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Tecnoutopias. O uso da tecnologia com o conceito de utopia. Por Anderson Luis.
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UNIVERSIDADE PAULISTA
TECNOUTOPIAS: AS IMBRICAES
HOMEM/MQUINA NA CIBERCULTURA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Paulista UNIP para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao.
ANDERSON LUIS DA SILVA
So Paulo
2013
UNIVERSIDADE PAULISTA
TECNOUTOPIAS: AS IMBRICAES
HOMEM/MQUINA NA CIBERCULTURA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Paulista UNIP para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao. Orientadora: Prof. Dr. Malena Segura Contrera
ANDERSON LUIS DA SILVA
So Paulo
2013
Silva, Anderson Luis da. Tecnoutopias : as imbricaes homem / mquina na cibercultura / Anderson Luis da Silva - 2013. 116 f. : il.
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Miditica da Universidade Paulista, So Paulo, 2013. rea de Concentrao: Comunicao. Orientadora: Prof. Malena Segura Contrera.
1. Cibercultura. 2. Ciberntica. 3. Comunicao. 4. Ps-humanismo. I. Ttulo. II. Contrera, Malena Segura (orientadora).
ANDERSON LUIS DA SILVA
TECNOUTOPIAS: AS IMBRICAES
HOMEM/MQUINA NA CIBERCULTURA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Paulista UNIP para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao.
Aprovado em: 12/03/2013
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Malena Segura Contrera Universidade Paulista - UNIP
Prof. Dr. Jorge Miklos Universidade Paulista UNIP
Prof. Dr. Edilson Cazeloto Universidade Csper Lbero
DEDICATRIA
minha esposa Natlia e s minhas filhas Lorena e Catarina, foi por vocs.
AGRADECIMENTOS
Iniciar uma seo que se prope a fazer jus a todos aqueles que direta ou
indiretamente colaboraram, s vezes mesmo sem saber, com um trabalho que
durante certo tempo interseccionou-se minha famlia, minha profisso e a mim
mesmo, , em certa dose, temerrio.
Tentarei ento cronologicamente citar aqueles que propiciaram este estudo,
obra de um prolixo processo que teve sua origem no momento inicial do sculo que
agora j adentra a segunda dcada.
Julio Cesar de Freitas, eterno mestre e exemplo perene, suas palavras nos
fraternos momentos de estudo reverberam ainda hoje em meu inconsciente.
Maria Silvia Queiroga Reis, talvez no tivesse a mesma ousadia e confiana,
as quais fomentaram essa carreira.
Simone Alcntara Freitas, amiga e parceira, nossas prosas rotineiras, as
novas descobertas e experimentaes levaram a este estudo; no poderia esquecer
a sua insistncia ferrenha para esse processo ser iniciado.
Cludia Coelho Hardagh, seu incentivo e determinao so a fora motriz de
nossas pesquisas.
Fernando Estima de Almeida, suas dicas e opinies sempre foram preciosas,
o percurso ficou menos rduo com voc.
Meus amigos de profisso, confidentes e fonte inesgotvel de bons assuntos,
em especial a Beatriz de Almeida Pacheco, Cndida Almeida, Fernanda Carlos
Borges, Flvio Foguel, Helena Rugai, Marcelo Gomes Justo, Marli Alencar, Nelson
Urssi, Pricles Eugnio Martins e Vilma Vilarinho.
Edilson Cazeloto, sua recepo e conduo foram os alicerces desta jornada.
Jorge Miklos, sua sabedoria e generosidade me conduziram aos trilhos em
inmeros momentos.
Malena Secura Contrera, sustentculo deste estudo, suas sempre pontuais
ponderaes sobre o desenvolvimento da pesquisa foram determinantes.
Aos meus colegas de turma: Andr, Alessandra, Carla, Carlos, Deusiney,
Flvia, Francisco, Parron, Suely, Vaner, Talita e demais parceiros; A convivncia
com vocs foi enriquecedora.
Por fim, cito a minha famlia, sempre condescendente com a minha
ansiedade, transformada eventualmente em animosidade.
