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ANÁLISE PRAGMÁTICA DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS Gustavo Menegusso Professor Elias José Mengarda Centro de Educação Superior Norte – RS/ UFSM Curso Comunicação Social – Jornalismo – Redação III 24/01/08 RESUMO Este artigo apresenta um conjunto de textos orais e escritos (notícias, crônicas, histórias em quadrinhos, anúncios publicitários, entre outros.) analisados à luz da Pragmática. Essa análise parte, inicialmente, de um referencial teórico abordando diversos conceitos -pragmáticos estudados por pesquisadores e filósofos conhecidos no mundo da Lingüística, como John Austin, Mikhail Bakhtin, Paul Grice e Oswald Ducrot. Através das obras desses autores propõe-se observar a importância da Pragmática dentro do processo comunicacional e como o ser humano pode realizar ações por meio dos atos de fala, descobrir o que a comunicação esconde pelas “entrelinhas”, ou seja, o que está implícito no discurso, quais são as marcas da caracterização da linguagem argumentativa, dos planos de enunciação e da presença de polifonia e os efeitos produzidos por tais marcadores de pressuposição. Palavras-Chave: Comunicação; Linguagem; Pragmática. ABSTRACT This article presents a group of oral and written texts (news, chronicles, histories in pictures, advertising announcements, among other.) analyzed on the vision of the Pragmatic. That analysis leaves, initially, of a theoretical referencial approaching several linguistic-pragmatic concepts studied by researchers and well-known philosophers in the world of the Linguistics, like John Austin, Mikhail Bakhtin, Paul Grice and Oswald Ducrot. Through the those authors' works they intend to observe the importance of the Pragmatic inside of the process comunicacional and as the human being it can accomplish actions by means of the speech acts, to discover what the communication hides for the " interlineations ", that is to say, what is implicit in the speech, which you/they are the marks of the characterization of the argumentative language, of the enunciation plans and of the polyphony presence and the effects produced by such presupposition markers. Keywords: Communication; Language; Pragmatic. 1 INTRODUÇÃO Historicamente, a linguagem humana vem sendo estudada por pesquisadores de diversos países do mundo, como Ferdinand Saussure e Noam Chomsky que foram alguns dos primeiros a desenvolverem teorias relacionadas à lingüística moderna. Saussure descreveu os princípios básicos do sistema lingüístico (fonologia, morfologia, sintaxe e a semântica), enquanto Chomsky fez um estudo a respeito do significado dos signos. No

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ANÁLISE PRAGMÁTICA DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS

Gustavo Menegusso Professor Elias José Mengarda

Centro de Educação Superior Norte – RS/ UFSM Curso Comunicação Social – Jornalismo – Redação III

24/01/08

RESUMO

Este artigo apresenta um conjunto de textos orais e escritos (notícias, crônicas, histórias em

quadrinhos, anúncios publicitários, entre outros.) analisados à luz da Pragmática. Essa análise

parte, inicialmente, de um referencial teórico abordando diversos conceitos -pragmáticos

estudados por pesquisadores e filósofos conhecidos no mundo da Lingüística, como John Austin,

Mikhail Bakhtin, Paul Grice e Oswald Ducrot. Através das obras desses autores propõe-se

observar a importância da Pragmática dentro do processo comunicacional e como o ser humano

pode realizar ações por meio dos atos de fala, descobrir o que a comunicação esconde pelas

“entrelinhas”, ou seja, o que está implícito no discurso, quais são as marcas da caracterização da

linguagem argumentativa, dos planos de enunciação e da presença de polifonia e os efeitos

produzidos por tais marcadores de pressuposição.

Palavras-Chave: Comunicação; Linguagem; Pragmática.

ABSTRACT

This article presents a group of oral and written texts (news, chronicles, histories in pictures,

advertising announcements, among other.) analyzed on the vision of the Pragmatic. That analysis

leaves, initially, of a theoretical referencial approaching several linguistic-pragmatic concepts

studied by researchers and well-known philosophers in the world of the Linguistics, like John

Austin, Mikhail Bakhtin, Paul Grice and Oswald Ducrot. Through the those authors' works they

intend to observe the importance of the Pragmatic inside of the process comunicacional and as the

human being it can accomplish actions by means of the speech acts, to discover what the

communication hides for the " interlineations ", that is to say, what is implicit in the speech, which

you/they are the marks of the characterization of the argumentative language, of the enunciation

plans and of the polyphony presence and the effects produced by such presupposition markers.

Keywords: Communication; Language; Pragmatic.

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, a linguagem humana vem sendo estudada por pesquisadores de diversos

países do mundo, como Ferdinand Saussure e Noam Chomsky que foram alguns dos primeiros a

desenvolverem teorias relacionadas à lingüística moderna.

Saussure descreveu os princípios básicos do sistema lingüístico (fonologia, morfologia,

sintaxe e a semântica), enquanto Chomsky fez um estudo a respeito do significado dos signos. No

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entanto, ambos procuraram descrever a língua quanto a sua estrutura e não ao seu contexto de uso.

A partir daí, começaram a surgir, principalmente na Europa, vários estudos voltados à compreensão

da linguagem como uma forma de ação e interação social, segundo Koch (2006, p. 8), “capaz de

possibilitar aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir

reações semelhantes, levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente

inexistentes”.

John Austin e Paul Grice foram os precursores dos primeiros trabalhos relacionados à

ciência da Pragmática. Austin proporcionou uma nova concepção à lingüística, mostrando por meio

da sua teoria, a visão performativa da linguagem, ou seja, a capacidade do homem em realizar ações

por meio dos atos de fala. Já Grice revelou que a comunicação natural pode informar conteúdos

implícitos, capazes de provocar a violação de uma das suas máximas conversacionais que regem o

principio da cooperação.

