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Revista VITAS Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade www.uff.br/revistavitas Nº 2, janeiro de 2012 ANÁLISE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DE ESCOLA RURAL EM ITAPORANGA D’ AJUDA-SE. Rosemeri Melo e Souza 1 e Michele Moura Santos 2 Resumo O artigo tem como objetivo analisar os fatores que influenciam as práticas escolares de professores de zona rural através da Educação Ambiental e sua inserção no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. O processo metodológico baseou-se em unidades de sentidos referentes aos aspectos ambientais da região, e como ocorre a relação destas com a prática pedagógica das professoras pertencentes ao grupo focal. Neste estudo foi constatado a desvinculação das práticas escolares das professoras com a suas práticas ambientais. Palavras-chaves: Educação Ambiental, práticas escolares, docentes de zona rural, Introdução O texto tem como objetivo analisar os fatores que influenciam as práticas escolares de Educação Ambiental realizadas por professores de zona rural através da e sua inserção no processo de ensino- aprendizagem dos alunos. As práticas dos professores da Educação básica são apresentadas através de contextualizações do cotidiano escolar. Discutir sobre as percepções ambientais de professoras de escola rural na cidade de Itaporanga d` Ajuda SE é um processo de investigação e resgate da percepção enquanto sujeito e profissional da 1 Pós-Doutora em Geografia Física (University of Queensland, Austrália). profª Associada do Departamento e do programa de Pós-Graduação em Geografia/UFS e do Programa de Pós- Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente ( PRODEMA/UFS). Líder de Pesquisa do GEOPLAN _ Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Ambiental e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. [email protected] 2 Pedagoga e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Professora da Faculdade Tobias Barreto e da Pós-Graduação da Universidade Vale do Acaraú _ UVA/Sergipe. [email protected]

ANÁLISE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO

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Nº 2, janeiro de 2012

ANÁLISE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO

AMBIENTAL NO CONTEXTO DE ESCOLA RURAL EM

ITAPORANGA D’ AJUDA-SE.

Rosemeri Melo e Souza1

e Michele Moura Santos2

Resumo O artigo tem como objetivo analisar os fatores que influenciam as práticas

escolares de professores de zona rural através da Educação Ambiental e sua inserção

no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. O processo metodológico baseou-se

em unidades de sentidos referentes aos aspectos ambientais da região, e como ocorre a

relação destas com a prática pedagógica das professoras pertencentes ao grupo focal.

Neste estudo foi constatado a desvinculação das práticas escolares das professoras

com a suas práticas ambientais.

Palavras-chaves: Educação Ambiental, práticas escolares, docentes de zona rural,

Introdução

O texto tem como objetivo analisar os fatores que influenciam as

práticas escolares de Educação Ambiental realizadas por professores de

zona rural através da e sua inserção no processo de ensino-

aprendizagem dos alunos. As práticas dos professores da Educação

básica são apresentadas através de contextualizações do cotidiano

escolar.

Discutir sobre as percepções ambientais de professoras de

escola rural na cidade de Itaporanga d` Ajuda – SE é um processo de

investigação e resgate da percepção enquanto sujeito e profissional da

1 Pós-Doutora em Geografia Física (University of Queensland, Austrália). profª Associada do

Departamento e do programa de Pós-Graduação em Geografia/UFS e do Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente ( PRODEMA/UFS). Líder de Pesquisa do

GEOPLAN _ Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Ambiental e Bolsista de

Produtividade em Pesquisa do CNPq. [email protected] 2 Pedagoga e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Professora da Faculdade Tobias

Barreto e da Pós-Graduação da Universidade Vale do Acaraú _ UVA/Sergipe.

[email protected]

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Educação Básica. A relação entre os saberes dos professores e as

práticas escolares desenvolvidas por estes no decorrer do cotidiano

escolar é baseada no desfalecimento dos saberes dos professores, na

falta de valorização profissional e principalmente pela falta de

identidade com a condição de professor da séries iniciais do Ensino

Fundamental da Educação Básica.