Meu sincero agradecimento a todos vocs e aproveito para desculpar-me por
eventuais deslizes, no foram intencionais.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porm nos extraviamos. A cobia envenenou a alma do homem levantou no mundo as muralhas do dio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a misria e os morticnios. Criamos a poca da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A mquina, que produz abundncia, tem-nos deixado em penria. Nossos conhecimentos fizeram-nos cticos; nossa inteligncia, empedernidos e cruis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que mquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligncia, precisamos de afeio e doura. Sem essas duas virtudes, a vida ser de violncia e tudo ser perdido.
(O ltimo discurso do filme: O Grande Ditador de Charles Chaplin)
Os prprios homens s comearam a proliferar quando assumiram a condio de mquinas, com a Revoluo Industrial: libertos de toda semelhana, libertos mesmo de seu duplo, eles crescem como sistemas de produo, de que no so mais que o equivalente miniaturizado.
(Jean Baudrillard)
RESUMO
Este estudo analisa as decorrncias das relaes humanas de cunho
comunicacional aps a intensa imbricao tecnolgica ocorrida entre os sculos XIX
e XXI. O sculo XXI o ponto culminante da condio de conexo permanente
imposta pelo uso massivo de dispositivos computacionais conectados internet.
Buscou-se estabelecer uma linha de raciocnio que indicasse as
determinaes histricas e as implicaes contemporneas do processo de
imbricao tecnolgica homem-mquina, e os impactos as relaes interpessoais de
cunho comunicativo.
O termo tecnoutopias, empregado como ttulo, representa a condio de
civilizao ideal anunciada pela emergncia tecnolgica, acentuada com a
popularizao da informtica e posteriormente com as redes computacionais.
Tais elementos tecnolgicos moldaram e moldam a sociedade, colocando-a a
seu servio na medida em que se apresentam como elementos essenciais prpria
sociabilidade. O que nasce anunciado como potencializador das relaes
interpessoais revela-se, portanto, mediador destas interaes, deste modo
formatando-as.
Objetivou-se evidenciar as determinaes e decorrncias que a existncia
ciberntica, caracterstica da sociedade contempornea, tende a produzir. Para isso,
ocupamo-nos em investigar teoricamente os processos histricos de cunho
comunicacional e relacional mediados pelos aparatos tecnolgicos, no contexto da
Cibercultura.
Propem-se inicialmente a reflexo quanto aos desdobramentos histricos
que impulsionaram e determinaram a condio contempornea de imbricao
tecnolgica nas relaes sociais, e a reflexo acerca das acepes e formulaes
sobre o conceito de comunicao. Buscou-se, especificamente, identificar na teoria
as diferenas nos processos comunicativos e informativos, em especial os mediados
pelas estruturas tecnolgicas. Do mesmo modo, pretendeu-se elencar e demonstrar
o carter sistmico das definies e acepes tericas propostas por modelos que
descrevem os processos comunicacionais, analogamente constitudos por estruturas
computveis, ou seja, centrados na eficincia informacional.
O estudo das teorias que constituem as cincias das redes aqui apresentado
desejou situar adequadamente o carter mediador das conexes, que antagoniza
com os conceitos de vnculo empregado em processos comunicacionais. Descreveu-
se, desse modo, o papel determinante dos elementos no humanos na mediao
informacional propiciada pelos arranjos computacionais, que paradoxalmente se
autodenominam comunicacionais.
Por fim, o estudo envereda pelas possibilidades de essa imbricao
maqunica propiciar a modificao orgnica, conduzindo a sociedade a um contexto
ps-humanstico, seja a partir da destituio do potencial humano pelas mquinas,
ou a voluntria transformao de humanos em autmatos. Em ambos os casos, o
cenrio que se apresentou nos pareceu delicado, pois resvala nos ideais de
dominao e limpeza tnica, como as proposies apresentadas acerca dos
dispostos eugnicos.
Este estudo estritamente terico-conceitual, amparado em pesquisas
provenientes de reas convergentes, como Comunicao, Cibercultura, Cognio e
Sociologia, sendo os seguintes principais autores aqui utilizados: Norval Baitello
Junior, Richard Barbrook, Jean Baudrillard, Zygmunt Bauman, Malena Segura
Contrera, Francisco Rdiger e Neil Postman.
