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Cadernos Lab. Xeolóxico de Laxe Coruña. 1999. Vol. 24, pp. 31-44 Anatomia de algumas ocorrências de gemas e seu enquadramento em protocolos de ordena- mento territorial – contributo para uma reflexão sobre o estatuto dos depósitos gemífe- ros portugueses FERREIRA, M. D.; SILVA, V.; LIMA, M. F.; LEAL GOMES, C. ABSTRACT: Anatomy and Classification of Portuguese Gemstone Deposits and their inclusion in Territorial Management Protocols - The concept of gemstone resources includes the consideration of aspects such as the genetic type of deposits, geographical location and geological characteriza- tion of the ores. Based on archeological evidences and assuming the geological potentiality it is possible to consider the existence of resources base with gem quality, in Portugal. The main deposits are related to residual granite systems. In order to ensure a sustainable use, economical or patrimonial, it is necessary to classify these occurrences in a context of land management. This paper presents the typology of the most interesting occurrences considering its economical and patrimonial potentiality. Key Words: gemstones, resource base, patrimonial occurrence, geological reserve, land mana- gement, sustainable use. Departamento de Ciências da Terra, Universidade do Minho,4709 Braga Codex.

Anatomia de algumas ocorrências de gemas e seu enquadramento

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Page 1: Anatomia de algumas ocorrências de gemas e seu enquadramento

Cadernos Lab. Xeolóxico de LaxeCoruña. 1999. Vol. 24, pp. 31-44

AAnnaattoommiiaa ddee aallgguummaass ooccoorrrrêênncciiaass ddee ggeemmaass eesseeuu eennqquuaaddrraammeennttoo eemm pprroottooccoollooss ddee oorrddeennaa--

mmeennttoo tteerrrriittoorriiaall –– ccoonnttrriibbuuttoo ppaarraa uummaarreefflleexxããoo ssoobbrree oo eessttaattuuttoo ddooss ddeeppóóssiittooss ggeemmííffee--

rrooss ppoorrttuugguueesseess

FERREIRA, M. D.; SILVA, V.; LIMA, M. F.; LEAL GOMES, C.

ABSTRACT:

Anatomy and Classification of Portuguese Gemstone Deposits and their inclusion in TerritorialManagement Protocols - The concept of gemstone resources includes the consideration ofaspects such as the genetic type of deposits, geographical location and geological characteriza-tion of the ores. Based on archeological evidences and assuming the geological potentiality itis possible to consider the existence of resources base with gem quality, in Portugal. The maindeposits are related to residual granite systems.In order to ensure a sustainable use, economical or patrimonial, it is necessary to classify theseoccurrences in a context of land management. This paper presents the typology of the mostinteresting occurrences considering its economical and patrimonial potentiality.

KKeeyy WWoorrddss: gemstones, resource base, patrimonial occurrence, geological reserve, land mana-gement, sustainable use.

Departamento de Ciências da Terra, Universidade do Minho,4709 Braga Codex.

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IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

Em território português não existeregisto recente de qualquer actividadeextractiva incidente sobre depósitos mine-rais com gemas, ou em que as gemas sejamconsideradas pelo menos na acepção desubproduto da lavra mineira destinada àobtenção de outras substâncias.

Actualmente não se definem recursosbase de gemas na generalidade dos proto-colos de ordenamento territorial. Isto éparticularmente notório nas unidadesterritoriais em que intervém o ordenamen-to da actividade extractiva ou está presen-te uma zonografia de condicionantes afec-tada pelas valências: usufruto sustentáveldos recursos não renováveis ou preservaçãodo património natural.

