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Ano 1 (2015), n 1, 459-504
ANLISE DO REGIME DA CONVENO
INTERNACIONAL SOBRE RESPONSABILIDADE
CIVIL PELOS PREJUZOS DEVIDOS
POLUIO POR HIDROCARBONETOS EM
TRANSPORTE MARTIMO SOB A PTICA DA
ANLISE ECONMICA DO DIREITO
Andr Mondaine Rodrigues1
Sumrio: Introduo. Captulo I Das Convenes Internacio-
nais sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por
Poluio por Hidrocarbonetos (CLC 1969 & 1992). 1.1- Breve
Histrico. 1.2- Do Regime da CLC. 1.2.1- Da Competncia.
1.2.2- Da Responsabilidade Civil. 1.2.2.1- Do Princpio da Ca-
nalizao da Responsabilidade Civil. 1.2.3- Da Limitao da
Responsabilidade. 1.2.4- Dos Danos e Prejuzos Indemniz-
veis. 1.3- Da Natureza Jurdica da CLC. Captulo II - Do Re-
gime dos Fundos. 2.1- Breve Histrico. 2.2- Regimes de Com-
pensao. Captulo III - Anlise Econmica do Regime da
Conveno Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos
Prejuzos Devidos Poluio por Hidrocarbonetos. 3.1- Da
Relao Contractual Entre o Transportador de Hidrocarbonetos
e o Dono da Carga. 3.2- Da Relao Extracontractual no
Transporte de Hidrocarbonetos. 3.2.1- Da Responsabilidade
Objectiva. 3.2.2- Da Canalizao da Responsabilidade. 3.2.3-
Da Limitao da Responsabilidade. 3.2.4- Do Seguro Obrigat-
rio. 3.2.5- Dos Fundos. 3.2.6- Dos Efeitos de uma Norma Re-
gulatria. Concluses. Referncias Bibliogrficas
INTRODUO*
1 Mestrando em Cincias Jurdicas pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa. * Abreviaturas e Siglas: AED Anlise Econmica do Direito ; Bunker Oil Inter-
national Convention on Civil Liability for Bunker Oil Pollution Damage de 2001;
460 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
presente anlise procura esmiuar por meio da
anlise econmica do direito (AED) o regime
jurdico da responsabilidade por poluio mar-
tima quando do transporte de hidrocarbonetos,
realizando-se esta anlise acerca do regime da
Conveno Internacional sobre Responsabilidade Civil em Da-
nos Causados por Poluio por Hidrocarbonetos de 1969 e de
seu Protocolo de 1992 (CLC1969 e CLC1992), principal-
mente. Alm de proceder uma anlise acerca da Conveno
Internacional para a Constituio de um Fundo para Compen-
sao pelos Prejuzos Devidos Poluio por Hidrocarbonetos
de 1971 e seus Protocolos de 1992, 2000 e de 2003. Tendo
como objeto, ento, a anlise econmica do sistema imposto
pelo regime da CLC & Fundos.
CLC International Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage 1969 e
o Protocolo de 1992; CLC & Fundos Regime da Conveno Internacional sobre
Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluio por Hidrocarbonetos de
1969 e de seu Protocolo de 1992 em adio ao regime imposto pela Conveno
Internacional para a Constituio de um Fundo para Compensao pelos Prejuzos
Devidos Poluio por Hidrocarbonetos de 1971 e seus Protocolos de 1992, 2000 e
de 2003; CLC-1969 Conveno Internacional sobre Responsabilidade Civil em
Danos Causados por Poluio por Hidrocarbonetos de 1969 ; CLC-1992 Protoco-
lo de 1992 a Conveno Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos
Causados por Poluio por Hidrocarbonetos de 1969 ; Fundos International Con-
vention on the Establishment of an International Fund for Oil Pollution Damage de
1971 e os Protocolos de 1992, 2000 e 2003; HNS International Convention on
Liability and Compensation for Damage in Connection with the Carriage of Hazar-
dous and Noxious Substances by Sea de 1996 e o Protocolo 2010; INTERVENTI-
ON International Convention relating to Intervention on the High Seas in Cases of
Oil Pollution Casualties de 1969 e seu Protocolo de 1973; MARPOL International
Convention for the Prevention of Pollution from Ships de 1973 e os Protocolos de
1978 e 1997; OILPOL-1954 International Convention for the Prevention of Pollu-
tion of the Sea by Oil ; OPA-1990 Oil Pollution Act of 1990 ; OPRC Internatio-
nal Convention on Oil Pollution Preparedness, Response and Co-operation de 1990
e seu Protocolo HNS de 2000; P&I Club Protection and Indemnity Insurance ;
SOLAS International Convention for the Safety of Life at Sea de 1960 e as ver-
ses 1974 e 1980
A
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 461
Para tanto, faz-se a seguinte pergunta: Seria esse siste-
ma eficiente do ponto de vista da AED?
Acreditamos, em um primeiro momento, que os legisla-
dores internacionais foram aptos em constituir um sistema efi-
ciente, tanto que passados mais de 40 anos o mesmo permane-
ce vigente e sem previso de ser substitudo.
Esse tema parece-nos assumir bastante relevncia para
o direito, uma vez que a prpria realidade econmico-social
que o envolve bastante ampla e complexa, principalmente em
relao a necessidade de se garantir o melhor interesse e a justa
restituio das externalidades sofridas por aqueles que foram
afectados pela poluio oriunda de hidrocarbonetos transporta-
dos como carga por um navio.
Parte-se da premissa que o interesse maior que nos mo-
tivou a desenvolver esta anlise foi o aumento do volume de
hidrocarbonetos a serem transportados em nossos oceanos e
mares. Aumento este que no foi acompanhado por uma redu-
o significativa nos nmeros de acidentes envolvendo os na-
vios que efectuam o transporte destas commodities.
Este estudo ter como objetivo proporcionar uma viso
sucinta e organizada das ideias que aqui forem apresentadas,
alm de procurar contribuir, ainda que humildemente, para um
melhor entendimento acerca do sistema criado pelo regime das
CLCs & Fundos.
Ressaltamos que o primeiro captulo procurar inserir o
leitor no contexto jurdico do regime da CLC1969 e CLC
1992. Desenvolvendo, en passant, seu histrico e examinando
seu regime principalmente no que concerne a responsabilidade
civil aquiliana, a limitao desta e aos danos e prejuzos a se-
rem indemnizveis.
Ainda nesse diapaso, o captulo segundo procurar
descrever a insero do regime dos Fundos dentro desta lgica
da CLC, atravs de seu histrico e de seu regime de compensa-
o.
462 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
Em concluso, o derradeiro terceiro captulo dever con-
duzir a uma AED sobre esse sistema. Onde procurar-se- defi-
nir se o mesmo pode ou no ser considerado eficiente e, em
no o sendo, quais as principais medidas que, por ventura, pos-
sam ser adoptadas na busca de se chegar a um ptimo parentia-
no.
Assim, partiremos de uma anlise contractual na relao
entre transportador e dono da carga e atingiremos o cerne deste
trabalho quando da AED da responsabilidade extracontractual
presente no regime da CLC. Ao final, tentaremos, mui humil-
dimente, tecer possveis ideias cuja inteno maior seja a de
contribuir para a melhora do actual sistema.
Desnecessrio informar que no presente trabalho deixa-
ro de ser analisadas inmeras outras questes de destaque que
envolvem o despejo de leos no contemplados pelo regime
por ora analisado, tais quais as decorrentes do despejo de lastro
ou do leo bunker. Tambm deixaro de ser analisadas ques-
tes relativas ao despejo de leos em rios e lagos e oriundos de
embarcaes que no sejam consideradas navios na forma da
CLC. A anlise econmica ficar adstrita ao regime jurdico
imposto pelo sistema da CLC & Fundos.
1 DAS CONVENES INTERNACIONAIS SOBRE RES-
PONSABILIDADE CIVIL EM DANOS CAUSADOS POR
POLUIO POR HIDROCARBONETOS (CLC 1969 &
1992)
1.1 BREVE HISTRICO
A partir da segunda metade do sculo XX a comunida-
de internacional passa a discutir e elaborar convenes interna-
cionais2 que procuram prevenir o despejo de leos nos oceanos
2 Dentre as quais, merecem maior destaque a International Convention for the Pre-
vention of Pollution of the Sea by Oil (OILPOL), 1954; a International Convention
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 463
e mares, responsabilizar os causadores destes e indemnizar as
vtimas, procurando, assim, proteger os interesses de terceiros,
o meio ambiente marinho e a sociedade dependente deste. Nes-
te cenrio, ganha maior destaque a Conveno Internacional
sobre Responsabilidade Civil pelos Prejuzos Devidos Polui-
o por Hidrocarbonetos de 1969, por ser a primeira a procurar
tratar o tema sobre uma perspectiva de responsabilizao civil
do proprietrio do navio.
Sua origem remonta a tragdia do Torrey Canyon, em
1967, momento em que a comunidade internacional, entenden-
do que o regime de responsabilidade civil ento vigente3 no
era satisfatrio (pois somente limitava a responsabilidade) e
no correspondia realidade presente no tranporte de hidrocar-
bonetos e a proporo dos danos causados por acidentes relaci-
onados a este transporte, resolve adoptar um novo e inovador
(no apenas limitava a responsabilidade, mas tambm a impu-
tava) regime de responsabilizao civil.
Com o passar dos anos e o desenvolvimento da inds-
tria martima de transporte de hidrocarbonetos tornou-se evi-
dente que o regime imposto pela CLC1969 j no cobria a
expectativa de indemnizao dos lesados. Eventos catastrfi-
cos, como o do Amoco Cadiz, que se seguiram, mais uma vez,
for the Safety of Life at Sea (SOLAS), 1960 e as verses 1974 e 1980; a Internation-
al Convention relating to Intervention on the High Seas in Cases of Oil Pollution
Casualties (INTERVENTION 1969), 1969 e seu Protocolo de 1973; a International
Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage (CLC), 1969 e o Protocolo
de 1992; a International Convention on the Establishment of an International Fund
for Oil Pollution Damage (IOPC Funds), 1971 e os Protocolos de 1992, 2000 e
2003; a International Convention for the Prevention of Pollution from Ships (MAR-
POL), 1973 e os Protocolos de 1978 e 1997; a International Convention on Oil
Pollution Preparedness, Response and Co-operation (OPRC), 1990 e seu Protocolo
HNS de 2000; a International Convention on Liability and Compensation for Dam-
age in Connection with the Carriage of Hazardous and Noxious Substances by Sea
(HNS), 1996 e o Protocolo 2010; e a International Convention on Civil Liability for
Bunker Oil Pollution Damage, 2001. 3 International Convention relating to the Limitation of the Liability of Owners of
Sea-Going Ships, 1957.
