a psicanálise e a que constitui o marxismo. (ORLANDI,

2010, p.13)

Assim, a língua não é apenas estrutura, mas sim um acontecimento, pois, a partir do

momento em que produzimos um enunciado ele deixa de ser apenas estrutural e passa a ser

social, visto que este enunciado pode ter diferentes interpretações dependendo do seu contexto

histórico, social ou dos valores que uma determinada sociedade tem em contraste com outra,

bem como depende também das formações discursivas e ideológicas que constituem cada

indivíduo.

Dessa forma, a Análise do Discurso não trata da língua, mas do discurso, ou seja, do

percurso da fala em seus contextos enunciativos. Segundo Orlandi:

(...) a Análise de Discurso não trabalha com a língua enquanto um

sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de

significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos

enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto

membros de uma determinada forma de sociedade. (ORLANDI, 2008,

p. 15 e 16)

Após esse breve relato introdutório sobre a Análise do Discurso, esboçaremos nos

próximos itens alguns pressupostos teóricos que mobilizam os estudos da AD e os caminhos

trilhados pela disciplina no que diz respeito às formações ideológica e discursiva, assim como

às noções que operam o conceito de memória discursiva.

1.1 Formações Ideológicas

Ao analisarmos o discurso, estaremos inevitavelmente diante da questão que nos leva

a pensar como ele se relaciona com a situação que o criou. Desta forma, a Análise do

Discurso procura relacionar dois campos empíricos: o campo da língua e o campo da

sociedade.

É através da ideologia que podemos relacionar o discurso do sujeito com a sua visão

de mundo, sua classe social. Assim, tendo a ideologia como o conjunto de representações de

uma determinada classe dentro da sociedade, compreendemos que a linguagem é determinada

pela ideologia, pois nem sempre há uma relação direta entre essas representações e a língua.

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Uma sociedade possui várias formações ideológicas, e a cada uma delas corresponde

uma "formação discursiva".

A ideologia funciona como reprodutora das relações de produção, isto é, o sujeito é

assujeitado como sujeito ideológico, de forma que cada sujeito interpelado pela ideologia

ocupa o seu lugar em um grupo ou classe social de uma determinada formação social,

acreditando estar exercendo a sua livre vontade.

Um dos componentes da formação ideológica são as formações discursivas, ou seja, os

discursos são governados por formações ideológicas. De acordo com Brandão (1998), são as

formações discursivas que, em uma formação ideológica específica e levando em conta uma

relação de classe, determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada em

uma conjuntura dada.

1.2 Formações Discursivas

Dizemos que a formação discursiva é o lugar da constituição do sentido e da

identificação do sujeito pelo fato de que enunciados e enunciações recebem sentido de acordo

com a formação discursiva na qual são produzidos. Segundo Gregolin (2005), as formações

discursivas são consideradas como componentes de formações ideológicas, relacionadas às

suas condições de produção no interior de uma realidade social marcada pela ideologia

dominante.

Assim, os sentidos dos enunciados são atribuídos por cada sujeito de acordo com suas

experiências de vida, sua posição social, seu contexto histórico etc. Conforme Brandão (2004,

p. 49), “É a formação discursiva que permite dar conta do fato de que sujeitos falantes,

situados numa determinada conjuntura histórica, possam concordar ou não sobre o sentido a

dar às palavras”.

Partindo desse ponto de vista, podemos compreender que a formação discursiva é um

componente das formações ideológicas e que essas agem no interior da realidade sociocultural

do sujeito como fator determinante do que deve ou não ser dito em diferentes circunstâncias

sócio-históricas e ideológicas. Segundo Brandão (Idem, p. 46), “o discurso é uma das

instâncias em que a materialidade ideológica se concretiza, isto é, um dos aspectos materiais

da ‘existência material’ das ideologias”.

A noção de formação discursiva é básica na Análise do Discurso, porque possibilita a

compreensão do processo de produção de sentidos, sua relação com a ideologia e ainda

permite apreender o estabelecimento de regularidades no funcionamento do discurso. Essa

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noção, que foi introduzida por Foucault (1969) e posteriormente reformulada por Pêcheux

(1971), está diretamente relacionada à noção de formação ideológica, pois em uma formação

social existem vários aspectos, tais como: o modo de produção, a relação entre as classes, a

hierarquia das práticas e os aparelhos através dos quais se realizam essas práticas que se

relacionam produzindo posições políticas e ideológicas.

1.3 Memória Discursiva

O discurso não nasce em um determinado sujeito, as palavras não tomam sentido por

si só, para que um enunciado tenha sentido é necessário que o mesmo já tenha sido dito em

outro momento, em outro contexto. A partir daí nós reutilizamos dizeres anteriores

contextualizando ao momento e à situação em que falamos para ressignificar o já dito.

Para compreendermos esse processo, lançamos mão do conceito de memória

discursiva. Tal conceito diz respeito à recorrência de enunciados que são ressignificados por

outro sujeito. Segundo Orlandi:

As palavras não são só nossas. Elas significam pela história e pela

língua. O que é dito em outro lugar também significa nas nossas

palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso

ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele.

Por isso é inútil, do ponto de vista discursivo, perguntar para o sujeito

o que ele quis dizer quando disse “x” (ilusão da entrevista in loco). O

que ele sabe não é suficiente para compreendermos que efeitos de

sentido estão ali presentificados. (ORLANDI, 2002, p. 32)

Dessa forma, o sujeito utiliza discursos anteriores para representar suas ideias e

elaborar seus enunciados, articulando ideologicamente sua fala de acordo com o contexto em

que está inserido. É na memória discursiva que o sujeito encontra possibilidades de

reformular enunciados anteriores, refletindo sobre enunciados que pertencem a formações

discursivas posicionadas historicamente. Tal fato condiciona os sentidos pelo modo como os

discursos são inscritos na língua e na história atribuindo significado aos enunciados.

Segundo Orlandi (2002), por sua vez, a memória discursiva é afetada pelo

esquecimento, é preciso que o que foi dito por um sujeito específico, em um momento

particular, se apague na memória para que, passando para o “anonimato”, possa fazer sentido

em “minhas” palavras. Desse modo, entendemos que toda materialidade discursiva é

relacionada diretamente à exterioridade e a outros saberes para significar. Entendemos que,

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através do esquecimento, a produção de conhecimento para a elaboração do discurso pode

remeter a diferentes épocas fazendo com que o discurso signifique no momento atual.

Segundo Patriota e Turton:

(...) o sujeito falante compõe a imagem de seu interlocutor para dizer-

lhe o que diz, podendo até mesmo antecipar o que ele pensará diante

do que é dito. Dessa forma, ele organiza o seu discurso, antecipando

contra-argumentações a seu favor. Neste jogo de dizeres se manifesta

o discurso, enquadrando-se em um outro característico jogo: o de

forças. Forças estas, presentes em toda e qualquer sociedade

hierarquizada que promove contínuas antecipações de imagens.