Entretanto em termos de mercado,assiste-se a uma intensificação do comérciodos materiais de adorno naturais, particu-larmente dos que apresentam naturezamineralógica, sem que se encontre umenquadramento legal específico para a suaexploração, manipulação e transacção, esobretudo sem que a nível dos recursosnaturais se defina uma posição clara doestatuto da sua ocorrência. Este facto podenão ser considerado significativo quando amaior parte do provimento é assegurado apartir de outros países, particularmentedos que se situam em África, Ásia eAmérica do Sul. No entanto, o conceito degema alarga-se cada vez mais a substânciasnão convencionais. Nestas condições, edado que a informação geológica sobre oterritório português se amplia, aumentatambém a probabilidade de valorizaçãocomercial de algumas ocorrências minera-lógicas, com o estatuto de ocorrências de

gemas. Aliás já existem notícias pelomenos em testemunho oral, que sugeremque algumas ocorrências minerais do nossopaís foram de facto alvo de colheitas deespécimes destinados a aproveitamentogemológico sem que tenha havido umlicenciamento pelo Estado. Urge portantoiniciar o estudo do estatuto de gema noquadro dos ordenamentos da actividadeextractiva, até porque se pode estabelecerum conflito de interesse entre este estatu-to e o de objecto geológico com importân-cia patrimonial, o qual se poderá tambématribuir a alguns dos depósitos potencial-mente gemíferos.

No sentido de contribuir para uma cla-rificação do enquadramento da potenciali-dade gemológica ao nível dos atributos ezonografias territoriais em sede de classifi-cação e qualificação para o ordenamento,propõe-se aqui uma avaliação qualitativada vocação gemífera de alguns minerais.Discute-se para cada caso uma dicotomiade enquadramento situada entre: - reservaexplorável (entendida como potencialida-de mineira convencional) ou patrimóniogeológico.

22.. OO ccoonncceeiittoo ddee ggeemmaa ee aa lleeggiissllaaççããooPPoorrttuugguueessaa ssoobbrree RReeccuurrssooss GGeeoollóóggiiccooss

A palavra gema é de origem latina etem uma longa história de utilização nalíngua portuguesa – pelo menos desdeCamões no canto VII de “Os Lusíadas”:“Um venerando e próspero senhor; / Um pano deoiro cinge, e na cabeça, / De preciosas gemas seadereça”. Não obstante, a aplicação dotermo nos textos da legislação actual émenosprezada. De facto no DL 88/90 de16 de Março, no Artigo 2º, nº 1 onde se

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apresentam as definições prévias, não háqualquer referência às gemas, e no Artigo3º, nº 1, utilizam-se termos actualmenteconsiderados inadequados ou mesmo obso-letos como sejam, “pedras preciosas esemi-preciosas”. Estas últimas designaçõespressupõem uma diferença de qualificação,com fundamento puramente comercial epor isso a normalização de terminologiarecomendada pela CIBJO (ConfédérationInternationale des Bijoutiers, Joailliers etOrfèvres), no seu “Livro Azul”, no Arto 7,sustenta que é preferível a utilização dapalavra “gema” e a abolição da qualifi-cação, “semi-preciosa”. Esta recomendaçãoé seguida na maior parte dos países daUnião Europeia.

Em termos mais objectivos, um corponatural pode ser qualificado como gemadesde que o seu valor não derive daimportância do depósito em que ocorre, ede onde provém, mas seja um valor intrín-seco e elevado, apenas condicionado pelasua dimensão, durabilidade, raridade ebeleza (um conceito antrópico derivado deuma combinação feliz entre dureza, cor,diafanidade e brilho).

A nível conceptual e dado que estão emapreço recursos naturais do domínio geo-lógico, não se consideram aqui materiaissintéticos, por vezes também qualificadoscomo gemas. Na legislação dos recursosgeológicos que está em vigor, verifica-seportanto uma omissão quanto a enquadra-mento dos recursos de gemas, que quandomuito estão contemplados no Artigo 3º, nº2 (DL 88/90), relativo a “outras ocorrên-cias minerais” cuja nomeação, promoção evalorização parece depender de despacho

ministerial específico, com a qualificaçãorespectiva.

Ora se a indefinição do estatuto dasmatérias primas minerais qualificadascomo gemas começa a nível da legislaçãosobre recursos, é de prever que a suainserção nos protocolos de ordenamentoseja ainda precária, com reflexos na confi-guração dos domínios dicotómicos, poten-cialidade / património ou, a outro nível,constrangendo o âmbito das qualificações,reserva estratégica / reserva natural.