Nota-se uma desvinculação dos processos educativos que

ocorrem entre a Educação Ambiental e a Educação Básica, sendo

evidenciada por meio do despreparo dos profissionais do ensino

formal, pois trabalhar numa perspectiva socioambiental é promover a

discussão sobre o ambiente, num ponto de vista que busque atender um

entendimento harmonioso das relações sócio ambientais entre homem e

natureza.

Para Fabio Cassino (2003), isso significa inserir alguns princípios

para se tornar uma sociedade sustentável a partir da educação, tais

quais: a perspectiva econômica, cultural, ecológica, espacial e social, já

presentes no Relatório “Cuidando do Planeta Terra”(1991). Seria uma

proposta radical no sentido de articular uma discussão, análise, ou seja,

a (re)leitura dos currículos para rever e selecionar novos parâmetros do

conhecimento daqueles que são transmitidos nas escolas.

A Educação Ambiental traz para a Educação Formal (ensino em

escolas), um novo olhar da realidade, uma (re) leitura social do sujeito.

São práticas de conscientização ambiental que favorecem a conservação

e preservação, em que o desenvolvimento sustentável é instrumento de

efetivação de práticas socioambientais. É o aprofundamento da

percepção socioambiental assinalando as (inter)ligações sociais e

naturais em que o sujeito está envolvido.

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A relação existente entre o meio ambiente e a sociedade

baseia-se na expropriação dos recursos naturais para produção de

produtos manufaturados. Conseqüentemente, educar para o meio

ambiente se torna uma tarefa difícil, pois a Educação Ambiental não

consegue se envolver nos currículos de ensino, de modo a reconhecer e

valorizar o ambiente como um todo interdisciplinar.

Gera o desenvolvimento de uma série de práticas

desarticuladas da perspectiva socioambiental, definida esta por

Guimarães (2005) como a superação da tendência fragmentária, dualista

e dicotômica, fortemente presente em nossa sociedade. A Educação

Ambiental busca preencher de sentido essa expressão com a idéia de

que as questões sociais e ambientais da atualidade se encontram

imbricadas em sua gênese e que as conseqüências manifestam essa

interposição. Sua ausência traz conseqüências para o ensino, tais como:

a fragmentação e o reducionismo das questões relacionadas ao meio

ambiente.

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa possui caráter qualitativo, de acordo com Menga

Ludke (1982), e sua metodologia foi baseada na abordagem de

investigação-ação (descrição de um sistema de significados sociais de

um determinado grupo), em que o pesquisador (observador

participante) tem a sua identidade e seus objetivos do estudo revelados

ao grupo pesquisado desde o início, atuando junto aos sujeitos e

espaços ao longo da pesquisa.

A escola a qual pertence à pesquisa está situada no povoado

Nova Descoberta, em Itaporanga d’ Ajuda-SE, distante cerca de 9 km da

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Reserva do Caju (campo Experimental da EMBRAPA). No local há uma

grande extensão de área verde, remanescente de Mata Atlântica

A pesquisa foi realizada na Escola Municipal de Ensino

Fundamental Nicola Mandarino, com um grupo focal de seis

professoras que lecionam nas séries iniciais do ensino fundamental (1º

ao 5º ano), na faixa etária compreendida entre os 36 (trinta e seis) e 40

(quarenta) anos, com experiência no magistério entre os 2 (dois) e 19

(dezenove) anos em escolas públicas e particulares da zona rural,

trabalhando no turno da manhã da escola pesquisada e residentes na

região de Itaporanga d’ Ajuda – Se.

Foram realizados levantamentos bibliográficos de temas como:

formação docente, Educação Ambiental e outros. Assim como foram

adotados instrumentos de coleta, como a observação e entrevista semi-

estruturada, formulário sócio-econômico, e análise documental.