(PATRIOTA; TURTON, 2004, p.15)

Entendemos, a partir dessa assertiva, que o saber discursivo, proporcionado pela

memória discursiva, possibilita que as nossas palavras façam sentido porque algo foi falado

antes, em outro lugar, ou seja, utilizamo-nos de palavras já ditas e que foram esquecidas, mas

que continuam presentes nos afetando nas produções de sentido.

Podemos compreender, então, que é através da memória discursiva que os enunciados

são ressignificados em outras situações, em novos contextos. Há que se ressaltar, também, que

esse processo contínuo de recriação do discurso é totalmente permeado de ideologias,

inscritas em distintas formações discursivas.

É, portanto, a partir destes pressupostos teóricos da AD, mobilizados pelas noções

conceituais que deslizam entre memória discursiva, formações ideológicas e discursivas, que

iremos tecer considerações analíticas, mais especificamente no Capítulo 3 deste estudo, sobre

a linguagem utilizada pela esfera jurídica, em duas petições iniciais, para tentarmos

compreender os possíveis motivos da utilização da terminologia recorrente.

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2 LINGUAGEM JURÍDICA

Antes de apresentarmos o corpus de análise, faz-se necessário mostrar alguns

esboços contextuais referentes à linguagem jurídica e sua utilização nas formações

ideológicas e discursivas pelas quais transitam. Para tanto, abordaremos o período histórico

em que se iniciam as práticas jurídicas e, posteriormente, analisaremos essas mesmas práticas

nos tempos atuais.

Nos tempos primórdios os juízes eram eleitos pela população para intermediar

conflitos e tomar decisões de forma emocional, uma vez que eram escolhidos por seu

prestígio social e não por seus conhecimentos técnicos.

Nessa época não havia hierarquia entre o tribunal e o auditório, sendo assim, os

procedimentos eram expostos para toda a sociedade, ou seja, o público acompanhava todo o

desenrolar dos processos, desde a causa inicial até as decisões.

Segundo Hespanha:

Para isto, a “simplificação” dos processos aproxima as práticas

judiciais dos rituais e formalidades da vida quotidiana,

eliminando todos os protocolos em que os aspectos materiais são

sacrificados aos aspectos formais ou, melhor dizendo, em que a

solução socialmente evidente e justa é abandonada por razões

formais. (HESPANHA, 2005, p.272)

Devido ao fato de esta situação tornar-se cada vez mais difícil, chegou-se então à

conclusão de que o Direito, no final do século XI e início do século XII, deveria ser uma

ciência presente no entendimento apenas de juristas letrados. Iniciando assim um corte na

participação da população praticante das atividades relacionadas à área, restringindo a função

e formando grupos específicos dominantes dos conhecimentos. De acordo com Mozdzenski:

(...) Na cultura legal contemporânea, ainda persiste um paradoxo

aparentemente insolúvel. Por um lado, a prática social jurídica

encontra-se fundada sobre uma ideologia de consenso e de

transparência, em que todos os cidadãos são obrigados a

conhecer a lei; por outro lado, a própria lei recorre a

mecanismos que impedem seus destinatários de apreendê-la.

(MOZDZENSKI, 2010, p.01)

Dessa forma, conforme o autor, a própria ciência jurídica afirma que todos devem

conhecer seus direitos, mas usa de meios linguísticos inacessíveis aos leigos na área,

enaltecendo, assim, a importância e a necessidade, bem como o status do profissional de

Direito.

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Santana afirma que:

Nem todos sabem que cabente é o devido a cada herdeiro; que de

cujus é a pessoa falecida; jacente é a herança abandonada;

premoriência é a morte de uma pessoa antes da outra, e todos estes

termos estão na fundamentação de Vossa nunca circunducta, ou

melhor, nunca desmotivada e, por isso, jamais nula decisão.

Conquanto a pesquisa deu-nos os sinônimos, ainda que aproximados,

o problema está no conjunto ininteligível para as pessoas comuns. É

importante que a linguagem jurídica seja entendida por todos. Trata-se

de conhecer os direitos e deveres que asseguram a própria dignidade

da pessoa humana e não um conjunto de regras, normas, pedidos e

decisões formulados por “operadores-robôs” do direito. A

transparência é um princípio democrático, inclusive. Não há

participação, não há luta sem compreensão. (SANTANA, 2012, p.2)

Um cidadão comum, mesmo que acompanhe todas as audiências, todos os

procedimentos e discussões referentes ao seu processo, que é totalmente de seu interesse, ao

final geralmente não compreenderá a decisão determinada pelo juiz sem que seu advogado lhe

esclareça.

É de grande importância ressaltar que as leis transitam em todos os grupos sociais e é

de grande interesse público a compreensão da linguagem utilizada. São as leis que regem a

organização da sociedade, que proíbem, autorizam e também penalizam as pessoas que não

cumprem o determinado. “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”

(DECRETO-LEI n.° 4.657/42, art. 3°).

De acordo com Pereira:

O estilo do discurso jurídico é proveniente não apenas dos

termos técnicos, mas também da utilização de jargões jurídicos,

arcaísmos, expressões em latim, bem como brocados latinos,

que devem produzir efeitos de sentido que sejam específicos e

eficientes. (PEREIRA, 2006, p.69)

A origem de termos tão antigos, que embasam a linguagem jurídica atual, deriva de

outra linguagem, a latina, com sentidos baseados em uma sociedade totalmente diferente da

contemporânea, portanto são termos de outro contexto temporal.

A linguagem, por ser um mecanismo vivo que está em constante modificação, assim

como seus falantes, utiliza-se de distintas formas para a comunicação humana, formas e

marcas linguísticas atuais, cujos sentidos, geralmente, são correntes nas situações de fala

contemporâneas.

A linguagem jurídica apresenta signos anunciadores que

somente tem sentido jurídico, ou seja, somente tem acepção sob

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o olhar do direito; por exemplo: usucapião, enfiteuse, anticrese,

acórdão. Faz uso de termos latinos de uso jurídico, por exemplo:

caput, data vênia, ad judicia. (UNOESC & CIÊNCIA, 2010,

p.142)

Para uma comunicação formal entre os profissionais da área de Direito são utilizados

termos mais elaborados e sofisticados linguisticamente ou mesmo arcaicos, até mesmo devido

à ética profissional em uma situação de audiência jurídica. Mas a linguagem padrão atual

suporta perfeitamente uma comunicação compreensível entre todos os interessados, tanto

entre o réu quanto entre o juiz e o advogado, sem que seja necessário o apelo linguístico para

o chamado Juridiquês, que são os arcaísmos e jargões jurídicos.

