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Artigo Análise crítica da Sociologia Econômica de Mark Granovetter: os limites de uma leitura do mercado em termos de redes e imbricação * Cécile Raud-Mattedi ** Introdução A Nova Sociologia Econômica vem ultimamente retomando a questão da divisão do trabalho entre Sociologia e Economia, que permaneceu relativamente consensual durante uma grande parte do século XX. De acordo com Swedberg (1987), esta divi- são do trabalho teria sido estabelecida quando da criação da So- ciedade Americana de Sociologia em 1905, e teria sido reafirma- da na década de 1930 por Parsons. Retomando a definição de ciência econômica de Lionel Robbins (1932), como ciência que analisa a escolha entre meios raros tendo em vista determinado fim 1 , Parsons advogava uma Sociologia voltada para a análise dos valores que orientam a ação social, ou seja, a análise das * Este texto foi escrito em parte durante o estágio pós-doutoral realizado no período agosto de 2002-julho de 2003 na Universidade de Dauphine, Paris, Fran- ça. Gostaríamos de agradecer à Capes, pelo apoio financeiro, à professora dra. Catherine Bidou, diretora do IRIS, pelo convite, e, sobretudo, ao professor dr. Philippe Steiner, nosso orientador, cuja contribuição, através de discussões peri- ódicas, foi fundamental para a elaboração deste texto. ** Cécile Raud-Mattedi, doutora em Socioeconomia do Desenvolvimento pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, França, em 1996, e pós-doutora em Sociologia Econômica pela Universidade de Dauphine, Paris, França, em 2003, é professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina. 1 Trata-se de uma definição formal da economia, contra a qual Polanyi (1957) defendia a adoção de uma definição substantiva, referente à satisfação das necessidades mate- riais do ser humano através do intercâmbio mantido com o meio natural e social.

Análise Granovetter

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    Anlise crtica da SociologiaEconmica de Mark Granovetter:

    os limites de uma leitura do mercadoem termos de redes e imbricao*

    Ccile Raud-Mattedi**

    Introduo

    A Nova Sociologia Econmica vem ultimamente retomando a questo da diviso do trabalho entre Sociologia e Economia,que permaneceu relativamente consensual durante uma grandeparte do sculo XX. De acordo com Swedberg (1987), esta divi-so do trabalho teria sido estabelecida quando da criao da So-ciedade Americana de Sociologia em 1905, e teria sido reafirma-da na dcada de 1930 por Parsons. Retomando a definio decincia econmica de Lionel Robbins (1932), como cincia queanalisa a escolha entre meios raros tendo em vista determinadofim1, Parsons advogava uma Sociologia voltada para a anlisedos valores que orientam a ao social, ou seja, a anlise das

    * Este texto foi escrito em parte durante o estgio ps-doutoral realizado noperodo agosto de 2002-julho de 2003 na Universidade de Dauphine, Paris, Fran-a. Gostaramos de agradecer Capes, pelo apoio financeiro, professora dra.Catherine Bidou, diretora do IRIS, pelo convite, e, sobretudo, ao professor dr.Philippe Steiner, nosso orientador, cuja contribuio, atravs de discusses peri-dicas, foi fundamental para a elaborao deste texto.

    ** Ccile Raud-Mattedi, doutora em Socioeconomia do Desenvolvimento pela coledes Hautes tudes en Sciences Sociales de Paris, Frana, em 1996, e ps-doutoraem Sociologia Econmica pela Universidade de Dauphine, Paris, Frana, em 2003, professora adjunta do Programa de Ps-Graduao em Sociologia Poltica daUniversidade Federal de Santa Catarina.

    1 Trata-se de uma definio formal da economia, contra a qual Polanyi (1957) defendia aadoo de uma definio substantiva, referente satisfao das necessidades mate-riais do ser humano atravs do intercmbio mantido com o meio natural e social.

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    instituies. Neste sentido, a Sociologia Econmica consistirianuma complementao Cincia Econmica, ao estudar as insti-tuies econmicas (Granovetter, 1990; Velthuis, 1999).

    Assim, a partir dos anos 1930, no se deu continuidade aosesforos dos pioneiros da Sociologia Econmica Clssica, apesardas reflexes pertinentes e promissoras de tericos da enverga-dura de Durkheim, Weber, Simmel ou Pareto (Gislain e Steiner,1995). A Sociologia Econmica ressurgiu nos anos 70, no quadrode um questionamento a esta diviso do trabalho, por parte tan-to dos economistas (sob a forma do imperialismo econmico)quanto dos socilogos. Esta Nova Sociologia Econmica teria omrito de analisar sociologicamente o ncleo mesmo da cinciaeconmica, ou seja, o mercado, considerado como uma estrutu-ra social (Swedberg, 1994, p. 255).

    Em particular, Mark Granovetter, um dos pioneiros da NovaSociologia Econmica, se empenha em identificar as formas deinsero social das aes econmicas e a influncia destas rela-es sociais nos resultados econmicos. Ele um dos represen-tantes do enfoque estrutural do mercado, visto como constitudode redes interpessoais. Este texto objetiva analisar terica e meto-dologicamente a abordagem estrutural de Granovetter, a fim deavaliar os alcances e os limites do pensamento de um dos auto-res mais famosos e representativos da Nova Sociologia Econmi-ca. Comearemos apresentando a postura de Granovetter a res-peito da Cincia Econmica. Em seguida, exporemos sua concep-o de ao econmica, em particular atravs das noes de redee de imbricao (embeddedness). Analisaremos tambm suas refle-xes a respeito das instituies, abordando inclusive a questodo Estado. Finalmente, faremos uma avaliao crtica dos alcan-ces e dos limites da abordagem de Granovetter.