Assim nasce a Pragmática, a ciência que estuda o significado das palavras e dos enunciados

dentro de um determinado contexto, extrapolando o sentido literal e demonstrando o que se

encontra implícito na comunicação.

2 AS TEORIAS DA LINGUAGEM

Muitos estudiosos empenharam-se em desenvolver teorias importantes para explicar o

processo de ação/interação humana por meio da linguagem. Entre eles destacam-se Mikhail Bakhtin

(Teoria da enunciação), John Austin (Teoria dos atos de fala), Vigotsky (Teoria da atividade verbal)

e Paul Grice (Princípio da cooperação e as máximas conversacionais).

2.1 Teoria da Enunciação

A Teoria da Enunciação, formulada por Bakhtin, explica os significados dos enunciados

produzidos pelas falas dos indivíduos de uma determinada língua, levando em consideração não só

o sentido desses enunciados como também suas condições de produção, entre elas, as destacadas

por Koch (2006, p. 12), “as relações sociais, os papéis representados pelos interlocutores, o tempo,

o lugar e os objetivos visados na interlocução”. Por exemplo:

O enunciado “Você está bem”, em diversas situações da enunciação, pode apresentar

sentidos diferentes, como uma pergunta (Você está bem?) uma afirmação, uma demonstração de

surpresa, para alguém que não via essa pessoa há algum tempo e pela última vez que a viu ela

estava doente, (Você está bem!), pode tratar-se de um convite para uma festa ou ser uma simples

constatação.

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A enunciação mostra os diversos sentidos de como o que se diz é dito, o significado que

cada enunciado pode expressar dentro de um determinado contexto ou situação.

Segundo o lingüista Benveniste (apud KOCH, 2006), quanto ao sistema verbal, a enunciação

apresenta dois diferentes planos: o discurso e a história. Na história, os fatos são narrados sem o

envolvimento do locutor e há a presença de pronomes de não-pessoa (ele/ ela) e de verbos no modo

indicativo, nos tempos pretérito perfeito simples, imperfeito, mais-que-perfeito e futuro do pretérito.

Já no discurso, há a presença de um locutor (eu) e um ouvinte (tu), sendo que o primeiro tem a

função de influenciar o outro de alguma maneira. Os tempos que caracterizam esse plano são o

presente, o pretérito perfeito composto e o futuro do presente. Um exemplo de enunciação, na forma

discurso, são as crônicas jornalísticas, onde o escritor/ locutor escreve o seu texto crítico-opinativo a

respeito de determinados temas, para um público leitor, nesse caso, os interlocutores, que podem ou

não deixar influenciar pela opinião do cronista.

2.2 Teoria dos Atos de Fala

A Teoria dos Atos de Fala, que teve como precursor o filósofo John Austin, descreve sobre

os tipos de ações humanas que se concretizam por meio da linguagem, ou seja, os atos de fala,

também conhecidos como atos do discurso.

Segundo Austin, os atos de fala podem ser classificados em três tipos:

a) Ato locucionário: é o ato do dizer, o proferimento da sentença.

b) Ato ilocucionário: é o ato que se realiza no enunciado, é a ameaça ou promessa deixada

pelo locutor.

c) Ato perlocucionário: é o efeito produzido sobre o interlocutor que implica na realização

de uma ação.

Veja no exemplo abaixo, como podem ser empregados os três atos:

A mãe disse para o filho:

- Vou cancelar a Internet!

Nesse exemplo, a sentença “Vou cancelar a Internet” é o ato locucionário. A ameaça que a

mãe coloca para ao menino, caso ele não vá fazer a lição de casa, ou outra tarefa pedida, é o ato

ilocucionário. Já, se o menino sair em frente do computador e deixar de pesquisar na Internet, ele

vai realizar uma ação, que é o efeito produzido pela ameaça da mãe. Essa ação realizada, conhecida

também como força ilocucionária, é o ato perlocucionário.

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Além dessa distinção, Austin classifica os atos de fala em diretos e indiretos. Os diretos são

realizados através de determinadas formas lingüísticas como o uso de verbos no imperativo,

entonações típicas para perguntas e empregos de algumas expressões (por favor, por gentileza) para

a realização de pedidos e solicitações. Por exemplo:

Que mês estamos?

Por favor, garçom traga-me um pastel.

Os atos de fala indiretos são aqueles realizados a partir do conhecimento de mundo do

interlocutor, que pode perceber ou não qual é a ação implícita no enunciado. Por exemplo:

Os alunos chegam até a sala de aula e se incomodam com o calor insuportável do ambiente.

Um deles reclama em voz alta:

- Que sala abafada!

Rapidamente, o professor se encaminha para abrir a porta e/ou as janelas ou ainda ligar os

ventiladores para tentar amenizar a situação.

Nesse enunciado, o professor entendeu a mensagem que estava implícita na fala do aluno, e

realizou a ação.

2.3 Teoria da Atividade Verbal

A Teoria da Atividade Verbal, baseada nas idéias de Vigotsky, explica a linguagem como

uma atividade social realizada para determinados fins. Nesse sentido, como coloca Koch (2006,

p.23) “toda atividade lingüística seria composta por: um enunciado, produzido com dada intenção,

sob certas condições necessárias para o atingimento do objetivo visado e as conseqüências

decorrentes da realização do objetivo”.

Assim o locutor seria o responsável por levar ao interlocutor a compreensão do objetivo ou

da informação e para isso Koch acrescenta que:

o locutor deve realizar atividades lingüístico-cognitivas tanto para garantir a compreensão (tais como repetir, parafrasear, completar, corrigir, resumir, exemplificar, enfatizar, etc.), como para estimular facilitar ou causar a aceitação (fundamentar, justificar, “preparar o terreno”, etc.) (KOCH, 2006, p. 24).