(...) é inegável a necessidade de o operador do Direito fazer-se entender

por quem está lhe ouvindo. Seu posicionamento correto a determinado

público propiciará a clareza da compreensão. Valer-se de exibicionismo

ou querer demonstrar superioridade mediante o uso exacerbado do

Juridiquês é totalmente condenável. Como a justiça é para todos,

indistintamente, é mister se fazer entender. (Ibid, p. 143).

Podemos observar então que, de certa forma, a linguagem jurídica aliena a população

de sua compreensão. Se, de um lado, os termos técnicos facilitam a interação entre os

profissionais da mesma área, propiciando uma comunicação direta e específica, por outro

lado, o abuso desses termos torna o discurso jurídico uma linguagem abstrata diante da

população leiga.

2.1 Aquisição do Poder Através do Discurso Jurídico

A linguagem é um recurso desenvolvido pelo homem para comunicar-se entre si nas

relações do dia a dia, não só em situações informais como conversas com amigos, mas

também em situações mais complexas. Utilizar e dominar a linguagem são feitos trabalhosos,

pois exigem um desenvolvimento de conhecimentos linguísticos e extralinguísticos, ou seja,

não basta o locutor saber a gramática da língua, é necessário saber também com quem fala ou

a quem escreve para que o mesmo possa ajustar sua linguagem à situação em que se fala.

Segundo Travaglia (1996), toda a atividade que o indivíduo exerce em função da

comunicação, desde seus enunciados até os de seu interlocutor em situação dialógica, é tida

como discurso.

Segundo Brito:

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Todo locutor demonstra suas concepções em seu discurso, sustentando

argumentos que buscam sempre o convencimento do “outro”, na

intenção de alcançar os objetivos que pretende ver concretizados.

Assim sendo, o falante vai inserir na estrutura de seu texto unidades

específicas que criarão argumentações convincentes, o que comprova

a linguagem como meio de interação social. Isso demonstra, portanto,

a linguagem como representação do poder. (BRITO, 2009, p.3)

O uso da linguagem, portanto, vai muito além da simples intenção de comunicação,

como nos mostra a autora, a linguagem é o meio pelo qual o locutor profere seu discurso, e

este, por sua vez, é permeado de ideologia. Através do discurso busca convencer, influenciar

e, muitas vezes, controlar o seu interlocutor, assumindo para si uma posição de poder sobre o

outro. A autora afirma ainda que as pessoas são parcial ou totalmente controladas, ou

assujeitadas, por várias instâncias sociais, tais como o Estado, a polícia, a mídia, ou mesmo

por uma empresa interessada na supressão da liberdade da escrita e da fala.

O discurso jurídico, como representante do Estado, é um grande exemplo de discurso

regulador em que o sujeito desse discurso, ao se manifestar, assume uma posição de poder em

relação ao outro, mostrando a esse outro o lugar ocupado pelo “eu” que fala, e acionando

convenções reguladoras que reproduzem a manutenção de poder arquitetada pelo Estado.

Mas nem sempre o Estado foi o possuidor da razão jurídica e do poder para resolver

conflitos e instaurar regras através de seu discurso. Conforme Foucault (1973), em sua obra

“A Verdade e as Formas Jurídicas”, na Grécia arcaica (a Grécia de Homero) a forma de

resolver um dado conflito entre dois guerreiros e estabelecer com quem estava a razão,

consistia numa disputa regulamentada, num desafio entre eles. Não havia juiz, sentença,

inquérito ou testemunho. Deste modo, confiava-se o encargo de decidir não a quem dizia a

verdade, mas à luta. Não se fazia apelo àquele que viu, à testemunha que presenciou o

acontecimento, não se o convocava e nenhuma pergunta lhe era feita, pois havia somente

contestação entre os adversários.

Este modo grego arcaico de aferição da verdade jurídica conviveu, entretanto, com

outras formas de “revelação” da verdade, como se pode constatar na história de Édipo (na

tragédia de Sófocles). Ali havia uma ‘forma mágica’, mas, ao mesmo tempo, religiosa,

política e jurídica de montar um quadro “verdadeiro” sobre o que aconteceu: era a palavra do

oráculo ou da divindade que enunciava sob a forma de prescrição ou profecia. Esta forma é

demonstrada, na tragédia, no momento em que o adivinho cego Tirésias, quando procurado

por Édipo que anseia saber quem matou Laio, o antigo rei, e obtém do oráculo a resposta

“Foste tu quem matou Laio”. Trata-se da verdade revelada, já previamente inscrita e escrita.

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Já no direito Germânico da Alta Idade Média a resolução dos conflitos se dava através

de uma continuação da luta entre indivíduos. O direito era uma forma regulamentada de se

fazer a guerra entre os indivíduos e não, como se poderia supor hoje, o modo de se alcançar a

justiça e a paz. Ainda segundo Foucault (2002, p. 57), neste contexto: “entrar no domínio do

direito significa matar o assassino, mas matá-lo segundo certas regras, certas formas”.

Pouco mais tarde (século XVI), surgirão os primeiros pilares da ciência moderna, o

empirismo filosófico moderno, onde a revelação da verdade se dava através da alquimia.

Conforme esta contextualização, o alquimista não era somente aquele que queria saber o que

se passava e descobrir a verdade; ele era aquele que realizava uma luta entre forças

sobrenaturais e, deste confronto, emergiria a revelação. Entretanto, algum tempo depois, o

saber da alquimia entra em crise, quando as formas de saber baseadas no inquérito

(verificação) tornam-se hegemônicas. A verdade é então definida como aquela que pode ser

verificada e provada.

O sistema em que um terceiro (estranho às partes litigantes) ocupe a posição racional

de apreciação das evidências sobre um litígio passa então a ser aceito como um modo de

atingir a verdade mais eficaz (do ponto de vista das novas práticas e estratégias políticas e

econômicas vigentes) do que deixar a solução da contenda a uma prova ou a um duelo entre

as partes. Com isso, a justiça passa a ser não mais a mera contestação entre indivíduos

contendores, eles não terão mais o direito de resolver entre si seus litígios e nem de escolher

um árbitro que lhes seja comum, pois deverão submeter-se a um poder exterior a eles que se

impõe como poder político e judiciário. Aparece a noção de infração, onde a mesma

representa um ataque à própria lei, ao poder público que institui a regra legal. (FOUCAULT,

2002).

Como decorrência destas características, aparecerá, na segunda metade do século XIV,

um personagem novo, que se apresenta como representante de um poder lesado, como o

dublador da vítima, aquele que fala por ela, que tem o direito exclusivo de manifestar-se por

ela. Trata-se da figura do procurador (antecedente dos representantes do nosso Ministério

Público), que representava o poder público objeto da infração. Como coroamento de todas

estas transformações, surge a figura do soberano, da figura pública que se apropria da

jurisdição e que, um pouco mais tarde, vai se constituir no Estado Moderno.