    Preliminares:uma postura ambgua a respeito das relaesentre Cincia Econmica e Sociologia Econmica

    Granovetter pode ser encaixado dentro do plo tericoda Sociologia Econmica, por oposio ao plo crtico, o que

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    significa que, seguindo uma tradio iniciada por Weber, ele ten-ta desenvolver uma teoria sociolgica complementar TeoriaEconmica (Steiner, 1998). A Sociologia Econmica assim enten-dida teria por objetivo trazer novas respostas s perguntas deixa-das em branco pela Teoria Econmica, mais do que substituiresta ltima. Granovetter afirma assim que seu objetivo no cri-ticar a Economia Neoclssica, mas refor-la ao acrescentar umaperspectiva sociolgica (1990). Ele reconhece a validade da abs-trao do homo oeconomicus na Cincia Econmica, que traz im-portantes contribuies para a anlise da oferta e da demanda,mas acrescenta que sua ambio [...] de mostrar que as tesesneoclssicas sairiam reforadas [...] se lhes fosse acrescida umaperspectiva sociolgica (2000, p. 208)2. Em particular, ele consi-dera necessrio acrescentar aos pressupostos bsicos do compor-tamento do ator econmico as motivaes no econmicas(Swedberg e Granovetter, 1992, p. 6).

    No entanto, de acordo com Velthuis (1999), Granovetterno assume uma posio clara a respeito da relao entre Socio-logia Econmica e Cincia Econmica. De fato, por um lado, eleparece defender uma posio complementar, seguindo aquiWeber e Parsons. Mas, por outro lado, ele se refere dimensoartificial da diviso do trabalho entre a Cincia Econmica e asoutras Cincias Sociais, e afirma que no se trata somente deacrescentar ou incorporar uma perspectiva sociolgica CinciaEconmica. Pelo contrrio, seria preciso trazer os economistaspara uma discusso a respeito da ao econmica, tentandosubstituir a concepo econmica pela concepo sociolgica(Swedberg e Granovetter, 1992). Neste sentido, ele distingue aNova Sociologia Econmica da antiga, ou seja, dos clssicos,pelo fato de a nova propor [...] anlises sociolgicas de temaseconmicos fundamentais, tais como os mercados, os contra-tos, o dinheiro, o comrcio e o banco, oferecendo assim [...]uma descrio alternativa da atividade econmica quotidiana,enquanto a antiga s se preocupava com os [...] pr-requisitos

    2 Este captulo da coletnea francesa corresponde ao texto de 1990.

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    institucionais da vida econmica (2000, p. 203)3. Alm disto,ao apresentar as proposies fundamentais de sua SociologiaEconmica, a respeito da ao e da instituio econmicas,Granovetter lembra que elas [...] so incompatveis com o n-cleo duro da economia neoclssica (2000, p. 204)4.

    A Sociologia Econmica de Granovetter, definida comouma sociologia da vida econmica ou da atividade econmi-ca, distingue trs nveis nos fenmenos econmicos: a aoeconmica, os resultados econmicos (como os preos e os sa-lrios) e as instituies econmicas (1990). A respeito do pri-meiro e do terceiro, que nos interessam mais particularmenteaqui, Granovetter reafirma em vrios de seus textos as trs pro-posies fundamentais que orientam sua reflexo: a ao eco-nmica uma forma de ao social; a ao econmica social-mente situada; e as instituies econmicas so construessociais (Granovetter, 1985, 1990; Swedberg e Granovetter, 1992).Comearemos analisando as reflexes de Granovetter a respeitoda ao econmica, antes de passar para a anlise das institui-es e de finalizar o texto com uma reflexo crtica.

    1 Embeddedness:a ao econmica socialmente situada

    Com relao anlise da ao econmica, algumas premis-sas bsicas de Granovetter no se afastam tanto das da teoriaeconmica. De fato, ele parece manter o individualismo metodo-lgico, assim como a hiptese de racionalidade: ele afirma assimque as explicaes dos fenmenos sociais se fundamentam nasmotivaes e nos comportamentos dos indivduos5 (2000, p.

    3 Ver nota anterior.4 Ver nota 3.5 Mesmo se, algumas pginas depois, ele relativiza sua posio ao criticar as explica-

    es dos fenmenos sociais somente em funo de caractersticas individuais, lem-brando que a anlise de rede insiste sobre as presses socioestruturais (1988).Igualmente, num texto posterior, ele critica as anlises que tentam explicar a existn-cia dos grupos econmicos com base nas motivaes dos atores econmicos, ou seja,nas vantagens econmicas ou sociopolticas extradas de tais laos (1994b).

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    149)6, que a anlise da ao econmica comum CinciaEconmica e Sociologia Econmica (Swedberg e Granovetter,1992), e que os indivduos so racionais, ou seja, eles buscama maximizao de sua utilidade, recorrendo a clculos de cus-to e benefcio (1978)7. Neste sentido, o ponto de partida, tan-to da Sociologia Econmica quanto da Cincia Econmica, aao econmica definida em termos de escolha entre meiosraros (Swedberg e Granovetter, 1992), ou, retomando a defini-o weberiana8, como sendo [...] orientada para a satisfaode necessidades definidas pelos indivduos em situao deescassez (Granovetter, 2000, p. 207)9.

    No entanto, suas duas proposies a respeito da ao eco-nmica vm modificar esta primeira avaliao. Dizer que a aoeconmica uma forma de ao social significa que, paraGranovetter, que retoma aqui as idias de Weber e de Polanyi,alm dos objetivos econmicos, os atores perseguem tambmobjetivos sociais, como a sociabilidade, o reconhecimento, o es-tatuto e o poder (1985, p. 506). Em segundo lugar, o problemada Economia Neoclssica para Granovetter reside menos numapsicologia ingnua do que no esquecimento das estruturas so-ciais (1994a). Neste sentido, afirmar que a ao econmica socialmente situada significa que os indivduos no agem demaneira autnoma, mas que suas aes esto imbricadas em sis-temas concretos, contnuos, de relaes sociais, ou seja, em re-des sociais: a tese da imbricao social (embeddedness)10 das

    6 Este captulo da coletnea francesa corresponde ao texto de 1988.7 Mais tarde, ou seja, na Introduo para o leitor francs redigida na ocasio da

    publicao da coletnea, ele vai fazer sua autocrtica com relao a esta hiptesede racionalidade (2000, p. 37).