A análise de dados se baseou na transcrição das gravações das

entrevistas e formulários, elaboração de gráficos a partir do uso de

software, dados no Excel, categorização dos dados das entrevistas em

temas concernentes à dissertação, a elaboração das unidades de sentido

no intuito de indicar a freqüência de respostas positivas e negativas no

formulário

As Práticas Escolares de Educação Ambiental e sua inserção no

Processo de Ensino-Aprendizagem dos Alunos

A prática pedagógica das professoras de escolas de zona rural de

Itaporanga d’ Ajuda-Se é tradicional e pautada nos livros didáticos; são

poucas as vezes que são realizadas atividades extraclasses, a prática

escolar está mais voltada à questão de fazer os alunos aprender a ler e a

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escrever, fazer contas, ou seja, as disciplinas de português e matemática.

De acordo com as professoras, são as mais difíceis para os alunos, e,

tendo dificuldades nestas disciplinas, os trabalhos com as outras

(Ciências, Geografia, História, Artes e Sociedade e Cultura) são

inviabilizados.

Não há trabalho interdisciplinar no decorrer de suas práticas

didático-pedagógicas. Geralmente o trabalho da sala de aula se

restringe ao livro didático. As atividades sócioambientais do entorno e

cotidiano escolar são as festas juninas, em que a festa de Santo Antonio

é considerada a maior representação cultural da região de Nova

descoberta e comunidades próximas. Como também o reisado, mas hoje

em dia tem pouca representatividade, pois não tem muitos grupos, e

nem apoio financeiro para a divulgação cultural.

Na análise das Unidades de Sentidos, como consta no Quadro 1,

referente aos aspectos ambientais da região e sua relação com a prática

pedagógica das professoras pertencentes ao grupo focal, foram

detectados a partir das respostas em vermelho das professoras, aspectos

de práticas de vida e pedagógica, tais como: a freqüência da abordagem

das atividades ambientais relacionadas ao meio ambiente local, as quais

são realizadas com práticas pontuais (as atividades são comemoradas

nos períodos específicos do calendário escolar ou não), através de

conversas informais realizadas no decorrer das aulas, com comentários

de alguma situação que seja concernente as atividades em

desenvolvimento:

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Quadro 1 - Unidades de sentidos referentes aos aspectos ambientais da região e sua relação

com a prática pedagógica das professoras pertencentes ao grupo focal.

Elaboração: Michele Moura dos Santos, 2009.

Legenda:

UNIDADES DE SENTIDO

GRUPO FOCAL

P

1

P

2

P

3

P

4

P

5

P

6

Abordagem das

atividades ambientais relacionadas

ao meio ambiente local

Utilização dos

conhecimentos informais na

prática pedagógica

Desenvolvimento de

atividades ambientais

Atividades que

envolvam aspectos ambientais da

região

Problemas ambientais da

região

Conseqüências desses

problemas ambientais para a

comunidade.

Forma como esses

problemas foram abordados pela

escola.

Elementos favoráveis pra

a prática de Educação Ambiental.

Elementos desfavoráveis

a prática de Educação Ambiental.

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Representações negativas contendo uma carga de aparente cansaço, exaustão emocional,

desinteresse pelo fato de ser professora, pelo ato de estar em sala de aula lecionando, ou no ambiente

escolar como um todo.

Representações positivas contendo exemplos de ressignificação da prática educativa das

professoras

A utilização dos conhecimentos informais no enriquecimento da

prática pedagógica ocorre principalmente através de conversas

informais com seus alunos sobre as plantas medicinais, estórias, lendas,

superstições da região, oportunizando as professoras o momento de

trabalhar o resgate de seus saberes ambientais, da prática e

experienciais.

O desenvolvimento de atividades ambientais é realizado em

datas especificas, ou elas não são trabalhadas: as atividades que

envolvem aspectos ambientais da região são discutidas parcialmente, as

mais comentadas são a pesca e agricultura.

Essas atividades são trabalhadas em datas especificas, e não

durante todo o ano letivo, assim como o dia da árvore, do meio

ambiente, as festas juninas, o folclore, dentre outras atividades.