Com isso, podemos perceber que o Estado, aos poucos, foi apropriando-se da razão e

instaurando regras de condutas com o intuito de obter o poder sobre a sociedade, e este poder

se manifesta através de seu discurso. Dessa forma, o discurso regulador é organizado

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utilizando uma linguagem técnica, exclusiva do poder judiciário e, geralmente, inacessível ao

público leigo.

Brito nos diz que:

É indiscutível que a linguagem forense possui especificidades que a tornam

um dialeto inconfundível com os outros do cotidiano do falante e, os que a

usam, procuram cultivar essa individualidade, tornando, na maioria das

vezes, extremamente complexo o acesso àqueles que pleiteiam a justiça,

retardando a prestação jurisdicional. É um discurso em que figuram

expressões em latim, palavras arcaicas e eruditas que, pode-se dizer, são

relacionadas à coerção do “outro” na relação dialógica. (BRITO, 2009, p.4)

Podemos compreender, então, que o discurso jurídico busca, através da sua linguagem

opaca, além da ‘coerção do outro’, afirmar ao ouvinte a sua posição de poder, o status que seu

locutor ocupa diante da sociedade. Para Gnerre:

A linguagem não é usada somente para veicular informações, isto é, a função

referencial da linguagem não é senão uma entre outras; entre estas ocupa

uma posição central, a função de comunicar ao ouvinte a posição que o

falante ocupa de fato ou acha que ocupa na sociedade em que vive. As

pessoas falam para serem ouvidas, às vezes respeitadas e também para

exercer alguma influência no ambiente em que realizam seus atos

linguísticos. (GNERRE, 1998, p. 5)

O operador do direito busca, portanto, reafirmar sua posição social através do seu

discurso, buscando assim manter o status de sujeito erudito, intérprete das leis. A

comunicação entre os operadores do direito se dá, por sua vez, através de vários gêneros

textuais com materialidades linguísticas específicas da área jurídica e são esses gêneros o

instrumento pelo qual o discurso jurídico se propaga na sociedade.

Apresentaremos, no próximo capítulo, apontamentos sobre a conceituação histórica e

formal do gênero que dá início aos processos que tramitam na justiça, a petição inicial, com

enfoque na linguagem utilizada neste gênero, em seguida, abordaremos o corpus de análise e

as tessituras analíticas que foram apreendidas deste corpus.

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3 PETIÇÃO INICIAL: APONTAMENTOS CONTEXTUAIS E ANALÍTICOS

Neste capítulo, em que se apresentam as considerações analíticas de nossa pesquisa,

traremos, no primeiro subitem, apontamentos contextuais sobre a conceituação de uma

petição inicial: suas características, as normas que regem os elementos indispensáveis à sua

elaboração e a sua função nos processos jurídicos. No segundo subitem, serão expostos

recortes de duas petições, que compõem nosso corpus de análise, as quais efetivamente

tramitam na justiça. Vale ressaltar que o olhar analítico foi feito com base nos estudos

apresentados anteriormente sobre formação discursiva, formação ideológica e memória

discursiva.

Cabe enfatizar, ainda, que a escolha do gênero petição inicial deve-se à sua

importância na construção de um processo.

3.1 Conceituação de uma Petição Inicial

O Estado é o detentor da função de julgar, e esta é exercida por meio do Poder

Judiciário, que decide os conflitos de interesses existentes entre as partes, de acordo com as

leis vigentes. Porém, o Poder Judiciário não age mediante iniciativa própria; para ativar o

mecanismo judicial é necessário que o indivíduo manifeste interesse na resolução de seu

conflito, e após esse impulso, natural e necessário, é que a atividade judicial inicia seus

trabalhos, até à solução do caso concreto. Nesse sentido, aponta o art. 2º do Código de

Processo Civil (CPC):

Art. 2o Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a

requerer, nos casos e forma legais.

Dessa forma, um dos instrumentos processuais mais importantes é a petição inicial.

Neste instrumento, as alegações do autor deverão ser consistentes, de forma a convencer o

juiz de que os fundamentos jurídicos que dão sustentação ao seu direito são perfeitamente

plausíveis e aplicáveis àquela situação concreta. Para facilitar a compreensão do membro do

poder judiciário responsável por aquela demanda, o autor deve elaborar uma síntese dos

principais fatos concretos ocorridos que fizeram surgir o direito, indicando as leis e demais

dispositivos que se ajustam ao caso, e, por fim, pedir a providência que acredita ser necessária

para solucionar a demanda.

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A petição inicial dentro do mundo jurídico pode ter várias denominações1, tais como

peça exordial, peça vestibular, peça de ingresso, peça preambular, dentre outras, todas as

expressões são sinônimas e surgiram através dos tempos no dia a dia dos advogados.

Vale lembrar que a petição inicial possui tamanha relevância, pois, além de servir

como mecanismo ativador da máquina judiciária, irá determinar os limites do julgamento. A

sentença, ato que encerra o processo, terá seu conteúdo estabelecido dentro dos limites

existentes na peça inicial.

Para que tenha validade no mundo jurídico, a petição inicial tem que atender aos

requisitos dispostos no art. 282 do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº5.869/1973),

quais sejam: 1) "o juiz ou tribunal a quem é dirigida"; 2) "os nomes, prenomes, estado civil,

profissão, domicílio e residência do autor e do réu"; 3) "o fato e os fundamentos jurídicos do

pedido"; 4) "o pedido, com as suas especificações"; 5) "o valor da causa"; 6) "as provas com

que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados" e 7) "o requerimento para a

citação do réu". Como exemplificação, trazemos um modelo fictício em anexo (ANEXO A).

Os requisitos citados acima são classificados como requisitos internos da exordial que,

por sua vez, englobam os requisitos atinentes ao processo (incisos I, II, V, VI e VII) e

requisitos atinentes ao mérito (incisos III e IV). Já os requisitos externos referem-se à forma

pela qual deve ser objetivada a peça, ou seja, de forma escrita. Ainda podem ser tidos como

requisitos exigíveis, os contidos nos artigos 283 e 39 do referido texto legal (Lei nº

5.869/1973 e suas alterações), que tratam da necessidade da juntada da documentação

indispensável à propositura da ação, assim como, do instrumento de mandato (procuração)

conferido ao advogado que a subscreve.

Em síntese, petição inicial é, de acordo com o Código de Processo Civil (CPC), um

mecanismo legal pelo qual a pessoa, denominada ‘autor’, explica para o membro do Poder

Judiciário, através de um advogado, a origem e as razões pelas quais acredita ser titular de um

determinado direito, pedindo para que suas alegações sejam devidamente analisadas e que

seja tomada alguma providência contra o réu ou requerido, causador da lesão ou ameaça ao

direito do autor, ou ainda, que seja declarada judicialmente alguma situação de fato ou de

direito.