    8 Ver Weber (1991, p. 37).9 Este captulo da coletnea francesa corresponde ao texto de 1990.10 Granovetter toma emprestada esta noo de Karl Polanyi (1957), segundo qual a

    Economia est inserida em instituies econmicas e no econmicas. Mas afiliao intelectual pra por a, pois Granovetter recusa a clivagem forte estabelecidapor Polanyi (1980) entre sociedades tradicionais, com economia embutida, emodernas, com economia autnoma.

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    aes econmicas11 (1985). Num texto posterior, Granovetter dis-tingue dois tipos de imbricao, o relacional e o estrutural (1990).O primeiro diz respeito s relaes pessoais mais imediatas doindivduo (famlia, amigos, etc.), e o segundo refere-se s rela-es mais afastadas, s quais o indivduo tem acesso graas aseus laos fortes laos mantidos com parentes prximos e ami-gos e, sobretudo, fracos laos mantidos com conhecidos ,que o pem em contato com universos sociais distintos12.

    Para entender a abordagem de Granovetter, necessriocompreender com que autores ou escolas de pensamento ele estdialogando. De acordo com seu texto mais famoso, consideradofreqentemente como o texto fundador da Nova Sociologia Eco-nmica, tanto a abordagem sobre-socializada do indivduo vis-to como hipersensvel s opinies dos outros e conformando-secegamente ao sistema de valores existente na sociedade quan-to a abordagem subsocializada representada pelo paradigmado ator racional, buscando unicamente seu interesse prprio compartilham uma mesma concepo atomizada do ator social(1985). Sua crtica com relao primeira abordagem est direcio-nada obviamente contra a maioria das teorias sociolgicas, mastambm contra uma srie de trabalhos de economistas, dentre osquais o principal alvo o neo-institucionalismo. Na sua anlisecomparada dos mritos do mercado e da hierarquia, Williamson

    11 Mais recentemente, Zukin e DiMaggio (1990) identificaram na Sociologia Econmi-ca contempornea quatro tipos de imbricao da ao econmica: cognitiva, cultu-ral, social e poltica. A noo de imbricao cognitiva se refere aos limites impostospelos processos mentais ao exerccio do raciocnio econmico; a imbricao cultu-ral faz referncia influncia dos valores e das crenas coletivas sobre os objetivose as estratgias econmicas (ver em particular Zelizer, 1988); a imbricao estrutu-ral diz respeito ao papel das redes sociais, explicitado por Granovetter; finalmente,a noo de imbricao poltica aponta para o processo pelo qual as lutas de poderque envolvem os atores econmicos e as instituies no econmicas moldam asinstituies e as decises econmicas (ver em particular Fligstein, 1996).

    12 Granovetter define o lao forte de maneira vaga: [...] a fora de um lao umacombinao (provavelmente linear) da quantidade de tempo, da intensidadeemocional, da intimidade (a confiana mtua) e dos servios recprocos quecaracterizam este lao (2000, p. 46). Este captulo da coletnea francesacorresponde ao texto de 1973.

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    cometeria o erro de acreditar que a hierarquia obtm o resultadodesejado, ou seja, que os empregados respeitam docilmente asregras formais impostas de cima (Steiner, 2002). Quanto segun-da abordagem criticada, ela compreende as principais teorias eco-nmicas, como a Economia Neoclssica, mas tambm, de novo, oneo-institucionalismo, que no querem ver que as relaes mer-cantis passam freqentemente pelas relaes pessoais.

    Diante do individualismo metodolgico destas duas abor-dagens, tanto a sobre-socializada quanto a subsocializada, quenegligencia o enquadramento histrico e estrutural das relaessociais, Granovetter (1985) argumenta que as aes dos atoressociais so condicionadas pelo seu pertencimento a redes de re-laes interpessoais. O mercado, portanto, no consiste num li-vre jogo de foras abstratas, a oferta e a procura, entre atoresatomizados e annimos, mas num conjunto de aes estreita-mente imbricadas em redes concretas de relaes sociais. Comosalientamos anteriormente, Granovetter afirma que a anlise derede, que leva em conta as interaes concretas entre indivduose grupos, pode trazer respostas alternativas a uma srie de pro-blemas-chave na Teoria Econmica, como o caso do mercado detrabalho, do desenvolvimento econmico, do xito de micro e pe-quenas empresas13, dos grupos econmicos, da confiana e dooportunismo, ou ainda da prpria formao dos preos14, questocentral da Teoria Neoclssica (Swedberg e Granovetter, 1992, p.10). Em particular, as redes sociais facilitam a circulao de infor-maes e asseguram a confiana ao limitar os comportamentos

    13 Num estudo do setor do vesturio de Nova York, Brian Uzzi (1996) mostra queaumenta a eficincia econmica das pequenas empresas medida que cresce ouso dos contatos pessoais. A insero numa rede social abre um leque de opor-tunidades que melhora o desempenho das pequenas empresas. Em particular, arede proporciona a existncia de confiana nas relaes entre firmas, o quefacilita a troca de informaes e de recursos, e permite a emergncia de arranjosvisando resoluo coletiva de problemas.

    14 Num estudo do mercado das opes (futures) de Chicago, Baker (1984) critica atese econmica segundo a qual a eficincia do mercado cresce paralelamente aseu tamanho. Pelo contrrio, ele mostra que o aumento do tamanho do mercadoleva formao de uma estrutura constituda de subgrupos de traders, o queaumenta a volatilidade do preo das opes.