33.. AA ssiittuuaaççããoo ddooss rreeccuurrssooss ddee ggeemmaass nnaassqquuaalliiffiiccaaççõõeess ddee MMccDDiivviitttt ee MMccKKeellvveeyy

Aceita-se que existem recursos base degemas em Portugal se for considerada autilização histórica e também actual dealgumas matérias primas minerais, naornamentação e adorno pessoal. A diversi-dade mineralógica e gemológica que éatributo do recurso base geral não é muitogrande, sobretudo se for comparada com adiversidade típica de países com potencia-lidades gemológicas consagradas. Mesmoassim e de acordo com a pirâmide deMcDivitt, definem-se recursos potenciaisactuais e num contexto histórico passadopode falar-se de exploração de reservas.

O espólio arqueológico que pode serdatado como anterior à ocupação romanada Península Ibérica, inclui entre os seusachados mais típicos, a ocorrência de ador-nos de cor verde, muitas vezes representa-dos por contas de colar que são talhadasem minerais. Na literatura arqueológicafrancesa, os materiais verdes de que são fei-tos estes adornos eram globalmente desig-nados como "calaítes" (figura 1).

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Para o caso português, Canelhas (1973)verificou que 35 contas de "calaíte" deespólios arqueológicos portugueses erammineralogicamente atribuíveis a quatroespécies distintas: variscite, moscovite,talco e clorite. Gonçalves ( 1980) eGonçalves e Reis (1982) em trabalhos sub-sequentes, vieram a confirmar as identifi-cações feitas anteriormente e mostraramtambém que a proporção de variscite natotalidade das contas analisadas, predomi-nava largamente sobre a dos restantesminerais – ver figura 2 (T1), adiante.

Colocava-se então o problema de con-hecer a proveniência da fase fosfatada.Uma hipótese explicativa, anterior àdetecção de depósitos de variscite emterritório português, inclinava-se parauma origem alóctone. A sua presençadever-se-ia a uma divulgação generalizadado uso de contas de variscite e ao transpor-te para locais afastados das jazidas natu-rais. Em alternativa uma hipótese recenteconsidera a detecção de numerosasocorrências de fosfatos em depósitos decrustificação venular presentes em for-mações peculiares do Silúrico: xistosnegros, liditos e quartzitos com metavul-canitos intercalados (Meireles et al.,1987). Na figura 1 (1A), é possível verifi-car que a ocorrência de variscites em acha-dos arqueológicos se concentra nas proxi-midades do litoral Português, mas quasesempre em áreas que não estão muito afas-tadas das formações Silúricas, as quais,sem dúvida, representam um metalotectofavorável à ocorrência de depósitos de fos-fato verde. Assim, é aceitável considerarque pelo menos no período a que dizemrespeito os achados arqueológicos, tenha

havido explorações de algumas jazidas devariscites. No enquadramento deMcKelvey para os recursos de gemas (figu-ra 2), a este período inicial - T1 na figura2 - corresponderia a identificação efectivade reservas de material gemológico emterritório português e mesmo a sua explo-ração. Tal facto tem importância para aconsideração actual do estatuto de gemana medida em que funciona como um cri-tério adequado para a definição de existên-cia dos referidos recursos base.

O trabalho de Meireles et al (1987)pode ser invocado para confirmar este esta-tuto. Aqueles autores chegam mesmo asugerir a possibilidade de incremento daviabilidade económica como atributo dosdepósitos de Ervedosa, em Trás-os-Montes.

A definição de recursos base de outrassubstâncias com eventual interesse gemo-lógico não é tão clara, porque para elas nãoestá documentada qualquer evidência deutilização passada ou actual com o objecti-vo de ornamentação ou adorno.

