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UNIVERSIDADE PAULISTA TECNOUTOPIAS: AS IMBRICAÇÕES HOMEM/MÁQUINA NA CIBERCULTURA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade Paulista– UNIP para a obtenção do título de Mestre em Comunicação. ANDERSON LUIS DA SILVA São Paulo 2013

Anderson Luis Da Silva - Tecnoutopias

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Tecnoutopias. O uso da tecnologia com o conceito de utopia. Por Anderson Luis.

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  • UNIVERSIDADE PAULISTA

    TECNOUTOPIAS: AS IMBRICAES

    HOMEM/MQUINA NA CIBERCULTURA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Paulista UNIP para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao.

    ANDERSON LUIS DA SILVA

    So Paulo

    2013

  • UNIVERSIDADE PAULISTA

    TECNOUTOPIAS: AS IMBRICAES

    HOMEM/MQUINA NA CIBERCULTURA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Paulista UNIP para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao. Orientadora: Prof. Dr. Malena Segura Contrera

    ANDERSON LUIS DA SILVA

    So Paulo

    2013

  • Silva, Anderson Luis da. Tecnoutopias : as imbricaes homem / mquina na cibercultura / Anderson Luis da Silva - 2013. 116 f. : il.

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Miditica da Universidade Paulista, So Paulo, 2013. rea de Concentrao: Comunicao. Orientadora: Prof. Malena Segura Contrera.

    1. Cibercultura. 2. Ciberntica. 3. Comunicao. 4. Ps-humanismo. I. Ttulo. II. Contrera, Malena Segura (orientadora).

  • ANDERSON LUIS DA SILVA

    TECNOUTOPIAS: AS IMBRICAES

    HOMEM/MQUINA NA CIBERCULTURA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Paulista UNIP para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao.

    Aprovado em: 12/03/2013

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Malena Segura Contrera Universidade Paulista - UNIP

    Prof. Dr. Jorge Miklos Universidade Paulista UNIP

    Prof. Dr. Edilson Cazeloto Universidade Csper Lbero

  • DEDICATRIA

    minha esposa Natlia e s minhas filhas Lorena e Catarina, foi por vocs.

  • AGRADECIMENTOS

    Iniciar uma seo que se prope a fazer jus a todos aqueles que direta ou

    indiretamente colaboraram, s vezes mesmo sem saber, com um trabalho que

    durante certo tempo interseccionou-se minha famlia, minha profisso e a mim

    mesmo, , em certa dose, temerrio.

    Tentarei ento cronologicamente citar aqueles que propiciaram este estudo,

    obra de um prolixo processo que teve sua origem no momento inicial do sculo que

    agora j adentra a segunda dcada.

    Julio Cesar de Freitas, eterno mestre e exemplo perene, suas palavras nos

    fraternos momentos de estudo reverberam ainda hoje em meu inconsciente.

    Maria Silvia Queiroga Reis, talvez no tivesse a mesma ousadia e confiana,

    as quais fomentaram essa carreira.

    Simone Alcntara Freitas, amiga e parceira, nossas prosas rotineiras, as

    novas descobertas e experimentaes levaram a este estudo; no poderia esquecer

    a sua insistncia ferrenha para esse processo ser iniciado.

    Cludia Coelho Hardagh, seu incentivo e determinao so a fora motriz de

    nossas pesquisas.

    Fernando Estima de Almeida, suas dicas e opinies sempre foram preciosas,

    o percurso ficou menos rduo com voc.

    Meus amigos de profisso, confidentes e fonte inesgotvel de bons assuntos,

    em especial a Beatriz de Almeida Pacheco, Cndida Almeida, Fernanda Carlos

    Borges, Flvio Foguel, Helena Rugai, Marcelo Gomes Justo, Marli Alencar, Nelson

    Urssi, Pricles Eugnio Martins e Vilma Vilarinho.

    Edilson Cazeloto, sua recepo e conduo foram os alicerces desta jornada.

    Jorge Miklos, sua sabedoria e generosidade me conduziram aos trilhos em

    inmeros momentos.

    Malena Secura Contrera, sustentculo deste estudo, suas sempre pontuais

    ponderaes sobre o desenvolvimento da pesquisa foram determinantes.

  • Aos meus colegas de turma: Andr, Alessandra, Carla, Carlos, Deusiney,

    Flvia, Francisco, Parron, Suely, Vaner, Talita e demais parceiros; A convivncia

    com vocs foi enriquecedora.

    Por fim, cito a minha famlia, sempre condescendente com a minha

    ansiedade, transformada eventualmente em animosidade.

    Meu sincero agradecimento a todos vocs e aproveito para desculpar-me por

    eventuais deslizes, no foram intencionais.

  • O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porm nos extraviamos. A cobia envenenou a alma do homem levantou no mundo as muralhas do dio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a misria e os morticnios. Criamos a poca da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A mquina, que produz abundncia, tem-nos deixado em penria. Nossos conhecimentos fizeram-nos cticos; nossa inteligncia, empedernidos e cruis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que mquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligncia, precisamos de afeio e doura. Sem essas duas virtudes, a vida ser de violncia e tudo ser perdido.

    (O ltimo discurso do filme: O Grande Ditador de Charles Chaplin)

    Os prprios homens s comearam a proliferar quando assumiram a condio de mquinas, com a Revoluo Industrial: libertos de toda semelhana, libertos mesmo de seu duplo, eles crescem como sistemas de produo, de que no so mais que o equivalente miniaturizado.

    (Jean Baudrillard)

  • RESUMO

    Este estudo analisa as decorrncias das relaes humanas de cunho

    comunicacional aps a intensa imbricao tecnolgica ocorrida entre os sculos XIX

    e XXI. O sculo XXI o ponto culminante da condio de conexo permanente

    imposta pelo uso massivo de dispositivos computacionais conectados internet.

    Buscou-se estabelecer uma linha de raciocnio que indicasse as

    determinaes histricas e as implicaes contemporneas do processo de

    imbricao tecnolgica homem-mquina, e os impactos as relaes interpessoais de

    cunho comunicativo.

    O termo tecnoutopias, empregado como ttulo, representa a condio de

    civilizao ideal anunciada pela emergncia tecnolgica, acentuada com a

    popularizao da informtica e posteriormente com as redes computacionais.

    Tais elementos tecnolgicos moldaram e moldam a sociedade, colocando-a a

    seu servio na medida em que se apresentam como elementos essenciais prpria

    sociabilidade. O que nasce anunciado como potencializador das relaes

    interpessoais revela-se, portanto, mediador destas interaes, deste modo

    formatando-as.

    Objetivou-se evidenciar as determinaes e decorrncias que a existncia

    ciberntica, caracterstica da sociedade contempornea, tende a produzir. Para isso,

    ocupamo-nos em investigar teoricamente os processos histricos de cunho

    comunicacional e relacional mediados pelos aparatos tecnolgicos, no contexto da

    Cibercultura.

    Propem-se inicialmente a reflexo quanto aos desdobramentos histricos

    que impulsionaram e determinaram a condio contempornea de imbricao

    tecnolgica nas relaes sociais, e a reflexo acerca das acepes e formulaes

    sobre o conceito de comunicao. Buscou-se, especificamente, identificar na teoria

    as diferenas nos processos comunicativos e informativos, em especial os mediados

    pelas estruturas tecnolgicas. Do mesmo modo, pretendeu-se elencar e demonstrar

    o carter sistmico das definies e acepes tericas propostas por modelos que

  • descrevem os processos comunicacionais, analogamente constitudos por estruturas

    computveis, ou seja, centrados na eficincia informacional.

    O estudo das teorias que constituem as cincias das redes aqui apresentado

    desejou situar adequadamente o carter mediador das conexes, que antagoniza

    com os conceitos de vnculo empregado em processos comunicacionais. Descreveu-

    se, desse modo, o papel determinante dos elementos no humanos na mediao

    informacional propiciada pelos arranjos computacionais, que paradoxalmente se

    autodenominam comunicacionais.

    Por fim, o estudo envereda pelas possibilidades de essa imbricao

    maqunica propiciar a modificao orgnica, conduzindo a sociedade a um contexto

    ps-humanstico, seja a partir da destituio do potencial humano pelas mquinas,

    ou a voluntria transformao de humanos em autmatos. Em ambos os casos, o

    cenrio que se apresentou nos pareceu delicado, pois resvala nos ideais de

    dominao e limpeza tnica, como as proposies apresentadas acerca dos

    dispostos eugnicos.

    Este estudo estritamente terico-conceitual, amparado em pesquisas

    provenientes de reas convergentes, como Comunicao, Cibercultura, Cognio e

    Sociologia, sendo os seguintes principais autores aqui utilizados: Norval Baitello

    Junior, Richard Barbrook, Jean Baudrillard, Zygmunt Bauman, Malena Segura

    Contrera, Francisco Rdiger e Neil Postman.

    Palavras-chave: Cibercultura, ciberntica, comunicao; ps-humanismo.

  • ABSTRACT

    This study makes an analysis of the communicational consequences to human

    relations following the intense technology overlap that occurred between the 19th

    and the 21st centuries, being the latter, the peak of permanent connect condition

    imposed by the massive use of computing devices connected to the internet. Was

    sought to establish a line of reasoning that pointed out to the historical

    determinations and contemporaneous implications of this process of technological

    overlapping man-machine, as well as the impacts of this process at the human

    interpersonal relationships.

    The term "tecnoutopias" [techno utopias], used as title, represents the

    condition of 'ideal civilization' announced by the emergence of technology and

    intensified with the popularization of computers and, later, computer networks.

    Such technological elements have molded and still mold our society by putting

    it at its service, since they are presented as the essential elements of sociability itself.

    Therefore, what borns announced as an enhancer of interpersonal relationships,

    reveals itself as a mediator of these, formatting these relationships.

    The objective was to highlight the determinations and consequences that

    cybernetic existence, proper of contemporaneous society, tend to produce. For that,

    a theoretical investigation of the historical communicational and relational processes

    mediated by technological devices was done, in the context of Cyberculture.

    It is proposed, at the beginning, a reflection about the historical developments

    that have driven and have determined the contemporaneous condition of

    technological imbrication in social relations, followed by a reflection about the

    meanings and formulations on communication's concept, seeking specifically to

    identify theoretically the differences in information and communicative processes,

    especially those mediated by the technological structures. Similarly, was sought to

    list and demonstrate the systemic nature of the definitions and meanings proposed

    by theoretical models which describe the communication processes, analogously

    constituted by computable structures, i.e., focusing on informational efficiency.

  • The study of theories that constitute the science of networks here presented

    aim to properly situate the mediator nature of the connections, which antagonizes

    with the concepts of linkage used in communication processes. In this way, it was

    described the decisive role of the non-human elements at the informational mediation

    afforded by computational arrangements which paradoxically name themselves as

    communication.