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    oportunistas. Se, na Cincia Econmica, a ausncia de comporta-mentos oportunistas pode ser explicada por um interesse pessoalbem entendido, no quadro da teoria dos jogos, por exemplo,Granovetter insiste no [...] papel das relaes pessoais concretas edas estruturas (ou redes) destas relaes no desenvolvimento daconfiana (1985, p. 490). As relaes econmicas so assim facili-tadas entre indivduos que se conhecem diretamente, ou cuja re-putao conhecem indiretamente atravs de um terceiro15.

    O estudo pioneiro de Granovetter (1974) sobre o funciona-mento do mercado de trabalho apresenta uma anlise alternativa da Cincia Econmica, na medida em que mostra que a adequa-o entre o indivduo e o emprego no se realiza atravs do me-canismo do preo. De fato, uma pesquisa realizada sobre executi-vos da regio de Boston revela que quase um tero da amostrano procurou o emprego que est ocupando, e que, nestes casos,se trata de empregos mais satisfatrios e mais bem remuneradosdo que a mdia da amostra. Granovetter descobre ento que es-tes executivos encontraram seu emprego graas a contatos pes-soais que transmitiram a informao fundamental da disponibili-dade de uma vaga correspondente ao seu perfil. Portanto, ao invsde a informao ser veiculada pelos indicadores monetrios, ela transmitida como subproduto das relaes sociais (ibid., p. 52).Na medida em que as redes pessoais agem como canais de circula-o de informaes, a posio de um indivduo na rede, assim comoa qualidade da rede so elementos fundamentais16. Assim, me-nos importante estar fortemente inserido numa rede (de amigos

    15 Outros socilogos, enfrentando a questo da assimetria de informaes levanta-da na Cincia Econmica por Akerlof (1970), comprovaram que as relaes pesso-ais intervm freqentemente para reduzir a incerteza e facilitar as transaesmercantis. Com base numa pesquisa realizada nos Estados Unidos, DiMaggio eLouch (1998) apontaram para a existncia de uma relao entre a incerteza quan-to qualidade do produto e as formas sociais da transao. Assim, o uso dasrelaes pessoais muito maior entre compradores de carros usados do queentre compradores de carros novos.

    16 Alm disto, no se pode esquecer que as redes sociais s do conta de uma partedo funcionamento do mercado de trabalho, na medida em que um quinto (19%)dos executivos pesquisados encontraram seu emprego no mercado no sentidodos economistas, isto , atravs de anncios (1974).

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    ou de parentes, por exemplo) do que ter acesso, por meio de laosfracos (ou seja, de conhecidos), a vrias redes. Os laos fracos sodecisivos porque estabelecem pontes entre as redes, permitindoassim o acesso a universos sociais diversificados e a uma maiorvariedade de informaes: a fora dos laos fracos (1973). Nes-te sentido, o mercado (de trabalho, no caso) no o resultado deescolhas racionais por parte de indivduos considerados como in-dependentes, j que os laos sociais influenciam as trajetrias.

    Granovetter apia-se nesta noo de imbricao para anali-sar as instituies sociais em termos de construo social.

    2 As instituies econmicas

    Enquanto os resultados so somente esquemas regularesda ao individual, [...] as instituies so conjuntos mais com-plexos de aes individuais que remetem freqentemente idiade que assim que as coisas devem ser feitas (2000, p. 208, grifono texto original)17. Ou seja, na noo de instituio esto embu-tidas as dimenses de regularidade e de normatividade, sem quefique muito claro, no entanto, se a normatividade de ordem moralou tcnica. Como exemplos de instituies econmicas, Granovettercita [...] os sistemas de organizao econmica, como o capitalis-mo, ou, num nvel inferior, a forma das organizaes, das inds-trias ou dos corpos profissionais particulares (ibidem).

    Na sua anlise das instituies, Granovetter (1985) comeacriticando o funcionalismo da viso neo-institucional, segundo aqual as instituies existentes seriam as mais eficientes, devendosua emergncia a um xito no quadro da luta entre vrias opes.Para ele, trata-se puramente de um argumento darwiniano impl-cito, que no define claramente estas foras que impem a orga-nizao eficiente das transaes e consiste em dizer que [...] assolues eficientes, qualquer que seja sua origem, tm uma capaci-dade para se impor, semelhante quela gerada pela seleo naturalno mundo biolgico (1985, p. 503); alm disto, Granovetter assi-

    17 Este captulo da coletnea francesa corresponde ao texto de 1990.

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    nala que o conceito de eficincia confuso e contraditrio. Man-tendo o individualismo metodolgico, Granovetter afirma entoque as instituies resultam da agregao das aes individuais(1990). Longe de as considerar como o resultado natural de umaluta adaptativa, ele afirma, e a terceira proposta fundamental desua Sociologia Econmica, que elas so construes sociais.

    Mais precisamente, a forma assumida pelas instituies fortemente condicionada pelo contedo e pela estrutura das rela-es sociais nas quais a ao econmica est imbricada, ou seja,pela configurao das redes sociais. As instituies econmicasestveis comeam por se desenvolver na base de modelos de ati-vidade construdos ao redor de redes pessoais. Sua estrutura re-flete a das redes em questo. (Granovetter, 1994a, p. 91). Reto-mando a noo de dependncia de caminho (path-dependency) ela-borada pelos economistas, Granovetter insiste na inrcia destasinstituies que, uma vez constitudas, tendem a excluir as ou-tras possibilidades no futuro, mesmo se ocorrer uma mudana naestrutura social: o fenmeno do trancamento (lock-in). Estainrcia pode ser explicada facilmente pelo investimento realiza-do, por exemplo, numa tecnologia ou num equipamento, cujovalor vai desestimular qualquer veleidade de mudana. Este se-gundo aspecto s vem reforar a crtica da explicao neo-insti-tucional das instituies em termos de eficincia: de fato, devidoa esta inrcia, ou dependncia de caminho, as instituies po-dem perdurar apesar de sua ineficincia.