A pesquisa mostrou que em uma escola de zona rural, que

possui elementos voltados para o cuidado com a terra, a sabedoria dos

mais velhos como as rezas, e a experiência de vida desses professores

residentes do interior são conhecimentos desvalorizados e passam

despercebidos no cotidiano escolar.

O livro didático é o principal instrumento de trabalho, a partir

dele são elaborados o planejamento anual, mensal e os planos de aula, a

pesquisa aos materiais tais como: revistas, jornais, manuais didáticos,

jogos ou até o acesso a pesquisa na internet com o uso de

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computadores é inviável , pois não há infra-estrutura adequada na

escola .

As professoras entrevistadas têm noção da existência dos

problemas ambientais (a falta de saneamento básico, o lixo a céu aberto,

extração da areia das margens dos rios e extração irregular da madeira),

mas eventualmente são trabalhados por elas em sala de aula.

As conseqüências desses problemas ambientais não são

abordadas com freqüência nas atividades didáticas de sala de aula, as

atividades ficam restritas aos livros didáticos, as professoras afirmam

não ter suporte didático (livros, cartazes, bibliotecas entre outras)

suficiente; reconhecem que seria interessante trabalhar a partir de

atividades extra-classe, mas a quantidade elevada de alunos

desfavorece as práticas diferentes do cotidiano escolar. É comum

trabalhar tais problemas em conversas informais e colagens de

cartazes.

Durante o período de aplicação do formulário, as docentes

afirmam que têm interesse, mas não há condições favoráveis de

trabalho, falta-lhes material didático adequado, infra-estrutura

adequada, o elevado número de alunos em sala de aula dificultando a

execução das atividades, a falta de apoio da participação dos pais no

processo sócio-educativo.

Existe pouca vinculação dos saberes das professoras, elas estão

muito envolvidas com os problemas de sala de aula e da escola

(turmas com alunos em diferentes níveis de aprendizagem, a falta de

apoio e acompanhamento pedagógico, os impedimentos

administrativos entre outros). Isto implica na atuação das práticas

escolares das professoras, não favorecendo o reconhecimento e

desenvolvimento dos seus saberes, os valores, a sua vontade de formar

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os alunos para a vida. O que, por conseqüência, demonstra uma visão

reducionista da educação, ancorada numa rotina controlada pelas as

práticas educativas tradicionais, como mostra os depoimentos a

seguir:

P6: não trabalho. Eu não acho legais esses livros. O livro de história

não dá pra trabalhar aqui o povoado. Eu acho importante trabalhar as

questões do povoado pra depois trabalhar a realidade de fora.(sic)

P2:tenho muita dificuldade em repassar, pois, muitos não sabem ler

e escrever direito, e os livros de geografia, ciências e historia não ajudam

muito.(sic)

P3: Quando o assunto é o espaço, é o rio, e falo onde está localizado,

os peixes e trabalho as várias disciplinas: matemática, geografia, e

ciências.(sic)

Percebe-se, no cotidiano sócio-educativo, a escola como o local

para as crianças irem lanchar, brincar e encontrar com os colegas,

onde até mesmo a responsabilidade dos pais é repassada para os

professores: há muitos casos de indisciplina praticados pelos alunos,

e, quando os pais são chamados a comparecer na secretaria para

conversar com os professores e tomar conhecimento do seu

rendimento escolar e comportamento, nem todos comparecem para

saber informações de seus filhos.

Dentro desse contexto, notam-se outros problemas tais como: a

desvalorização das professoras, e dos alunos; desestimulo e cansaço

pelo trabalho docente; ou gera-se discurso de culpa, ou seja, sempre

colocam a culpa nos problemas da escola (falta de material, de apoio

didático-administrativo, indisciplina, salas com superlotação de

alunos, ou a sua formação que está defasada entre outros). Foi uma

constante no decorrer da aplicação dos formulários, das entrevistas e

observações semi-estruturadas, as professoras sempre tinham algum

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motivo pra se desculpar pelo trabalho que não tem o rendimento

esperado.