Neste caso a posição das respectivasocorrências no quadro de McKelvey resul-tou do estudo de vários depósitos situadosno NW de Portugal (figura 1B – adapta-da de Carvalho, dir. 1992). O estatuto derecurso identificado é atribuído quando osensaios de lapidação permitiram atribuirqualidade gemológica ao material ensaia-do, ou quando a qualidade é indiscutívelsem que seja necessário o ensaio (figura 2).Nos restantes casos considera-se que osrecursos não estão identificados e sãoentendidos na acepção de hipotéticos ouespeculativos. A sua sugestão resulta depesquisa bibliográfica ou da qualificação

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dos achados mineralógicos e sua distri-buição pelas seguintes categorias:

a) achados de minerais que frequente-mente proporcionam variedades gemoló-gicas as quais ainda não foram detectadas;

b) achado de minerais com possívelqualidade gemológica, mas que não foramensaiados, dada a sua raridade.

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44.. DDiivveerrssiiddaaddee ddee ddeeppóóssiittooss ggeemmííffeerroossaattrriibbuuíívveell aaooss rreeccuurrssooss bbaassee

Nas figuras 3, 4 e 5 está expressa aamplitude conhecida para a diversidadedos depósitos de minerais susceptíveis dequalificação gemológica e atribuíveis àporção NW de Portugal (figura 1B).

A análise descritiva bidimensional eanálise paragenética, expressas naquelasfiguras, combinadas com os dados de qua-lificação dos recursos (figura 2 - T2) e comos resultados dos ensaios de lapidação, per-mitiram estabelecer uma primeira tipolo-gia dos depósitos de gemas identificadas(tabela 1).

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Em termos petrogenéticos pode dizer-se que na sua maioria os depósitos gemífe-ros relacionam-se com a evolução de siste-mas graníticos residuais. Possivelmente,mesmo no caso dos fosfatos venulares emmetassedimentos do Silúrico, a circulaçãohidrotermal que os origina deve estar rela-cionada com sistemas convectivos acciona-

dos pelas anomalias térmicas geradas pelaintrusão dos granitos (Leal Gomes, 1995).As gemas pegmatíticas são as mais fre-quentes.

Na tabela 2 estão descritas váriassituações em que, em termos especulativosa hipotéticos, se pode considerar a defi-nição de recursos base de gema.

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Gema Tipo de depósito Frequência Conteúdo Dimensões de referência Qualidade Outrosdos depósitos Gemológico dos depósitos gemológica acessórios

Lazulite - Pegmatito **** #### 30m x 10m x 40 cm + Minérios de Sn, Nbscorzalite sobremicáceo e Ta.

A1

Turmalina Aplito-pegmatito, *** ### 300m x 30m x 2m ++ Verdelites, Minérios“olenite” sodo-lítico de Sn, Nb, e Ta.

B1

Berilo Pegmatito **** ## 50m x 40m x 20m ++++ Fosfatos, columbite-C2 miarolítico tantalite, fenacite e

“cerâmico” bertrandite.

Quartzo Pegmatito ***** ## 30m x 15m x 30cm ++++ Berilos, topázio, fumado miarolítico zircão, amazonite,

D2 turmalina.

Berilo Pegmatito **** # ou ## 10m x 4m x 30cm ++++ Quartzo fumado“água-marinha” miarolítico topázio, zircão,

D3 cassiterite, columbite.

Microclina Pegmatito ***** ##### 20m x 8m x 20cm ++ Quartzo fumadoamazonite miarolítico fluorite,

D5 berilo, zircão,turmalina.

Granada Detrítico ** # 25cm x 25cm x 45cm +++ Espinelas, corindo,“rodalite” (vários na mesma linha de crisoberilo,columbite,

E água) cassiterite, turmalina.

Quartzo Venular *** ##### 10m x 5m x 20cm ++ ou Outras variedades“ametista” hidrotermal +++ de quartzo incluindo

G calcedónia e tambémanatase, psilomelano

Variscite Venulações em **** ##### 3m x 3m x 2m de volume de ++ Outros fosfatosH1 corredores de metassedimento competente

cisalhamento afectado por venulação produtiva.Venulas de espessura

plurimilimétrica.

Turquesa Venulações em *** #### 2m x 1.2m x 1m de volume de ++ Outros fosfatosH2 corredores de metassedimento competente

cisalhamento afectado por venulação produtiva.Venulas de espessura

plurimilimétrica.