    Para ilustrar a qualidade heurstica destas reflexes teri-cas, escolhemos mostrar como Granovetter estuda o problemaseguinte: [...] como e por que no so como indivduos isolados,mas em grupos que os empresrios cooperam no seio de entida-des maiores, tais como empresas, indstrias e grupos interindus-triais (Granovetter, 1994a, p. 85). Em particular, nos apoiaremosem dois exemplos empricos. Em primeiro lugar, Granovetter sepergunta por que alguns pases conhecem um crescimento eco-nmico baseado na criao de empresas, enquanto outros pasespermaneam estagnados, apesar de ambos terem condies eco-nmicas e polticas semelhantes. Mesmo se as condies econ-micas e polticas so idnticas, a forma final pode variar comple-

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    tamente se as estruturas sociais so diferentes. Quando as estru-turas de mercado parecem exigir a emergncia das empresas,elas podem, no entanto, no nascer se elas no se apiam numaestrutura social de grupo (1994a, p. 91). Granovetter recuperatrabalhos de antroplogos para lembrar que, muitas vezes, a ati-vidade econmica nos pases em desenvolvimento se encontrafreada pela falta de confiana existente na sociedade. Como sabe-mos, na anlise estrutural, a confiana no dada a priori pelasregras jurdicas ou morais mais gerais, mas se enraza nas redesde relaes interpessoais. O exemplo dos chineses expatriadosno sudeste da sia mostra ento que a estrutura social particu-lar desta comunidade que explica a existncia da confiana e oseu dinamismo econmico. Assim, num mesmo pas, ou numamesma regio, diversos grupos sociais tero resultados econmi-cos diferenciados dependendo de sua estrutura social, e a formaassumida pelas empresas depender tambm desta mesma es-trutura social, ou seja, da configurao das redes sociais (1994a).

    Subindo de nvel de anlise, do micro para o meso,Granovetter mostra que as atividades econmicas se enrazam nosomente em redes pessoais, mas que estas redes pessoais formamtambm redes de empresas. De fato, ele lembra que a existncia degrupos econmicos (business groups) uma constante em todas aseconomias capitalistas, sendo os mais conhecidos os zaibatsu noJapo e os chaebol na Coria. O mercado, portanto, no se constituide firmas isoladas, como nos modelos de concorrncia perfeita daCincia Econmica, mas de aglomerados de firmas formando uma[...] estrutura social mais ou menos coerente (1994b, p. 454).Novamente, ele recusa as explicaes funcionalistas, que ligam aexistncia dos grupos econmicos com o crescimento econmiconacional, na medida em que os grupos podem ser encontrados emsistemas econmicos tanto eficientes quanto ineficientes.

    Definindo o grupo econmico como [...] uma coleo defirmas interligadas de maneira formal e/ou informal, Granovetterinsiste sobre o nvel intermedirio do conceito. Ou seja, no setrata nem de empresas ligadas [...] somente por alianas estrat-gicas de curto prazo nem de empresas legalmente consolida-das numa s (ibid., p. 454). Neste sentido, conglomerados,

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    holdings e trustes representam apenas casos marginais, na medi-da em que [...] muitos grupos econmicos so coalizes de fir-mas estveis, mas frouxas, sem estatuto legal, e onde nenhumafirma ou pessoa detm o controle das outras firmas (ibid., p.455). O ponto importante, e que distingue os grupos econmi-cos de simples aglomerados financeiros, como os conglomera-dos, a existncia de solidariedade social e de estrutura socialentre as firmas componentes (ibid., p. 463), solidariedade quese enraza essencialmente em laos familiares ou tnicos.

    O segundo exemplo consiste numa pesquisa realizada so-bre as condies de emergncia da indstria eltrica nos EstadosUnidos, sendo a questo norteadora: esta configurao industrialemergiu porque era a mais eficiente? Com base numa ampla pes-quisa histrica, a resposta consistiu em mostrar que houve, nofinal do sculo XIX, uma luta entre duas solues, ambas tecnica-mente viveis e defendidas por duas personalidades. De um lado,Thomas Edison, inventor da lmpada eltrica incandescente(1878), que defendia a opo centralizada das grandes centraiseltricas; do outro, o banqueiro J. P. Morgan, militando em favorde uma produo descentralizada, realizada por geradores indi-viduais instalados nos prdios residenciais e nas empresas. Edisonvenceu esta batalha, no porque sua soluo era a melhor noplano tecnolgico, mas porque ele soube construir uma coalizovitoriosa de atores-chave (Granovetter, 1994a, p. 90). Em parti-cular, o cidado ingls Samuel Insull, secretrio particular de Edisone que assumiu a presidncia da uma pequena companhia recm-criada, a Chicago Edison, dispunha de uma extraordinria redepessoal constituda de banqueiros de Chicago, Nova York e Lon-dres, polticos e cientistas, o que [...] lhe permitiu reunir capital,relaes polticas e know-how industrial (ibid.). Como elemen-tos concretos comprovando a existncia desta rede so citados:laos de amizade, conexes familiares, viagens em comum e co-autoria de relatrios (Granovetter e McGuire, 1998, p. 165). Fi-nalmente, a forma assumida por toda a indstria eltrica nos Es-tados Unidos decorre da organizao da Chicago Edison umarede ligando empresas, holdings e fiscais - elaborada com basenesta estrutura de relaes pessoais.