464 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
fizeram com que a comunidade internacional redigisse o proto-
colo de 1984 que aumentava os montantes dos limites da res-
ponsabilidade. Entretanto, este nunca entrou em vigor.
Pressionada, a Comunidade Internacional produziu em
1992 novo protocolo4, surge, assim a CLC1992
5, a qual, e
muito acertadamente, segundo Lus de Lima Pinheiro6, no
completamente autnoma em relao a CLC19697.
1.2 DO REGIME DA CLC
1.2.1 DA COMPETNCIA
Acerca do regime da CLC, divide-se sua competncia
em territorial e material8. Sobre aquela, temos que a conveno
possui uma competncia distinta conforme os prejuzos devi-
dos poluio [alnea a) do art. II da CLC] ou as medidas de
salvaguarda [alnea b) do art. II da CLC]. Quanto aos casos
relacionados a alnea a) trata-se das guas de soberania de um
Estado, assim, deve-se analisar conforme as regras de DIP9. J
em relao a alnea b), tais medidas podero ser aplicadas em
qualquer que seja o local, inclusive alto mar ou zonas econ-
4 Foi, ao mesmo tampo, modificado por protocolo a Conveno do Fundo de 1971. 5 Esta no revogou a anterior. Todavia o facto dos principais Estados com trfego de
hidrocarbonetos terem aderido ao protocolo fez com que aquela verso perdesse
destaque. Actualmente, a CLC de 1969 ainda vigora em pouco menos de 40 Estados. 6 Cf. PINHEIRO, Lus de Lima. O Direito Comercial Martimo de Macau Revisita-
do. Disponvel em
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=13744&i
da=13762 . 7 Em sentido diverso, RAPOSO, Mrio. A nova lei martima de Macau e os seus
trabalhos preparatrios in Revista da Ordem dos Advogados. - a.61v.III. Lisboa, p.
1163 e ss. 8 Cf. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Maritimo. Barcelona: Ed.
Bosch 2001, p. 759. 9 Cf. MELLO, Celso Renato Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacio-
nal Pblico, volume II, 15 edio. Editora Renovar, 2004, p. 1179 e ss; ALMEIDA,
Francisco Ferreira. Direito Internacional Pblico, 2 edio. Editora Coimbra, 2003,
p. 209 e ss.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 465
micas exclusivas pertencentes a outros Estados, desde que sirva
para prevenir ou minimizar os danos oriundos de um evento.
J no que concerne a competncia material da aplicao
da CLC, esta encontra-se no rol do art. I desta norma, nomea-
damente, quando da definio10
dos termos consagrados por
este artigo. Quanto ao termo navio o art. I/1 combinado com
o art. XI da CLC tratam do mesmo. Entretanto, apesar desta
definio, permanecem ainda diversas dvidas sobre este. Tal,
se deve ao facto de no haver na prpria doutrina e jurispru-
dncia mundial qualquer consenso na definio do que seria
um navio11
.
Acerca dos hidrocarbonetos, temos que o art. I/512
nos
informa o que ser considerado hidrocarbonetos no mbito da
CLC.
Em relao ao termo poluio, art. I/6 da CLC, percebe-
se que o mesmo se d na busca de restringir o mbito de apli-
cao da CLC, Assim, deve esta poluio ser anlisada no em
uma ptica lato, mas sim de maneira bastante restritiva no sen-
tido de um de seus corolrios, qual seja a contaminao, a qual
dever ser interpretada pelo contacto fsico, presente na primei-
ra parte da alnea a) do art. I/6 da CLC.
Assim, entende-se, de forma bastante limitada, que a
poluio que ensejar responsabilizao seja aquela na qual
haja contacto direto entre o hidrocarboneto e o bem protegido
juridicamente. Quando um prejuzo no resultar da contamina-
o no h que se falar em indemnizao na forma da CLC.
Conforme a leitura do art. I/3 da CLC, proprietrio a
pessoa, singular ou coletiva, em cujo nome o navio est regis-
10 Ou tentativa de uma. 11 Cf. MELLO, Celso Renato Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internaci-
onal Pblico, volume II, 15 edio. Editora Renovar, 2004, p. 1275 e ss. 12 A redao deste artigo difere de sua original 1969 na qual ao invs de hidro-
carbonetos minerais persistentes lia-se hidrocarbonetos persistentes. Outra modi-
ficao notria da CLC1992 a relativa a excluso do leo de baleia, presente na
verso original.
466 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
tado. Em no havendo registo, segundo a prpria CLC, o pro-
prietrio ser a pessoa ou pessoas que possuam o navio. Nota-
se a natureza delimitadora desta definio, de maneira diversa,
e muito mais realista, temos como exemplo o Oil Pollution Act
of 1990 norte americano (OPA1990), que bastante amplo no
que concerne aqueles que podero ser considerados propriet-
rios do navio e sujeitos passivos de uma responsabilizao,
prevalecendo, no caso, a situao ftica quando de um aciden-
te. O mesmo vale para a Bunker Oil, onde alm deste, sero
tambm considerados proprietrios o armador, o afretador a
casco nu e o gestor do navio.
1.2.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Segundo o art. III/1 da CLC, responsvel por um
evento e pelos prejuzos devidos poluio causada por este o
proprietrio do navio, quando da data de ocorrncia do evento.
A priori, parece-nos que o regime de responsabilidade
elencado pela CLC seja o de responsabilidade objectiva13
. Tal
assertiva se faz uma vez que pela anlise do art. III/1 da CLC
conclui-se que o proprietrio do navio responder independen-
temente de culpa. Com o advento da canalizao da responsa-
bilidade, parece-nos mais ainda reforada esta ideia.
Constam dos arts. III/2 e 3 da CLC, situaes excluden-
tes de responsabilidade civil, o que faz com que esta responsa-
bilidade objectiva no seja absoluta.
Conforme Ren Rodire14
e Rafael Matilla Alegre15
afirmam estaramos diante de uma responsabilidade civil pre- 13 Deve-se afastar aqui qualquer ideia de que se trate de uma responsabilidade objec-
tiva ambiental, pois, evidente que a CLC no uma conveno internacional de
natureza ambiental, mas sim de natureza martima com, alguns, reflexos ambientais
aps o protocolo de 1992. 14 Cf. RODIRE, Ren. Trait Gneral de Droit Maritime. Ed. Dalloz, 1976, p. 660
e ss. 15 Cf. ALEGRE, Rafael Matilla. Internacionalidad Del Derecho Maritimo Y Juris-
diccion Internacional. Ed. Universidad de Deusto, 1999, p. 158 e ss.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 467
sumida, uma vez que a CLC em seus arts. III/2 e 3, em momen-
to nenhum, prev uma responsabilizao objectiva do proprie-
trio ademais de aceitar causas excludentes da responsabilida-
de.
Data venia aos autores, parece-nos, seguindo a linha de
Manuel Janurio da Costa Gomes16
, Nuno Manuel Castelo-
Branco Bastos17
e Igncio Arroyo Martinez18
e grande maioria
da doutrina, que, em verdade, o art. III/2 da CLC no tem fora
para modificar a natureza da responsabilidade objectiva do
proprietrio do navio, pois, estamos diante de meras causas de
excluso, as quais, em nenhum momento, pressupem a culpa
como pressuposto da responsabilidade. E, no que concerne ao
art. III/3 da CLC, nota-se que este, tambm, no modifica a
responsabilidade objectiva do proprietrio, somente, exonera,
total ou parcialmente, o dever indemnizatrio deste perante o
lesado causador, total ou parcial, do evento. Conclui-se, ento,
pela natureza objectiva da responsabilidade do proprietrio do
navio.
Tal no poderia ser diferente, como evidencia Manuel
Janurio da Costa Gomes19
, pois, estamos diante de uma acti-
vidade de altssimo risco, capaz de gerar danos catastrficos.
Inconcilivel, ento, com uma lgica suportada na responsabi-
lidade subjectiva, ainda que presumida.
No que tange a responsabilidade civil, como j vimos,
por fora do art. III/1 da CLC em ocorrendo um evento, ser
responsvel pelo mesmo o proprietrio de um navio. Tal enten-
dimento reforado quando da leitura do art. III/4 da CLC.
16 Cf. GOMES, Manuel Janurio da Costa. Limitao de Responsabilidade por
Crditos Martimos. Coimbra: Ed. Almedina, 2010, p. 385 e ss. 17 Cf. BASTOS, Nuno Manuel Castelo-Branco. Direito dos Transportes. Coimbra:
Ed. Almedina, 2004, p. 180 e ss. 18 Cf. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Maritimo. Barcelona: Ed.
Bosch 2001, p. 762. 19 Cf. GOMES, Manuel Janurio da Costa. Limitao de Responsabilidade por
Crditos Martimos. Coimbra: Ed. Almedina, 2010, p. 389.
468 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
Entretanto, quando da possibilidade de se indentificar dolo20
ou
culpa grave das pessoas mencionadas nas alneas a) a f) do art.
III/4 da CLC, ser possvel excluir-se a responsabilidade do
proprietrio do navio, sendo, evidente, que responder neste
caso o agente que por dolo ou culpa grave cometeu aco ou
omisso que tenha ocasionado um evento.
1.2.2.1 DO PRINCPIO DA CANALIZAO DA RES-
PONSABILIDADE CIVIL
O art. III da CLC consagrou o chamado princpio da
canalizao da responsabilidade21
. Em verdade, ao canalizar a
responsabilidade, a CLC opera uma imputao especfica ao
proprietrio do navio. Assim, a Conveno probe uma soli-
dariedade passiva deste proprietrio com outros possveis agen-
tes causadores de um evento. O que nas palavras de Carlos de
Oliveira Coelho22
constituiria o proprietrio do navio em um
destinatrio forado da responsabilidade civil. Questo que
surge, a de saber porqu a CLC canaliza a responsabilidade
para o proprietrio do navio e no para o dono da carga23
ou
para o explorador deste?