O discurso de culpa era embasado por motivos como: escola

é vista pelos alunos e pais como um lugar para passar mais um tempo

longe de casa, e que lhe garante o direito de continuar atendidos pelos

programas sociais do governo, os quais exigem a freqüência e

permanência dos alunos no ambiente escolar. As professoras sentiam-

se desamparadas pela parte administrativa e pedagógica, não há um

acompanhamento pedagógico efetivo no cotidiano educativo das

docentes.

As docentes contam com ajuda de alguns funcionários para

lidar com os alunos mais rebeldes, mas não há um apoio constante,

pois geralmente esses alunos, quando causam algum problema, ficam

na secretaria para uma conversa com o secretário, e depois os pais ou

responsáveis são chamados para ficar a par do problema.

A partir dos referidos problemas apontados no cotidiano deste

grupo focal de professoras, observam-se aspectos: exaustão emocional,

despersonalização e redução da realização pessoal e profissional são

sintomas da síndrome de Burnout. De acordo com Silva (2006), os

professores sentem-se emocional e fisicamente cansados, estão

freqüentemente irritados, ansiosos, com raiva ou tristes. A síndrome é

a combinação de fatores individuais, organizacionais e sociais, sendo

que esta interação produziria uma percepção de baixa valorização

profissional.

É muito difícil para o educador desistir de sua dedicação ao

ensino e abandoná-la, pois o trabalho educacional lhe propicia (ou

deveria lhe propiciar) outras recompensas, que não são monetárias. A

intensidade do seu trabalho é em busca da realização, mas vem o

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cansaço a desilusão, acabando o professor a questionar-se quanto à

sua competência, de acordo com Silva e Bomtempo (2006).

Na incorporação dos saberes ambientais transmutando-os,

estes são reduzidos a saberes fragmentados no aspecto ambiental e

perdidos no contexto sócio-educativo.

Encontraram-se docentes (9,3% das representações positivas)

que resgatam a reflexividade dos saberes ambientais e a importância

destes nas práticas de vida e profissional, e que apontaram o interesse

em trabalhar elementos de Educação Ambiental tais como; cuidados

com a lavoura, os cuidados que se devem ter com a dengue, os

cuidados com o meio ambiente (a preservação de rios e do manguezal

da região).

Estas docentes encontram nas suas práticas escolares elementos

de significação para ir além dos planos de aula; sentem a importância

da relação entre o saber e prática educativa que exercem em sala de

aula. Na sua prática escolar, há reflexão entre o que ocorreu antes e

depois da ação. Estas docentes ainda se voltam para avaliar a sua ação

em sala de aula, no intuito de se reconhecer e perceber as necessidades

dos seus alunos dentro do processo de ensino-aprendizagem.

Para Charlot (2000), a relação com o saber enquanto relação

social precisa estar alicerçada nas dimensões epistêmica e identitária.

É uma relação com o mundo, com o outro, e com ele mesmo, de um

sujeito confrontando-se com a necessidade de aprender com suas

práticas de vida.

Perspectiva de meio ambiente explorada pelas professoras nas

práticas escolares de Educação Ambiental

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A perspectiva dos professores sobre meio ambiente relaciona-se

com aspectos de limpeza do ambiente, higiene, as transformações

ambientais, a ter cuidados com a saúde, tais como relacionam ter água

encanada, rede de esgoto, pois a comunidade tem atividades

econômicas: a pesca e agricultura, onde os moradores utilizam dos

recursos dessas atividades para comercializar e sustentar a família.

De acordo com Araújo (2004), as questões ambientais apresentam

peculiaridade por serem tão complexas e amplas, e seus elementos

estarem tão interconectados que se torna difícil delimitá-las. A relação

com o meio ambiente configura-se em ver através das mudanças

ambientais as melhorias que o povoado de Nova Descoberta e a cidade

de Itaporanga D’ ajuda/Sergipe conseguiram ao longo dos anos.

As mudanças trouxeram melhores condições de vida e isso na

percepção das professoras denota avanço, progresso. Entretanto,

precisa-se de melhoramentos; dentre outros depoimentos, tem-se a

relação com aspectos de saúde em seu ambiente, pois no povoado de

Nova Descoberta ainda não há infra-estrutura básica (rede de esgotos,

saneamento básico e outros aspectos).