    Finally, the study goes trough the possibilities of this machinic imbrication

    provide the organic change, leading society to a post-humanistic, either by destitution

    of human potential by machinery, or by voluntary transformation of humans into

    automatons. In both cases, the scenario presented seemed delicate because it

    touches the ideals of domination and ethnic cleansing, as in the case of propositions

    presented about cyborgs.

    This study is purely theoretical-conceptual relying on research from

    convergent areas, such as: Communication, Cyberculture, Cognition and Sociology,

    and uses the following main authors: Norval Baitello Junior, Richard Barbrook, Jean

    Baudrillard, Zygmunt Bauman, Malena Segura Contrera, Francisco Rdiger and Neil

    Postman.

    Keywords: Cyberculture, cybernetics, communication, post-humanism.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Frame do filme Modern Times (Tempos Modernos) de 1936 do cineasta britnico Charles Chaplin ......................................................................................... 18 Figura 2 - Operrios da indstria Kent Atwater na Filadlfia em 1925 ...................... 20 Figura 3 - Cidade de Nova York em imagens de 1900 e 1913 respectivamente. ...... 21 Figura 4 - Industria de rdios na Philadelphia em meados de 1925. ......................... 25 Figura 5 - Telefonistas no incio do sculo XX e Martin Cooper, em sua primeira ligao de um telefone celular, em 1973. .................................................................. 26 Figura 6 - Sra. Hall prepara o caf da manh para seu marido, Kenneth, antes de ele sair para o trabalho na fbrica de alumnio em Sheffield, Alabama. .................. 27 Figura 7 - O rob Robert, brinquedo de plstico e metal fabricado pela Ideal Toy Corp em New York, na dcada de 1950. .................................................................. 28 Figura 8 - Trade aristotlica do fluxo comunicacional .............................................. 36 Figura 9 - Modelo Comunicacional de Shannon e Weaver ....................................... 39 Figura 10 - Sequncia esquemtica proposta por Wendell Johnson para o processo comunicacional. ......................................................................................................... 39 Figura 11 - Esquema comunicacional de Lasswell. ................................................... 40 Figura 12 - Esquema simplificado do modelo comunicacional de Lasswell .............. 41 Figura 13 - Momento da efetivao da comunicao ................................................ 42 Figura 14 - A - mapa da cidade de Knigsberg, b - as pontes de Knigsberg,c - o respectivo grafo. ........................................................................................................ 51 Figura 15 - Grafo das pontes de Knigsberg............................................................ 51 Figura 16 - Grafos - Exemplos de uso ....................................................................... 52 Figura 17 - Diagramas de Rede de P. Baran ........................................................... 52 Figura 18 - Elementos estruturais de uma Rede de Petri .......................................... 54 Figura 19 - Grafo bsicos de uma Rede de Petri ...................................................... 55 Figura 20 - As pontes da cidade de Knigsberg se analisadas a partir do modelo proposto por PETRI (1962), so os elementos mediatores (transio, interfaces) entre os atores (A, B, C e D). .................................................................................... 56 Figura 21 - Arranjo social dinmico. ......................................................................... 57 Figura 22 - Dinmica de redes sociais ...................................................................... 58 Figura 23 - Vnculos fortes e fracos ........................................................................... 60 Figura 24 - Modelo de Rede Mundo Pequeno proposto por WATTS e STROGATZ . 61 Figura 25 - Clusters e Hubs....................................................................................... 62 Figura 26 - Rede de elementos conectivos ............................................................... 63 Figura 27 - Diagrama de conexes em redes sociais na internet .............................. 64

  • Figura 28 - Diagrama de relaes em redes sociais online (interface) ...................... 64 Figura 29 - Conexo tcnica do social. ..................................................................... 65 Figura 30 - Autmato "Radiomensch Occultus" em imagem de 1909 ...................... 70 Figura 31 - Hipocampo ............................................................................................. 92 Figura 32 - Caprino gestado em tero artificial .......................................................... 96 Figura 33 - Esquema funcional do experimento de Liu ............................................. 98 Figura 34 - Panfleto da Fundao Aperfeioamento Humano, intitulado "Hoje, Esterilizao Humana (1938) .............................................................................. 100 Figura 35 - Frame do filme La cit des enfants perdus (O ladro de sonhos), 1995, de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro, que retrata a histria de um hbrido humano/mquina que no podia sonhar e por isso raptava crianas com o propsito de lhes roubar os sonhos. ....................................................................................... 102

  • SUMRIO

    1. INTRODUO ................................................................................................... 14

    2. SOBRE RELGIOS, ENGRENAGENS E NMEROS....................................... 16

    3. SOBRE SISTEMAS INFORMACIONAIS E COMUNICAO ........................... 35

    3.1. Conceito e acepes .................................................................................... 35 3.2. Sistemas comunicativos ............................................................................... 39 3.3. Comunicao e informao .......................................................................... 41 3.4. Sistemas massivos e ps-massivos ............................................................. 45

    4. SOBRE PLANOS, REDES E CONEXES. ....................................................... 50

    4.1. Teoria dos grafos ......................................................................................... 50 4.2. Redes de Petri ............................................................................................. 54 4.3. Dinmica das redes ...................................................................................... 56 4.4. Redes de mundos pequenos ....................................................................... 58 4.5. Redes sociais na internet ............................................................................. 63

    5. SOBRE A DIMENSO EXISTENCIAL DA CIBERCULTURA ........................... 67

    5.1. Ps-humanismo ........................................................................................... 70 5.2. Crise da alteridade ....................................................................................... 75

    6. SOBRE FANTASMAS, FANTASIAS E SOLITUDE ........................................... 80

    6.1. Reconfigurao neural ................................................................................. 84 6.2. Reconfigurao anatmica ........................................................................... 94

    7. CONCLUSO ................................................................................................... 103

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 106

    BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ....................................................................... 113

  • 14

    1. INTRODUO

    O texto aqui apresentado fruto de inmeras inquietaes, algumas delas,

    talvez as mais importantes, decorreram da paternidade que se iniciou juntamente a

    este mestrado.

    O olhar para o mundo trazia ento no mais a complacncia

    descompromissada com que a minha vida desenrolava-se at ento, postava-se

    defronte a mim preocupaes at ento desconhecidas, ou quem sabe, ignoradas.

    Tudo parecia certo, rpido, eficiente e veloz. No me apercebia a falta de

    afeto, de significncia, da voz. No se trata de metforas, exatamente assim me

    apercebi dos que me rodeavam e isso me abismou.

    Este trabalho se situa no campo da cibercultura, sob a perspectiva da teoria

    crtica, a qual possibilitou um percurso por caminhos menos usuais dos que grande

    parte dos estudos sobre cibercultura costumam percorrer.

    O termo cibercultura por si s uma incgnita construtiva no sentido que

    nasce, ou cunhado, a partir da juno de um elemento de registro histrico da

    sapincia humana, liberto experimentao. Justaposto a um segundo, aqui

    inserido como prefixo, que representa como ser visto adiante, o cerceamento e a

    vigilncia.

    Neste cenrio percebi que toda mudana, mesmo que brusca, processual.

    O novo apropria-se dos elementos de valorizao social ressignificando-os de modo

    que no se apercebam do que perdido pelo processo.

    Deste modo pelo julgo do progresso dirigem-se os esforos a efetivao das

    causas menos nobres, entenda-se aqui mesmo humanas, dos ditames

    sistematizantes os quais personificam seus principais protagonistas.

    A cibercultura nasceu no seio da capitalizao, nos processos idiossincrticos

    do sistema capitalista, outorgantes das personificaes sociais da Era da

    Informao, o que se informa irrelevante frente s necessidades frenticas e

    inescrupulosas de se informar.

  • 15

    O mundo sensvel reduz-se a exatido dimensional do pixel, a centelha dos

    processos sistmicos aos quais os homens se debruam com o intuito de ganhar

    tempo.

    A eficincia do sistema na acelerao da produo (implcita), no

    encurtamento dos espaos (inexistentes), na viabilidade conectiva (desvinculativa),

    na aproximao (distanciamento), engodos tecnolgicos postos como necessidades

    prementes do homem tecnologizado.

    Este trabalho envereda-se ento por estas paragens, inquirindo sobre os

    porqus determinantes desta contemporaneidade, bem como de uma sociedade que

    se conformou a imagem e semelhana da mquina.

    O ponto de partida delimitado pelo problema inicial seria identificar as

    decorrncias desta condio a sociedade em relao as que a sucederam. Tal

    delimitao por sua amplitude convergiu para as decorrncias de cunho

    comunicativo, as quais estabelecem-se como a base cultural das sociedades.

    O texto a seguir de cunho estritamente terico-conceitual, sendo sua

    construo epistemolgica fruto das reflexes tericas anteriores, compreendendo o

    levantamento e anlise terica do referencial bibliogrfico, com base em autores de

    estudos sobre sociedade, comunicao, cultura e cibercultura, dentre os quais

    destacam-se BAITELLO JR., BARBROOK, BAUDRILLARD, BAUMAN, CONTRERA,

    RDIGER e POSTMAN1.

    1 A pesquisa contemplou uma ampla bibliografia como pode ser verificado na seo de referencias

    deste texto, no entanto o raciocnio central foi desenvolvido com base nos autores destacados.

  • 16

    2. SOBRE RELGIOS, ENGRENAGENS E NMEROS

    Estamos assistindo ao nascimento de um tempo em que os aparatos tecnolgicos no so mais prteses humanas, o que vemos o ser humano como prtese dos aparatos tecnolgicos. (BAITELLO JR. e CONTRERA, 2010).

    As inquietaes que orientaram esta pesquisa surgem no contexto social que

    o seu objeto de estudo, a Cibercultura.

    Lvy (1999) descreve, com seu entusiasmo assumido, as potencialidades que

    a imbricao ciberespacial traria sociedade contempornea; e afirma que a fora

    revolucionria dos jovens pode agora ser motriz de uma nova forma de

    comunicao, o que impactaria positivamente as relaes estabelecidas nos planos

    econmicos, polticos, sociais e humanos.

    Este estudo no tem o intuito de endossar as ideias propostas por Lvy,

    tampouco se atreve a contest-las, apenas tenta, por meio de levantamento terico,

    compreender e relacionar aspectos determinsticos da realidade que aqui

    evidenciamos a eventos oriundos desse contexto.

    Segundo Lvy (1999, p.12), a verdadeira questo no ser contra ou a

    favor, mas sim reconhecer as mudanas qualitativas na ecologia dos signos, o

    ambiente indito que resulta da extenso das novas redes de comunicao para a

    vida social e cultural.