Ao canalizar a responsabilidade para o proprietrio do
navio e no para o dono da carga, o regime da CLC24
procura
facilitar a identificao de um responsvel, o que poderia ser
complicado em se tratando do dono da carga, uma vez que esta,
20 Directo, necessrio ou eventual. 21 Provavelmente sob influncia das convenes nucleares adoptadas nos anos 60 do
sculo XX que canalizavam a responsabilidade para os operadores das instalaes
nucleares. 22 Cf. COELHO, Carlos de Oliveira. Poluio Martima por Hidrocarbonetos e
Responsabilidade Civil. Coimbra: Ed. Almedina, 2007, p. 100. 23 O dano que por ventura ocorra se deve, em regra, a contaminao ocasionada pela
carga. O perigo a carga e no o transporte per si. 24 Quando das discusses para a elaborao da CLC1969, chegou-se a discutir a
possibilidade de se responsabilizar os armadores.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 469
em regra, transportada com base em conhecimento de car-
ga25
.
A canalizao, se por um lado mostra-se positiva ao fa-
cilitar a identificao do devedor da obrigao de indemnizar.
Tem o seu revs no que tange a garantia do crdito. Uma vez
que ao responsabilizar somente o proprietrio, e no h impu-
tando a outros possveis responsveis, dificulta que o credor
tenha seu crdito efectivamente satisfeito. Assim, parece-nos
fundamental a necessidade de se adoptarem medidas garantido-
ras do crdito em conjunto com esta lgica da canalizao para,
de alguma forma, se alcanar a maior eficincia e segurana
indemnizatria.
Neste diapaso, a CLC adoptou, em seu art. VII/1, me-
dida que procura proteger a satisfao de crdito do lesado
atravs da obrigao de se constituir um seguro. Esta obrigao
de se constituir e manter um seguro ou outra garantia financeira
nas palavras de Mario Raposo o Elemento central do siste-
ma CLC, quer 69, quer 92 26
.
Entretanto, percebe-se, na viso dos lesados, a infelici-
dade da norma ao limitar a constituio do seguro ao limite da
responsabilidade do proprietrio do navio, na forma do art. V/1
da CLC, e, pior, parece-nos, o facto de que tal obrigatorieda-
de s ser exercida face a navios que transportem mais de
2.000 toneladas de hidrocarbonetos a granel como carga, no
garantindo, assim, o transporte de carga em menores quantida-
des de hidrocarbonetos a granel.
Percebe-se que este regime de canalizao poder, em
alguns casos, afectar negativamente os lesados, minorando ou,
25 Trata-se, portanto, de um ttulo de crdito podendo ser transmitido (negociado)
junto a terceiros. Para maiores informaes: COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de
Direito Comercial, volume I. 1 Edio. So Paulo: Ed. Saraiva, 2006, p. 371 e ss. 26 Cf. RAPOSO, Mrio. Segunda (e ltima) Reflexo Sobre um Esboo de Reforma
do Direito Martimo Portugus. Disponvel em <
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=16886&i
da=16894 >.
470 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
at, excluindo o direito destes a uma indemnizao justa e efi-
ciente por parte do proprietrio do navio e de seu(-s) segura-
dor(-es). O que poder vir, ou no, a ser corrigido pela inter-
veno dos fundos27
.
Neste ponto, parece-nos muito mais justo e eficiente a
lgica de responsabilidade solidria adoptada pelo OPA1990,
segundo o qual, poder ser responsvel por um evento qualquer
pessoa que opere de facto ou frete o navio. Igual lgica foi
adoptada pela Bunker Oil.
Questo que urge, ainda, analisar a de saber se este
modelo de canalizao absoluto, no sentido de somente res-
ponsabilizar o proprietrio do navio, sem excesses, ou se h a
existncia de chamadas brechas nele.
Conforme Manuel Janurio da Costa Gomes: A questo coloca-se com particular incidencia quanto aos
construtores dos navios e as sociedades de classificao, mas
tambm, entre outros, relativamente aos Estados costeiros
que tenham agido tardia ou deficientemente no combate a po-
luio. Estamos perante aquilo que Bonassies designa por
quarto nvel de reparao, no qual coloca tambm o pr-
prio proprietrio do navio (e as pessoas identificadas no ar-
tigo III/4 da CLC) mas num quadro de imputao por danos
que no correspondam aos prejuos devidos a poluio, tal
como definidos na CLC (artigo I/6), bem como a prpria se-
guradora (P&I Club) que tenha entregado ao proprietrio do
navio um certificado de seguro sem se ter certificado sobre a
navegabilidade deste. 28
Parece-nos que a canalizao imposta pela CLC no
absoluta, mas antes um princpio orientador que deve ser ob-
servado com razoabilidade, assim, possvel se pensar, que se
impute a responsabilidade ao construtor do navio29
e as socie-
27 Infra, segundo captulo. 28 Cf. GOMES, Manuel Janurio da Costa. Limitao de Responsabilidade por
Crditos Martimos. Coimbra: Ed. Almedina, 2010, p. 400. 29 Cf. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Maritimo. Barcelona: Ed.
Bosch 2001, p. 758; RAPOSO, Mrio. Responsabilidade Extracontratual das Socie-
dades de Classificao de Navios. Disponvel em <
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 471
dades classificadoras30
. Quanto a estas, pautando-se nos arts.
III/4, a) e b) da CLC.
Segundo Nicolai I. Lagoni31
, no faria sentido respon-
sabilizar tais sociedades, posto que as mesmas desempenham
uma funo relativa a segurana do navio, ou seja, elas prestam
servios ao navio atestando as condies de segurana deste,
no se relacionando as questes relativas a navegao do navio,
questes estas as quais ensejariam a possibilidade de uma res-
ponsabilidade aquiliana. Tal argumento seguido por Manuel
Janurio da Costa Gomes32
.
1.2.3 DA LIMITAO DA RESPONSABILIDADE
A CLC, em seu art. V/1 e alneas, adoptou a limitao
da responsabilidade33
pautando-se na arqueao34
do navio. Tal
sistema de limitao segue a linha da limitao de responsabi-
lidade presente nas Convenes de Bruxelas de 195735
e Lon-
dres de 197636
.
http://www.oa.pt/upl/%7B7e84de76-51a7-42ab-84f5-7eec8698a4e6%7D.pdf >;
COELHO, Carlos de Oliveira. Poluio Martima por Hidrocarbonetos e Responsa-
bilidade Civil. Coimbra: Ed. Almedina, 2007, p. 106 e ss. 30 Cf. RAPOSO, Mrio. Responsabilidade Extracontratual das Sociedades de Classi-
ficao de Navios. Disponvel em < http://www.oa.pt/upl/%7B7e84de76-51a7-42ab-
84f5-7eec8698a4e6%7D.pdf >; BORGES, Orlindo Francisco. Responsabilidade
civil das sociedades de classificao por derrames petrolferos causados por navios
inspecionados: em busca de um claro regime entre o Port State Control e os contra-
tos de classificao in Revista de Concorrncia e Regulao, ano IV, . n. 13,
Jan/Mar 2013. Coimbra: Ed. Almedina, 2013, p. 137 e ss. 31 Cf. LAGONI, Nicolai I. The liability of classification societies. Ed. Springer
Verlag, 2007, p. 289 e 290. 32 Cf. GOMES, Manuel Janurio da Costa. Limitao de Responsabilidade por
Crditos Martimos. Editora Almedina, 2010, p. 403. 33 Cf. FAURE, Michael, e WANG, Hui. Financial Caps for Oil Pollution Damage:
A Historical Mistake? in Maastricht Faculty of Law Working Paper 2007/6. Maas-
tricht, 2007, p. 08 e ss. Disponvel em
http://www.unimaas.nl/default.asp?template=werkveld.htm&id=F60BL5P00MJO46
6V63M6&taal=nl . 34 Cf. art. V/10 da CLC. 35 Disponvel em < http://www.admiraltylawguide.com/conven/limitation1957.html
472 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
No se trata de uma obrigao do proprietrio em limi-
tar a responsabilidade, mas sim de uma faculdade do mesmo.
Cabendo observar que, segundo o art. V/2 da CLC, o propriet-
rio perder o direito de limitar a sua responsabilidade caso o
dano por poluio tenha resultado de um ato ou omisso pesso-
al prpria cometida com a inteno de causar aquele dano ou
por agir imprudentemente e com o conhecimento de que pro-
vavelmente aquele dano poderia ocorrer.
Acerca da constituio de um fundo de limitao, no
se pode entender37
ser o mesmo essencial para que o propriet-
rio se favorea da limitao. Certo que tal questo deve ser
observada, na prtica, sobre uma ptica de gesto, ou seja, cabe
ao proprietrio analisar se lhe mais favorvel requerer a cons-
tituio de um fundo ou no, tal anlise dever levar em conta
as propores de um evento, por bvio, parece-nos que quanto
mais catastrfico for este, mais far sentido o pleito pela cons-
tituio de um fundo, dado a quantidade, em um primeiro mo-
mento, indefinida de lesados e do quantum a se indemnizar.
A constituio do fundo produzir, dentre outros, os se-
guintes efeitos, de acordo com o art. VI/1 e alneas da CLC.
Nenhum dos lesados poder exercer qualquer direito contra
quaisquer outros bens do proprietrio em relao quela recla-
mao e a autoridade competente pelo fundo dever determinar
a liberao de qualquer navio ou de qualquer outra propriedade
pertencente ao proprietrio que tiver sido arrestada por fora de
uma reclamao e, do mesmo modo, dever liberar qualquer
cauo ou qualquer outra garantia fornecida para evitar aquele
arresto. Fica, assim, o patrimnio do proprietrio, que no dis-
ponibilizado para a constituio do fundo, imune a reclamaes
relativas a um evento, pois, somente os bens afectos ao fundo
respondero pelas indemnizaes. >. 36 Disponvel em < http://www.admiraltylawguide.com/conven/limitation1976.html
>. 37 Como, em um primeiro momento, nos leva crer a letra do art. V/3 da CLC.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 473
O art. V/4 da CLC nos apresenta a forma de distribui-
o do fundo, adoptando-se o princpio da par conditio credito-
rum, temos que a distribuio se dar proporcionalmente aos
valores das reclamaes realizadas pelos credores38
.
1.2.4 DOS DANOS E PREJUZOS INDEMNIZVEIS
Em regra, existindo poluio (contaminao) h danos
e, por conseguinte, prejuzos. Paulo de Bessa Antunes concei-
tua39
dano como qualquer prejuzo causado a algo ou algum
por terceiro que fica compelido ao ressarcimento.
No que concerne aos danos e prejuzos indemnizveis
pelo sistema da CLC & Fundos, ocorreram sensveis modifica-
es a partir dos protocolos de 1992, uma vez que, atravs des-
tes, por exemplo, passou-se a cobrir, ainda que limitadamente,
danos ao ambiente.