1 Informações retiradas de http://www.paginalegal.com/categoria/juridiques. Acessado em 24/06/14.

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3.2 Análise do Corpus

O corpus selecionado para análise, conforme já mencionado anteriormente, são duas

petições iniciais que tramitam na vara única da comarca de Feliz Natal/MT2. As referidas

petições são peças que originaram, respectivamente, uma ação de reintegração de posse,

redigida em 2010, e uma ação de indenização por danos morais, elaborada em 2005, ambas

cíveis, com o envolvimento de posse de terras. Obtivemos autorização do juiz diretor da

comarca citada para utilização das peças com o intuito de abordar, em nossa pesquisa, apenas

a linguagem utilizada, sem identificação dos sujeitos. Devido a esse fato, não iremos citar

nomes das partes nem dos advogados envolvidos. Portanto, apenas alguns

trechos/formulações foram selecionados para análise, mais especificamente os que remetem

às noções operatórias discursivas deste estudo, identificadas no Capítulo 1: a formação

ideológica, a formação discursiva e a memória discursiva.

3.2.1 Petição Inicial 01: ação de reintegração de posse

O advogado do requerente da ação de reintegração de posse, ao direcionar seu pedido

através da petição inicial, o faz da seguinte forma:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de

Feliz Natal, Estado de Mato Grosso.

Conforme a determinação da Lei 5.869/1973 (Código de Processo Civil Brasileiro), a

petição inicial deverá ser dirigida a um juiz de direito, sendo que tal especificação deverá

estar contida no cabeçalho da referida petição. Assim sendo, percebemos, já na formulação

inicial, que as formações ideológica e discursiva do sujeito produtor de tal peça são

determinantes, assim como o Código de Processo Civil, para as condições de produção de tal

enunciado, ou seja, além das diretrizes que regulam o discurso jurídico, existe também a

influência da comunidade ideológica/discursiva em que o sujeito enunciador está inserido,

portanto, a necessária cordialidade, ao se referir ao magistrado detentor do poder de decisão

2 Feliz Natal/MT - Localiza-se a 530 km de distância da capital do Estado, Cuiabá, estando a uma altitude de 370

metros. A emancipação do município ocorreu em 1995, tendo sua área territorial inteiramente desmembrada do

município de Vera. A população de Feliz Natal é de 10279 habitantes. Feliz Natal ocupa a 69ª (sexagésima nona)

posição de cidade mais populosa no Estado de MT. As petições foram solicitadas à várias comarcas, porém

obtivemos maior acesso ao material de pesquisa por parte da comarca de Feliz Natal. Informações retiradas de:

http://www.feliznatal.mt.gov.br/. Acesso em 24/06/14.

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do pedido, demonstra respeito por parte do advogado requerente, uma espécia de hierarquia

jurídica.

Logo mais, dando continuidade ao seu pedido, o advogado do requerente argumenta

que:

Assim, o autor provou, satisfatoriamente, os pressupostos de ordem

instrumental civil para obter a providência liminar, tratando-se, na espécie,

de ação de força nova (art. 924/CPC). Com farta documentação anexada

demonstrou o fumus boni iuris, até porque além do jus possessionis a posse

está também estribada no jus possidendi, e devido à violação manifestada lei

por parte dos requeridos, que ingressaram no imóvel rural e estão impedindo

o livre exercício da posse, praticando crime ambiental, sobretudo impedindo

que o imóvel seja explorado racionalmente com Regime de Manejo

Sustentado, ocorre o periculum in mora, e o pedido tem inteira procedência,

oportunidade e conteúdo (fl.9).

Nessa formulação discursiva é possível apreender-se, como nos faz perceber Fiorin

(2004), que a finalidade principal de todo ato de comunicação não é, simplesmente, informar,

mas sim tentar convencer o outro a aceitar o que está sendo dito:

Por isso, o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com

vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite. A linguagem é

sempre comunicação (e, portanto, persuasão), mas ela o é na medida em que

é produção de sentido. (FIORIN, 2004, p.52)

O cuidado expressado pelo decoro das palavras empregadas demonstra a preocupação,

por parte do autor da petição, em expressar-se de forma sofisticada, com terminologia jurídica

específica, tendo em vista que a argumentação dos fatos possui a finalidade de convencer o

juiz responsável pelo julgamento da ação, ou seja, o autor da peça tende a se expressar de

forma cordial e elaborada não somente para obter o deferimento do pedido, mas também para

demonstrar sua capacidade de argumentação, adquirir o respeito por parte do juiz e reafirmar

a posição social em que está inserido. Isso significa que, quando alguém fala, adota uma

forma comportamental assujeitada às formações ideológico-discursivas, que se rege por

regras, as quais pressupõem as instituições que são as únicas capazes de lhes atribuir sentido

(SEARLE, 1981).

A linguagem utilizada na descrição do ocorrido está voltada para o juiz, assim, o

advogado ao elaborar sua argumentação e descrição dos fatos, visa única e exclusivamente o

magistrado ao qual está inclinado a persuadir, razão pela qual se utiliza, inclusive, de termos

empregados em latim. Dessa forma, a população leiga, assim como as partes envolvidas no

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processo, dificilmente compreenderiam o significado das palavras “fumus boni iuris3”, “jus

possessionis4”, “jus possidendi

5” e “periculum in mora

6”.

A utilização do latim indica que a comunidade discursiva jurídica, nesse caso, não está

interessada em comunicar-se com outras comunidades discursivas, como a comunidade rural,

à qual pertencem o requerente e o requerido, limitando a participação das partes unicamente

para autorizar os advogados a se pronunciarem por si, vedando qualquer outro tipo de

participação direta das mesmas. Na sequência, na mesma petição citada acima, o advogado

continua argumentando seu pedido, condenando as ações dos requeridos:

O procedimento perpetrado pelos requeridos desnuda conduta injustificável

e intolerável, portanto esta atitude inusitada e truculenta não poderá

encontrar guarida no judiciário, pois o estado, desde há muito tempo, tomou

a si, exclusivamente o direito e o poder de fazer e distribuir JUSTIÇA (grifo

do autor), a fim de que seja mantida a ordem social e não a anarquia (fl. 10).

Podemos observar que a preocupação do advogado na formulação dos argumentos e

utilização das palavras permanece à medida que tece seu discurso. Cabe ressaltar, contudo,

que a escolha dos elementos argumentativos não se faz por acaso, mas porque a memória

discursiva é ativada e o mesmo recorre à história do direito para persuadir o juiz que irá julgar

o pedido, afirmando que a atitude cruel dos requeridos não encontrará asilo no judiciário,

“pois o estado, desde há muito tempo, tomou a si, exclusivamente (grifo nosso) o direito e o

poder de fazer e distribuir JUSTIÇA”. Conforme Orlandi (2002), o que é dito em outro lugar

também significa nas nossas palavras, portanto, o autor da peça utiliza um enunciado histórico

para construir seu próprio enunciado, ressignificando o sentido, ou seja, ele apropria-se de um

dito anterior que, por sua vez, possui um novo sentido no contexto em que está inserido,

permitido pelas formações ideológico-discursivas deste contexto.