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    Neste sentido, Granovetter, numa tica tipicamenteweberiana, reconhece que o mercado no o resultado de ummecanismo natural nem harmonioso. Pelo contrrio, trata-se deuma construo social conflituosa, resultado de lutas. Em parti-cular, os esforos de Edison, Insull e sua rede para estruturar omercado em seu favor, mobilizando contatos pessoais de diver-sas esferas sociais, financeiras, polticas e cientficas, tentam pres-sionar o Estado no sentido de legislar em seu favor (Granovettere McGuire, 1998). Esta reflexo nos leva a indagar a respeito dolugar ocupado pelo Estado no modelo terico de Granovetter.

    O papel do Estado

    Na verdade, Granovetter no atribui um papel particular-mente importante ao Estado na atividade econmica, ou, pelomenos, ele no desenvolve reflexes tericas particulares paraeste ator social. Alis, a ausncia de contexto poltico e jurdicona anlise de rede uma das crticas mais freqentes encontra-das na literatura contempornea. De uma certa maneira, parecepossvel estabelecer um paralelo entre a concepo liberal doEstado e a concepo estrutural. Granovetter lembra que, de acor-do com aquela concepo, [...] estruturas polticas repressivastornam-se desnecessrias devido aos mercados concorrenciais queimpossibilitam a fora e a fraude (1985, p. 484). Na terminolo-gia de Granovetter, esta frase poderia ser retomada, substituindomercados concorrenciais por redes. De fato, como vimos, soessencialmente as relaes pessoais, diretas ou indiretas, quepermitem assegurar a confiana e evitar o oportunismo no mer-cado, sem que haja necessidade de uma coero poltica externa.Ele cita assim uma pesquisa sobre a importncia das redes so-ciais no mundo dos negcios, comentando que [...] a resoluode conflitos facilitada por esta imbricao dos negcios em re-laes sociais, o que permite evitar recorrer Justia, comporta-mento considerado indecente (1985, p. 497).

    No entanto, seu programa de Sociologia Industrial, que pre-tende dar conta da estrutura social de uma indstria, inclui,entre outras, uma anlise das [...] relaes entre a indstria e o

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    governo em todos os nveis (Granovetter e McGuire, 1998,p.148-149). De fato, a anlise da indstria eltrica nos EstadosUnidos revela que um momento importante da estratgia deafirmao da soluo de Edison foi a presso exercida sobre oEstado para obter uma regulao pblica do setor. Graas aoscontatos pessoais de Insull, que exerciam o lobby sobre as ins-tncias federais e estaduais, o Estado passou a proteger os gran-des investidores centralizados e a pressionar os sistemas des-centralizados, atravs, por exemplo, de regras burocrticas quepesavam sobre sua rentabilidade, a se conformar progressiva-mente com um determinado modelo tcnico, organizacional,econmico e legal (Granovetter e McGuire, 1998).

    Igualmente, na sua anlise dos grupos econmicos,Granovetter mostra que o papel do Estado fundamental. As re-gras administrativas e jurdicas influenciam obviamente a estru-tura dos grupos econmicos, no que diz respeito propriedade,s formas de autoridade e s relaes com as instituies finan-ceiras. Freqentemente, atores-chave do Estado fazem parte degrupos econmicos, ou mantm relaes pessoais estreitas commembros de grupos, o que tende necessariamente a orientar osrumos da poltica econmica. Destas ligaes depende muitasvezes o xito ou a prpria sobrevivncia dos grupos. O Estadoaparece, portanto, como um ator fundamental na regulao daeconomia, cujo papel consiste essencialmente em fazer respeitaras regras do jogo, estabelecidas por e para os mais fortes. Masvimos que ele no entra no modelo terico de Granovetter, sendoapenas mobilizado no quadro de alguns estudos de caso.

    3 Anlise crtica

    A abordagem estrutural, em particular a de Granovetter,levantou numerosas crticas. No entanto, poucos fizeram o esfor-o de apontar para os aspectos positivos, apesar de muitos teremusado o termo embeddedness de maneira indiscriminada. De acor-do com Steiner (1998), a tese da imbricao estrutural tem osmritos de: 1) sublinhar a importncia das mediaes sociais nosfenmenos econmicos o que uma caracterstica fundamental

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    da Sociologia Econmica; 2) permitir ligar o ator e a estruturasocial, ou seja, relacionar o nvel micro e o nvel macro18; e 3)possibilitar uma utilizao proveitosa dos dados estatsticos. Numoutro texto, Steiner (2002) acrescenta que Granovetter operaciona-liza a hiptese de racionalidade de maneira mais complexa queos economistas, ao levar em conta tanto as presses institucionaisou relacionais que pesam sobre os indivduos quanto a diversida-de dos seus objetivos (econmicos, mas tambm sociais). Essesmritos so suficientes para que Steiner (ibid.) possa afirmarque a anlise de rede o que h de mais interessante na Socio-logia Econmica contempornea. De fato, Granovetter teve ogrande mrito de desmistificar o mercado annimo dos neocls-sicos, alm de desenvolver uma ferramenta genuinamente socio-lgica de anlise dos fenmenos econmicos: a rede como me-diao social. Neste ponto, no se trata mais somente deuma descrio diferente da realidade econmica, mas de umaabordagem terica levando em conta as formas das relaessociais como elementos indispensveis para explicar o que estocorrendo no mercado (Steiner, 1999, p. 37).