O art. I/6 da CLC e suas alneas regulam quais danos e
prejuzos sero indemnizveis. Devendo-se atentar especial-
mente ao termo contaminao40
.
Evidente que sempre sero indemnizveis os danos
pessoais corporais. Questo complexa saber quais sero os
tipos de danos as coisas que geram direito a indemnizao. 38 Interessante o facto do prprio proprietrio ter direito a uma quota do fundo,
conforme o art. V/8 da CLC. Assim, as reclamaes relativas s despesas razoavel-
mente realizadas, ou aos sacrifcios razoavelmente feitos voluntariamente pelo pro-
prietrio para impedir ou minimizar os danos causados por poluio tero o mesmo
valor que outras reclamaes contra o fundo. Ou seja, poder o proprietrio ser
compensado pelos gastos razoveis que tenha realizado afim de se impedir ou mini-
mizar os danos causados. Ora, soa, para ns, como hilria tal norma, uma vez que
atravs desta, poder o devedor ampliar a limitao de sua responsabilidade ao
adoptar medidas que deveriam ser consideradas no como voluntrias, todavia, sim
como obrigatrias para o proprietrio, constituindo um dever de mitigar perdas. 39 Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental, 7 edio. Rio de Janeiro: Ed.
Lumen Juris, 2004, p. 239. 40 Cf. COELHO, Carlos de Oliveira. Poluio Martima por Hidrocarbonetos e
Responsabilidade Civil. Coimbra: Ed. Almedina, 2007, p. 61; RAY, Jos Domingo.
Derecho de la Navegacin: Con Textos Legales Nacionales e Internacionales y sobre
Comercio Exterior, vol. III. Buenos Aires: Ed. Abeledo-Perrot, 1992, p. 258 e ss.
474 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
De acordo com a lgica adoptada pelo FIPOL41
, na sec-
o 1 de seu Claims Manual, edio de Dezembro de 2008,
entendemos que os tipos de prejuzos que geram direito a in-
demnizao seriam os relativos as clean-up and preventive
measures; property damage; consequential loss; pure economic
loss; environmental damage; e use of advisers.
Quanto as clean-up and preventive measures, property
damage e use of advisers parece-nos no haver maiores dvi-
das a se sucitar, constituindo o direito a um ressarcimento da
prpria lgica jrdica de indemnizao.
Complexo , entretanto, analisar quais seriam as fron-
teiras ao ressarcimento quando diante de questes relativas a
consequential loss, pure economic loss e environmental dama-
ge.
Partindo de interpretao desenvolvida por Manuel Ja-
nurio da Costa Gomes42
a consequential loss estaria abrigada
pela CLC quando esta referisse a dano por poluio, na forma
do art. I/6, a) da CLC, como perda ou dano causado fora do
navio por uma contaminao.
J no que concerne a pure economic loss temos que, se-
gundo Fernando Arajo43
, esta seria: () uma perda financeira que no corresponde a um dano
fsico, assimilvel portanto ao lucro cessante ()
Tratam-se de situaes de particular complexidade, em
que no havendo contacto direto entre a contaminao e um
bem, ainda assim, lesiona-se o patrimnio de outrem.
Mais uma vez, como nos ensina Manuel Janurio da
Costa Gomes44
, a indemnizao desta categoria de perdas de-
41 Claims Manual December 2008 Edition. The International Oil Pollution Compen-
sation Funds. Disponvel em
http://www.iopcfund.org/npdf/2008%20claims%20manual_e.pdf . 42 Cf. GOMES, Manuel Janurio da Costa. Limitao de Responsabilidade por
Crditos Martimos. Coimbra: Ed. Almedina, 2010, p. 411. 43 Cf. ARAJO. Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Ed. Almedina,
2007, p. 863 e ss 44 Cf. GOMES, Manuel Janurio da Costa. Limitao de Responsabilidade por
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 475
pender da forma como esse intituto tratado na ordem jurdi-
ca de um Estado. Sendo necessrio, e deveras difcil, fazer pro-
va, ainda que mnima, do nexo causal entre a contaminao e o
dano puramente econmico.
No que concerne ao environmental damage so indem-
nizveis na forma da 2 parte da alnea a) do art I/6 da CLC
somente quando forem adoptadas medidas que procurem recu-
perar45
o ambiente contaminado. E, ser sempre ressarcvel na
forma da alnea b) do art. I/6 da CLC quando da adopo de
medidas que procurem prevenir os impactos da contaminao
de hidrocarbonetos no meio-ambiente.
Todavia, no ser todo e qualquer dano ambiental que
far jus a ressarcimento.O FIPOL, em seu Claims Manual46
dita que caber ressarcimento pelos custos de medidas razo-
veis que procurem acelerar a recuperao do dano ambiental.
Custos relacionados a estudos ps evento tambm sero in-
demnizveis ao abrigo da CLC, inclui-se no caso estudos reali-
zados para estabelecer a natureza e a extenso dos danos ambi-
entais causados pelo vazamento de hidrocarbonetos e para de-
terminar se caber ou no medidas para reestabelecer o meio
ambiente atingido.
A CLC adopta de forma bastante limitada a cobertura
dos danos ambientais. Diferentemente do que ocorre no OPA-
1990, onde todo e qualquer dano ao meio ambiente estar co-
berto por uma indemnizao.
Crditos Martimos. Coimbra: Ed. Almedina, 2010, p. 413. 45 No h que se falar aqui em devolver o ambiente contaminado ao statu quo, mas
sim, na medida do possvel e atento a razoabilidade das medidas empregadas com-
pensar com componentes equivalentes o ambiente atingido, uma vez que pratica-
mente impossvel devolver o ambiente contaminado ao ponto em que estaria caso
no fosse atingido. 46 Cf. Claims Manual December 2008 Edition. The International Oil Pollution Com-
pensation Funds. P. 14. Disponvel em
http://www.iopcfund.org/npdf/2008%20claims%20manual_e.pdf .
476 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
Seguindo a lgica adoptada pelo FIPOL47
conclumos
que existem 6 espcies de danos e prejuzos indemnizveis,
quais sejam:- Custos de limpeza e medidas de salvaguarda;
danos a propriedade; perdas econmicas nos sectores de pesca,
maricultura e de processamento de peixes; perdas econmicas
no sector de turismo; custos de medidas de salvaguarda de per-
das econmicas puras; e danos ambientais e estudos ps even-
to.
1.3 DA NATUREZA JURDICA DA CLC
No que tange a natureza jurdica da CLC, a nosso ver,
se trata de uma conveno internacional de direito martimo
com reflexos ambientais positivos. Neste ponto, concordamos,
plenamente, com Carlos de Oliveira Coelho48
, segundo o qual
no fcil sustentar a natureza ambiental de uma conveno
que no define o meio ambiente e o dano a este, e cuja previso
de ressarcimento, no necessariamente integral, presente seja a
do dano individual49
.
2 DO REGIME DOS FUNDOS
Os fundos internacionais de indemnizao por danos e
prejuzos decorrentes da poluio por hidrocarbonetos integram
o sistema originado pela CLC. So geridos pelo FIPOL, uma
instituio autnoma, que tem como principais deveres admi-
nistrar e gerir os fundos, analisar e decidir acerca das reclama-
es face a estes e procurar, atravs de directivas, uniformizar a
aplicabilidade da CLC no que concerne aos pedidos indemniza-
trios.
47 Lgica esta meramente exemplificativa, sem fora jurdica vinculativa. 48 Cf. COELHO, Carlos de Oliveira. Poluio Martima por Hidrocarbonetos e
Responsabilidade Civil. Editora Almedina, 2007, p. 29 e ss. 49 Idem, p. 55.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 477
2.1 BREVE HISTRICO
Desde a criao da CLC1969, que os Estados contra-
tantes j tinham noo da insuficincia desta no que tange a
indemnizaes que fossem, de certa forma, proporcionais aos
eventos que, por ventura, viessem a ocorrer; e que fossem ca-
paz de indemnizar de maneira satisfatria os lesados. Alm
destes, a indstria de transporte martimo de hidrocarbonetos
tambm se mostrava insatisfeita por ter que suportar sozinha
um pesado encargo financeiro oriundo da responsabilidade
objectiva e canalizada adicionada ao seguro compulsrio. Dado
este panorama, de total insatisfao, mostrou-se necessrio a
criao de um segundo instrumento que complementasse a
CLC neste mbito indemnizatrio e que tambm diminusse o
suporte total dos encargos financeiros pelo proprietrio do na-
vio.
Surgia, assim, a International Convention on the Estab-
lishment of an International Fund for Oil Pollution Damage de
1971. A qual, nas palavras de Mario Raposo a consequencia
necessria da CLC 50
.
Funcionando de forma complementar a CLC, o fundo
de 1971 surgiu para suplementar as indemnizaes insuficien-
tes oriundas da responsabilidade estipulada pela CLC. Quando,
por vezes, no constitusse o nico montante indemnizatrio.
Assumindo, ento, a faceta de um instrumento de compensao
aos lesados.
O histrico dos fundos acompanha o histrico evolutivo
da CLC, tal qual esta fora tambm objeto de modificao atra-
vs da aplicao dos malfadados protocolos de 1984. Tendo
sido somente modificada pelo protocolo de 1992, criando-se o
fundo complementar. Uma vez demonstrada que a lgica do 50 Cf. RAPOSO, Mrio. Segunda (e ltima) Reflexo Sobre um Esboo de Reforma
do Direito Martimo Portugus. Disponvel em <
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=16886&i
da=16894 >.
478 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
sistema de ressarcimento da CLC & Fundos no era proporcio-
nal ao tamanho das catstrofes5152
, em 2003 cria-se novo proto-
colo53
, que estabelece a constituio de um fundo suplementar
ao sistema, nos mesmos moldes do fundo complementar, ape-
nas aumentando os montantes disponibilizados para ressarci-
mento dos danos e prejuzos.
Desta forma, reconhecia a comunidade internacional, a
fragilidade do sistema CLC & Fundos e procurou, adoptando a
nosso ver uma soluo paliativa, solucionar esta fragilidade
com o mero aumento do montante indemnizatrio.
As verbas contigenciadas para os fundos so provenien-
tes dos importadores de hidrocarbonetos, conforme os arts. 10
do protocolo de 1992 e 10/1 e 2 do protocolo de 2003. Ou seja,
so os donos das cargas os financiadores dos fundos. Entretan-
to, na verdade, este sistema de financiamento acaba por recair
no preo final do produto, ou seja, segundo Ignacio Arroyo54
quem acaba por financiar os fundos so os consumidores de um
Estado contratante que importe hidrocarbonetos.