P6: A rede de esgoto. Então isso é uma grande preocupação. Ai tem

muita gente que fica chocado quando falo que prefiro a rede de esgoto, ao

calçamento. É uma questão de saúde. O saneamento básico, não existe aqui

em Nova Descoberta, quando chove as ruas ficam completamente

destruídas , sofrimento pra população. A água é problema muito sério não é

tratada (água de poço). Eles fazem uso da água normal. Água de beber é de

cisterna, e para beber e lavar roupa é do rio às vezes. Água do poço do rio já

foi denunciada, mas não adianta. As pessoas utilizam os animais já teve

época de ir para o rio e chegando lá encontrar até galinha morta. (sic)

P2: Pra mim o meio ambiente é tocar na parte da limpeza. É deixar o

ambiente limpo. É deixar a sala limpa. Não é porque tem o pessoal de apoio

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que vai deixar a sala suja, tem que ter a sala limpa, toco muito na questão

da limpeza.(sic)

Nota-se que há uma interação entre o ambiente e o sujeito,

uma interação baseada na necessidade e utilização dos recursos

naturais como sendo fonte de sobrevivência, os aspectos culturais,

também, faz parte do seu meio ambiente, a relação com a destruição

do rio, a aspectos com higiene e saúde.

P1: Maltratado, né... O pessoal está destruindo a natureza. O Vaza-

Barris é um exemplo, pois trabalhei num areal, eles retiram areia do rio.

Com jatos que sugam areia do rio. Chega a doer só de ver. É uma draga,

como se fosse motor de carro. É um motor de carro movido a gás de cozinha,

ele puxa areia através do motor do carro. Essa draga chega a tirar

“toneladas” de areia. Chega doer no coração, como expectadora dói. Saber

que vai precisar disso mais tarde. “(sic)

P3: Hoje ainda tem pessoas que necessitam dessa busca de alimento

(refere-se à atividade pesqueira), mas a quantidade de peixes diminuiu.(sic)

P5:Houve pequeno avanço, naquela época todo mundo utilizava

água do rio, hoje mudou pra melhor, não tinha água encanada. Você já

pensou ter que utilizar a aquela água suja. Todo mundo utilizava água do

rio. Já pensou no tempo da chuva tomar aquela água do riacho com remédio

utilizado na lavoura.(sic)

Geralmente são discutidos aspectos como o rio Tejupeba, a

comunidade do Paruí, as festas típicas da comunidade, festa de

Santo Antônio, entre outras. Dentre os depoimentos, foi discutida a

questão do acompanhamento, uma tradição dos mais antigos e que

era repassada de pai para filho; algumas professoras sabiam desse

aspecto cultural e chegaram a participar, a trazer para sala de aula,

mas poucas foram as vezes em que comentaram sobre esses

conhecimentos, pois para os alunos se tornava difícil citar esses

conhecimentos para sala de aula.

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Devido à falta de disciplina em sala de aula, os assuntos

eram abordados sem um objetivo concreto, somente na intenção de

transmitir informações. As professoras não reconheciam estes

conhecimentos com fonte e instrumento de formação no

processamento de ensino-aprendizagem. São saberes que se

perderam dentro das dificuldades do cotidiano escolar.

P5: A festa Santo Antônio antigamente tinha o acompanhamento à

pessoa ficava doente e o santo era levado na casa da pessoa pra fazer a reza.

O acompanhamento depende o santo que a pessoa prometer. Tinha a pessoa

que sai na frente segurando aquele santo. Eu mesmo já sair na frente

segurando o santinho na mão e com tamborzinho também. Diz o pessoal

que as pessoas às vezes promete. Se cura e morre. Então não pagou a

promessa. E quando morre vem pedir pra alguém pagar a promessa que

ficou devendo. As pessoas sabia tocar flauta, e os tamborzinhos estão se

acabando, e os mais novos não estão nem aí.(sic)

De acordo com Araujo (2004) As desvalorizações das

práticas ambientais físicas e sociais geram uma dimensão ambiental

fora dos aspectos de interdisciplinares, que poderia favorecer o

desenvolvimento de os valores éticos. A ausência da

integração/interação na prática cotidiana do ensino pode provocar

dificuldades e distorções na compreensão dos problemas

ambientais.