- *- Índice da frequência de depósitos. Variabilidade: ***** (muito frequente em contexto geológico favorável); **** (previsível em contex-to geológico favorável)); *** (pouco frequente mesmo em contexto geológico favorável); ** (raro ou então ocorrência mineralógica combaixa probabilidade de se definir qualidade gemológica).

- # - Índice qualitativo da variação dos conteúdo de gema por massa de depósito. Variabilidade: ##### (variação máxima – amazonite < 20% dopegmatito); #### ( ametista < 12% da crustificação venular hidrotermal); ### (olenite < 2% do aplito-pegmatito); ## ( quartzo fuma-do < 0.5% do pegmatito); # (variação insignificante - achado mineralógico ocasional).

- + - Qualidade gemológica possível. Variabilidade: ++++ (Boa qualidade, permite grande diversidade de talhes em dimensões variadas); +++(Razoável qualidade, permite alguma diversidade de talhes em pequena dimensão); ++ (Fraca qualidade, apenas permite talhe em“cabochon”); + (Muito fraca qualidade, ocasionalmente obtêm-se “cabochons” de má qualidade).

TTaabbeellaa 11 –– TTiippoollooggiiaa ddooss ddeeppóóssiittooss ddee ggeemmaass ccoomm qquuaalliiddaaddee ccoommpprroovvaaddaa..

A diferença de processos de síntese uti-lizados nas tabelas 1 e 2 reflecte apenas adiferença de estatuto (identificado/nãodemonstrado) patente no quadro deMcKelvey para o tempo T2 (figura 2). Tal

diferença não está necessariamente relacio-nada com uma ausência, mas pode resultarde um conhecimento ainda incipientesobre a localização e qualidade deste tipode materiais geológicos.

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Gema / Qualidade possível / Estatuto da favorabilidadeLocalização geológica e/ou Minerais associados comgeográfica interesse gemológico

Esmeralda ++- investigar contactos de Fenacite , Crisoberilopegmatitos com rochas básicas, no Minho e Trás-os-Montes.

Corindo- pegmatóides hiperaluminosos +da Serra de Arga Crisoberilo, Andaluzite

Elbaite- lidicoatite (variedades + a +++verde, rósea, incolor, azul clara) Espodumenas- pegmatitos sodo-líticos elítico-potássicos do campofiloniano da Serra de Arga.

Espodumena + a ++- pegmatitos sodo-líticos do Turmalinaslitoral de Viana do Castelo(variedade verde);- pegmatitos lítico-potássicos + a ++++do campo filoniano da Serra de TurmalinasArga (“kunzite”).

Crisoberilo- pegmatóides hiperaluminosos +e pegmatitos sobremicáceos da Corindo, andaluziteSerra de Arga.

Malaquite e azurite de + a ++depósitos minerais com cobre.Ocorrências com calcopirite detodo o país e particularmente,alguns núcleos de quartzo depegmatitos intragraníticos.

Hematite especular + a ++- segregação metamórfica (?)

Triplite- Zwiezelite + a ++- periferia do núcleo de Ambligonite-montebrasite,pegmatitos cerâmicos: Sátão, trifilite-litiofilite, Aguiar da Beira, Ponte da (rockbrigdeíte +beraunite)Barca, Fafe.

Topázio + a +++- pegmatitos cerâmicos de Turmalinas, apatites, berilosPaços de Ferreira; pegmatitoslitiníferos da Serra de Arga,Rio Douro, Guarda, CasteloBranco; pegmatitos miarolíticosda Serra do Gerês.

Andaluzite + a ++- pegmatitos cerâmicos de Crisoberilo, corindoPaços de Ferreira, Penafiel,Marco de Canaveses, Terras deBouro; pegmatóideshiperaluminosos da Serra deArga.

Fenacite +- pegmatitos de Sra. de BertranditeAssunção, Aguiar da Beira.

Opalas + a ++- Brechas de falha e venulaçõesem cisalhamentos, particularmentequando afectam rochas básicas.