A partir da realização dessas atividades lingüístico-cognitivas o locutor, tornar-se-ia então,

capaz o suficiente para garantir que a informação fosse entendida pelo leitor.

No entanto, o que contraria essa teoria soviética, é a idéia, também defendida por Koch, de

que o interlocutor, juntamente com o seu conhecimento de mundo, é capaz de interpretar os

elementos presentes no texto, relacionando-os ao contexto onde estão inseridos, e assim, ele

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mesmo, construir o sentido produzido pelo enunciado. Nessa perspectiva vejamos o que Cervoni

declara:

o mais notável parece-me ser aqui que o universo, isto é, o contexto de todos os esquemas da comunicação, concebido como entidade referencial global, deve ser considerado como um participante ativo do acontecimento de interlocução, e não apenas como uma circunstância inerte. (...) No ato de comunicação o contexto fala, para dar a sua opinião sobre a verdade das proposições. (CERVONI, 1989 apud RANGEL, 2004).

Portanto, as palavras de Cervoni justificam a importância do contexto para o processo de

interpretação do sentido dos enunciados, por parte do receptor.

Entre as atividades realizadas pela teoria da atividade verbal, está a produção de inferências.

Segundo Koch (2006, p. 25) “nenhum texto apresenta de forma explícita toda a informação

necessária à sua compreensão: há sempre elementos implícitos que necessitam ser recuperados pelo

ouvinte/leitor por ocasião da atividade de produção do sentido”. Assim, as inferências

desempenham um importante papel na interlocução, permitindo ao leitor estabelecer relações com o

que se encontra implícito no texto e a partir do seu conhecimento de mundo e do conhecimento

partilhado, obter a informação necessária para a compreensão total da mensagem. Veja a seguir um

exemplo:

(A) Você foi à festa ontem à noite?

(B) Eu tive a intenção.

Nesse exemplo o interlocutor poderá inferir/deduzir que (B) não foi à festa.

2.4 Princípio da Cooperação

Segundo o filósofo americano Grice (apud KOCH, 2006), a comunicação humana

compreende um processo cooperativo entre o falante e o ouvinte, onde um possa entender o que o

outro quis dizer. A esse processo, o autor chamou de Princípio da Cooperação.

Esse princípio é formado por quatro máximas:

a) Máxima da qualidade: a sua contribuição deve ser verdadeira; “não diga o que você pensa

que seja falso”.

b) Máxima da quantidade: a sua contribuição deve conter somente o necessário; “não diga

nem mais nem menos do que o exigido”.

c) Máxima da relevância: a sua contribuição deve ser relevante; “não diga o que não for

importante”.

d) Máxima de modo: a sua contribuição deve ser clara o suficiente para ser entendida; “fale

de maneira ordenada e sem obscuridades”.

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No entanto, pode ocorrer que o locutor ultrapasse os limites definidos pelo princípio da

cooperação e infrinja, intencionalmente ou necessariamente, uma das máximas, cabendo, então, ao

interlocutor “fazer uma série de cálculos mentais a fim de buscar uma interpretação para tal

enunciado” (DASCAL, 1982 apud, OLIVEIRA, 2006), e descobrir, assim, qual foi o motivo da

violação. A essas infrações, cometidas no ato do discurso, Grice denominou de implicaturas, ou

seja, atribuições ou insinuações feitas pelo falante ou inferidas pelo ouvinte e que não se encontram

expressas no enunciado.

De acordo com Grice, existem dois tipos de implicaturas: as conversacionais e as

convencionais. As implicaturas conversacionais são aquelas desencadeadas por princípios ligadas a

comunicação e ao contexto em que elas se encontram como afirma Franco:

As implicaturas conversacionais encontram-se fora do significado e dependem do contexto tomado em sentido amplo. A dependência do contexto é tão representativa que a seqüência do texto pode anular a implicatura. Este tipo de implicatura subsiste na substituição de expressão sinônima, devido à sua característica não separável. A implicatura convencional não tem relação com valor de verdade, nem com formas lingüísticas. Sua razão de ser é encontrada a partir do dito, no momento da situação de fala comum a falante e ouvinte. O falante implica e o ouvinte infere (FRANCO, 2006).

Já as implicaturas convencionais são provocadas por algumas expressões lingüísticas ligadas

ao sentido literal das palavras:

As implicaturas convencionais ou lexicais estão atreladas às formas lingüísticas do enunciado, ou seja, ao léxico, ao significado convencional das palavras. A insinuação do falante encontra suporte na convenção. Como propriedades inerentes, a implicatura convencional é não anulável pela seqüência textual, possui independência do contexto (exceto quando se fizer necessária escolha entre implicaturas lexicais possíveis dentro do contexto) e não subsiste na substituição de expressões sinônimas (FRANCO, 2006).

Agora, alguns exemplos para analisar como podem ocorrer essas duas implicaturas:

(1) Tony é um menino trabalhador, contudo é pobre.

(2) Ela enriqueceu durante o seu mandato de senadora.

Em (1) é dito que Tony é um menino trabalhador e que é pobre. No entanto não está dito que

por ele ser trabalhador, não devesse ser pobre. Essa informação está implicada através do

significado literal das palavras e da expressão lingüística, nesse caso uma conjunção, “contudo”,

que indica uma implicatura convencional.

No enunciado (2) tem-se a implicatura de que a senadora é desonesta. Essa atribuição não é

feita por nenhuma expressão lingüística, mas pelo contexto, já que no Brasil a maioria dos políticos

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possui a fama de serem corruptos e de “roubarem o dinheiro do povo”. Há, portanto uma

implicatura conversacional.