    No entanto, apesar de introduzir dimenses esquecidas pelateoria econmica, e devido nfase na ao racional dos atoresda rede, [...] as relaes parecem instrumentalizadas (Steiner,1999, p. 88). Mais tarde, Steiner vai nuanar esta crtica, mencio-nando apenas que a lgica de ao dos indivduos ambgua(2002). De fato, Granovetter (1990) explica a influncia positivada imbricao estrutural recorrendo a uma lgica utilitarista: eleafirma assim que algum que traiu um amigo pode se arrepen-der, mesmo se a traio no for descoberta, mas que o sentimen-to se torna mais forte se o amigo descobrir, e ainda mais insupor-tvel medida que cresce o nmero de amigos que ficam saben-do da traio. Igualmente, como explicar que um executivo aviseum ex-colega da universidade da disponibilidade de um empre-go na sua empresa? Pode se tratar de um comportamento altrus-ta, mas pode tambm ser visto como servindo aos interesses do

    18 Era a ambio claramente afirmada por Granovetter j em 1973.

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    indivduo: seja ao resolver um problema interno e ser bem-vistopela hierarquia, seja ao contratar uma pessoa que ele conhece ecom quem ele prefere trabalhar, se comparado com um desco-nhecido. Neste ponto de vista, a abordagem estrutural no rom-peria fundamentalmente com o pressuposto do ator interessadoda Cincia Econmica, o que constituiria nossa primeira crtica.

    Segundo, parece preciso aprofundar a reflexo a respeitodos mecanismos pelos quais a estrutura da rede permite a emer-gncia e a manuteno da confiana. De fato, preocupado emafastar-se de uma abordagem funcionalista, o enfoque estrutu-ral insiste sobre o carter no-linear da relao rede/desempe-nho, ou seja, [...] o conceito de imbricao inseparvel de seucontrrio, a desimbricao (Steiner, 2002, p. 34). Granovetterilustra a importncia deste contraste ao analisar as capacidadesde diversos grupos tnicos em criar empresas: quando aimbricao fraca demais, a ausncia de confiana inibe o cres-cimento econmico; quando a imbricao forte demais, osobjetivos econmicos da empresa podem entrar em contradi-o com as reivindicaes de amigos e parentes; somente osgrupos sociais cuja estrutura articula imbricao e desimbricaoconseguem superar estas duas dificuldades19. Granovetter re-conhece os limites de sua anlise e define as grandes linhas deum programa de pesquisa: [...] estes mecanismos de encaixe edesencaixe, que definem as fronteiras da confiana e da afiliaosocial, deveriam tornar-se os objetos essenciais de uma teoriadas instituies econmicas (1994a, p. 88).

    Terceiro, como j comentamos, apesar de enfatizar as es-truturas sociais nas quais a ao econmica est inserida, a anli-se de rede permanece fortemente influenciada pelo individualis-mo metodolgico, na medida em que os fenmenos sociais soexplicados a partir da agregao das aes individuais (Lvesque

    19 Igualmente, Uzzi (1996) insiste sobre o carter no-linear da relao rede/desempenho para as pequenas empresas do vesturio: j comentamos a respei-to do impacto positivo das relaes pessoais sobre a eficincia econmica dasempresas, mas, quando a insero se torna forte demais, a relao se inverte, eos impactos passam a ser negativos.

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    et alii, 2001). Quarto, a respeito da anlise das aes dos indiv-duos, Wacquant aponta para a ausncia de uma apreenso dasrelaes de fora invisveis, no quadro de um empirismo ing-nuo: [...] a estrutura das relaes sociais se reduz s nicas inte-raes empiricamente observveis (1992, apud Lvesque et alii,2001, p. 136). Quinto, com relao aos conceitos utilizados, Steiner(2002) critica a noo de imbricao20, que supe a possibilida-de de definir uma esfera econmica isolada ponto de partida daCincia Econmica que autores como Weber ou Durkheim j con-sideravam problemtico , e Barber (1995) critica o conceito deestrutura social que parece designar unicamente as redes de rela-es interpessoais. Acrescentamos a fraqueza da definio de umconceito fundamental, o de rede, que significa rpida e vagamen-te [...] um conjunto regular de contatos ou conexes sociais si-milares entre indivduos ou grupos (Swedberg e Granovetter,1992, p. 9). Finalmente, seguindo o mesmo raciocnio, so apon-tadas a falta de dimenso cultural (DiMaggio, 1994; Zelizer, 1988)e a falta de dimenso jurdico-poltica (Fligstein, 1996)21.

    Podemos acrescentar ainda a esta lista j longa que Grano-vetter, ao tentar enriquecer a hiptese de racionalidade, no faznada mais que substituir o homo oeconomicus por um homo socio-logicus atemporal, que buscaria, por natureza, honra e poder.Mesmo que esta posio no deixe de ser coerente com a orienta-o weberiana de sua Sociologia Econmica, Granovetter pecaento por esquecer as outras formas de ao, alm da ao racio-nal em finalidade, no quadro da tipologia weberiana. Em particu-lar, Granovetter faz pouca referncia ao tradicional, o que odistingue dos outros autores da Sociologia Econmica Clssicaou da Contempornea. Em segundo lugar, Granovetter parece cairnuma abordagem sobre-socializada, que ele criticava, quandoanalisa o comportamento dos indivduos no seio da rede. Eleexplica assim a ausncia ou pelo menos a pouca freqncia

    20 Smelser e Swedberg (1994, p. 18) se contentam em notar que [...] o conceito deembeddedness ainda precisa de uma maior especificao terica.