A ocorrência de esmeralda de Franqueira na Galiza (Martin- Izard etal. , 1995) é atribuída à mineralização de Be em faixas de metassoma-tismo de contacto de rochas básicas, induzido por fluidos de afinida-de granítica residual. Em território Português o contexto geológicofavorável é desconhecido por enquanto, mas possível. Com o objecti-vo de definir uma favorabilidade devem ser investigadas as zonas comintrusões de pegmatitos graníticos em rochas básicas.

Detectadas as ocorrências de corindo de cor cinzenta a azul ou rósea emesmo a variedade, corindo “estrela”, não foram ainda detectadoscristais transparentes (Leal Gomes, 1994).

Foram encontrados alguns cristais, por vezes centimétricos, com qua-lidade gemológica previsível. No entanto não foram sujeitos a ensaiode lapidação dada a sua raridade. Um fragmento rolado de rubelite deexcepcional qualidade foi encontrado em terreno eluvionar.

Detectada uma ocorrência importante mas está situada em zona deambiente protegido e terá que ser encarada no âmbito do património– não foi feito ensaio gemológico.

Três cristais de kunzite de excepcional qualidade mas pequenos foramencontrados num pequeno filão – não foram sujeitos a lapidação dadaa sua raridade.

Um geminado cíclico transparente e vários crisoberilos sem trans-parência ou cor foram encontrados quer em afloramento quer emterrenos eluvionares. Concentrados de bateia em linhas de água tam-bém mostram crisoberilo.

Até agora só foram detectadas pequenas carapaças ou crucificações emzonas de oxidação supergénica.

O contexto favorável parece definir-se na região do Marão, pelomenos.

A triplite pode considerar-se abundante em alguns pegmatitos, masainda não foi possível sugerir uma qualificação gemológica indiscutível.Trata-se de um mineral, que a definir-se essa qualidade, a sua obtençãopode ser encarada como um subproduto dos materiais cerâmicos.

Todos os cristais até agora obtidos, que justificam ensaio gemológico,consideram-se raridades mineralógicas e não foram sujeitos a lapi-dação. Os de melhor qualidade até agora observados são os azuis eazuis esverdeados dos pegmatitos intra-graníticos de Paços deFerreira.

A andaluzite é abundante nos depósitos em que ocorre mas a definiçãode qualidade gemológica é difícil. As mais interessantes, mas tambémraras no que respeita a espécimes com qualidade gemológica, são astransparentes cor de mel a róseas da Serra de Arga (dois cristais detec-tados) e as verdes fibrosas de Paços de Ferreira (localização actual-mente situada em zona urbana).

Os cristais até agora detectados são demasiado pequenos.

Hialites e opalas muscíneas ocorrem ocasionalmente em preenchi-mento de fracturas sem que a sua presença seja previsível.

TTaabbeellaa 22 –– TTiippoollooggiiaa ddoo eessttaattuuttoo ddee eessppéécciieess mmiinneerraaiiss qquuee nnããoo ffoorraamm ssuujjeeiittaass aa eennssaaiioo ggeemmoollóóggiiccoo mmaass ccuujjaa ddeetteeccççããoo ee//oouu ddeeffiinniiççããoo ddaa qquuaa--lliiddaaddee,, ppooddee vviirr aa aaccoonntteecceerr..

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55.. OO eessttaattuuttoo ddee ggeemmaa nnoo oorrddeennaammeennttooddaa aaccttiivviiddaaddee eexxttrraaccttiivvaa ee nnooss pprroottooccoolloossddee oorrddeennaammeennttoo tteerrrriittoorriiaall

Definiu-se acima o estado algo embrio-nário em que se encontra o conhecimentosobre os recursos de gemas portuguesas.Este facto combinado com algumaomissão no enquadramento legal suscita oaparecimento de um quadro de qualifi-cação dos recursos mais favorável à depre-ciação do que à valorização.