3 MARCADORES DA LINGUAGEM

A linguagem apresenta certos marcadores que podem indicar a força argumentativa dos

enunciados (operadores argumentativos), introduzirem conteúdos pressupostos (marcadores de

pressuposição) e mostrar a interação entre várias vozes em um único texto (índices de polifonia).

Isso é o que veremos a seguir:

3.1 Os operadores argumentativos da linguagem

Conforme o lingüista Ducrot (apud KOCH, 2006), a gramática apresenta certos elementos

que indicam/mostram a força argumentativa dos enunciados e a direção para qual eles apontam. São

eles:

a) Operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala orientada no sentido de

determinada conclusão: até, até mesmo, inclusive.

Exemplo: A festa foi um sucesso: estiveram presentes artistas, fotógrafos, jornalistas,

políticos influentes e inclusive o Presidente da República.

b) Operadores que ligam argumentos a favor de uma mesma conclusão: e, também, ainda,

nem, não só, mas também, tanto...como, além de, além disso, a par de, etc.

Exemplo: Elias é o melhor candidato à coordenação do curso de Jornalismo, pois além de

ter boa formação na área, tem experiência no cargo e é também um excelente professor.

c) Operadores que introduzem uma conclusão relativa a argumentos apresentados em

enunciados anteriores: portanto, logo, por conseguinte, pois, em decorrência, consequentemente,

etc.

d) Operadores que introduzem argumentos alternativos que levam a conclusões diferentes ou

opostas: ou, ou então, quer...quer, seja...seja, etc.

e) Operadores que estabelecem relações de comparação, com vistas a uma dada conclusão:

mais que, menos que, tão...como, etc.

Exemplo: (A) Vamos convocar o André para ser nosso representante de turma.

(B) A Karen é tão competente quanto o André.

f) Operadores que introduzem uma justificativa ou explicação relativa ao enunciado anterior:

porque, que, já que, pois, etc.

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g) Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias: mas,

porém, contudo, todavia, no entanto, embora, ainda que, apesar de, etc.

h) Operadores que têm por função introduzir no enunciado conteúdos pressupostos: já,

ainda, agora, etc.

Exemplo: A professora Fernanda agora mora em Frederico Westphalen.

O conteúdo pressuposto é de que a professora Fernanda não morava em Frederico

anteriormente.

3.2 Marcadores de pressuposição

São elementos lingüísticos que introduzem os pressupostos, ou seja, as informações que se

encontram implícitas no enunciado. Segundo Ducrot, os principais marcadores de pressuposição

são:

a) os verbos que indicam mudança ou permanência de estado: ficar, começar a, passar a,

deixar de, continuar, tornar-se, permanecer, etc.

Exemplo: Felipe começou a estudar.

O conteúdo pressuposto é que “Felipe não estudava”.

b) os verbos factivos, ou seja, aqueles que são complementados pela enunciação de um

fato/pressuposto: lamentar, lastimar, sentir, saber, etc.

Exemplo: Lamentamos o Corinthians estar na série b.

O conteúdo pressuposto é que lamenta-se o fato do Corinthians estar na série b.

c) alguns conectores circunstanciais empregados no início da oração: desde que, antes que,

depois que, visto que, etc.

Exemplo: Desde que Daniel casou, não sai mais com os amigos.

O conteúdo pressuposto introduzido pelo marcador desde que, é que Daniel é casado.

3.3 Índices de polifonia

Segundo Koch (2006, p.63) “o termo polifonia designa o fenômeno pelo qual, num mesmo

texto, se fazem ouvir “vozes” que falam de perspectivas diferentes com as quais o locutor se

identifica”. É um processo de interação não somente entre locutor e interlocutor, mas sim entre

diversas pessoas que expressam suas opiniões em um único texto.

A presença de polifonia pode ser percebida, conforme Koch, devido a existência de

determinadas formas lingüísticas como:

a) alguns operadores argumentativos: ao contrário, pelo contrário, mas, embora, portanto;

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Exemplo: Ronaldinho não é pé frio. Pelo contrário, tem-se mostrado um bom jogador.

O operador pelo contrário dá a idéia de que alguém, não o locutor, esteja afirmando que

Ronaldinho é um pé frio.

b) marcadores de pressuposição;

Exemplo: O Rio de Janeiro continua lindo.

O pressuposto de que o Rio já era lindo é partilhado com outras pessoas, como o

interlocutor, por exemplo.

c) o uso de verbos no futuro do pretérito;

Exemplo: Romário estaria disposto a deixar os gramados.

(Não é o locutor quem está dizendo, ele ouviu alguém dizer).

d) o uso de aspas.

Exemplo: “Na televisão nada se cria, tido se copia”, disse o eterno apresentador Chacrinha.

O uso de aspas é uma maneira de o locutor manter-se distante do que está se dizendo,

colocando a responsabilidade da fala no próprio autor ou em outras pessoas.

4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS NA

PERSPECTIVA DA PRAGMÁTICA

4.1 Dimensão ilocutiva e perlocutiva da enunciação

A dimensão ilocutiva da enunciação é a que se realiza no enunciado, deixando marcas de

uma determinada força (de pergunta, advertência, promessa, ameaça, etc.) no interlocutor. Já a

dimensão perlocutiva é o efeito produzido, a conseqüência causada no interlocutor, por essa força

ilocucionária. Veja abaixo, pequenos diálogos que demonstram essas duas dimensões da

enunciação:

a) Exemplo 1:

O patrão diz ao empregado:

- Prometo que amanhã lhe pagarei o salário.

A dimensão ilocutiva está na promessa feita pelo patrão ao empregado. Já a dimensão

perlocutiva só vai existir se o patrão cumprir o prometido e pagar o salário.

b) Exemplo 2:

A professora chega à sala de aula e encontra um grupo de alunos conversando em voz alta.