São elementos importantes para compor a perspectiva

ambiental, e mediante os quais estas professoras em seu discurso

tentam ter uma perspectiva interdisciplinar, buscando ir além da

relação de somente procurar o sustento na natureza. No entanto, em

sua prática escolar de E.A são encontrados elementos de uma

prática reducionista e fragmentada.

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Em anuência com Taciana Leme (2006), esta prática se

caracteriza por compreender o meio ambiente como sinônimo de

natureza, apenas aspectos físicos e biológicos. Indivíduos formados

para se adaptarem as normas vigentes e ao mercado de trabalho. Ser

humano separado do meio ambiente. Onde a educação é

instrumento da sociedade para manter, reproduzir e legitimar a

estrutura econômica, política, bem como o autoritarismo a injustiça,

a intolerância, a desigualdade de classe, gênero e raça.

Torna-se uma prática reducionista, por não viabilizar a

exercício da perspectiva ambiental que estas professoras possuem,

os aspectos ambientais da região que circunda a escola, o seu local

de trabalho, assim como o local em que elas convivem, mas

dificilmente trazem ou relacionam com o cotidiano sócio educativo.

Para Araujo e Leff (2004), o ambiente precisa ser

compreendido como uma rede complexa de fenômenos naturais,

sociais, ecológicos e culturais, mediante uma metodologia capaz de

desenvolver um saber que problematize o conhecimento

fragmentado em disciplinas a fim de construir um campo de

conhecimentos teóricos e práticos, orientado para rearticulação das

relações sociedade-natureza.

As professoras sentem-se, por vezes, estimuladas a

trabalhar tais aspectos, mas nem sempre conseguem contextualizar

questões socioambientais em sala de aula devido à falta de material

que fale sobre a comunidade, ou até mesmo, pela quantidade

elevada de alunos, indisciplina, a falta de interesse desses alunos, o

desestímulo e cansaço pelo trabalho docente.

Considerações finais

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A pesquisa sobre as representações do cotidiano escolar

mostrou que, dentre as professoras participantes da pesquisa, os

saberes ambientais construídos na cotidianidade das expressões de

sua vida material e simbólica são esquecidos pelas práticas

educativas de Educação Ambiental e são absorvidos pelos

problemas do cotidiano escolar, com práticas pontuais, tais como: o

dia da árvore, meio ambiente, o inicio das estações do ano. Os

conhecimentos que as professoras e seus alunos trazem não são

resgatados e aproveitados no cotidiano escolar.

Os resultados da pesquisa apresentam uma desvinculação

entre os aspectos ambientais e a prática pedagógica das professoras;

há um desestímulo diante das dificuldades do cotidiano escolar. A

falta de material didático pedagógico, a desvalorização e o

despreparo profissional são uma constante e as impedem de

aproveitar a sua experiência de vida e trazê-las para sua prática

pedagógica enquanto professores das primeiras séries da Educação

Básica.

É possível concluir que as experiências de vida das

professoras e os seus saberes se tornam desvalorizados, ou seja,

mesmo na condição de moradoras de zona rural, onde o contato com

o meio ambiente é freqüente, isso não contribui para inseri-lo dentro

de sua prática pedagógica.

Referencias Bibliográficas

ARAUJO, Maria Inês Oliveira.A dimensão ambiental nos currículos de

formação de professores de biologia.São Paulo:Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo na área de concentração:ensino de Ciências e

Matemática,2004.p208. Tese de doutorado

CASCINO, Fábio.Educação Ambiental: Princípios, História e Formação de

Professores. 3ªed-São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003.p110

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Nº 2, janeiro de 2012

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