    21 Na sua Introduo para o leitor francs, Granovetter (2000) dialoga comvrias destas crticas.

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    de comportamentos oportunistas nas redes pelo medo da opi-nio negativa dos outros ou pela influncia das estruturasnormativas, simblicas e culturais, apontando para a [...]internalizao das normas em casos de forte coeso (2000, p.210)22. Esta leitura dos mecanismos que asseguram a confianadesemboca numa terceira crtica, que se refere ambigidade daposio de Granovetter a respeito do Estado. De fato, o Estado visto, por um lado, como um ator descartvel, desnecessrio di-ante da auto-regulao do comportamento dos atores da rede,mas, por outro lado, como um ator fundamental no quadro daluta para organizar o mercado, como vimos no caso da indstriaeltrica. Finalmente, retomando uma crtica direcionada porChantelat (2002) a uma grande parte da Nova Sociologia Econ-mica, Granovetter parece desenvolver uma viso intimista dolao social, ao afirmar que a confiana, indispensvel para a vidaeconmica, s pode decorrer de relaes pessoais, diretas ou in-diretas, e pela maneira como define o social: [...] as relaeseconmicas contnuas adquirem freqentemente uma dimensosocial (1985, p. 490)23. Ora, um dos mritos de autores comoWeber e Durkheim foi justamente de escapar desta armadilha, aoexplicitar que a relao mercantil uma relao social, sem ne-cessariamente passar pelas relaes pessoais. Esta dimenso so-cial das relaes econmicas decorre do fato de que, no quadroda troca mercantil, os atores econmicos no levam em contasomente seus interesses prprios, mas tambm o contexto institu-cional, em particular as regras jurdicas, morais e tradicionais(Raud-Mattedi, 2005). Assim, afirmar que a confiana no mercadodecorre das relaes pessoais esquecer o papel das normas jur-dicas e morais, e esquecer que, se muitas relaes econmicaspassam por relaes pessoais, tambm muitas no passam porelas, e que isto no implica obrigatoriamente mais oportunismo.

    22 Este captulo da coletnea francesa corresponde ao texto de 1990.23 Apesar de mencionar, como vimos, a existncia da insero estrutural, Granovetter

    explora essencialmente os desdobramentos da insero relacional ao pesquisarempiricamente o funcionamento do mercado de trabalho (1974), dos gruposeconmicos (1994b) ou da indstria eltrica (Granovetter e McGuire, 1998).

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    Quanto sua anlise das instituies, trata-se de uma vi-so tradicional, maneira dos economistas, que as consideramcomo organizaes concretas, mais do que como, seguindo Veblene Durkheim, hbitos de pensamento ou maneiras de fazer epensar. Granovetter deixa ento escapar a oportunidade de se-guir o caminho iniciado por estes precursores, quando comea-ram a desenvolver [...] uma concepo original da instituio,fazendo desta um elemento organizador do comportamento eco-nmico dos agentes (Gislain e Steiner, 1995, p. 78). Por outrolado, esta ausncia de nfase nas motivaes e nas mentalidadesdos atores econmicos no deveria surpreender numa Sociologiarelacional como a de Granovetter:

    A anlise das redes sociais fundamentalmente sociolgica, e nopsicolgica; o elemento central aqui as relaes, bem mais doque o indivduo; e no se pode apreender a importncia da estru-tura geral das redes sociais, se se analisa unicamente as motiva-es individuais. Inscrevemo-nos, portanto, sem hesitao na tra-dio sociolgica de Max Weber e de mile Durkheim, que consi-dera que a vida social possui uma realidade sui generis fora dombito da psicologia (2000, p. 34).

    Gostaramos de ressaltar que a ltima frase nos parece pro-blemtica, se comparada com o que precede, pois Weber no lembrado por ter descartado as motivaes individuais.

    Apesar de tudo, esta viso da instituio como rede crista-lizada interessante, na medida em que vista como construosocial, e vem reforar outros trabalhos que analisam as institui-es ou a tecnologia em termos de resultado de negociaes so-ciais refletindo o equilbrio de poder existente na sociedade, eno como soluo mais adequada. De fato, uma certa tradio naCincia Poltica deixa claro que as regras do jogo que regem omercado refletem os interesses dos grupos dominantes e no so,portanto, obrigatoriamente as solues mais eficientes.

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    Consideraes finais

    Granovetter conclui seu artigo de 1985 reivindicando aherana weberiana ao considerar que a anlise estrutural d con-tinuidade e consistncia ao programa de pesquisa weberiano.Esperamos ter trazido aqui a prova de que certos resultados dasociologia estrutural moderna so no somente compatveis como programa weberiano, mas tambm que lhe do mais fora(p. 507-508). De fato, por um lado, Granovetter se coloca naesteira da Sociologia Econmica weberiana, em particular pelapostura que ele adota com relao Cincia Econmica, ao re-tomar a definio weberiana de ao econmica e ao mostrarque se trata de uma ao social, ou ao lembrar a dimensoconflituosa do mercado. No entanto, Granovetter peca por seconcentrar essencialmente na ao racional em finalidade, es-quecendo das outras formas de ao social da tipologiaweberiana. Em particular, a influncia dos valores culturais quase ausente de sua anlise. Alm disto, ele no desenvolveuma reflexo consistente a respeito das interaes existentesentre a atividade econmica e o contexto jurdico e poltico-institucional, uma das preocupaes centrais de Max Weber.

    Apesar disto, a abordagem estrutural de Granovetter tem v-rios mritos. Em primeiro lugar, o de ter dado impulso Nova Soci-ologia Econmica e de continuar alimentando uma de suas princi-pais correntes analticas. Em seguida, como mostra Steiner, trata-se,apesar de suas limitaes j apontadas, de uma anlise genuina-mente sociolgica dos fenmenos econmicos, que mostra at queponto as relaes sociais influenciam a ao, os resultados e as insti-tuies econmicas. Finalmente, esta abordagem vem desenvolven-do uma srie de conceitos fundamentais para o estudo dos fenme-nos econmicos, como rede, imbricao ou grupo econmico.

    Gostaramos de finalizar apontando para trs direes nasquais seria necessrio aprofundar a reflexo. Para comear, preci-so levantar a ambigidade a respeito do comportamento dos ato-res da rede, ao afinar a anlise dos fins que motivam suas aes.Em seguida, de acordo com a prpria recomendao de Granovetter,falta investigar melhor os mecanismos de encaixe e desencaixe que

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    asseguram ao mesmo tempo a confiana e a eficincia das redes.Por fim, seria proveitoso aprofundar a anlise das relaes entre oEstado e a economia, ponto onde a abordagem estrutural poderiase beneficiar dos resultados alcanados pelas reflexes de NeilFligstein (1996) e Pierre Bourdieu (1997), por exemplo.

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