Chamando-lhes a atenção algumas vezes e não surtindo efeito, irritada diz aos alunos:

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- A porta está aberta!

Nesse caso, a ameaça é que está implicando em uma ação, ou seja, a dimensão ilocutiva, e o

efeito do silêncio ou da saída dos alunos da sala de aula é a dimensão perlocutiva da enunciação.

c) Exemplo 3;

Um cantor, ao se apresentar em um programa de TV, diz ao apresentador:

- Como está quente aqui dentro?

Nesse enunciado, o cantor faz uma constatação a respeito da temperatura do estúdio do

programa e ao mesmo tempo solicita que alguém (o diretor, assistente de produção ou outra pessoa)

faça alguma coisa para diminuir o calor, como ligar o ar condicionado ou aumentar a sua

temperatura. A solicitação implícita na fala do cantor é a dimensão ilocutiva e a reação ou a atitude

tomada é a dimensão perlocutiva.

Exemplo 4;

Um passageiro entra em um ônibus e começa a fumar. Em instantes, o motorista para de

dirigir, vai até o banco onde está o passageiro e lhe diz:

- Você não viu aquela placa? (Placa: Proibido fumar!)

O motorista do ônibus faz uma advertência ao passageiro fumante. Essa é a dimensão

ilocutiva do enunciado que implica em uma ação ou reação: a de jogar o cigarro fora ou então

descer do ônibus para continuar fumando. O efeito produzido pela advertência é o que Austin

chama de dimensão perlocutiva.

Em todos os casos, se não existir a concretização da ação, a dimensão perlocutiva não se

realiza.

4.2 Máximas conversacionais

O Princípio da Cooperação de Grice é composto por quatro máximas conversacionais:

qualidade, quantidade, relevância e modo. Pela primeira máxima pressupõe que o interlocutor vai

dizer apenas o que for verdadeiro, pela segunda, somente a informação necessária, na terceira, o que

for relevante e pela quarta máxima espera-se que o interlocutor seja claro o suficiente para que o

processo comunicacional ocorra da melhor maneira possível.

Quando o leitor ou ouvinte não entender o que as palavras do falante querem dizer, ou seja,

quando não se compreender o que foi dito, as máximas de Grice podem ser violadas, surgindo assim

uma implicatura conversacional. A seguir, alguns exemplos de violação dessas máximas:

a) Exemplo 1;

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Figura 1 – Tira Na ótica. Fonte: Revista Nosso Amiguinho, Set. 2002.

Nessa tira, há a violação da máxima de quantidade, pois a resposta dada pelo personagem de

Zé Luís, revela a inutilidade da informação: era óbvio que os óculos iriam ser de vidro.

b) Exemplo 2:

Figura 2 – Tira O Casamento. Fonte: SARMENTO, L. Gramática em Textos, p. 554.

Nesse caso, os personagens dialogam por meio de metáforas, comparando o casamento a

uma rua de duas mãos, onde muitos rompimentos e conflitos podem acontecer. Como a informação

dada não é clara, há, portanto, uma violação da máxima de modo.

c) Exemplo 3:

Figura 3 – Tira O Menino maluquinho. Fonte: SARMENTO, L. Gramática em Textos, p.550.

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Esse é também um exemplo da violação da máxima de modo, pois o menino maluquinho,

personagem do chargista Ziraldo, insere no seu diálogo, a metáfora “ao pé da letra”, obscurecendo a

informação e possibilitando ao interlocutor entender algo que não é verdade, como a que se a letra

tivesse pé, interpretada pelo outro personagem da charge. Assim há também a violação da máxima

de qualidade.

d) Exemplo 4:

Figura 4 – Tira Hagar. Fonte: SARMENTO, L. Gramática em Textos, p. 541.

Nesse quarto exemplo, a presença da ironia não faz só o humor da charge como também

viola uma das máximas de Grice, a de qualidade, tornando-se não evidente. Além disso, a forma

que a personagem Helga critica o seu marido, quanto a sua ajuda nos serviços de casa, não é clara

para o ouvinte, o que ocasiona a violação de outra máxima, a de modo.

e) Exemplo 5:

(A) Você me ama?

(B) Eu gosto de estar ao seu lado.

Nesse diálogo entre um casal de namorados, há a violação da máxima de quantidade, pois a

resposta dada por (B) não foi tão informativa quanto a desejada, que poderia ser: sim eu te amo, ou,

eu te amo demais, por exemplo.

f) Exemplo 6:

(A) Qual foi o resultado do Grenal de domingo?

(B) O Grêmio ganhou de três a um e, agora, está com dois pontos atrás do líder do

campeonato, o São Paulo, e saldo de gols positivo.

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A resposta de (B) é mais informativa do que a esperada por (A), pois além do resultado do

jogo, (B) também informa o atual líder do campeonato e a posição do Grêmio na tabela.

Agora, veja como o principio da cooperação pode ocorrer sem que nenhuma máxima seja

violada:

g) Exemplo 7:

(A) Estou com gripe.

(B) Há uma farmácia ali na esquina.

Nesse exemplo, não ocorre a violação do princípio de Grice, pois (A) poderá deduzir o que

(B) quis dizer implicitamente, ou seja, em haver uma farmácia ali na esquina que esteja aberta e

contenha os remédios necessários para (A) adquirir e então solucionar o seu problema.

4.3 Dimensão implícita da linguagem

Muitas vezes, a comunicação não revela, de forma explícita, todo o conteúdo que se deseja

mostrar. Há sempre informações escondidas nas “entrelinhas”, ou seja, que se encontram implícitas

no discurso, cabendo, então, ao leitor descobrir e interpretar tais significados. Essas informações

demonstram a dimensão implícita da linguagem. A seguir veremos como a publicidade e as

manchetes jornalísticas se apropriam desse recurso.