2.2 REGIMES DE COMPENSAO
Mostra-se evidente atravs da simples leitura dos arts.
2/1, a) e 4/1 do protocolo de 1992, alm do art. 4/1 do protoco-
lo de 2003 que os fundos visam dar continudade ou, at, su-
plantar5556
os pagamentos de compensaes no satisfeitas pelo 51 Apesar de emendas que procuraram aumentar a verba disponibilizada ao ressarci-
mento dos lesados. 52 Cf. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Maritimo. Barcelona: Ed.
Bosch 2001, p. 755 e ss. 53 Resultado dos esforos oriundos da Unio Europia aps a catstrofe do Erika em
1999. Como meio de pressionar a IMO, a UE chegou a discutir a criao de um
fundo de compensao prprio no valor de um mil milhes de euros (prximo ao
valor disponibilizado pelo OPA-1990), constituindo uma das medidas do pacote
Erika II. 54 Cf. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Maritimo. Barcelona: Ed.
Bosch 2001, p. 761 e ss. 55 Cf. RAPOSO, Mrio. A nova lei martima de Macau e os seus trabalhos prepara-
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 479
regime da CLC. O art. 4/1 do protocolo de 1992 tem, ainda, a
funo de normatizar quem ser competente e como dever
proceder para obter direito a indemnizao face aos fundos,
administrados pela FIPOL.
Os arts. 4/2 e 3 do protocolo de 1992 trazem situaes
que exoneram os fundos da obrigao de ressarcir. Exceo
feita no art. 4/3, in fine, em relao as medidas de preveno.
Em regra, podero os lesados recorrerem ao FIPOL
quando o proprietrio do navio se exonerar de sua responsabi-
lidade; ainda que este seja responsvel, ele no possua capaci-
dade financeira de honrar com sua obrigao e nem tenha cons-
titudo uma garantia financeira (art. VII da CLC) que cubra, ou
que quando o faa, seja insuficiente para satisfazer os pedidos
de ressarcimento; e os danos excederem o limite de responsabi-
lidade (art. V/1 da CLC) do proprietrio.
Cabe notar, que para ter direito a uma indemnizao fa-
ce ao FIPOL devero os lesados provar que diligenciaram de
todas as formas razoveis e possveis para terem seus pleitos
atendidos, sendo o recurso ao FIPOL a ltima ratio possvel a
ser tomada. O que preocupante dado o nvel de dificuldade
imposta aos lesados em fazer o nus de tal prova.
O regime de compensao do FIPOL no se baseia no
ressarcimento integral dos danos e prejuzos, possuindo, em
verdade, limitao de natureza financeira, como a do art. 4/4
alneas a), b) e c) do protocolo de 1992.
O art. 4/5 do protocolo de 1992 remonta ao princpio
par conditio creditorum, ou seja, em havendo um quantum
indemniztorio superior aos limites supra referidos dever ser
realizado um rateio proporcional entre todos os credores.
Como j observamos, o art. 4/1 do protocolo de 2003
trata da possibilidade de um lesado obter ressarcimento de seu trios in Revista da Ordem dos Advogados. - a.61v.III. Lisboa, p. 1168. 56 Como j observamos, ainda que no sendo devida qualquer indemnizao na
forma da CLC, nem por isto ficaro os fundos desobrigados, podendo o lesado ter
direito a indemnizao face a estes.
480 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
prejuzo atravs do fundo complementar, desde que seu pedido
indemnizatrio seja procedente na forma do art. 1/8 do proto-
colo de 2003. Em regra, todas as normas aplicadas ao fundo
original, o sero tambm aos fundos complementar (protocolo
de 1992) e ao suplementar (protocolo de 2003).
Em 24 de Outubro de 2014, o conselho do fundo origi-
nal aprovou57
a extino deste, assim, aps 31 de Dezembro de
2014, somente restaro os fundos complementar e o suplemen-
tar.
3 ANLISE ECONMICA DO REGIME DA CONVEN-
O INTERNACIONAL SOBRE RESPONSABILIDADE
CIVIL PELOS PREJUZOS DEVIDOS POLUIO POR
HIDROCARBONETOS
3.1 DA RELAO CONTRATUAL ENTRE O TRANS-
PORTADOR DE HIDROCARBONETOS E O DONO DA
CARGA
Utilizando-se do Teorema de Coase58
, analisaremos a
relao contractual entre o dono da carga e o transportador de
hidrocarbonetos e o repasse de custos entre estes. Acreditamos
terem ambas as partes a capacidade de conduzir uma escolha
racional afim de se chegar em um denominador ptimo, qual
seja o valor do transporte, que leve em conta os desejos e ne-
cessidades de cada parte em buscar o nvel ideal de precauo.
Alm da capacidade do transportador de procurar uma cobertu-
ra eficiente de seguro.
Desenhando-se em um contexto de livres negociaes
com baixos custos transacionais, tanto faz externamente ao
contrato se a responsabilidade civil recair sobre o transportador
57 Disponvel em < http://www.iopcfunds.org/news-events/detail/item/327/ >. 58 Cf. COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost in Journal of Law and Eco-
nomics, volume III. Chicago: Ed. The University of Chicago Press, 1960, p. 1 e ss.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 481
ou o dono da carga, em ambos os casos, os custos sero trans-
feridos ao consumidor final.
Todavia, em uma relao interna h diferenas, temos
que caso a responsabilidade seja do transportador, este repassa-
ria seu custo ao dono da carga, contrario sensu, se a responsa-
bilidade for do dono da carga, o transporte ser mais barato.
Assim, a nivel interno, nos parece ser mais eficiente que a res-
ponsabilidade civil recaia sobre o dono da carga. Salvo quando
da existncia de limitao da responsabilidade. Assim, notamos
que a limitao da responsabilidade reflete diretamente no va-
lor do transporte.
No que tange a responsabilidade pelos danos, temos que
em uma lgica Coaseana, as partes seriam capazes de auferir
via um contrato quem seria o responsvel pelos prejuzos oca-
sionados a carga transportada. Mais uma vez, tal problema re-
cairia no preo final do transporte e, de novo, as custas, em
verdade, seriam pagas pelo consumidor final.
3.2 DA RELAO EXTRACONTRATUAL NO TRANS-
PORTE DE HIDROCARBONETOS
3.2.1 DA RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
A priori, podemos afirmar que se estivssemos em uma
lgica contractual, no existiria maiores problemas em uma
responsabilizao limitada, pois na ptica contractual, caber
as partes, racionalmente, chegarem a um acordo sob um limite
ou no da responsabilidade, e, em havendo, qual o montante
deste limite. Como vimos, trata-se de uma lgica Coaseana.
Entretanto, a situao bastante diversa quando esta-
mos diante de uma relao no contractual, na qual os lesados
so terceiros no envolvidos contractualmente e os custos tran-
sacionais so elevadssimos. Nestes casos, no h que se buscar
482 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
no Teorema de Coase a soluo mais eficiente economicamen-
te.
De fcil percepo, quando da ocorrncia de um evento,
a grande maioria dos lesados so aqueles no envolvidos con-
tractualmente com o proprietrio do navio.
Isto posto, seguindo os ensinamentos de Steven M.
Shavell59
, nos parece evidente que somente uma regra de res-
ponsabilizao ser suficiente para fazer com que o propriet-
rio do navio adopte medidas de precauo para prevenir poss-
veis eventos.
No caso de acidentes unilaterais, nos quais s uma das
partes envolvidas poder influenciar o risco, tanto as regras de
negligncia quanto as de responsabilidade objectiva nos con-
duzem a nveis eficientes de precauo, mas s a responsabili-
dade objectiva conduzir tambm a um nvel eficiente da ativi-
dade do proprietrio do navio.
Entretanto, em acidentes bilaterais, nos quais ambas as
partes envolvidas podero influenciar o risco, dificilmente ha-
ver uma regra de responsabilidade que seja considerada a
mais eficiente. Sendo necessrio analisar a contribuio de ca-
da parte para o evento. Caso fique demonstrado que o proprie-
trio do navio tenha maior influncia sobre a possibilidade de
ocorrer um dano, ento, parece-nos mais eficiente que se adop-
te uma regra de responsabilidade objectiva. Porm, a AED nos
ensina que sempre que for possvel o lesado tambm influenci-
ar em um dano, dever ser adoptada uma regra de responsabili-
dade que tambm o estimule a adoptar medidas de precauo;
esta poder ser uma regra de negligncia que estipule que as
indemnizaes dos lesados sejam reduzidas parcialmente ou
integralmente dependendo do quanto sua aco poderia contri-
buir para diminuir ou evitar um dano.
59 Cf. SHAVELL, Steven M. Foundations of Economic Analysis of Law. Cam-
bridge: Ed. Belknap Press of Harvard University Press, 2004, p. 175 e ss.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 483
Como no tema em cotejo nos parece que o proprietrio
do navio possua um nvel de influncia muito maior para que
ocorra um dano, em um primeiro momento diramos ser, logo,
mais eficiente a adoo de uma regra de responsabilidade ob-
jectiva, que empurre ao proprietrio do navio todos os custos
de um eventual dano, forando este a adoptar as principais me-
didas de precauo. Contudo, por os danos ocorridos de um
evento no serem puramente unilaterais, resta evidente que
caber aos potenciais lesados, tambm, adoptarem medidas de
precauo quando de um evento sob o risco de uma penaliza-
o pela sua negligncia.
Como nos ensinam Michael Faure e Wang Hui: Only under strict liability would the potential injurer have
an incentive to adopt an optimal activity level. This full inter-
nalization is obviously only possible if the injurer is effective-
ly exposed to the full costs of the activity he engages in and is
therefore in principle held to provide full compensation to a
victim60
.
De positivo, temos, ainda, o facto de que diante de uma
responsabilizao objectiva diminuem-se os custos de imple-
mentao, pois retira-se do mbito da esfera de competncia da
autoridade ter que determinar o comportamento do causador,
logo, retiram-se os chamados custos judiciais.
Para a AED a responsabilidade objectiva s ser efici-
ente quando recaia sobre aquele que detenha maior capacidade
de evitar um acidente, o que no caso do transporte de hidrocar-
bonetos parece ser o proprietrio do navio, caso este possua
activos suficientes para ressarcir os prejuzos. Caso este se en-
contre insolvente, estaremos diante de uma situao de dissua-
so insuficiente, exposta quando os custos so maiores do que
os activos do possvel causador do dano.