    Frente ao postulado inquire-se neste trabalho pelas decorrncias

    comunicacionais2, provenientes da imbricao tecnolgica aos diferentes contextos

    que compem a sociabilidade humana.

    Alguns tericos alardearam preocupaes quanto aos potenciais malefcios

    esfera do social das ramificaes das concepes artificiais da tcnica no contexto

    de vida da sociedade contempornea.

    2 O sentido de comunicao adotado neste trabalho imprime o significado de vinculo social,

    reverbera ento no relacionamento interpessoal, no senso de comunidade como comum unidade e na prpria comunicao como comum ao.

  • 17

    Outros empenharam-se na defesa do potencial libertador que tais engendres

    trariam sociedade, o que, no decorrer dos fatos, demonstrou-se prenncio do

    crcere.

    O crcere esteia a liberdade, a formulao das primeiras cidades implicava na

    construo inicial da muralha, a qual garantiria a existncia liberta e despreocupada

    de seus cidados.

    O revestimento corporal utilizado pelos cavalarios medievais conferia-lhes

    proteo pela privao. Os corpos no estavam mais libertos e fragilizados, jaziam

    em claustros metlicos, limitadores dos movimentos corpreos de ordem motora,

    cinestsica, cenestsica e sinestsica3.

    A relao dicotmica entre privao e liberdade4 parece no sustentvel, visto

    que para a percepo de uma requerida a outra.

    certo que a imanncia, os ritos e cultos buscam a couraa protetora

    mediante a obedincia aos ditames pretendidos, conferindo pela privao o acesso

    muralha pertencente s paragens celestiais.

    A existncia humana torna-se uma sucesso de privaes em nome da

    liberdade e da indulgncia, pela precao contnua e ininterrupta, caminho singular

    alforria anunciada.

    Eis que chega-se ao sculo XIX, e com ele insurge-se a revoluo industrial,

    amparada na exigncia de aumento contnuo da produo, ferramental, maquinrio

    e mtodos especializados so empregados com essas finalidades.

    A clausura amplia-se, o espao exigue-se, ou seja, confina-se o indivduo aos

    desgnios da mquina, catalisadora de seus expurgos produtivos, em um processo

    cclico de retroalimentao das necessidades pelo sistema inventadas.

    3 Cinestesia:sentido da percepo do movimento, peso, resistncia e posio do corpo, provocado

    por estmulos do prprio organismo; Cenestesia: designao genrica para as impresses sensoriais internas do organismo, que formam a base das sensaes; Sinestesia: relao que se verifica espontaneamente (e que varia de acordo com os indivduos) entre sensaes de carter diverso mais intimamente ligadas na aparncia; cruzamento de sensaes. (HOUAISS, 2001, p. 670; 720; 2579).

    4 Aborda-se o conceito de liberdade neste ponto como a ausncia de determinao, servilismo e sujeio.

  • 18 Figura 1 - Frame do filme Modern Times (Tempos Modernos) de 1936 do cineasta britnico Charles

    Chaplin

    Fonte: Frame do filme Tempos Modernos 1936 de Charles Chaplin

    Talvez Ren Descartes (Sc. XVII) no tivesse noo da premonio a qual

    enunciava ao afirmar que os homens e o universo funcionavam como relgio

    mecnico. Esse discurso apresenta similaridades frente aos desgnios a que a

    humanidade ps-industrialista foi conformada.

    Se o prprio homem, em sua constituio orgnica, no operava como um

    relgio, notvel que sua existncia passou a ser determinada por ele. No momento

    de labor ou no perodo denominado lazer e descanso, porm caracterizado como

    preparo ao exerccio.

    A fora de trabalho se institui sobre a morte. preciso que um homem morra para tornar-se fora de trabalho. essa morte que ele negocia no salrio [...] preciso sustentar que a nica alternativa ao trabalho no o tempo livre nem o no trabalho, o sacrifcio. (BAUDRILLARD, 1996, p.55-56)

  • 19

    Baudrillard (1996, p.56), inquirindo sobre o trabalho e a genealogia do

    escravo, ressalta o fim certo dos prisioneiros de guerra: a morte. Sendo essa uma

    honraria concedida pelo vencedor ao inimigo derrocado, em contrrio, como ressalta

    o autor, ele poupado e conservado (= servus), tornando-se esplio daquele que

    o infligiu em batalha.

    O escravo, mesmo quando em labor servil, ainda no est em trabalho, que

    lhe conferido somente mediante a emancipao, enfim liberto da hipoteca da

    condenao morte e liberto para qu? Precisamente para o trabalho. Baudrillard

    (ibidem).

    Paradoxalmente, Baudrillard (ibidem) afirma que o trabalho uma morte

    lenta, a morte parcelada em oposio morte imediata, quem trabalha continua

    sendo aquele que no foi condenado morte [...] a quem se recusou essa honra. O

    trabalho de incio o signo dessa abjeo de no ser julgado digno a no ser da

    vida. Baudrillard, ao chegar a essa concluso, faz eco s palavras de Joo Cabral

    de Melo Neto em seu aclamado poema Morte e Vida Severina.

    [...] Mas isso ento ser tudo em que sabe trabalhar? vamos, diga, retirante, outras coisas saber. Deseja mesmo saber o que eu fazia por l? Comer quando havia o qu, havendo ou no, trabalhar. Essa vida por aqui coisa familiar; mas diga-me, retirante, sabe benditos rezar? sabe cantar excelncias, defuntos encomendar? sabe tirar ladainhas, sabe mortos enterrar? [...] Vou explicar rapidamente, logo compreender: como aqui a morte tanta, vivo de a morte ajudar. [...] (MELO NETO, 1994, p. 38-39)

    Baudrillard fala da morte no sentido de renncia vida, imperativo do homem-

    engrenagem, aventado por Ren Descartes e efetivado por Henry Ford.

  • 20

    Figura 2 - Operrios da indstria Kent Atwater na Filadlfia em 1925

    Fonte: Biblioteca do Congresso Norte Americano via http://www.shorpy.com.

    Apesar de o paradigma mecanicista surgir no sc. XVIII, com as pesquisas de

    Isaac Newton, a fora motriz da mecanizao do homem surge com o sistema

    capitalista, a industrializao e a concepo das linhas de montagem, que possuem

    seu cone no modelo proposto por Henry Ford (1913); colocavam o homem como

    engrenagem da grande mquina, destituindo dela pela simples inoperncia o seu

    potencial e domnio tcnico.

    Wiener (1968) ressalta que o funcionamento fsico de um indivduo vivo e o de

    mquinas de comunicao so exatamente paralelos no esforo anlogo de

    dominar a entropia atravs da realimentao. Postula ainda que em ambos existe

    um instrumento especial para coligir informao do mundo exterior, a baixos nveis

    de energia, e torn-la acessvel na operao do indivduo ou da mquina.

    (WIENER, 1968, p.26)

    No se ressaltou da leitura que muitos fizeram de Wiener que:

    [...] a mquina automtica [...] o equivalente preciso do trabalho escravo. Qualquer trabalho que dispute com o trabalho escravo deve aceitar as condies econmicas do trabalho escravo. (WIENER, 1968, p.159)

  • 21

    O prprio Wiener (1968, p.159) discorre quanto s potencialidades do que

    chama de a nova revoluo industrial, a qual configura-se, segundo o autor, como

    uma espada de dois gumes, utilizada para propiciar avanos nas condies

    empregatcias, sociais e econmicas, mas, como destaca, se a humanidade

    sobreviver o bastante para ingressar num perodo em que tal benefcio seja

    possvel. Essa uma aposta que ainda no pode ser dada por certa.

    Tais caractersticas reforam-se ao longo do sculo XX, que impulsionou e

    moldou a sociedade pela equalizao conceitual propiciada pelos meios massivos

    de informao. O homem no apenas colocado como parte da mquina, mas

    condicionado a aceitar a sua agora condio maqunica sem perceber-se como tal.

    Ocorre aqui o distanciamento do humano do que de pertena ao biolgico; a

    natureza bem-vinda como cenrio social, ou seja, o homem a transforma em mero

    adorno, retirando os elementos perturbadores e desconexos de seu atual estado de

    civilidade, conferindo ao selvagem a artificialidade desejada.

    Comeamos a perceber que aquilo que procuramos na natureza beleza natural pode ser distinguido do mundo natural [...] at certo ponto a natureza sempre feita pelo homem, seno diretamente com nossas mos, com certeza sempre por nossas mentes. (Hillman, 1993, p. 124.)

    No por acaso um dos apelos comerciais de Henry Ford para se trocar os

    cavalos pelos recm-lanados automveis era o fato de eles sujarem as ruas da

    cidade com seus dejetos.

    Figura 3 - Cidade de Nova York em imagens de 1900 e 1913 respectivamente.

    Fonte: Detroit Publishing Company e George Grantham Bain Collection via http://www.shorpy.com.

  • 22

    O inexorvel e crescente condicionamento maqunico5 ao longo do tempo

    passa a impregnar outros segmentos do social. A condio aventada por esse

    trabalho j se precipita em distintas esferas antes mesmo da digitalizao dos

    processos.

    Barbrook (2009) considera sobre a ciberntica:

    Similar a Marx, Wiener alertou que o papel da nova tecnologia sob o capitalismo era intensificar a explorao dos trabalhadores. Ao invs de criar mais tempo de lazer e melhorar os padres de vida, a informatizao da economia sob o fordismo aumentaria o desemprego e cortaria os salrios [...] a ciberntica provava que a inteligncia artificial ameaava as liberdades da humanidade [...] (BARBROOK, 2009, p.74-75).

    Em meados do sculo XX, j em contexto imbricado tecnologicamente,

    deparamo-nos com os auspcios algortmicos da insurgncia computacional.

    No por acaso os compenetrados cientistas computacionais dos anos 1950

    buscavam na apropriao dos sistemas neurais a conscincia maqunica passvel de

    ser reproduzida em srie.

    Segundo Wiener (1968, p.15), o termo ciberntica deriva-se da palavra grega

    kubernetes, que significa piloto; no entanto, como ressalta o autor, a mesma

    palavra grega de que eventualmente derivamos a nossa palavra governador.

    De acordo com Rudiger (2011, p.108), Norbert Wiener cunhou ciberntica

    para definir, em seus termos, a cincia do controle das relaes entre mquinas e

    seres vivos, em especial da comunicao entre elas e os homens.

    No futuro [...] as mensagens entre o homem e as mquinas, entre as mquinas e o homem, e entre a mquina e a mquina, esto destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante. (WIENER, 1968, p.15).

    A cultura e os espaos ditos cibers so, etimologicamente falando,

    respectivamente, o controle da cultura e o espao controlado, e configuram-se na

    gide de governo, de cerceamento que ocorre na impetrao da conexo

    tecnolgica.