4.3.1 A dimensão implícita da linguagem na publicidade

Na publicidade, o recurso do implícito é muito utilizado a fim de provocar reações no

interlocutor e despertar sua curiosidade em relação àquilo que está sendo anunciado. Veja alguns

exemplos de anúncios publicitários que demonstram a dimensão implícita da linguagem

(implicaturas):

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a) Exemplo 1;

Figura 5 – Anúncio Publicitário sobre o filme Central do Brasil. Fonte: SARMENTO, L. Gramática em Textos, p. 413.

Nesse anúncio, a dimensão implícita da linguagem é a de que a qualidade dos filmes

brasileiros está melhorando e atraindo públicos estrangeiros como os americanos, produtores de

grandes sucessos do cinema mundial.

b) Exemplo 2:

Figura 6 – Anúncio publicitário sobre a cidade de Miami. Fonte: SARMENTO, L. Gramática em Textos, p. 61.

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Já nessa propaganda, está implícita a mensagem de que morar em Miami não custa caro, o

preço é acessível a uma parte da população brasileira.

c) Exemplo 3:

Figura 7 – Anúncio publicitário sobre aerosol AXE. Fonte: <http://civilizando.blogspot.com/2007/06/.html>.

A implicatura presente no anúncio acima é que o aerosol AXE Compact possui um preço

acessível ao consumidor.

d) Exemplo 4:

Figura 8 – Anúncio publicitário sobre os outdoors da cidade de São Paulo. Fonte: <http://www.ocorvo.com.br/wp-content/uploads/2007/01/webmail-view.jpg>.

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Nesse anúncio está implícito a crítica feita à prefeitura de São Paulo que em 2007, fez uma

campanha para “limpar a cidade” contra os outdoors ao invés de se preocuparem em retirar das ruas

aquelas pessoas que não tenham onde morar.

e) Exemplo 5

;

Figura 9 – Anúncio publicitário sobre a Varig. Fonte: <http://www.revistamarketing.com.br/.../index.php?id=595>.

Encontra-se implícito, nessa propaganda, a mensagem de que com a nova Varig você será

mais bem atendido.

f) Exemplo 6:

Figura 10 – Anúncio publicitário sobre a Pepsi. Fonte: <http://www.stopper.blogger.com.br >.

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A implicatura desse anúncio publicitário é que você deve assistir os intervalos do Fantástico

para não perder o novo comercial da Pepsi, com as três estrelas norte-americanas.

4.3.2 A dimensão implícita da linguagem nas manchetes jornalísticas

Nas manchetes jornalísticas, o uso da linguagem implícita não serve apenas como título de

curiosidade, mas também é uma forma encontrada pelos jornalistas, para passar ao leitor a

responsabilidade de interpretar tais expressões. Vejamos alguns exemplos:

a) Exemplo 1:

“Água deverá ter uso adequado” (Fonte: Jornal Correio do Povo, 07 jan. 2008).

Implicatura: anteriormente a água não era usada de forma adequada.

b) Exemplo 2:

“Assaltos são constantes no bairro Floresta” (Fonte: Jornal Correio do Povo, 12 dez. 2007).

Implicatura: O Floresta é um bairro violento.

c) Exemplo 3:

“Desemprego recua para 10,8%” (Fonte: Jornal Correio do Povo, 06 dez. 2007).

Implicatura: aumentou o número de empregos.

d) Exemplo 4:

“Kaká retorna ao Morumbi como astro da Seleção” (Fonte: Jornal Zero Hora, 21 nov. 2007).

Implicatura: Kaká já jogou no Morumbi.

e) Exemplo 5:

“Receita de impostos enche cofres do governo” (Fonte: Jornal Correio do Povo, 21 nov. 2007).

Implicatura: o governo está arrecadando muitos impostos.

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f) Exemplo 6:

“Brasileiro lê 1,8 livro ao ano” (Fonte: Jornal Correio do Povo, 16 jan. 2008).

Implicatura: brasileiro lê muito pouco.

4.4 Planos de enunciação

Segundo o lingüista Émile Benveniste, a enunciação apresenta dois diferentes planos: o

discurso e a história. Na história, os fatos são narrados sem o envolvimento do locutor e há a

presença de pronomes não-pessoa (ele/ ela) e de verbos no modo indicativo, nos tempos pretérito

perfeito simples, imperfeito, mais-que-perfeito e futuro do pretérito. Já no discurso, há a presença

de um locutor (eu) e um ouvinte (tu), sendo que o primeiro tem a função de influenciar o outro de

alguma maneira. Os tempos que caracterizam esse plano são o presente, o pretérito perfeito

composto e o futuro do presente. Veja a seguir exemplos de textos que caracterizam esse dois

planos:

a) Exemplo 1:

Texto 1 – Um naufrágio que marcou a história. Fonte: Jornal Zero Hora, 24 nov. 2007.

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O texto 1 apresenta um plano de enunciação do tipo história, pois a maioria dos verbos

encontram-se no pretérito perfeito simples (foi, bateu,mandou, foram).

b) Exemplo 2:

Texto 2 – Explosão provoca susto na Refinaria Ipiranga. Fonte: Jornal Zero Hora, 20 nov. 2007.

O texto 2 apresenta um plano de enunciação tipo história, pois há um relato de

acontecimentos passados, sem o envolvimento do locutor e também marcas verbais características

de plano, como verbos no pretérito perfeito simples (foi, provocou, acabou, seguiu).

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c) Exemplo 3:

Texto 3 – Dando as costas. Fonte: Jornal Zero Hora, 25 nov. 2007.

No texto 3 também pode-se observar um plano de enunciação de história, caracterizado por

relatos de eventos passados sem o envolvimento do locutor, além de verbos no pretérito perfeito

simples (comprou, desistiu, deixou, foi).

d) Exemplo 4:

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Texto 4 – Entrelinhas. Fonte: Jornal Zero Hora, 28 nov. 2007.