60 Cf. FAURE, Michael e HUI, Wang, Economic Analysis of Compensation for Oil
Pollution Damage in Maastricht Faculty of Law Working Paper 2005/2, Outubro de
2005. Maastricht, p. 08. Disponvel em < http://arno.unimaas.nl/show.cgi?fid=7054
>.
484 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
Sobre as excludentes de responsabilidade presentes nos
arts. III/2 e 3 da CLC, temos que as do nmero 2 fazem total
sentido uma vez que para a AED responsabilizar o proprietrio
naquelas situaes causaria um desincentivo a se investir na
actividade. No que tange as do nmero 3 percebemos que h
um incentivo aos lesados em adoptarem medidas de precauo,
pois, em no procedendo assim, podero ser punidos com a
excluso total ou parcial da responsabilidade do proprietrio.
3.2.2 DA CANALIZAO DA RESPONSABILIDADE
No que concerne a canalizao da responsabilidade
efectuada pela CLC, analisaremos se mais eficiente esta ex-
clusividade da responsabilidade ou se, pelo contrrio, seria
mais eficiente que no se adoptasse, como faz o OPA 1990 e
a Bunker Oil, esta canalizao, podendo inclusive haver solida-
riedade passiva, o que nos parece muito mais eficiente para se
alcanar a internalizao das externalidades.
Parece-nos que esta regra ineficiente uma vez que ou-
tros sujeitos que contribuem para a existncia do risco esto,
em regra, excludos de uma responsabilizao, ou seja, no so
incentivados a adoptarem medidas de precauo.
Soa-nos ineficiente esta exposio do proprietrio a
uma responsabilidade exclusiva quando tratada em conjunto
com uma limitao, to baixa, desta. O que nos faz crer que
esta no capaz de gerar maiores nveis de precauo.
Esta canalizao gera, dentre outros, os efeitos de, pro-
vavelmente, os lesados no serem indemnizados de maneira
justa e, assim, permanecerem as externalidades; e a diminuio
dos niveis de precauo do risco da actividade, caso outros
agentes pudessem responder por um evento, provavelmente,
estes adoptariam medidas que procurassem diminuir o risco
daquela.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 485
Aos lesados, fica a impossibilidade de se pleitear uma
responsabilidade aquiliana do autor e a expectativa de ser res-
sarcido in totum pelos fundos.
Os defensores da canalizao da responsabilidade afir-
mam que esta gera uma diminuio dos custos transacionais de
implementao ao no se discutir acerca da responsabilidade
pela autoria de um dano, facilitando os lesados na busca de seu
direito ao ressarcimento. Todavia, no nos parece que tal redu-
o de custos transacionais seja vlida para justificar a canali-
zao sob o ponto de vista da AED, pois, como vimos, pesa
muito mais, e nos faz consider-la ineficiente, o facto desta
impossibilitar a plena internalizao das externalidades negati-
vas pelo autor do dano. Ainda, afirmam que, tambm, facilita a
criao de um mecanismo de seguro, o que sob nosso ponto de
vista parece ter, mais uma vez, uma reduo insignificante dos
custos transacionais, visto o segurador sub-rogar-se nos deve-
res, mas tambm ao direito de limitao da responsabilidade do
segurado.
Enfim, parecem-nos fracos quaisquer argumentos favo-
rveis a esta canalizao. Tendo sido esta a escolha do legisla-
dor convencional por um mero jogo de lobby61
entre os Estados
importadores e os que possuam grande frota transportadora.
Resta, ento, evidente que para a AED parece ser mais
eficiente que aqueles que contriburam para o risco respondam
solidariamente acerca da internalizao das externalidades. O
que obrigar a esses a adoptarem melhores medidas de precau-
o, trazendo mais segurana para a actividade e contribuindo
na diminuio de externalidades negativas.
Ainda, vemos que esta canalizao mais do que consci-
entizar os proprietrios de navios a adoptarem melhores medi-
das de precauo, faz com que os mesmos repassem esta impu- 61 Cf. BECKER, Gary S. A Theory of Competition Among Pressure Groups for
Political Influence in The Quarterly Journal of Economics, Vol. 98, No. 3. Oxford:
Oxford University Press, 1983, p. 371 e ss. Disponvel em
http://www2.bren.ucsb.edu/~glibecap/BeckerQJE1983.pdf .
486 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
tao exclusiva de responsabilidade em seus custos, na lgica
de Coase, assim esta canalizao repassada aos donos da car-
ga, os quais tambm os repassam, enfim, quem acaba por arcar
com tais custos o consumidor final, o qual, por ironia, acaba
sendo por vezes o sujeito passivo dos eventos. Arcando dupla-
mente com os custos gerados pelo transporte de hidrocarbone-
tos.
3.2.3 DA LIMITAO DA RESPONSABILIDADE62
J exposto, no regime da CLC o proprietrio do navio
tem direito a limitar a sua responsabilidade a um valor inferior
ao quantum que pode ser gerado por um evento63
.
Em se tratando de uma responsabilidade extracontractu-
al, diverso da contractual, no aplicvel o Teorema de Coase
para analisar esta limitao da responsabilidade a que tem di-
reito o proprietrio do navio.
A limitao da responsabilidade pode configurar para
os lesados um srio risco ao no ressarcimento justo de seus
prejuzos. Nestes casos, estaremos diante do facto da no inter-
nalizao da externalidade pelo causador, podendo configurar
um srio risco da no internalizao dos custos gerados pelo
transporte de hidrocarbonetos. Ou seja, a limitao da respon-
sabilidade poder produzir tambm o efeito de dissuaso insu-
ficiente.
A limitao da responsabilidade causa no proprietrio
do navio o efeito de que este adopte precaues que correspon-
dam ao custo desta limitao, ou seja, ele deixa de adoptar to-
das as precaues necessrias para se evitar a totalidade de
62 Para uma anlise econmica profunda acerca do tema ver: FAURE, Michael, e
WANG, Hui. Financial Caps for Oil Pollution Damage: A Historical Mistake? in
Maastricht Faculty of Law Working Paper 2007/6. Disponvel em
http://www.unimaas.nl/default.asp?template=werkveld.htm&id=F60BL5P00MJO46
6V63M6&taal=nl . 63 Razo de ser da criao dos fundos.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 487
danos ocasionados por um possvel evento. Mais uma vez, nos
encontramos diante de uma situao claramente ineficiente,
pois o total que o proprietrio aceitar dispensar em medidas de
precauo ser, em regra, inferior ao total de custos que um
evento poder gerar e limitar-se- ao equivalente de sua res-
ponsabilidade.
No caso de acidentes bilaterais, esta limitao de res-
ponsabilidade assumiria com que os lesados se vissem obriga-
dos a adoptarem medidas de precauo, posto que no h a
certeza do total ressarcimento de seus prejuzos. Assim, d se
aos lesados incentivos para se precaverem, reduzindo os riscos
totais que possam ser gerados por um evento.
Cabe observar se esta forma de incentivar os lesados
realmente a melhor para se diminuir as externalidades ou se
seria mais aconselhvel adoptar uma regra de negligncia em
companhia de uma no limitao da responsabilidade?
Deve-se observar, ainda, se o valor dessa limitao em
sendo muito inferior aos possveis custos das externalizaes
no gera um efeito contrrio ao pretendido; ou seja, se por um
lado os lesados se precavem mais eficientemente, por outro os
proprietrios dos navios no o fazem. Parece-nos que como
estes possuem maiores meios de se evitar uma externalizao,
deveria, ento, recair sobre os mesmos maiores medidas que
estimulassem seus nveis de precauo.
Os incentivos para que se adopte as medidas de precau-
o mais eficientes s sero atingidos caso o dever de ressarcir
recaia sobre aquele que possua maior possibilidade de exercer
maior influncia para evitar o dano, ou seja, aquele que possua
a capacidade de inibir a ocorrncia de um evento, por bvio,
logo, este dever deve recair sobre o proprietrio.
Temos que para o proprietrio, seus custos caminham
em paralelo ao da limitao da sua responsabilidade, ou seja,
para o proprietrio ineficiente investir em medidas de precau-
488 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
o que ultrapassem o valor da sua limitao de responsabili-
dade.
Desta monta, temos que o efeito causado por esta limi-
tao o de que sejam os lesados aqueles que devam realizar a
parte de investimentos em precauo alm daquelas feitas pelo
proprietrio. O que no nos parece, sem discusso acerca de
uma interpretao sobre o ideal de justia, eficiente do ponto
de vista da AED, pois, por ser o proprietrio do navio o maior
influente para evitar um evento e seus consequentes danos,
tero os lesados que investir em custos transacionais de valor
muito superior do que aqueles que possam ser realizados pelo
proprietrio. Assim, temos que para Michael Faure e Hui
Wang: Moreover, the positive effects a cap may have on victims in-
centives would probably be totally countered by the negative
effects this would have on the tanker owners incentives for
prevention 64
.
Entretanto, devemos atentar para o facto de que a exis-
tncia deste desincentivo aos proprietrios de navios em adop-
tar medidas de precauo eficientes no corresponde, conse-
quentemente, em um maior aumento no risco de ocorrncia de
eventos. Devemos atentar ao facto, externo, de que boa parte
dos importadores e das transportadoras de hidrocarbonetos so
empresas de capital aberto, ou seja, h uma presso do prprio
mercado de capitais para que as mesmas adoptem nveis de
segurana, ao menos, condizentes com os riscos da actividade,
alm de evitarem efectuar contratos com proprietrios de navi-
os que no adoptem um mnimo necessrio para garantir a se-
gurana do transporte. Pois, nota-se que quando da ocorrncia
de eventos, principalmente os catastrficos, costuma se atrelar
os nomes do navio e dos proprietrios da carga ao acidentes,
64 Cf. FAURE, Michael e HUI, Wang, Economic Analysis of Compensation for Oil
Pollution Damage in Maastricht Faculty of Law Working Paper 2005/2, Outubro de
2005. Maastricht, p. 34. Disponvel em < http://arno.unimaas.nl/show.cgi?fid=7054
>.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 489
no sendo interessante para os scios das empresas petrolferas
e as de transporte de hidrocarbonetos terem a presso deste
marketing negativo afectando os valores de suas participa-
es sociais.
Ademais, devemos ter em mente que boa parte das me-
didas de precauo a serem adoptadas dependem do factor re-
gulao, quais sejam, a obrigao de casco duplo, maior e mais
eficiente fiscalizao em portos e navios, adequao de rotas
para o transporte de hidrocarbonetos dentre tantas outras.