    5 O termo maqunico ser empregado neste texto como sinnimo de todo elemento de

    intermediao entre o homem e a ao a ser executada, seja mediao mecanizada, eletroeletrnica ou computacional.

  • 23

    Fato no dimensionado adequadamente at ento que o aspecto

    governamental da imbricao tecnolgica emerge no social, tornando-o imperativo

    da cidadania, silogismo da ascenso social dentro de um sistema econmico

    especfico, o capitalismo.

    Esse raciocnio torna evidente que o maquinrio de finalidade produtiva e o

    ferramental primitivo utilizado por nossos antepassados propiciaram e determinaram

    o fazer no aparato do processo natural de progresso social.

    Os avanos tecnolgicos permitiram em igual grau o avano das

    possibilidades humanas de conexo, empenhadas agora na conquista exterior de

    seu universo existencial, encurtado e operacionalizado pela interferncia

    tecnolgica.

    Alexander Graham Bell (sculo XIX), quando efetuou a primeira chamada

    telefnica, adicionou novo patamar aos processos abstratos decorrentes da leitura

    ou da contemplao de imagens.

    A codificao e a decodificao do som em sinais eltricos permitiam a

    comunicao oral em longa distncia. Para tanto, porm, era essencial a

    predisposio do indivduo em falar e ouvir sem saber ao certo com quem se

    comunicava no alm-mquina. Comea aqui o apagamento do interlocutor.

    [...] Na apropriao individual de objetos naturais para seus fins de vida, ele controla a si mesmo. Mais tarde ele ser controlado. O homem isolado no pode atuar sobre a Natureza sem a atuao de seus prprios msculos, sob o controle de seu prprio crebro. Como no sistema natural cabea e mo esto interligados, o processo de trabalho une o trabalho intelectual com o trabalho manual. Mais tarde separam-se at se oporem como inimigos. O produto transforma-se, sobretudo, do produto direto do produtor individual em social, em produto comum de um trabalhador coletivo, isto , de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se encontram mais perto ou mais longe da manipulao do objeto de trabalho. Com o carter cooperativo do prprio processo de trabalho amplia-se, portanto, necessariamente, o conceito de trabalho produtivo e de seu portador, do trabalhador produtivo. Para trabalhar produtivamente j no necessrio, agora, pr pessoalmente a mo na obra; basta ser rgo do trabalhador coletivo, executando qualquer uma de suas subfunes. [...]. (MARX, 1996, p. 133).

    O homem, agora comensal da mquina, no guarda similaridades com o

    homem que o antecedeu, e a palavra falada pela primeira vez deixa de precisar do

    ar que separa a boca e os ouvidos dos que compartilham o discurso.

  • 24

    Barbrook (2009, p.74-75), descrevendo os experimentos e concluses de

    Turing nos anos de 1950, evidencia o [...] jogo da imitao. Como o observador

    no conseguia dizer se falava com um humano ou uma mquina numa conversa on-

    line, ento no haveria mais diferena substancial entre os dois tipos de

    conscincia.

    Elimina-se a distncia, como propiciou Graham Bell; ancora-se a mquina

    possibilidade produtiva, como proposto por Ford; configura-se o habitculo

    insurgncia maqunica, e o homem desnudo apenas um homem desnudo.

    O contexto de existncia social torna-se hbrido, homens e mquinas

    estabelecem relao simbitica, os artifcios somem no contexto, mimetizando-se

    aos espaos da natureza, que por sua vez confinada, outorgada ao expurgo,

    conformada a toda ambincia tecnolgica e transformada em cenrio imaginrio ao

    gozo do tempo livre (livre da maldio do ter que trabalhar). (GARCIA, 2002, p.3)

    certo que a apropriao do trabalho e do tempo humano pelas linhas de

    montagens impe aos indivduos o distanciamento daquilo que os conformava.

    Assim, eles j esto fora do contexto anterior, vivendo na particularidade dos

    afazeres contratados, imputados ao estreitamento das relaes sociais, delegados

    convulsividade operacional de seu posto de trabalho, ao cerceamento intelectual.

  • 25

    Figura 4 - Industria de rdios na Philadelphia em meados de 1925.

    Fonte: Biblioteca do Congresso Americano via http://www.shorpy.com.

    Ao homem na era industrial, pea de uma mquina maior, cabe a constante

    busca do domnio tcnico do qual foi destitudo. Ele empenha esforos na

    idiossincrtica busca constante pelo aperfeioamento de seus afazeres mecnicos,

    em um processo contnuo de crescimento e desempenho; contudo, continua a ser

    engrenagem.

    A rpida mudana tecnolgica dissolve a ordem tradicional do tempo. Os indivduos tentam compensar essa perda aumentando a demanda de formao, refletida no conceito de educao permanente [...] Na sociedade da alta velocidade o tempo mesmo se converte em objeto de acelerao. (GARCIA, 2002, p.5-6)

    No dia 3 de abril de 1973, em uma esquina da rua 56, em Nova York, Martin

    Cooper, pesquisador da Motorola, faz a primeira ligao da histria com um telefone

    celular.

  • 26

    Figura 5 - Telefonistas no incio do sculo XX e Martin Cooper, em sua primeira ligao de um telefone celular, em 1973.

    Fonte: http://www.shorpy.com

    O aparelho telefnico tradicional j era popular; os transeuntes, no entanto,

    olhavam para Cooper com espanto, pois imaginavam se tratar de uma pea. No

    havia fios de conexo. Iniciava-se a popularizao da relao tecnolgica dos

    espaos com o no espao, estabelecia-se a centelha daquilo que anos mais tarde

    se estabeleceria como ciberespao.

    Retomemos, porm, o contexto social em que tal ligao foi executada. O

    homem havia pisado na lua fazia quase uma dcada; televisores, rdios,

    automveis, eletrodomsticos e demais itens de origem industrial e tecnolgica

    ocupavam os espaos construdos especialmente para abrig-los, nas moradas

    norte-americanas, estabelecidas como modelo ideal de habitao.

  • 27

    Figura 6 - Sra. Hall prepara o caf da manh para seu marido, Kenneth, antes de ele sair para o trabalho na fbrica de alumnio em Sheffield, Alabama.

    Fonte: Arthur Rothstein for the Office of War Information via http://www.shorpy.com

    Vivia-se a guerra fria; nos dissabores do ps-guerra e da corrida

    armamentista os laboratrios das empresas de tecnologia tornavam fato as

    predies da indstria da fico.

    Os homens j no fugiam das projees cinematogrficas como quando os

    irmos Lumire, em 1895, apresentaram sociedade o cinematgrafo, tampouco

    detinham-se no espao de morada. Alongavam sua existncia no enfadonho ir e vir

    propiciado pelas linhas telefnicas, autoestradas, aeroportos e suportes de

    comunicao em massa.

    As possibilidades de recepo informacional expandiam-se a partir da

    mediao destas com os elementos intensificadores formados pelos engendres

    maqunicos, eltricos e eletrnicos.

    O homem via-se preso lgica estabelecida da conectividade tcnica,

    enquanto seu potencial perceptivo era interseccionado pelos elementos de

    mediao, intermediando o seu contato com o mundo natural.

  • 28

    As relaes comunicativas esvaam-se em formas e processos do mesmo

    modo que as relaes humanas, conformando novos homens, mecanizados, talvez

    como anteviu em outros tempos Ren Descartes.

    A sociedade que emerge no sculo XX traz, embutida em suas entranhas, os

    processos mediadores dos artifcios, tornando homens e mquinas um novo

    elemento indissocivel.

    Figura 7 - O rob Robert, brinquedo de plstico e metal fabricado pela Ideal Toy Corp em New York, na dcada de 1950.

    Fonte: http://www.daviddarling.info.

    A mescla resultante da simbiose pode ser entendida como ciborgue, termo

    que nasce da juno dos termos ciberntica e organismo. No se trata, portanto, de

    um ou outro, mas de um elemento sinttico, ou o que na fico cientfica ficou

    delimitado por mquinas cnscias.

    Pela possibilidade da aquisio de conscincia por parte das mquinas ou

    pela ideia de maquinizao das conscincias, parece-me evidente que no foram

    as mquinas que se tornam inteligentes como Turin assegurou, so os inteligentes

    que se tornaram mquinas. (SILVA, 2012, p.13)

    Kurzweil (2005) afirma que a fronteira final no que concerne inteligncia

    artificial ser rompida em meados de 2020, dando incio ao que chama de

    singularidade tecnolgica, em meno ao termo utilizado para descrever o

    momento gnese do universo.

  • 29

    A inteligncia biolgica est esttica, porque um paradigma velho e vencido, mas o novo paradigma da computao e inteligncia no biolgica cresce exponencialmente. A passagem ser na dcada de 2020 e, depois disso, pelo menos da perspectiva dos equipamentos, a computao no biolgica dominar [...]6 (KURZWEIL, 2005).

    Diversos estudiosos e entusiastas do tema somam esforos na busca pelo

    Rob Redentor (BARBROOK, 2009, p.35), impelindo trabalhos ao encurtamento

    temporal que separa a sociedade contempornea das ddivas concernentes ps-

    humanidade que se erguer Homo Sapiens.

    O discurso promulgado o mesmo que, protagonizado pela indstria,

    possibilitou a absoro do homem pelas mquinas industriais no incio do sculo

    XIX, e posteriormente o expurgou de suas maleficncias humanas em nome dos

    processos produtivos, ou seja, as mquinas inteligentes surgiram como nico modo

    indulgncia social.

    A ascenso das redes telemticas de comunicao adicionou importante

    elemento ao processo de busca e impetrao da conscincia maqunica.

    Confere-se no agora institudo ciberespao a possibilidade de ascender

    social, cultural e economicamente; em troca exige-se apenas o compromisso do

    usurio no cumprimento dos afazeres determinados pelo sistema, possibilitando o

    funcionamento das digitalizadas engrenagens que movimentam o fluxo informacional

    na rede.

    Segundo Lvy:

    O cmulo da cegueira atingido quando as antigas tcnicas so declaradas culturais e impregnadas de valores, enquanto as novas so denunciadas como brbaras e contrrias vida. Algum que condena a informtica no pensaria nunca em criticar a impresso e menos ainda a escrita. Isso porque a impresso e a escrita (que so tcnicas!) o constituem em demasia para que ele pense em apont-las como estrangeiras. No percebe que sua maneira de pensar, de comunicar-se com seus semelhantes, e mesmo de acreditar em Deus so condicionadas por processos materiais (LVY, 1993, p. 15)

    6 Traduo livre do original: Biological intelligence is fixed, because its an old, mature paradigm,

    but the new paradigm of non-biological computation and intelligence is growing exponentially. The crossover will be in the 2020s and after that, at least from a hardware perspective, non-biological computation will dominate [] (KURZWEIL, 2005).