A condição exclusiva do Estado de distribuir justiça, conforme citação acima, nos leva

a considerar que o poder judiciário procura manter a ordem social limitando o acesso da

sociedade leiga à justiça através de seu discurso ininteligível, atribuindo fatos históricos e

afirmações, nos enunciados, que pertencem apenas ao conhecimento dos operadores do

direito, nesse caso específico, o advogado e o juiz.

3 Fumus boni iuris – Fumaça de bom direito. Hoje representa uma simples presunção de legalidade e a

possibilidade de um direito. Pretensão razoável, com perspectivas de êxito em juízo. 4 Jus possessionis – O direito de posse.

5 Jus possidendi – Direito de possuir. É a prerrogativa que tem a pessoa de apossar-se daquilo que é seu.

6 Periculum in mora – Traduz-se, literalmente, como “perigo na demora”. Para o direito brasileiro, é o receio que

a demora da decisão judicial cause um dano grave ou de difícil reparação ao bem tutelado. Isso frustraria por

completo a apreciação ou execução da ação principal.

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Na mesma peça inicial, o advogado representante da parte requerente faz, às fls. 05-

08, suas Alegações do Direito, e às fls. 10-11 do Pedido, e, como de praxe, sua linguagem

comprova o ‘poder’ de que sua função está imbuída, fundamentalmente, como se faz crer, por

meio do uso de expressões típicas da Linguagem Jurídica, tais como expressões latinas e

termos técnicos, como se poderá observar nas formulações discursivas abaixo selecionadas:

[...] demais disposições corolárias do Código de Processo Civil [...] (fl. 5).

O esbulho na melhor expressão jurídica da palavra, estriba no fato de alguém

violar de modo violento ou clandestino a posse [...] in casu (fl. 6).

Conforme já foi dito e demonstrado no Boletim de Ocorrência [...] efetuado

in loco (fl. 6).

Assim o entendimento jurisprudencial [...] (fl. 6).

Entretanto vem atenuando a jurisprudência o rigor no reconhecimento

vestibular dos requisitos deste artigo [...] (fl. 7).

[...] deve o juiz contentar-se com apreciação superficial das provas em

summariacognitico [...] (fl. 8).

Destarte, a invasão perpetrada pelos requeridos vem ocasionando danos

ambientais [...] evidenciando o periculum in mora, e o fumus boni iuris [...]

(fl.10).

Ex positis, pede e requer à V. Exa. seja recebida [...] para conceder in liminis

et inaudita altera pars[...] (fl. 10).

Caso esse MM. Magistrado(a) [...] (fl.10).

Cominar pena pecuniária [...] (fl. 11).

A próxima petição inicial aborda, em seu corpo discursivo, uma ação de indenização por

danos morais que tramita na mesma comarca da petição anteriormente analisada.

3.2.2 Petição Inicial 02: ação de indenização por danos morais

Nesta petição, semelhantemente ao que observamos na petição 01, ao argumentar os

fundamentos que configuram o dano, o advogado o fez por meio de uma linguagem

ornamentalmente elaborada, voltada para persuadir o juiz ao deferimento do pedido, conforme

se pode verificar no trecho abaixo:

As ações ou omissões lesivas, ocasionadoras do dano, rompem o equilíbrio

existente no mundo fático, onerando, física, moral ou pecuniariamente o

lesado, que diante da respectiva injustiça, fica ipso facto, investido de

poderes para defesa dos interesses violados (fl. 8).

Os operadores do direito, por sua vez, buscam formular seus textos com palavras de

pouco uso coloquial, além dos termos em latim, para reafirmar sua posição social diante da

autoridade à qual tentam persuadir. Podemos observar no trecho acima descrito que sua

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construção léxico-semântica não objetiva a compreensão das partes envolvidas, busca apenas

a comunicação direta e exclusiva com o juiz julgador da ação.

Na sequência da petição, o advogado busca influenciar o juiz atribuindo-lhe o dever de

deferir o pedido:

Mediante toda a explanação sobre a intensidade do dano ocasionado aos

requerentes, cabe à Vossa Excelência, como intérprete detectar o alcance dos

mesmos, verificar todas as vertentes possíveis, pois há sempre critérios

firmes de aferição, que a experiência jurídica acumulou ao longo dos

tempos, porque certos efeitos são conhecidos ou cognoscíveis (fl. 15).

No trecho citado acima, o advogado busca, de forma incisiva, manipular seu leitor

através de um jogo de palavras sinuosas, expressando sua intenção ao adquirir o deferimento

de seu pedido. Pode-se observar que a formação ideológico-discursiva do sujeito produtor do

texto leva-o a utilizar o discurso jurídico a seu favor, buscando fundamentar seu pedido

através da história (memória discursiva) das ciências jurídicas e a evolução da mesma, fatos

de conhecimento e de interesse fundamentalmente dos operadores de direito.

A memória discursiva do sujeito de direito remete-o a formular construções

discursivas cada vez mais elaboradas e permeadas de argumentações, dificilmente utiliza-se

uma linguagem direta e objetiva, trata-se da utilização da maior quantidade de fatos possíveis,

conforme se observa no trecho abaixo:

As circunstâncias fáticas mostram que os requeridos se encontravam em

condições em que a intensidade do dolo era evidente, aproveitando-se

indevidamente de uma atitude judicial, objetivando a destruição moral e

profissional dos lesados, portanto, cumpre seja exacerbado o sancionamento,

para que sinta a força da reação do ordenamento jurídico a seu

comportamento imoral, ilegal e por demais temerário e arbitrário (Idem).

Mesmo não utilizando os juridiquês, o advogado ao argumentar os fatos e o direito ao

juiz, utiliza termos vernáculos de utilização específica da linguagem jurídica. O sujeito, que

profere o discurso busca através do mesmo reafirmar a posição que ocupa na sociedade, assim

como seu grau de instrução e conhecimento, buscando o reconhecimento por parte do leitor.

Ao elaborar a petição inicial o advogado busca sustentar seu discurso não somente em

sua argumentação, mas também nas leis vigentes para demostrar ao juiz o poder de seu

requerimento e influenciar a decisão do magistrado, como descrito no trecho a seguir onde o

advogado fundamenta: “Se esse não for o entendimento desse juízo, que o valor da

condenação seja aplicado pelo arbítrio deste sapiente magistrado, utilizando-se das teorias

retromencionadas (fl.17)”. Na sequencia da petição o advogado novamente ressalta que até

mesmo o juiz está submetido às leis.