Errado, nos parece, ter se adoptado essa limitao da
responsabilidade, ainda que seja tradicional no transporte mar-
timo devido a lgica de se compensar os grandes riscos da ac-
tividade, devemos lembrar que estamos diante no de uma re-
lao contratual, mas sim aquiliana, o que nos parece, ento,
no fazer o menor sentido. Pior, o facto da mesma ser relaci-
onada a arqueao do navio e no a proporcionalidade dos da-
nos de eventuais eventos.
Henri Smets65
nos demonstrou que economicamente um
aumento significativo no valor da limitao da responsabilida-
de do proprietrio do navio geraria um impacto, insignificante,
nos custos da actividade, em regra, inferior a 0,055 dlares por
tonelada transportada.
Por fim, cabe observar que a adopo de uma limitao
de responsabilidade produz efeito directo no preo do transpor-
te, barateando este. Entretanto, resta saber se este benefcio
capaz de cobrir os custos a serem arcados.
Sob uma ptica de Kaldor-Hicks nos parece que levan-
do em conta as externalidades possveis de ocorrer pela activi-
dade temos que a mesma mostra-se muito mais eficiente do que
o contrrio.
65 Cf. SMETS, Henri. The Oil Spill Risk: Economic Assessment and Compensation
Limit in Journal of Maritime Law and Commerce, v. 14, n. 01, Janeiro de 1983, p.
30 e ss.
490 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
Assim, relativamente ao transporte de hidrocarbonetos
temos, no taxativamente, como externalidades as seguintes:
i) Positivas colocao no mercado de matria prima, atravs de um preo aceito socialmente, de grande im-
portncia socio-econmica; gerao de renda e traba-
lho; segurana energtica dentre tantos outros; e
ii) negativas custos gerados a terceiros quando da ocor-rncia de um acidente e indemnizaes contratuais.
3.2.4 DO SEGURO OBRIGATRIO
Como visto, haver sempre o risco de insolvncia e, por
conseguinte, de dissuaso insuficiente, quando de uma respon-
sabilidade objectiva e canalizada.
Afim de se refutar tal possibilidade o legislador intro-
duziu ao texto da CLC a obrigatoriedade de se constituir seguro
ou outra garantia financeira at o limite de sua responsabilida-
de.
Sobre a justificativa de se constituir seguro, Fernando
Arajo: Mas a principal razo de sucesso do seguro () que ocorre
quando os lesantes so insolventes ().66
Se por um lado tal medida mostra-se ineficiente ao,
mais uma vez, limitar o seguro a limitao da responsabilidade
do proprietrio, por outro, mostra-se eficiente na medida em
que demanda dos proprietrios de navios que invistam melhor
em medidas de precauo a fim de se diminuir os custos (ter-
mos da aplice, prmios do seguro, dentre outros) relativos a
este seguro. Ademais, as seguradoras podero se utilizar de
meios prprios para controlar o comportamento dos segura-
dos67
. Assim, tendero, atravs de conceitos como mal e bom
66 Cf. ARAJO, Fernando. Teoria Econmica do Contrato. Coimbra: Ed. Almedina,
2007, p. 886 e 887. 67 Cf. RODIGUES, Vasco. Anlise Econmica do Direito: Uma Introduo. Coim-
bra: Ed. Almedina, 2007, p. 114 e ss.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 491
risco, as seguradoras a fazerem com que os proprietrios invis-
tam melhor em medidas de precauo afim de no onerarem o
valor de seus prmios.
Assim, dado o facto dos proprietrios de navios estarem
refns das seguradoras, pois sem estas eles no podem trans-
portar hidrocarbonetos como carga, parece ser essa medida
eficiente para a AED ao exigir que aqueles adoptem melhores
nveis de precauo afim de diminuir os custos com seguros.
A CLC foi hbil ao aceitar que a cobertura do risco do
proprietrio se desse atravs de um seguro ou outra garantia
financeira, como uma cauo bancria, ou um certificado emi-
tido por um fundo internacional de compensao.
Assim, o emprego desse seguro obrigatrio do art. VII
da CLC exerce para a AED a funo de procurar evitar o efeito
de dissuaso insuficiente causada pela insolvncia do proprie-
trio do navio.
Entretanto, causa-nos espanto o facto de tal seguro so-
mente ser obrigatrio a navios que transportem mais de 2.000
toneladas de hidrocarbonetos. Ou seja, a CLC parte do pressu-
posto de que navios que transportem volume inferior de hidro-
carbonetos no possam causar danos significativos. Ora, inde-
pendente do volume transportado, a significncia do dano se
deve a outros factores como o local da ocorrncia deste, a dire-
o das correntes martimas, o bem atingido pela contamina-
o, entre outros.
Tal medida, desestimula que em transportes de menores
volumes de hidrocarbonetos sejam adoptadas medidas de pre-
cauo, posto que no h a obrigao do proprietrio assegurar-
se ao mesmo tempo em que o direito a limitao de sua respon-
sabilidade se mantm. Ou seja, estamos diante de um srio ris-
co de ocorrncia da no internalizao da externalidade gerada
causada pela insolvncia do proprietrio no coberto. E, pior,
do risco maior de um dano no ser ressarcido e permanecer a
492 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
externalidade gerada, devido a no obrigao desses propriet-
rios em contratar seguro.
Conforme Michael Faure e Hui Wang68
nos informam
h uma crtica sobre a forma como este seguro obrigatrio
materializado pelos P&I Clubs, atravs de uma restrio de
concorrncia69
, o que gera o temor de ineficincia dos mesmos
por poderem ter um prmio muito alto, uma cobertura muito
reduzida e uma pobre diversidade de produtos a oferecer.
Afirmam, ainda, que o principal risco desta falta de concorrn-
cia a de que proprietrios de navios que no integram deter-
minado clube fiquem refns deste, de que a cobertura dos segu-
ros seja bastante limitada e de que devido a falta de concorrn-
cia, o clube tender a no monitorar os eventos de uma maneira
considerada ptima.
3.2.5 DOS FUNDOS
Como observamos nem sempre ser possvel que o pro-
prietrio do navio ou seu segurador indemnize os lesados de
maneira a satisfazer a externalidade gerada. Neste contexto,
surgem os fundos suplementar e complementar.
Para que a lgica dos fundos possua um bom funciona-
mento dever contribuir para o fomento deste aquele que pos-
sua a maior capacidade de evitar a ocorrncia de um evento,
sua contribuio dever ser proporcional a razo dos danos que
ele possa vir a causar.
Assim, teramos que aqueles que proporcionassem mai-
ores riscos sociedade devessem participar com uma quota
maior ao alimentar os fundos, bem como aqueles que diminus-
68 Cf. FAURE, Michael e HUI, Wang, Economic Analysis of Compensation for Oil
Pollution Damage in Maastricht Faculty of Law Working Paper 2005/2, Outubro de
2005. Maastricht, p. 40 e 41. Disponvel em <
http://arno.unimaas.nl/show.cgi?fid=7054 >. 69 Uma vez que tais clubes, ou para alguns cartel, dominam cerca de 90% do merca-
do mundial de seguros martimos.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 493
sem a exposio de riscos de ocorrncia de um evento seriam
premiados a contriburem com uma quota menor. Desta forma,
estar-se-ia estimulando aos agentes a adoptarem melhores me-
didas de precauo.
De facto, em no se adoptando tal lgica, estaramos di-
ante de uma situao em que aqueles que geram menores riscos
estariam em igualdade no dever de contribuir com aqueles que
geram maiores riscos. O que seria totalmente ineficiente sob o
ponto de vista da AED, uma vez que aqueles que investissem
em mais eficientes medidas de precauo, alm de no terem o
maior volume de gastos sendo recompensado, estariam subsi-
diando aqueles que no o fizessem; o que geraria um grande
desestmulo a se investir em medidas de precauo.
Por bvio, a adopo de tal medida gera custos transa-
cionais, embora a nosso ver bastante inferiores aos custos das
externalidades provocadas por um evento, o que numa lgica
de Kaldor-Hicks j a tornaria eficiente. Nomeadamente, as cus-
tas seriam:
i) A administrao dos fundos deveria implementar um
sistema (banco de dados) desenvolvido o suficiente para conter
as informaes acerca de cada proprietrio; e
ii) analisar o quantum de risco seria designado a cada
um daqueles proprietrios.
No se pode afirmar categoricamente que a estrutura de
financiamento dos fundos faa com que seus contribuintes,
importadores de hidrocarbonetos, sejam realmente incentivados
a adoptar medidas de preveno.
Os fundos so financiados pelos donos das cargas, as-
sim, podemos afirmar que com a introduo destes a responsa-
bilidade civil passou a ser compartilhada pelos proprietrios de
navios e os donos das cargas; ambas objectivamente. Isto se d
como uma forma de suavizar o peso da canalizao da respon-
sabilidade imposta pela CLC.
494 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
Logo, temos que os donos da carga tambm passam a
ter incentivos para adoptarem medidas de precauo, tal qual a
escolha de transportadores com histricos mais seguros e com
melhores equipagens preventivas.
Pelo regime actual, tem-se que sua contribuio avali-
ada pelo volume de hidrocarbonetos recebidos. O que faz com
que todos contribuam igualmente, o que acaba por desincenti-
var medidas de precauo, dado o facto de no haver premia-
o, tal qual a diminuio da quota contributiva para aqueles
que forem melhores precavidos e no serem punidos com o
aumento desta quota os opostos. O que apenas estimula a uma
reduo do volume de hidrocarbonetos a ser adquirido e nada
mais.
Para um melhor nvel de eficincia seria ideal que se
adoptasse um sistema segundo o qual X fosse o valor mdio da
quota de contribuio a ser aplicada, onde aqueles mais preca-
vidos fossem obrigados a contribuir com um valor inferior,
medida de sua exposio ao risco, tendente a zero, chamado de
Y. Enquanto que aqueles mais expostos ao riscos se vissem
obrigados a, no mnimo, contrabalancear a equao tendo que
contribuir, no mnimo, com um valor igual a X adicionado de
Y.
Por ltimo, parece-nos que os legisladores convencio-
nais, influenciados por lobbies, criaram o regime dos fundos de
maneira a procurar partilhar a responsabilidade exclusiva dos
transportadores de hidrocarbonetos, anteriormente a criao
dos fundos, com os donos da carga. Sem em nenhum momento
utilizarem dos ensinamentos da AED para escolherem a melhor
opo do regime de contribuio destes fundos na busca de se
diminuir o risco da ocorrncia de eventos.