  • 30

    Enfatiza Lvy (1993) que toda e qualquer crtica aos ditames da imbricao

    tecnolgica s relaes humanas so exageradas e despropositadas, originadas em

    indivduos cegos aos auspcios e benevolncias que a tecnologia propiciar

    humanidade.

    Escapa a Lvy (1993), no entanto, o carter distinto da tcnica em relao

    tecnologia. Rdiger (2009, in Marcondes Filho, 2009, p. 337-338) tenciona a vertente

    etimolgica do termo tcnica, resgatando seu emprego na antiga Grcia, como

    forma de saber de que o homem se serve para produzir o que a natureza no lhe

    proporciona espontaneamente, mas sempre de forma varivel e dentro de certos

    limites.

    Rdiger (2009, in Marcondes Filho, 2009, p. 338) ressalta que a gnese do

    termo tecnologia est em Galileu Galilei (1564 1642) e Ren Descartes (1596

    1650), ou seja, o projeto tecnolgico de submeter s tcnicas mundanas aos

    critrios de perfeio extraordinrias do logicismo (matemtico).

    Postman (1994) traa excelente panorama sobre as transformaes ocorridas

    entre os perodos por ele definidos como o de culturas usurias de ferramentas, a

    mudana para uma tecnocracia e posteriormente ao tecnoplio.

    Postman (ibidem, p.51) descreve como as mudanas fomentadas pela

    revoluo industrial trouxeram ideias de objetividade, eficincia, habilidade,

    padronizao, mediao e progresso, caractersticas das mquinas impostas a

    partir de ento ao homem maquinizado.

    Segundo Postman (ibidem, p.60), Frederick Taylor, engenheiro norte-

    americano autor dos Princpios de administrao cientfica, criou o primeiro

    esboo explcito e formal das suposies da ideia de mundo do tecnoplio:

    [...] o objetivo principal, se no o nico, do trabalho e do pensamento humano a eficincia; que o clculo tcnico , em todos os aspectos, superior ao julgamento humano; que na verdade o julgamento humano no pode ser confivel porque est infestado de falta de exatido, ambiguidade e complexidade desnecessria; que a subjetividade um obstculo para o pensamento claro; que o que no pode ser medido, ou no existe ou no tem valor; e que os assuntos dos cidados so mais bem orientados e conduzidos por especialistas. (POSTMAN, 1994, p.60).

  • 31

    Postman (ibidem, p.61) enftico quanto percepo de que a declarao de

    Taylor (1911) explcita ao afirmar que a sociedade mais bem servida quando

    seres humanos so colocados disposio de suas tcnicas e de sua tecnologia,

    metaforicamente como engrenagens vivas do maquinrio. Como esperado, as

    peas valem menos que a mquina completa, pois so facilmente substitudas em

    nome da eficincia do sistema.

    certo que os mesmos determinantes ao surgimento e configurao do termo

    tecnologia foram impulsionadores da revoluo industrial; no por acaso, Friedrich

    Lamprecht, em 1787, a define como a cincia fabril (ibidem).

    Segundo Emmanuel Mesthene (1968 apud RDIGER, 2009), a tecnologia

    compreende a totalidade dos instrumentos que os homens fabricam e empregam

    para fabricar e, por meio deles, fazer as coisas.

    Evidencia-se que enquanto a tcnica o elemento imprescindvel ao ser

    humano execuo de algo que no o dado naturalmente, a tecnologia o

    complexo processo mecnico eletrnico entre o homem e o domnio tcnico

    essencial efetivao da tarefa. E nela esto embutidas a ideologia e as formas

    cognitivas da mecnica e da eletrnica.

    Os aparatos tecnolgicos propem e efetivam a obliterao da tcnica que,

    possibilitando as potencialidades maqunicas de replicao em srie, efetivam-se na

    reprodutibilidade do que so para o homem e do prprio homem quando reflete essa

    tecnologia.

    Lvy (2000), perfaz seu conformismo na alegao:

    Olhe para a merda do mundo. exatamente a mesma merda que h em voc: a besteira, a cobia, a raiva, a violncia, a arrogncia, o cime, o medo, a autodestruio, a vergonha. Se voc se culpa, voc s um covarde. Se acusa os outros, o mundo, o sistema, os estrangeiros, e sei l o que mais, voc um verdadeiro covarde. Mas se voc se recusa a ver a merda, voc o pior dos covardes. A coragem est em ficar na merda. Trabalhar com ela. Aceit-la tal como . Ver que vazia. Sentir no mais ntimo que a merda um sonho de merda (LVY, 2000, p. 168).

    Parece-me de fato que se trata de simples escolha, aceit-la tal como [...]

    (ibidem) ou simplesmente inquirir sobre os postulados preditos por seus

    admiradores. A dvida que emerge frente ao cenrio social aventado quais

  • 32

    decorrncias essas imbricaes traro sociedade e prpria noo de

    humanidade.

    O ensaio resposta requisitada pelo questionamento tangenciaria diferentes

    reas do saber, como sociologia, antropologia, medicina, fisiologia, etologia, entre

    outras tantas. provvel que as decorrncias que se evidenciassem no processo

    fossem positivas em algumas reas e negativas em outras. Mas pensar em reas

    isoladas do conhecimento no implicitamente pensar na humanidade, construtora

    de todas as reas.

    inegvel a contribuio da cincia quando se analisa o controle dos

    sintomas da Doena de Alzheimer a partir de um implante neural, como o promovido

    pela equipe do Andrs Lozano, professor de Neurocirurgia no Hospital Toronto

    Western, em Ontrio, Canad.

    Igualmente inegvel o desservio prestado por prticas educacionais

    mediadas por computador formao de jovens indivduos, como as evidenciadas

    por Nicholas Carr (2011), ou as desastrosas decorrncias das relaes sociais,

    como as descritas pela professora de Tecnologia e Sociedade do MIT, Sherry Turkle

    (2011).

    Turkle (2011) incisiva quanto falta de ateno que ocorre quando as

    pessoas, mesmo juntas, se conectam ao prprio dispositivo mvel, o que o filsofo

    tcheco-brasileiro dos modernos meios de comunicao, Vilm Flusser, chama de

    novo nomadismo, o nomadismo das mentes. Os corpos esto juntos, no entanto a

    mente vagueia por seu universo particular em meio nulidade dos espaos ciber.

    [...] as trs catstrofes. A primeira catstrofe, a hominizao, a descida do homem para a savana, transformou-o em um ser nmade. Tal nomadismo, que obriga o homem a andar, em alemo fahren, gera tambm a aquisio do conhecimento, erfahrem/ficar sabendo/. A segunda catstrofe foi o assentamento, que o levou ao cultivo de animais, plantas e criao de agrupamentos urbanos. Isso teria aberto as portas posse e acumulao de bens materiais (afinal, argumentava em alemo, sitzen (estar sentado) e besitzen (possuir) so palavras irms). E a terceira catstrofe [...] consistiria em expulsar o sedentrio de seu espao fechado e domstico, obrigando-o a uma nova era de nomadismo. Sua casa torna-se inabitvel, pois est perfurada pelo vento da informao, diz Flusser. Esse novo nomadismo da mobilidade virtual, por sua vez, desvaloriza novamente a posse dos bens materiais, as coisas, em favor dos bens imateriais, as no coisas, informaes, softwares e similares. Volta-se aos domnios do fahren e do erfahen, com a diferena que nos movimentamos agora num espao de nula dimenso, gerado pelas cifras, pontos e gros (e aqui argumenta o

  • 33

    autor: sifr em rabe quer dizer vazio; tambm dela nasce a palavra zero). (BAITELLO JR, 2007, P.24 in FLUSSER, 2007).

    Efetiva-se a conexo maqunica em seu mais alto grau, desde as primeiras

    impugnaes liberdade humana impostas pelas linhas de montagem. Presos s

    celas digitais, os homens agora vivem em meio Era da Informao - Druker (1999),

    tida como momento histrico que sucede a intitulada Era Industrial, ou, como define

    Cazeloto (2008), determinados pela monocultura informtica, ou seja, circunscritos

    aos desgnios do Tecnoplio, como Postman (1994) descreve.

    Os aspectos caractersticos ressaltados por Cazeloto (2010) como

    conformadores da monocultura informtica herdam seus atributos do momento

    histrico que os antecederam.

    [...] a hiptese de que a aparente diversidade das prticas culturais na cibercultura redutvel a um conjunto de procedimentos, interdies e ferramentas homogneas, baseadas na mediao de equipamentos informticos. A esse conjunto, bem como s prticas a ele associadas, denominamos monocultura informtica. (CAZELOTO, p.1, 2010)

    O momento histrico que antecede a monocultura informtica conforma os

    homens aos ditames de um sistema monocultural padronizador ao extremo,

    separando pela conexo os indivduos de seus pares, e na distncia anunciada se

    posta como meio eficaz e nico para a comunicao.

    Os aspectos comunicativos ofertados pelas solues maqunicas e

    eletroeletrnicas se estabelecem apenas mediante o distanciamento humano que

    tais dispositivos propiciaram ao longo do tempo. A soluo maqunica , portanto,

    idealizada pelos problemas decorrentes de sua prpria existncia e no da

    existncia humana.

    A intermediao exercida pelo elemento de origem artificial no relacionamento

    interpessoal propicia a permuta informacional 7 enquanto oblitera o potencial

    comunicacional8.

    7 Informao: ato ou efeito da emisso ou recepo de mensagens (RABAA e BARBOSA, p.388,

    2001). 8 Comunicao: conjunto de conhecimentos e procedimentos humanos, articulados no intuito de

    propor a unicidade conceitual. (RABAA e BARBOSA, p.155, 2001).

  • 34

    Os elementos tcitos aos processos comunicativos, portanto, so substitudos

    por elementos Turing-computveis, ou seja, requisitos de funcionamento das

    solues maqunicas.

    Daniel Bell (1970) afirmou que o conhecimento terico seria o elemento

    propulsor da sociedade do futuro, determinada e qualificada a partir de emergentes

    possibilidades de acesso, processamento e distribuio de contedo informacional

    (KUMAR, p. 15, 1997).

    Tal potencialidade atribuda aos engendres maqunicos roaram o intelecto de

    inmeros pesquisadores, tericos e entusiastas, e no por acaso as dcadas

    antecedentes se mostraram profcuas s concepes da natureza ciberntica e

    informacional.

    Mltiplas proposies de sistemas comunicativos e comunicacionais

    pululavam na academia, e os esforos estavam dirigidos efetivao dos

    postulados da redeno humana pelos dispositivos artificiais.