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Não sendo esse entendimento do juízo, apenas “ad argumentandum

tantum”, o que não se admite, que a indenização por danos morais seja

arbitrado por Vossa Excelência, levando-se em consideração a Teoria do

Valor do Desestímulo, bem como todo o exposto no corpo desta peça (fl.

18).

A formação discursiva-ideológica do operador do direito permite-o manipular e

utilizar com precisão as leis assim como as palavras para obter o deferimento de seu pedido.

Em sua obra "A ordem do discurso”, Foucault (2003) nos mostra que o surgimento do

discurso (da fala) apesar de parecer pouco importante, suas ligações com o desejo e com o

poder logo são reveladas através das proibições que o circulam. Assim como a psicanálise nos

mostra que o discurso não é simplesmente aquilo que manifesta, ou esconde, o desejo, ele é

também o objeto do desejo, a história constantemente ensina que o discurso não é somente o

que traduz as lutas dos sistemas de dominação, mas é a coisa pela qual, por meio da qual e

através da qual se luta, o discurso é o objeto de desejo, a representação do poder a ser tomado.

Existe então, um desafio a ser superado que é tornar o discurso jurídico do

entendimento coletivo, favorecendo toda uma sociedade e não um pequeno grupo.

Desenvolver a simplicidade é uma das formas de assegurar a existência individual do homem

e também legitimar o Direito a partir da determinação e do respeito por sua natureza humana

e igualitária.

Conforme Bordieu:

É próprio da eficácia simbólica, como se sabe, não poder exercer-se senão

com a cumplicidade – tanto mais certa quanto mais inconsciente, e até

mesmo mais sutilmente extorquida – daqueles que a suportam. Forma por

excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer sua eficácia

específica na medida em que obtém o reconhecimento, quer dizer, na medida

em que permanece desconhecida a parte maior ou menor de arbitrário que

está na origem do seu funcionamento (BORDIEU, 2005, p.243).

Bordieu nos mostra, assim, que a arbitrariedade do discurso jurídico permanece

implícita na sociedade e que os operadores do direito contribuem, mesmo que de forma

inconsciente, para a manutenção do poder e à camuflagem dessa arbitrariedade diante da

sociedade, utilizando-se de uma linguagem opaca, de modo a serem compreendidos,

geralmente, apenas entre si.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho, conforme apresentado na Introdução, objetivou compreender o

motivo da utilização de termos arcaicos e/ou herméticos na linguagem jurídica e a construção

do discurso jurídico nas petições iniciais, utilizando-se como pressupostos teórico-

metodológicos a Análise do Discurso, com ênfase nas noções teóricas de formação

ideológica, formação discursiva e memória discursiva do sujeito advogado operador do

direito.

Neste contexto, foi possível observar que a formação ideológico-discursiva do sujeito

determina o teor de seu discurso, e que a comunidade discursiva em que o sujeito está inserido

possui grande influência nessas formações.

O discurso jurídico possui o poder de ‘controlar’ a sociedade, poder esse obtido

através dos séculos, durante a evolução da sociedade. Michel Foucault, através da obra A

verdade e as forma jurídicas (1973), nos mostrou, por sua vez, que nem sempre o poder

pertenceu ao Estado. Na Grécia arcaica o poder e o direito de tomar as decisões e resolver

litígios pertenciam à população, aos poucos, contudo, foram surgindo figuras mediadoras dos

conflitos, pessoas que decidiam a quem pertencia a razão. Durante essa transição o discurso

proferido nas tomadas das decisões era cada vez mais elaborado, a população passou então a

não ter mais acesso às resoluções de seus próprios conflitos. O Estado foi apoderando-se da

razão através de seu discurso regulador, criando leis e estabelecendo condutas de

comportamentos à sociedade.

Aos poucos foi surgindo uma linguagem técnica, com termos específicos, exclusivos

da comunidade jurídica e ininteligível às pessoas que não possuem os devidos conhecimentos

às leis. Essa linguagem vem sendo mantida através dos anos pelos operadores do direito,

assim como as técnicas de elaboração do discurso jurídico. Criou-se, então, um tabu em torno

dessa linguagem, principalmente porque as pessoas que não possuem o conhecimento às leis

tomam o discurso jurídico como verdade absoluta, inquestionável, justamente pelo fato de não

compreenderem, na maioria das vezes, o discurso proferido.

A comunidade jurídica sustenta essa linguagem rebuscada fundamentalmente com o

intuito de manter o status de discurso inquestionável, para que o mínimo possível de pessoas

questionem as ações tomadas pelo Estado, já que sem compreensão não há participação, não

há luta, formando assim uma sociedade submissa e assujeitada às leis e ao Estado.

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ANEXO A – Modelo de Petição Inicial

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS

CÍVEIS DA COMARCA DE BARUERI/SP

SÉRGIO, portador do RG nº e do CPF nº, residente e domiciliado à rua, nº, na

cidade de Barueri/SP, por seu advogado que esta subscreve, devidamente inscrito na OAB/SP

nº, com escritório profissional sito na Rua, nº, local onde recebe intimações, vem,

respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor AÇÃO DE INDENIZAÇÃO

PARA REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS causados em acidente de veículo de via

terrestre, com fulcro nos artigos 186, 927 e 932, III do Código Civil, em desfavor

da XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ nº, com sede

na Rua, nº, em Campinas/SP, na pessoa de seu representante legal, pelos fatos a seguir

expostos:

DOS FATOS

No dia 1º de novembro do ano de 2009, por volta das 10h 45min, o autor

trafegava com seu veículo VW Passat, ano 2008, cor prata, pela Praça da República, na cidade

de São Paulo/SP, quando Paulo, condutor do veículo GM S10 ano 2007, cor preta, de

propriedade da Locadora Paulistana de Veículos Ltda., sem a devida cautela e com manifesta

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imprudência, colidiu a lateral direita de seu veículo com a lateral esquerda do veículo do

autor.

Dessa irresponsável conduta, advieram avarias no veículo do autor, sendo o

reparo do dano orçado em R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), conforme se pode comprovar

pelos orçamentos em anexo.

O autor procurou por diversas vezes a ré com objetivo de solucionar

amigavelmente o conflito existente, sendo que em nenhuma delas obteve resultado

satisfatório.

A responsabilidade da ré é clara, uma vez que a legislação brasileira sustenta

que o empregador é, também, responsável pela reparação civil em razão de danos causados

por seus empregados, serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir, ou em

razão dele. Ora, se Paulo, empregado da referida locadora, estava conduzindo um veículo

pertencente à ré e sua conduta imprudente causou danos ao autor, não há dúvidas quanto à

responsabilidade da empresa, que se nega a assumir sua obrigação.

Assim, não resta ao autor outra alternativa senão propor a presente ação.