O texto 4 caracteriza um plano de enunciação tipo discurso, devido ao papel do locutor,

nesse caso a cronista Martha Medeiros que narra os acontecimentos voltados para um interlocutor.

Além disso, a presença de verbos no presente do indicativo aponta para tal enunciação, como o é,

desfio, recebe, escrevem, entre outros.

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e) Exemplo 5:

Texto 5 – Vai engarrafar geral. Fonte: Jornal Zero Hora, 20 nov. 2007.

No texto 5 há a presença de verbos no presente do indicativo (encerra, demonstra,vai,

apresenta), além de um locutor (Paulo Sant’ana) e dos ouvintes (os leitores de sua crônica). Essas

características indicam o plano de enunciação discurso.

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f) Exemplo 6:

Texto 6 – A hora do mutirão contra assassinatos. Fonte: Jornal Zero Hora, 28 nov. 2007.

O texto 6 caracteriza um plano de enunciação do tipo discurso, pois há a presença de um

locutor (Humberto Trezzi) que faz o papel do “eu” e dos ouvintes o “tu”. Também encontra-se

alguns verbos que indicam esse plano, como o está, são, é (presente) e o será, restará (futuro do

presente).

4.5 Operadores argumentativos

A gramática apresenta certos elementos que indicam/mostram a força argumentativa dos

enunciados e a direção para qual eles apontam. Segundo o lingüista Oswald Ducrot, esses elementos

são denominados de operadores argumentativos da linguagem. A seguir veja alguns exemplos do

emprego desses operadores nos textos jornalísticos:

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a) Exemplo 1:

“Escolas da rede municipal da Capital elegem até o dia 30 seus diretores e vice-diretores.

Podem votar professores, funcionários e guardas municipais que exercem suas funções nos

colégios, bem como alunos com mais de 10 anos e o pai ou responsável por aluno menor de 18

anos”. (Fonte: Texto Eleições. Jornal Zero Hora, 20 nov. 2007).

b) Exemplo 2;

“Senadores, deputados e entidades de classe querem reforçar os pedidos do Piratini de

socorro às finanças do Estado. Além disso, a governadora Yeda Crusius pretende solicitar ao

presidente que facilite a liberação de recursos para ajuda às vítimas das enchentes”. (Fonte: Texto

Carta a Lula reforçará pedidos de verbas ao RS. Jornal Zero Hora, 23 nov. 2007).

c) Exemplo 3:

“Entre os agraciados estão associados do segmento, entidades de classe e empresarial,

imprensa e lideranças. Também serão premiadas ações relacionadas ao ambiente e à cidadania”.

(Fonte: Texto Setor automotivo homenageia parceiros. Jornal Zero Hora, 20 nov. 2007).

d) Exemplo 4:

“O feriado de 12 de outubro, além de celebrar a padroeira do Brasil, também homenageia

as crianças. A ocasião é perfeita para viagens com a família, que terá três dias de folga para

descansar, conhecer ou rever lugares”. (Fonte: Texto CVC tem novos pacotes – Jornal Correio do Povo, 22

set. 2007).

Nesses quatro exemplos acima podemos observar que foram empregados operadores

argumentativos (e, além disso, como, também, além de) que ligam argumentos em direção de uma

mesma conclusão.

e) Exemplo 5:

“A resposta do governo federal ao pedido de recursos virá amanhã, na audiência com o

ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ainda que a União libere dinheiro suficiente para cobrir o

déficit deste ano, o problema estrutural do Estado continua e exigirá outras medidas”. (Fonte: Texto

Foco nos problemas políticos, Jornal Zero Hora, 21 nov. 2007).

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No exemplo 5, há a presença de um operador (ainda que) que contrapõem argumentos

levando o texto ou o parágrafo a ter uma conclusão contrária da esperada.

4.6 Marcadores de pressuposição

Segundo Ducrot, os marcadores de pressuposição são elementos lingüísticos que introduzem

conteúdos pressupostos, ou seja, as informações que se encontram implícitas no enunciado. Veja

alguns exemplos:

a) Exemplo 1:

“Maior destaque da delegação brasileira nos Jogos Pan-Americanos, o nadador Thiago

Pereira continua dando um show nas piscinas”. (Fonte: Texto Thiago não pára de dar show na piscina.

Jornal Correio do Povo, 08 dez. 2007).

Nesse exemplo o verbo continua indica o conteúdo pressuposto de que Thiago Pereira é um

excelente nadador.

b) Exemplo 2:

“Desde que trocou o curso de Jornalismo, na Ulbra, pela carreira artística, Leo Rosa vive no

Rio de Janeiro”. (Fonte: Texto Uma carreira que promete. Jornal Correio do Povo, 11 jan. 2008).

O marcador desde que está indicando o conteúdo pressuposto de que Leo Rosa foi estudante

de Jornalismo.

c) Exemplo 3:

“Gostei do cartão porque me permite mudar o mundo sem deixar de ir à praia ou de ficar

em casa vendo televisão”. (Fonte: Texto Programa de ano novo. Jornal Correio do Povo, 11 jan. 2008).

Os dois marcadores em questão (deixar de e ficar) assinalam o conteúdo pressuposto de que

o locutor do texto vai à praia e assiste à televisão.

d) Exemplo 4;

“A derrota fez soar o alarme vermelho no Piratini, que buscou outras formas para melhorar

as relações, como a ampliação do Conselho Político, que passou a contar com as presenças dos

líderes da bancada e de partidos”. (Fonte: Texto Qualificar diálogo é principal desafio. Jornal Correio do

Povo, 13 jan. 2008).