  • 35

    3. SOBRE SISTEMAS INFORMACIONAIS E COMUNICAO

    Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicao entre ambos, que se d atravs de signos lingusticos. O mundo humano , desta forma, um mundo de comunicao. (FREIRE,1977, p. 66)

    3.1. Conceito e acepes

    O termo comunicao possui sua origem etimolgica no latim communicatio (ao de comunicar, fazer parte), e compartilha a mesma linhagem de vocbulos

    como communitas (comunidade), communis (comum, que pertence a vrios) e

    commune (bem comum), ou seja, o ato de comunicar compreende a habilidade e o

    conhecimento de tornar a ao comum, acessvel, disponvel, inteligvel a um

    grupamento tnico.

    Gomes (2004, p.2) descreve a comunicao como tornar comum,

    estabelecer comunho, participar de comunidade, por meio de intercmbio de

    comunicao.

    Esse ato desenvolve-se a partir da apropriao, manipulao e exteriorizao

    de elementos inerentes esfera da cultura9, com o intuito de produzir significado.

    A comunicao caracterstica ontolgica do ser humano, parte indissocivel

    da sua existncia, e delineou ao longo dos anos a construo cultural que levou o

    homem primitivo das savanas ocupao do territrio espacial.

    De acordo com BATESON e RUESCH (1965, p.11-17 apud LANA (2008), [...]

    a comunicao a matriz em que esto cravadas todas as atividades humanas, a

    comunicao no [...] se refere somente transmisso verbal, explcita e

    intencional de uma mensagem, mas inclui todos os processos atravs dos quais as pessoas se influem mutuamente (grifo meu).

    9 Deixe-me fazer aqui uma rpida distino entre cultura e civilizao [...] A cultura acontece em

    lugares fechados, reservados mesmo, envolvendo a putrefactio alqumica, ou decadncia enquanto o corpo da fermentao. Gerao e decadncia acontecem juntas; e no so sempre fceis de se distinguir. O que condiz com a civilizao so sistemas de irrigao, monumentos, vitrias, perseverana histrica, riqueza e poder como uma fora coesiva que tem um objetivo comum. A civilizao funciona; a cultura floresce. A civilizao olha para frente; a cultura olha para trs. A civilizao relato histrico; a cultura um empreendimento mtico...A slaba-chave na cultura o prefixo re (Hillman, 1993, p. 34).

  • 36

    LANA (2008), em sua anlise do Comunicacion: la matriz social de la

    psiquiatria, de BATESON e RUESCH (1965), destaca trs tipos de comunicao

    elencados pelos autores: comunicao interpessoal, comunicao intrapessoal e

    comunicao de massa.

    TRIVINHO (1996, p.74) destaca trs processos fundamentais de

    comunicao: interpessoal, de uma ou duas vias [...] de massa, que implica

    transmisso e recepo a distncia [...] cyberspatial [...] por mediao de mquinas

    informticas capazes de redes interativas [...].

    FRANA (2001) divide o estudo da comunicao em duas categorias

    distintas, processo de comunicao e os meios de comunicao.

    Os processos comunicativos dizem respeito ao modus operandi para se

    estabelecer a comunicao, como fala, escrita e expresso corporal. J os meios de

    comunicao categorizam-se pelo suporte tecnolgico pelos quais a comunicao

    se estabelece, como imprensa, rdio, cinema, TV e internet.

    Os estudos da comunicao comumente enveredam por demonstraes

    sistmicas 10 dos processos envolvidos, reduzindo o conjunto de conhecimentos

    inerentes comunicao: lingusticos, psicolgicos, antropolgicos, sociolgicos,

    filosficos, metodolgicos, culturais (BARBOSA e RABAA, 2001, p.155), em

    referencial tautolgico arquitetado na sntese aristotlica: fonte, mensagem e

    receptor (Figura 8).

    Figura 8 - Trade aristotlica do fluxo comunicacional

    Fonte: Elaborado pelo prprio autor.

    10 Conjunto de elementos interdependentes e/ou inter-relacionados, de modo a formar um todo

    (BARBOSA e RABAA, 2001, p.680). Capra (1996) prope uma diferenciao fundamental entre o que chama de sistemas vivos e sistemas mecanicistas, onde evidencia que o primeiro no pode ser analisado em partes menores, mas sempre em seu todo compositivo em relao ao contexto, o que o autor destaca como pensamento contextual [...] uma vez que explicar coisas considerando o seu contexto significa explic-las considerando o seu meio ambiente, [...] todo pensamento sistmico pensamento ambientalista. (CAPRA, 1996, p.46-47). A delimitao do termo sistema empregado neste texto, no entanto, aponta para o carter mecanicista e cartesiano dos modelos apresentados.

    Fonte Mensagem Receptor

  • 37

    Por essa premissa, para ocorrer a comunicao essencial que o sistema de

    codificao da mensagem, a linguagem, seja comum entre o emissor e o receptor,

    caso contrrio o contedo comunicacional codificado pelo emissor no poder ser

    decodificado pelo receptor, inviabilizando o processo comunicativo.

    No entanto, parece pouco factvel que o processo de troca de mensagem se

    estabelea de imediato, como alude o esquema grfico acima (Figura 9). Em anlise

    primeira e incompleta, evidencia-se que o elemento intitulado como mensagem

    requer suporte para existir como significado quando exteriorizado pelo emissor,

    possibilitando sua apropriao e interpretao pelo receptor, ou seja, a mensagem,

    quando exteriorizada, inexiste sem um suporte, que foi e ainda a concepo mais

    popular de meio.

    No entanto, aspectos relativos comunicao fazem uso concomitante de

    diferentes recursos corpreos. No se exige obrigatoriamente um suporte externo,

    pois o meio de influxo comunicacional configura-se no prprio corpo.

    Presencialmente assim se emitem, se que h emisso e no apropriao,

    diferentes elementos que formam a comunicao com o outro; em decorrncia de

    estmulos ocasionados por esse processo desencadeiam uma srie de elementos

    comunicativos por parte daquele que os recebeu; Fechando o ciclo comunicacional

    em cclica relao entre estimulaes e reaes corpreas aos elementos

    perceptivos presentes no momento da ao comunicativa.

    Segundo POMBO (1994), para McLuhan, o meio, o canal, a tecnologia em

    que a comunicao se estabelece, no apenas constituem a forma comunicativa,

    mas determinam o prprio contedo da comunicao.

    Segundo McLuhan (1962), o termo galxia empregado como ttulo em uma

    das suas mais importantes obras, The Gutenberg Galaxy: The making of

    Typographic Man, ganha o sinnimo de cultura. Para o autor, a humanidade passou

    por trs grandes transformaes culturais: a primeira intitula de cultura oral, a

    segunda de cultura tipogrfica e a terceira de cultura eletrnica.

    No perodo compreendido pela cultura da oralidade, inerente s sociedades

    no alfabetizadas, os processos comunicativos estabeleciam-se diretamente, sem a

    intermediao para o alm-corpo.

  • 38

    Os recursos empregados nesse caso, da dico11 aos gestuais corpreos,

    transmitidos e apropriados entre o emissor e o receptor pelos sistemas perceptveis

    primrios, viso, audio e olfato, concorriam com estmulos distintos aos

    produzidos pelos comunicantes, e implicavam a inteleco imediata do contedo

    informacional para ser fornecida a resposta necessria continuidade do processo

    comunicacional em exerccio. A presena garantia a percepo complexa do

    interlocutor e sua alteridade.

    muito importante aprender o uso correto das palavras e as suas entoaes justas, porque o sucesso da magia depende efetivamente da ordem ritual em que as palavras so pronunciadas [...]12. (CAROTHERS, 1959, p.309 apud McLUHAN, 1962, p.19)

    J na cultura tipogrfica, determinada por McLuhan como Galxia de

    Gutenberg, o contedo passa a ser fixado em suporte fsico, conferindo maior

    resistncia e durabilidade mensagem, no mais representativa da complexidade

    comunicativa, sobretudo informacional.

    O processo de inteleco passa a ser mais lento, possibilitando ao receptor-

    leitor o consumo repetido de determinado contedo informativo, conferindo maior

    espao ao carter reflexivo do processo de apropriao e cincia.

    Por sua vez, elementos tcitos comunicao direta se suprimem na

    impessoalidade da transmisso, ocultam-se na descrio mediada da realidade

    articulada pela leitura e registro do escriba, e em decorrncia na mediao intrnseca

    do suporte.

    Ganha-se ento o prolongamento temporal dos ditos, ao passo que perdem-

    se os elementos contribuintes a estes. A assepsia informativa conferida pelo papel

    retira do processo comunicativo elementos constituintes e que por vezes lhe so

    determinsticos, tornando a ambivalncia propiciada pelo rudo um encadeamento

    sistmico e processual.

    Uma vez escritas, as palavras tornam-se, evidentemente, parte integrante do mundo visual. Como a maior parte dos elementos do mundo visual, tornam-se entidades estticas e, enquanto tal, perdem o dinamismo que caracteriza o mundo do ouvido em geral [...]13. (CAROTHERS, 1959, p.310 apud MCLUHAN, 1962, p.20).

    11 Domnio e entoao lingustica. 12 Traduo de Olga Pombo, 1994. 13 Ibidem.

  • 39

    A sistematizao se tornou recorrente nas diversas teorias que se propem

    descrever os processos comunicativos, decompondo seus elementos constituintes e

    os encadeando, em engendre artificial de causas e decorrncias.

    3.2. Sistemas comunicativos

    Shannon & Weaver (1975) propem uma sistematizao baseada na teoria

    matemtica da informao, empenhados em identificar o modo mais eficiente de uso

    dos meios comunicativos disponveis, em que evidenciavam a preocupao com a

    supresso de possveis rudos, atestando a fidelidade da informao.

    Figura 9 - Modelo Comunicacional de Shannon e Weaver

    Fonte: RABAA& BARBOSA (2001, P. 161)

    Johnson (1946) props um modelo no qual enfatizava a relao da linguagem

    com a percepo da realidade, detalhava a significao das palavras em relao aos

    eventos, os quais carregam elementos oriundos da linguagem, em demonstrao

    cclica do processo comunicacional.

    Figura 10 - Sequncia esquemtica proposta por Wendell Johnson para o processo comunicacional.

    Fonte: Elaborado pelo prprio autor baseado no modelo ilustrado em RABAA & BARBOSA (2001, p.