São vertentes principais da depreciação:1 - colheita de espécimes mineralógi-

cos com qualidade gemológica, não regu-lamentada e displicentemente consentida,mesmo em áreas de parque nacional;

2 - subaproveitamento das reservas degemas que não são consideradas quando alavra mineira incide sobre outras substân-cias que as acompanham;

3 - pequeno volume dos depósitos, quefacilita a destruição de reservas de altovalor. - grande fragilidade das reservas e daqualidade gemológica;

4 - desconhecimento generalizado dacomponente geológica na definição derecursos, e em particular, desconhecimen-to da componente gemológica.

Dada a grande fragilidade intrínsecadas reservas de gemas e da própria quali-dade dos minerais que as constituem, agestão destes recursos impõem um trata-mento muito cuidadoso da interface,potencialidade/património. Surge assimuma dicotomia de atribuição de estatutoque terá que ser solucionada caso a caso,considerando os quadros de ordenamentodos territórios em que situam os recursos.São critérios de discussão:

a - a localização em áreas com distintascategorias, no quadro de protecçãoambiental. Nesta acepção as ocorrências doGerês, situadas no interior do ParqueNacional não podem ser encaradas comosusceptíveis de exploração devendo serincluídas no âmbito dos Locais deInteresse Mineralógico - LIG (M) em LealGomes (1996).

b - a dimensão, peculiaridade e/ou rari-dade. Depósitos de muito pequenasdimensões ou casos entendidos como rari-dades mineralógicas, deverão ser atribuí-dos ao património geológico e preservadosde qualquer forma de lavra ou colheita. Asocorrências de variscite e turquesa namaior parte dos casos estão nesta situação,bem como a totalidade das ocorrências deespodumena gema até agora identificados.

Em antítese, recomenda-se a recupe-ração de gemas, quando qualquer outrouso dos recursos conduz à sua destruiçãoirremediável. É o que sucede quando sedetectam ocorrências de granada empedreiras de granito (caso de Vila Paria dencora) ou ocorrências de berilo gema oudiferentes variedades de quartzo em Minasde feldspato e quartzo (caso da Senhora deAssunção – Aguiar da Beira). Nestes casosa produção de gemas deve ser consideradaum subproduto da lavra mineira dirigida aoutras substâncias.

Uma situação intermédia, entre ainclusão na potencialidade ou no patrimó-nio, pode ser salvaguarda para casos comoos das amazonites (Leal Gomes et al, 1987,1997), quartzos fumados e ametistas doNorte do País, que poderão ser parcial-mente protegidos em função de um estudoprévio de geodiversidade e qualidade

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expressa nas ocorrências, seguido doenquadramento patrimonial de parte dasreservas.

66 -- CCOONNCCLLUUSSÃÃOO

Argumentos de índole variada, a inter-pretação do conteúdo gemológico presenteno espólio arqueológico, a detecção direc-ta de depósitos gemíferos e vários ensaiosde lapidação bem sucedidos sugerem anecessidade de considerar a existência derecursos base de gemas em TerritórioPortuguês. Este facto é de algumaimportância na atribuição dicotómica dosrecursos à potencialidade geológica ou aopatrimónio geológico, nos diferentes qua-dros de ordenamento territorial. O ordena-mento da actividade extractiva que estáassociada, deverá contemplar com muitocuidado o estatuto das ocorrências poten-cialmente gemíferas dado que por um ladoo quociente, alto valor/baixo volume é ele-

vado, favorecendo a penalização das reser-vas e por outro lado, não existe um enqua-dramento claro na actual legislação portu-guesa sobre recursos geológicos.

A diversidade dos recursos de gemasainda não está totalmente esclarecida masdecorre principalmente da petrogéneseem sistemas graníticos residuais, predo-minando os depósitos pegmatíticos. Porisso algumas gemas poderão ser considera-das como subprodutos da lavra mineiradirigida à obtenção de matérias primaspara a indústria cerâmica. Nos casos emque as jazidas são de pequenas dimensõesou se situam em ambientes de parquenacional elas devem ser irrevogavelmenteabrangidas pelo estatuto de patrimóniogeológico. Para isso é necessário um mel-hor esclarecimento junto de entidadesgestoras do território acerca da importân-cia deste tipo de depósitos, sobretudoquando os mesmos estão situados dentrode áreas protegidas.

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