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Nesse exemplo a expressão verbal passou a indica o conteúdo pressuposto: o Conselho

Político não contava com os líderes da bancada e de partidos.

e) Exemplo 5;

“Visto que os governos nunca resolveram essa tendência a estar na contramão da história, a

sociedade civil decidiu tomar providências radicais”. (Fonte: texto “Igualdade diante da lei” – Jornal

Correio do Povo, 13 nov. 2007).

O marcador visto que traz o conteúdo pressuposto que os governos estavam na contramão

da história.

4.7 Índices de polifonia

Polifonia é um conjunto de várias vozes dentro de um texto. É um processo de interação,

não somente entre locutor e interlocutor, mas sim entre diversas pessoas que expressam suas

opiniões em um único texto. Abaixo exemplos da presença de polifonia nos textos jornalísticos:

a) Exemplo 1;

[...] Ao responder perguntas sobre o Iraque, Bush anunciou a morte do líder sul-africano

Nelson Mandela. “Ouvi alguém dizer: ‘Cadê o Mandela?’ Bem, Mandela está morto”. (Fonte:

Texto Em nova gafe, Bush diz que Mandela está morto – Jornal Correio do Povo, 22 set. 2007).

Nesse exemplo há a presença da voz do locutor, do presidente Bush e ainda de uma outra

pessoa mencionada por Bush, pela qual ele faz uso das suas palavras.

b) Exemplo 2:

[...] O presidente interino do Senado, Tião Viana, cancelou reunião que trataria do assunto.

A decisão de Viana foi tomada, segundo o líder do PDT, Jefferson Peres, porque não haveria

consenso... (Fonte: Texto Falha tentativa de adiantar a votação do processo - Jornal Correio do Povo, 21 nov.

2007).

c) Exemplo 3:

Para jogar na Gávea, o Fenômeno aceitaria reduzir seu salário em 50%. De acordo com o

jornal italiano La Gazzeta dello Sport, ele recebe R$ 750 mil e passaria a ganhar R$ 375 mil...

(Fonte: Texto “Fla quer Ronaldo” – Jornal Correio do Povo, 26 dez. 2007).

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d) Exemplo 4:

Os escândalos envolvendo Renan começaram a aparecer em maio, quando a revista Veja

revelou que ele teria contas pessoais pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da construtora Mendes

Júnior... (Fonte: Texto “Restam três processos contra Renan” – Jornal Correio do Povo, 05 dez. 2007).

Nos exemplos 2, 3 e 4 a presença de polifonia está expressada pelos verbos no futuro do

pretérito (trataria, haveria, aceitaria, passaria, teria) que atribuem aquilo que foi dito a uma outra

pessoa e não ao locutor. Alguém falou ou o locutor ouviu alguém dizer tais informações.

e) Exemplo 5:

Ao chegar à reunião, Fernando Henrique alertou que o governo desperdiçou tempo com

bazófias. “Tudo o que está aí foi feito no meu governo, de Itamar Franco e de José Sarney.

Lula pensa ser Pedro Álvares Cabral a descobrir o Brasil”, disse... (Fonte: Texto “FHC faz crítica

contundente a Lula” – Jornal Correio do Povo, 24 nov. 2007).

Nesse caso, muito comum nos textos jornalísticos, o locutor procurou manter-se distante do

que está sendo dito (ao presidente Lula), colocando a responsabilidade da fala nas palavras do

próprio autor (o ex-presidente Fernando Henrique).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunicação humana é resultante de um processo que vai além do que se é dito entre duas

pessoas ou mais. Ao analisar o corpus deste trabalho podemos verificar como a dimensão implícita

da linguagem encontra-se presente na publicidade, no jornalismo e principalmente em nosso dia-a-

dia.

Observando os anúncios publicitários, os textos jornalísticos, e as histórias em quadrinhos,

percebemos uma pluralidade de mídias que utilizam o recurso do implícito para provocar reações

em seus leitores, cada qual com o seu efeito: as propagandas para chamar à atenção, as notícias,

passar para o interlocutor a responsabilidade de interpretar tais informações e as histórias em

quadrinhos, é claro, proporcionar o humor.

No entanto, vimos por meio do princípio da cooperação de Grice, como esses conteúdos

implícitos, ocasionados por equívocos, ambigüidades, sentidos não-literais, podem provocar a

violação das máximas conversacionais (qualidade, quantidade, relevância e modo), e permitir ao

ouvinte fazer uma implicatura para deduzir o que ficou subentendido no ato da comunicação.

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Nesse processo de interação social, a linguagem ultrapassa os limites da fala e chega a

realizar ações concretas, realmente efetivadas através de atos (locutivo, ilocutivo e perlocutivo)

expressos pelos falantes. Contudo a realização dessas ações vai exigir do interlocutor a mesma

habilidade de decifrar a dimensão implícita contida na maioria dos textos, como podemos observar

ao término desse trabalho.

Assim destaca-se a importância dos estudos pragmáticos para o processo de interpretação da

comunicação humana, dos conteúdos implícitos que se encontram escondidos por entre as linhas do

discurso.

6 REFERÊNCIAS CITADAS

RANGEL, E. F. de. Uma nova concepção de linguagem a partir do percurso performativo de Austin. Disponível em: <http://www.letramagna.com/elianedefatimamanentirangel.pdf>. Acesso em 28 dez. 2007. FRANCO, K. R. O princípio da cooperação na construção do humor em charges. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/xcnlf/4/12.htm>. Acesso em 28 dez. 2007. KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2006. OLIVEIRA, M. L. de. O humor em Mafalda e a violação das máximas conversacionais. Disponível em: <http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/102.pdf>. Acesso em 28 dez. 2007. SARMENTO, L. Gramática em Textos. São Paulo: Moderna, 2000.