3.2.6 DOS EFEITOS DE UMA NORMA REGULATRIA
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 495
Tema bastante trabalhado pela AED, exaustivamente
analisado por Steven M. Shavell70
, segundo o qual, por vezes
uma norma regulatria atinge um nvel de eficincia superior
ao de uma regra de responsabilidade.
Basicamente, ser mais eficiente recorrer a uma norma
de regulao sempre em que houver o risco de insolvncia ou
de um ressarcimento aqum ao dano gerado acompanhado de
um maior preparo por parte do Estado em conter o risco atravs
de um melhor custo de informao.
Acerca dos custos de informao, afirmam Michael
Faure e Hui Wang71
que para uma melhor avaliao dos riscos
de uma actividade e pesquisas sobre o nvel e medidas ideais
de precauo demandado um conhecimento especializado e
julgamento o que gera elevados custos, os quais, em regra, no
sero acompanhados pelos proprietrios de navio. Afirmam,
ainda, os mesmos Autores que, por receio de um free rider, no
haveria incentivo aos proprietrios em investir em pesquisas
que seriam disponibilizadas ao mercado72
.
Assim, se apresenta mais eficiente que o Estado desen-
volva estudos afim de garantir maior segurana no transporte
de hidrocarbonetos. Repassando ao mercado os resultados de
tais estudos. Tal medida mostra-se eficiente uma vez que com a
obrigatoriedade de se adoptar um modelo de transporte mais
seguro gera-se uma menor despesa por parte dos Estados com
70 Cf. SHAVELL, Steven M. A Model of the Optimal Use of Liability and Safety
Regulation in RAND Journal of Economics, volume 15/2. Editora The RAND Cor-
poration, 1984, p. 271 e ss. Disponvel em <
http://www.law.harvard.edu/faculty/shavell/pdf/15_RAND_J_Econ_271.pdf >; e
Liability for Harm versus Regulation of Safety in Journal of Legal Studies, Volume
13, n. 2, 1984, p. 357 e ss. Disponvel em <
http://www.law.harvard.edu/faculty/shavell/pdf/26_Liability.pdf >. 71 Cf. FAURE, Michael e HUI, Wang, Economic Analysis of Compensation for Oil
Pollution Damage in Maastricht Faculty of Law Working Paper 2005/2, Outubro de
2005. Maastricht, p. 16. Disponvel em < http://arno.unimaas.nl/show.cgi?fid=7054
>. 72 Salvo nos casos de Estados que possuam um sistema de propriedade intelectual
seriamente aplicvel. O que, como sabemos, no regra.
496 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
medidas anti-poluio73
, uma vez que tende a haver uma dimi-
nuio na quantidade de eventos. Ao mesmo tempo, danos no
indemnizveis ao abrigo da CLC, como por exemplo a diminu-
io da arrecadao tributria de um Estado devido a diminui-
o do fluxo de turistas em uma determinada zona atingida por
um evento, tenderiam a reduzir consideravelmente. Por fim,
ainda pensamos que com a diminuio do risco da actividade,
tendem a reduzir tambm os custos transacionais desta, dimi-
nuindo o valor do transporte, o que eleva as margens de lucro
dos transportadores e dos proprietrio(s) da carga e, por conse-
guinte, tende a aumentar a prpria entrada de divisas para o
Estado seja com o maior facturamento das empresas que explo-
ram essas actividades, seja com a desvalorizao do, actual-
mente, elevadssimo preo dos hidrocarbonetos. Como afirma,
mais uma vez Michael Faure e Hui Wang gerando vantagens
de economy-of-scale 74
.
Alm disso, sob o ponto de vista do risco de insolvn-
cia, como j analisamos, evidente que por vezes o quantum
do prejuzo gerado por um evento superior aos activos per-
tencentes ao proprietrio. O que tende a gerar uma insatisfao
do crdito a ser amenizada, na medida do possvel, pelos fun-
dos. O que poder acarretar em uma no internalizao das
externalidades, a serem, por vezes, suportadas pelo prprio
Estado que tambm vtima.
Assim, baseados nos estudos de Charles D. Kolstad,
Thomas S. Ulen e Gary V. Johnson75
parece-nos evidente que
73 Pensemos nos casos das chamadas manchas rfs, para as quais quase nula a
aplicao do regime da CLC. 74 Cf. FAURE, Michael e HUI, Wang, Economic Analysis of Compensation for Oil
Pollution Damage in Maastricht Faculty of Law Working Paper 2005/2, Outubro de
2005. Maastricht, p. 16. Disponvel em < http://arno.unimaas.nl/show.cgi?fid=7054
>. 75 Cf. KOLSTAD, Charles D., ULEN, Thomas S. JOHNSON, Gary V. Ex post
liability vs. ex ante regulation: substitutes or complements? in The American Eco-
nomic Review, volume 80, n. 4, September, 1990, p. 888 e ss. Disponvel em <
http://qed.econ.queensu.ca/pub/faculty/garvie/eer/kolstadetal.pdf >. Reafirmado por
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 497
devido as falhas presentes no regime da CLC & Fundos, faz-se
necessrio o suporte de uma regulao estatal ex ante afim de
se amenizar ou, at, excluir a possibilidade de um evento. Sem,
contudo, excluir-se o regime ex post ao evento, qual seja a
CLC & Fundos. Da combinao, bem feita, de ambas as prti-
cas chegaramos ao nvel mximo de eficincia em termos de
precauo.
Parece-nos que a regulao se apresentaria em funo
de se evitar custos transacionais proibitivos para os lesados. Os
quais dificilmente seriam internalizados atravs da indemniza-
o disponibilizada pelo regime da CLC & Fundos.
Por uma presso da Unio Europia76
, h uma tendncia
actual de se exercer maior controlo atravs da regulao de
parte da actividade. Assim, tem-se criado normas que buscam a
eliminao do transporte de hidrocarbonetos em navios de cas-
co nico, alm de se implantarem zonas martimas especficas
no aptas a navegao destes navios, maior controlo da activi-
dade atravs de uma fiscalizao mais atuante em portos e na-
vios, maior controlo estatal sobre as sociedades de classifica-
o no exerccio certificatrio, dentre outras medidas.
Sobre esse assunto em particular, aos que defendem que
o prprio mercado ser capaz de atingir o nvel ptimo de pre-
cauo, parece-nos que aps quase 40 anos de vigncia de uma
norma de responsabilidade civil h uma evidente falha nesta
afirmao, uma vez que o cenrio que presenciamos de pio-
ra, sendo despejados, das mais variadas formas, no apenas na
forma da CLC, nos mares e oceanos anualmente uma estimati-
va de cerca de um milho de toneladas dos mais diversos tipos
de leos77
.
EWERHART, CHRISTIAN e SCHMITZ, Patrick W. Ex Post Liability for Harm vs.
Ex Ante Safety Regulation: Substitutes or Complements? Comment, 1998. Dispon-
vel em < http://mpra.ub.uni-muenchen.de/13448/1/MPRA_paper_13448.pdf >. 76 Cf. FAURE, Michael e WANG, Hui. Liability for Oil Pollution the EU ap-
proach. Disponvel em < http://arno.unimaas.nl/show.cgi?fid=7701 >. 77 Cf. GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prtica do Direito Martimo.
498 | RJLB, Ano 1 (2015), n 1
Em contrapartida, temos que atravs do OPA-1990, o
qual alm de possuir normas de responsabilidade civil, possui
tambm normas de regulao da actividade, houve uma dimi-
nuio significativa no despejo de leos nas guas dos Estados
Unidos da Amrica, o que nos induz a considerar o regime
aplicado por este como de maior eficincia em comparao
com o regime intitudo pela CLC & Fundos.
4 CONCLUSES
Perguntamos ab initio se seria o sistema imposto pelo
regime da CLC & Fundos eficiente do ponto de vista da AED?
Aqui chegamos com uma concluso muito distinta da-
quela resposta inicial de que, dado a longevidade, este seria,
sim, eficiente. Infelizmente, esperamos haver demonstrado sob
uma ptica da AED o quo ineficiente de facto este regime.
Durante a presente anlise usamos da AED dos aciden-
tes para chegar as concluses aqui expostas. Esperamos haver
demonstrado economicamente as falhas actuais do regime da
CLC & Fundos, ao passo de termos contribudo com algumas
simples ideias que poderiam aperfeioar este sistema de tal
maneira que se atinja sua melhor eficincia, ou o bem estar
total.
Vimos que a regra de responsabilidade objectiva sim a
ideal para esse tipo de situao e dever recair sempre sob
aquele que exera maior influncia sobre o risco, ou seja, o
proprietrio do navio; entretanto, por ser a grande parte destes
acidentes considerados bilaterais, temos que esta s poder ser
eficiente acompanhada de regras de negligncia para os lesa-
dos, procurando-se, assim, maximizar os nveis de precauo, o
que no nos parece ter sido adoptado plenamente pelo legisla-
dor.
Rio de Janeiro, 2 edio. Ed. Renovar, 2005, p. 402.
RJLB, Ano 1 (2015), n 1 | 499
Acerca da canalizao da responsabilidade, esperamos,
ao longo do estudo, haver demonstrado o quanto esta inefici-
ente sob o prisma da AED, podendo chegar ao absurdo de os
lesados no virem a ser ressarcidos de seus prejuzos devido a
esta regra. Da havermos afirmado o quanto a possibilidade de
solidariedade passiva pudesse ser eficiente no tema em cotejo.
Esperamos ter, ainda, evidenciado ao leitor o facto de a
limitao da responsabilidade quando mal aplicada, principal-
mente sem uma regra de negligncia anexa a esta, levar a casos
em que h a possibilidade de nem as vtimas e nem os proprie-
trios adoptarem medidas de precauo, o que expe a falha
desta medida no mbito de aplicao da CLC. Sendo prefervel
que a responsabilidade fosse ilimitada.
Vimos que o risco de dissuaso insuficiente faz-se sem-
pre presente devido a regras como a canalizao da responsabi-
lidade e da limitao desta que podem conduzir a no internali-
zao das externalidades pelo causador destas e, pior, na per-
manncia dos prejuzos, da a necessidade de se ter uma obri-
gao de se constituir um seguro e da existncia dos fundos.
Analisamos que o seguro obrigatrio configura uma boa
medida adoptada pela CLC, uma vez que obriga aos propriet-
rios, na tentativa de diminuio dos custos da cobertura, a se