    161). 14

    14 1.Um evento ocorre (qualquer fato de primeira ordem que sirva como fonte de estmulo sensorial);

    2. que estimula o sr. A. pelos olhos, ouvidos ou outros rgos sensoriais, e em consequncia; 3. dispara impulsos nervosos que viajam para o crebro do sr. A, e de l para os seus msculos e glndulas, que produzem as tenses pr-verbais, sentimentos etc.; 4. que o sr. A., em seguida, comea a traduzir em palavras, de acordo com seu repertrio verbal e, independentemente de

  • 40

    O modelo proposto por Johnson (1946) no contempla o contexto como

    elemento determinante comunicao, tampouco elucida o carter impessoal da

    comunicao em massa, e dos aspectos inerentes da comunicao a distncia

    mediada por meios eletroeletrnicos.

    Lasswell (1948), em sua proposta, pretende definir um modelo que

    compreenda elementos procedentes da comunicao em massa, no qual estabelece

    um conjunto de questes referenciadas como os sete qus (Figura 11).

    Figura 11 - Esquema comunicacional de Lasswell15.

    Fonte: RABAA& BARBOSA (2001, P. 163)

    Os elementos compositores do modelo de Lasswell (1948), quando

    considerados isoladamente, remetem a categorias distintas na anlise do processo

    comunicativo.

    todas as palavras, ele pensa em; 5. O sr. A escolhe algumas palavras, as quais combina de modo adequado e em seguida; 6. por meio de ondas sonoras e ondas de luz, o sr. A. fala com o sr. B.; 7. cujos ouvidos e os olhos so estimulados pelas ondas sonoras e ondas de luz, respectivamente, e os resultantes; 8. impulsos nervosos viajam para o crebro do sr. B., causando reaes pr-verbais, e de l para seus msculos e glndulas; 9. o sr. B., em seguida, comea a traduzir em palavras, de acordo com seu repertrio verbal e, independentemente de todas as palavras, ele pensa em; 10. o sr. B escolhe algumas palavras, as quais combina de modo adequado e em seguida as profere, consequentemente estimulando o sr. A. ou algum prximo, dando assim continuidade ao processo de comunicao (RABAA& BARBOSA (2001, P. 161-162).

    15 O modelo original de Lasswell compem-se nas cinco primeiras etapas, sendo os itens 6 e 7 referentes s causas, aos antecedentes ou intenes da mensagem (questo sugerida por O. Holsti), e outras referentes s condies em que ela foi recebida adicionados posteriormente. (RABAA& BARBOSA (2001, P. 163)

  • 41

    Quem diz determina o elemento de controle da emisso, o que dito refere-

    se ao contedo da mensagem, por qual canal discute o meio empregado, a quem

    infere quanto ao destinatrio da mensagem e com que efeito delineia o impacto

    produzido pela informao.

    Estmulos e resposta parecem ser as unidades naturais em cujos termos pode ser descrito o comportamento [...] a estreita relao entre os dois torna impossvel a definio de um a no ser em termos do outro. Em conjunto, constituem uma unidade. Pressupem-se mutuamente. Estmulos que no produzem respostas no so estmulos. E uma resposta tem necessidade de ter sido estimulada. Uma resposta no estimulada como um efeito sem causa. (LUND, 1933, p.28-35 apud WOLF, 1999, p.9)

    O modelo de Lasswell (1948) guarda sinergias com as demais tentativas de

    reproduo sistmica da comunicao, engendra-se no formulismo inexorvel das

    denominaes tcitas dos processos comunicacionais.

    Figura 12 - Esquema simplificado do modelo comunicacional de Lasswell

    Fonte: Elaborado pelo prprio autor baseado no modelo ilustrado em

    www.sociologiadelacomunicacionuva.blogspot.com.

    3.3. Comunicao e informao

    Marcondes Filho (2009, p.63-64) evidencia que quando recebo sinais

    externos, eles podem rebater sobre mim como informao, mas tambm como

    comunicao [...], correspondendo, como afirma o autor, s colocaes propostas

    por Plato no livro VII da Repblica [...] h duas espcies de coisas no mundo: as

    que deixam o pensamento inativo [...] e as que fazem pensar [...].

    Uhlmann (2002) afirma que na Era da Informao houve a substituio da

    comunicao pela informao, constructo de algo definido, capaz de ser transferido,

    armazenado, recuperado, estruturado, organizado e controlado [...], ou seja, h

  • 42

    distoro dos conceitos, o que de certo modo confere informao um grau de

    humanidade que sua estrutura mecanicista carece.

    A distino entre comunicao e informao parece redimir eventuais

    inconsistncias nos modelos comunicativos apresentados ao longo do sculo XX,

    isto , se analisados como modelos informativos. (grifo do autor)

    Rabaa e Barbosa (2001, p.388) definem informao como ato ou efeito de

    emitir ou de receber mensagens, ou como o contedo da mensagem emitida ou

    recebida.

    Quanto definio de comunicao, os autores (ibidem, p.155) propem

    como um conjunto dos conhecimentos [...] relativos ao processo de comunicao,

    como lingusticos, psicolgicos, antropolgicos, sociolgicos, filosficos,

    cibernticos, entre outros.

    Marcondes Filho (2009, p.64) ressalta que a comunicao realiza-se no

    plano da interao entre duas pessoas ou nos dilogos coletivos; o autor alude

    ainda comunicao oriunda de meios massivos e da possibilidade de criao

    similar em ambientes informticos.

    Marcondes Filho (2012) sugere, a partir dos estudos de Bergson, Heinz Von

    Foerster e Prokop, que a comunicao seja efetuada no momento do que define

    como afeco16, e que as consequncias posteriores nada mais tm a ver com a

    comunicao propriamente dita, e sim com decorrncias desta.

    Figura 13 - Momento da efetivao da comunicao

    Fonte: MARCONDES FILHO, 2012, p.6.

    16 do lat. afecctio, estado afetivo acompanhado de prazer ou dor (REZENDE, 2009, p.18 in

    MARCONDES FILHO, 2009, p.18).

  • 43

    A comunicao o efeito de um acontecimento p sobre uma reta s, sendo que s a sequncia de sensaes que eu vou sentir num certo perodo de tempo a partir desse acontecimento. Inicialmente, h um impacto inicial r sobre nossos sentidos, uma mera impresso orgnica. Eu ouo um som, eu vejo uma luz, eu sinto algo em minha pele. Trata-se de algo presgnico e pr-ideolgico. So as afeces simples, sinais ou intensidades puras de que fala Von Foerster ou os fanerons do nominalismo antigo. A quantidade sentida dessa afeco simples no nem objetiva, nem subjetiva, nem ativa, nem passiva, ela simplesmente tida. (MARCONDES FILHO, 2012, p.6).

    Para o autor, o momento seguinte afeco, momento efetivo do processo

    comunicacional segundo o esquema, preenchido pela percepo, efeitos outros do

    processo, ou seja, o elemento de impacto se dissipa e torna-se lembrana do fato

    propriamente dito.

    Afeco o prazer, a dor, a emoo que eu sinto, por exemplo, diante da picada de uma agulha. meu pathos. Ela ocorre dentro do corpo e tem um local de ocorrncia, que um territrio da minha pele, ou seja, uma extenso, res extensae. Quando essa afeco se projeta, tornando-se inofensiva, ela perde a extenso, torna-se percepo. A agulha, que me picou, provocou inicialmente uma afeco; passado algum tempo, isso j se tornou inofensivo, virou lembrana, criou-se em mim uma percepo, res cogitans. (MARCONDES FILHO, 2012, p.7)

    Evidencia-se na proposta de Marcondes Filho (2012) uma abordagem

    mecnica do processo comunicacional, em que o momento de input, o qual o autor

    nomeia como afeco, precedido de feedbacks automticos, nomeados pelo autor

    como percepo e suas decorrncias.

    Contrera (2009) destaca a negligncia dos estudos sobre comunicao ao

    que nomeia vnculo comunicativo. Segundo Baitello Jr. (apud Contrera, ibidem,

    pg.355), vincular significa ter ou criar um elo simblico ou material, e formar um

    territrio comum de relao comunicativa.

    Nesse sentido, importante que faamos uma ressalva acerca do fato de que a desconsiderao do papel do vnculo para a comunicao que colabora para a manuteno de uma viso empobrecida sobre os processos comunicativos, muitas vezes conferindo s trocas de informao seu aspecto central. Ainda vemos nos estudos de comunicao uma confuso entre teorias da informao e teorias da comunicao, sendo que as primeiras se ocupam normalmente de aspectos funcionais e instrumentais das trocas informativas, alinhando-se muitas vezes aos estudos da ciberntica, enquanto a segunda deveria se ocupar dessa dimenso complexa da constituio e dinmica dos vnculos comunicativos. Isso estabeleceria uma clara distino entre os papis de informar e comunicar,

  • 44

    hoje usualmente confundidos. (CONTRERA, 2009, p.355 In Marcondes Filho, 2009)

    O recorte terico aqui proposto tem o intuito de destacar recursos para as

    indagaes futuras deste texto efetivamente propiciarem a reflexo da mediao dos

    meios tecnolgicos nos processos relacionais.

    O que se apresenta, no entanto, a emergncia de processos informacionais

    ao invs de comunicacionais; o primeiro tornou-se elemento preponderante nas

    relaes humanas mediadas pelos meios eletroeletrnicos, assim sendo utilizarei a

    partir deste ponto a notao informacionais ao invs de comunicacionais quando me

    referir a tais artefatos tecnolgicos de transmisso e recepo de informaes.

    O termo informtica, referente aos diferentes dispositivos eletroeletrnicos de

    cunho computacional, surge da juno das palavras informao e automtica. No

    por acaso, o conceito sempre esteve presente nos ambientes nos quais os

    computadores foram idealizados.

    O emprego do termo em seu contexto ocidental foi de Philippe Dreyfus

    (1962), na poca diretor do Centro Nacional de Clculo Eletrnico de Bull, que o

    utilizou pela primeira vez para nomear a sua recm-fundada empresa Sociedade de

    Informtica Aplicada - SIA (PILLOU, 2004). Posteriormente adotado pela Academia

    Francesa, em 1967, como referncia ao tratamento informacional executado por

    mquinas.

    Anteriormente, no entanto, o termo aparecia em outros contextos, utilizado

    pelo cientista da computao, o alemo Karl Steinbuch (1957), para nomear o jornal

    que publicava: Informatik: AutomatischeInformationsverarbeitung 17 , e pelo

    pesquisador russo Alexander Mikhailov (1966) para designar uma disciplina de

    cincia da informao (GOLVEIA, 2011).

    Evidencia-se que as relaes humanas mediadas pelos computadores sejam

    de cunho informacionais e no comunicacionais. As determinaes implicam

    alteraes comportamentais, sociais, antropolgicas, psicolgicas, perceptivas,

    conformando o homem em um modelo sistemtico de relaes.

    17 Informtica: processamento automtico de informaes.

  • 45

    Na cultura eletrnica a velocidade ganha destaque, tornando os processos

    informacionais da instantaneidade, caracterstica indissocivel dos meios eletrnicos

    de informao.