DO DIREITO

Segundo prescreve o art. 186 do Código Civil, aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda

que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Não há dúvidas que no caso em questão o dano causado ao autor se revestiu de

imprudência e negligência, uma vez que o condutor do veículo, em desobediência às leis de

trânsito, ao conduzir seu veículo, não teve a atenção necessária e, sem justo motivo, colidiu

seu automóvel contra a lateral esquerda do veículo do autor.

Também preceitua o art. 927 do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito (art.

186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Quanto à obrigação de reparar o dano pela ré, a responsabilidade é atribuída à

empresa jurídica demandada por força do art. 932, inciso III que assim prescreve:

“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos,

no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”

Assim, de acordo com as normas positivadas em nosso ordenamento jurídico,

o dano causado ao autor é proveniente de ato ilícito, gerando a obrigação de indenizar.

No mesmo sentido, diz a jurisprudência:

CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – COLISÃO DE VEÍCULOS – REPARAÇÃO

DE DANOS – ECT – 1- A responsabilidade resultante do art. 159 do Código Civil

pressupõe a existência do comportamento do agente, do dano, da relação de causalidade

e da culpa ou dolo. Preenchidos tais requisitos, impõe-se a observância da seguinte

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regra: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano". 2 - Com efeito,

como acima explicitado, a Responsabilidade subjetiva tem como requisitos a conduta, o

dano, o nexo causal e a culpa. A partir do momento em que alguém, mediante conduta

culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está diante de um ato ilícito, e deste

ato deflui o inexorável dever de indenizar. Assim, configurado o nexo causal entre o

dano e a culpa, é devida a indenização. In casu, o dever de indenizar surgiu com a

conduta culposa da Ré, que agiu de forma imprudente que é a falta de cautela ou

cuidado por conduta comissiva, positiva, por ação. Com efeito, foi exatamente o ocorrido

quando da colisão, a falta de cuidado da Ré ao adentrar em uma a pista do lado oposto,

sem observar as condições de tráfego do local, ou seja, sem a prudência de olhar se viria

outro carro no sentido contrário. Deste modo, encontra-se presente, portanto, o

requisito imprescindível para caracterizar a responsabilidade prevista no art. 159 do

CC. 3 - Apesar da tentativa da apelante em rechaçar o depoimento prestado por José

Ricardo Rodrigues, foi o que formou o convencimento do juízo para o deslinde da causa

4 - Recurso conhecido, porém desprovido. (TRF 2ª R. – AC 93.02.14728-2 – 6ª T. – Rel.

Des. Fed. Poul Erik Dyrlund – DJU 04.12.2003 – p. 238) JCCB.159

Com base na disposição legal supra, bem como na jurisprudência citada, o réu

tem a obrigação de indenizar o autor pelos danos causados por seu empregado.

Quanto à responsabilização da pessoa jurídica demandada, além do que dispõe

o art. 932, II do Código Civil, a jurisprudência também é unânime:

“DIREITO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL EM DECORRÊNCIA DE

ACIDENTE DE VEÍCULO –CULPA DO PREPOSTO DE EMPRESA DE ENTREGA

ATRAVÉS DE MOTOCICLETA – ART. 83, III, DO CÓDIGO NACIONAL DE

TRÂNSITO – ELEMENTOS DE PROVA – 1 - Os elementos de prova constantes dos

autos demonstram a presença dos pressupostos da responsabilidade civil relativamente à

empresa de entrega rápida de documentos e mercadorias por intermédio de motocicleta,

empregadora do motorista do veículo que causou o acidente de trânsito noticiado nos

autos. 2 - Os documentos apresentados, com fotografias esclarecedoras e croqui do local,

aliados às circunstâncias em que ocorreu o acidente, são demonstrativos da culpa do

motorista da motocicleta, a ensejar o reconhecimento da responsabilidade civil do

empregador. 3 - Ação, dano e nexo de causalidade comprovados pela prova existente nos

autos relativamente à responsabilidade civil da pessoa jurídica empregadora. Aplicação

do disposto no art. 1.521, do Código Civil. 4 - Apelação conhecida e provida, com a

reforma da sentença. (TRF 2ª R. – AC 1999.02.01.038641-8 – 5ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama – DJU 04.09.2003 – p. 153) JCCB.1521”

No mesmo sentido:

“RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTEDE TRÂNSITO - COLISÃO DE

VEÍCULOS EM RODOVIA ESTADUAL - VÍTIMA FATAL – AÇÃO DE

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS -DEMONSTRADA

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CULPABILIDADE DO MOTORISTA – RESPONSABILIDADE CONSEQÜENTE DO

PROPRIETÁRIO SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM

JULGADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Comprovada a culpa do condutor do caminhão

de propriedade da empresa empregadora pelo acidente de trânsito ocorrido, que

resultou na morte do cônjuge e pai das autoras, de rigor sua responsabilidade pelos

prejuízos causados em decorrência do ato culposo. VEÍCULO - PROPRIEDADE – A

compra e venda de caminhão não prevalece contra terceiros, de boa fé, se o contrato não

foi transcrito no Registro de Títulos e Documentos, nos estritos termos da Súmula n°.

489 do Supremo Tribunal Federal, DANO MORAL - A indenização por dano moral

estabelecida no artigo 5o, X, da CF, deve ser fixada segundo uma prudente estimativa,

sopesando a dor da vítima, o caráter afetivo e o grau da culpa. RESPONSABILIDADE

DA DENUNCIADA À LIDE - Comprovada a transferência inequívoca do Veículo

causador do dano anteriormente a data do sinistro à empresa denunciada, resta

demonstrada a obrigação desta em assegurar o resultado da demanda indenizatória,

sendo de rigor o acolhimento da lide secundária. RECURSO PROVIDO. (TJSP – APC

992051376848, 27ª CDP, Rel. Emanuel Oliveira DJE).”

Tendo em vista o amparo legal, bem como os fatos narrados, verifica-se a

legitimidade das partes, a possibilidade jurídica e a necessidade do pedido.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer a Vossa Excelência:

a) A procedência da ação para condenar a ré a efetuar o pagamento ao autor na

importância de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), acrescidos de juros e correção monetária;

b) A condenação da requerida ao pagamento das custas processuais e

honorários advocatícios na forma da lei;

d) A citação do representante legal da pessoa jurídica que figura no pólo

passivo para, querendo, no prazo legal, contestar a ação;

DAS PROVAS

Pretende-se provar por todos os meios de prova permitidos no direito, tais

como depoimento do representante legal da ré, do condutor do veículo causador do dano,

prova testemunhal e outras que se fizerem necessárias à comprovação do alegado.

VALOR DA CAUSA

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Dá-se à causa o valor de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para fins meramente

fiscais.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Cidade, 1 de abril de 2010.

Advogado

OAB/SP nº