    Baudrillard (1981) descreve a crise do sentido em relao propulso de

    elementos informacionais, e sugere trs hipteses:

    [...] ou a informao produz sentido [...] mas no consegue compensar a perda brutal de significado de todos os domnios. [...] ou a informao no tem nada a ver com significado. outra coisa, um modelo operacional de outro tipo, exterior ao sentido e circulao do sentido propriamente dito. a hiptese de Shannon: de uma esfera de informao puramente instrumental, mdium tcnico que no implica qualquer finalidade de sentido e, portanto, que no pode ser sequer implicada num juzo de valor [...] neste caso no haveria pura e simplesmente relao significativa entre a inflao da informao e a deflao do sentido. Ou ento, pelo contrrio, existe correlao rigorosa e necessria entre os dois, na medida em que a informao diretamente destruidora ou neutralizadora do sentido e do significado. A perda do sentido est diretamente ligada ao dissolvente, dissuasiva da informao, dos media e dos mas media. (BAUDRILLARD, 1981, p.104).

    A cultura eletrnica tende absoro sensorial, que impele o receptor da

    mensagem informacional aos desgnios do meio, como subterfgio dos meandros da

    existncia carnal.

    Quais sero as novas configuraes dos maquinismos e da alfabetizao no momento em que as antigas formas da percepo e do juzo forem interpenetradas pela nova era eletrnica? (McLUHAN, 1962, p.278).

    Este trabalho ensaia parte de possvel resposta pergunta proposta por

    McLuhan (1962), buscando na contemporaneidade indcios das decorrncias da

    interpenetrao eletrnica nos processos relacionais humanos.

    3.4. Sistemas massivos e ps-massivos

    O advento dos meios de propagao em massa de informaes surge no

    sculo XV com a prensa de Gutenberg (THOMPSON, 1995). Ganham fora no

    perodo ps-revoluo industrial, tornam-se populares ao longo do sculo XX, j

    fazendo uso de dispositivos eletroeletrnicos para essa propagao.

  • 46

    O termo comunicao em massa, surgido em consonncia sociedade de

    massas em meados do sculo XIX, parte da necessidade perene de uniformidade

    social.

    Os grandes centros urbanos comeavam a se formar, e com eles torna-se

    imprescindvel informar essa populao sobre assuntos inerentes ao grupo.

    Aparecem os primeiros jornais, os quais, ao longo do tempo, partilham seu espao e

    mrito com os demais meios, como rdio, cinema e televiso.

    Quanto s massas, destinatrias da informao veiculada pelos meios,

    Baudrillard (1985, p.3) as define como [...] buraco negro em que o social se

    precipita; segundo o autor, as massas no tm histria a escrever, nem passado,

    nem futuro, elas no tm energias virtuais para liberar, nem desejo a realizar: sua

    fora atual [...], o que oculta [...] o desabamento central do sentido com uma

    recrudescncia de todas as significaes e com uma dissipao de todos os

    significantes.

    Em relao ao contedo dirigido s massas, Baudrillard refora o seu carter

    doutrinador, corroborando as proposies de Debord (2003) quanto sociedade do

    espetculo.

    Seja qual for seu contedo, poltico, pedaggico, cultural, seu propsito sempre filtrar um sentido, manter as massas sob o sentido. Imperativo de produo de sentido que se traduz pelo imperativo incessantemente renovado de moralizao da informao: melhor informar, melhor socializar, elevar o nvel cultural das massas etc. Bobagens: as massas resistem escandalosamente a esse imperativo da comunicao racional. O que se lhes d sentido e elas querem espetculo. (BAUDRILLARD, 1985, p.6)

    Com a popularizao da internet no final do sculo XX, alguns tericos

    alardearam a ento emergncia de uma sociedade ps-massiva (CASTELLS, 1999;

    LVY, 1996, 1999; LEMOS, 2001, 2007, 2010), dotada de meios de emisso e

    propagao de informao autnomos.

    Em consonncia, a mesma sociedade agora se debruava frente a todo o

    conhecimento do mundo, e tudo passava a estar na distncia de um clique; ao futuro

    cabia a utopia de geraes erigidas nos domnios auspiciosos da era da informao.

  • 47

    Os meios ps-massivos de mediao informacional, em oposio aos

    massivos, se arquitetavam de modo acntrico, instituam ao consumidor o papel de

    produtor; termos como prosumer, neologismo proposto por Alvin Toffler (1970) em

    seu livro The Third Wave (A terceira onda), ganham destaque, conferindo ao

    indivduo comum o poder e o domnio sobre a informao, seu consumo e sua

    divulgao.

    Inegvel o fato de a internet ter permitido considerveis avanos em relao

    ao acesso e informaes colocadas disposio; do mesmo modo se torna o fato

    de que todos os benefcios proclamados no se realizaram em sua plenitude, e

    ainda inegveis so as consequncias danosas que tal contexto acarretou.

    O excesso informacional decorrente da mecanizao da sociedade em todas

    as suas instncias resulta, como descreve Postman (1994, p.27), uma mudana

    total, uma tecnologia nova no acrescenta nem subtrai coisa alguma. Ela muda

    tudo.

    Informao no caracteriza conhecimento: a sociedade enviesada ao

    consumo e produo de fluxos informacionais contnuos no se sobressai

    intelectualmente s sociedades que a antecederam. Alguns estudos, como se ver

    mais frente, indicam exatamente o inverso.

    As decorrncias para o social podem ser nefastas, como Postman (1994)

    demonstra:

    [...] bastante simples descrever a relao entre a informao e os mecanismos para o seu controle: a tecnologia aumenta o suprimento disponvel de informao. Quando o suprimento aumenta, os mecanismos de controle so pressionados. So necessrios mecanismos de controle adicionais para suportar as novas informaes. Por seu turno, quando os prprios mecanismos de controle so tcnicos, eles aumentam mais ainda o suprimento de informao. Quando o suprimento de informao j no controlvel, ocorre um colapso geral da tranquilidade psquica e do propsito social. Sem defesas, o povo no tem como encontrar sentido em suas experincias para imaginar futuros imaginveis. (POSTMAN, 1994, p.79-80)

    Postman (ibidem, p.117) afirma que a relao redefine os humanos como

    processadores de informao, e a prpria natureza como informao a ser

    processada. Segundo o autor, a metfora fundamental a de que somos

    mquinas.

  • 48

    Rdiger (2011), na resenha da obra de Nicholas Carr, The shallows: what the

    internet is doing to our brains18, descreve o processo pelo qual respostas pr-

    roteirizadas passam a incorporar o cotidiano, conformando o crebro em unidades

    processadoras de sinais. Segundo ele, na cibercultura, a conscincia direcionada

    para a manipulao do equipamento, em vez de focar no significado eventualmente

    existente no que ela est oferecendo. (RDIGER, 2011, p.204)

    A internet, como rede que liga seres humanos em sua proposta inicial,

    paradoxalmente passa a destituir destes a sua humanidade, condicionando-os aos

    determinismos maqunicos, redundncia sistmica, aos auspcios da tecnologia.

    O panorama que se apresenta revela os denominados meios de comunicao

    de massa, ou mesmo os contemporneos meios ps-massivos de comunicao,

    como mquinas de informao e, por conseguinte, propulsoras da incomunicao.

    Baitello Jr. (1999, p.2), citando Harry Pross, evidencia o corpo como a

    primeira mdia do homem, ou mdia primria, [...] essa a comunicao que

    ocorre no flerte, na articulao e na leitura dos gestos e da mmica facial, no

    movimento e deslocamento no espao [...] (Ibidem).

    O corpo o primeiro elemento a ser destitudo dos processos ditos de

    comunicao a distncia, e todo o aparato comunicacional que nele jaz ignorado,

    permanecendo em primeira instncia o elemento passvel de difuso

    eletroeletrnica, ou seja, som e imagem.

    Sem a presena do corpo, os elementos a ele e dele decorrentes, como

    evidencia Baitello Jr. (1999, p.3): [...] qualquer que seja o movimento ou sua

    ausncia, haver sempre um sentido, uma mensagem a ser lida por um corpo vivo

    diante de outro corpo [...], perdem-se no cenho inexpressivo dos meios

    eletroeletrnicos de transmisso de mensagens informacionais.

    Como enfatiza Contrera (2007), as pesquisas sobre comunicao esto:

    Fortemente influenciadas pelos estudos da ciberntica, especialmente pelos estudos de Shannon e Weaver; as primeiras reflexes que se ocupam

    18 Editado no Brasil pela Agir Editora sob o ttulo A Gerao Superficial: o que a internet est

    fazendo com os nossos crebros, 2011.

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    especificamente dos fenmenos comunicativos do sculo XX foram marcadas por uma viso tecnicista da comunicao humana, que pensava o ser humano a partir dos mesmos referenciais com que se pensava os at ento recentes sistemas artificiais de informao. Ignorando a complexidade dos sistemas vivos e suas profundas diferenas com relao aos sistemas artificiais, essa concepo se centrava em uma viso matematizante. (CONTRERA, 2007, p.7)

    Matematizam-se os processos para torn-los computveis pelas mquinas;

    por sua vez postas como mtodo eficiente de intermdio comunicativo, entrepem-

    se aos corpos obliterando justamente o processo ao qual ela visa potencializar, a

    comunicao.

    O homem, engrenagem no seio maqunico, agora fala a linguagem das

    mquinas, sente-se includo por estar preso nas teias dessa rede, telemtica,

    maqunica e idiossincrtica.

    relevante a reflexo acerca do conceito de rede que propiciam a amarrao

    dos processos informacionais, caractersticos da cibersociedade.

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    4. SOBRE PLANOS, REDES E CONEXES.

    Rede artefato destinado ao enlace, oculta-se na paisagem mimetizando-se

    aos espaos de vivncia; por ser invisvel aos olhos facilmente aprisiona as vtimas,

    que no se do conta da priso. Talvez sintam-se ainda mais confortveis pelo

    afago do encurtamento espacial, percebem-se includas comunidade propiciada

    pela rede.

    4.1. Teoria dos grafos

    O termo rede tornou-se popular na ltima dcada, especialmente em relao

    ascenso e popularizao das chamadas redes telemticas, intermeio da

    sociabilizao e fomentadoras da emergncia das comunidades digitais.

    Fenmeno na internet, as configuraes em rede tornaram-se determinantes

    s mudanas comportamentais e relacionais da sociedade contempornea, sendo

    hoje um dos sustentculos da chamada Capitalismo Informacional (CASTELLS,

    1999).

    O conceito de rede normalmente refora o seu carter intangvel, denotando,

    como ressalta RECUERO (2009), uma metfora estrutural.