Palavras-chave: Cibercultura, ciberntica, comunicao; ps-humanismo.
ABSTRACT
This study makes an analysis of the communicational consequences to human
relations following the intense technology overlap that occurred between the 19th
and the 21st centuries, being the latter, the peak of permanent connect condition
imposed by the massive use of computing devices connected to the internet. Was
sought to establish a line of reasoning that pointed out to the historical
determinations and contemporaneous implications of this process of technological
overlapping man-machine, as well as the impacts of this process at the human
interpersonal relationships.
The term "tecnoutopias" [techno utopias], used as title, represents the
condition of 'ideal civilization' announced by the emergence of technology and
intensified with the popularization of computers and, later, computer networks.
Such technological elements have molded and still mold our society by putting
it at its service, since they are presented as the essential elements of sociability itself.
Therefore, what borns announced as an enhancer of interpersonal relationships,
reveals itself as a mediator of these, formatting these relationships.
The objective was to highlight the determinations and consequences that
cybernetic existence, proper of contemporaneous society, tend to produce. For that,
a theoretical investigation of the historical communicational and relational processes
mediated by technological devices was done, in the context of Cyberculture.
It is proposed, at the beginning, a reflection about the historical developments
that have driven and have determined the contemporaneous condition of
technological imbrication in social relations, followed by a reflection about the
meanings and formulations on communication's concept, seeking specifically to
identify theoretically the differences in information and communicative processes,
especially those mediated by the technological structures. Similarly, was sought to
list and demonstrate the systemic nature of the definitions and meanings proposed
by theoretical models which describe the communication processes, analogously
constituted by computable structures, i.e., focusing on informational efficiency.
The study of theories that constitute the science of networks here presented
aim to properly situate the mediator nature of the connections, which antagonizes
with the concepts of linkage used in communication processes. In this way, it was
described the decisive role of the non-human elements at the informational mediation
afforded by computational arrangements which paradoxically name themselves as
communication.
Finally, the study goes trough the possibilities of this machinic imbrication
provide the organic change, leading society to a post-humanistic, either by destitution
of human potential by machinery, or by voluntary transformation of humans into
automatons. In both cases, the scenario presented seemed delicate because it
touches the ideals of domination and ethnic cleansing, as in the case of propositions
presented about cyborgs.
This study is purely theoretical-conceptual relying on research from
convergent areas, such as: Communication, Cyberculture, Cognition and Sociology,
and uses the following main authors: Norval Baitello Junior, Richard Barbrook, Jean
Baudrillard, Zygmunt Bauman, Malena Segura Contrera, Francisco Rdiger and Neil
Postman.
Keywords: Cyberculture, cybernetics, communication, post-humanism.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Frame do filme Modern Times (Tempos Modernos) de 1936 do cineasta britnico Charles Chaplin ......................................................................................... 18 Figura 2 - Operrios da indstria Kent Atwater na Filadlfia em 1925 ...................... 20 Figura 3 - Cidade de Nova York em imagens de 1900 e 1913 respectivamente. ...... 21 Figura 4 - Industria de rdios na Philadelphia em meados de 1925. ......................... 25 Figura 5 - Telefonistas no incio do sculo XX e Martin Cooper, em sua primeira ligao de um telefone celular, em 1973. .................................................................. 26 Figura 6 - Sra. Hall prepara o caf da manh para seu marido, Kenneth, antes de ele sair para o trabalho na fbrica de alumnio em Sheffield, Alabama. .................. 27 Figura 7 - O rob Robert, brinquedo de plstico e metal fabricado pela Ideal Toy Corp em New York, na dcada de 1950. .................................................................. 28 Figura 8 - Trade aristotlica do fluxo comunicacional .............................................. 36 Figura 9 - Modelo Comunicacional de Shannon e Weaver ....................................... 39 Figura 10 - Sequncia esquemtica proposta por Wendell Johnson para o processo comunicacional. ......................................................................................................... 39 Figura 11 - Esquema comunicacional de Lasswell. ................................................... 40 Figura 12 - Esquema simplificado do modelo comunicacional de Lasswell .............. 41 Figura 13 - Momento da efetivao da comunicao ................................................ 42 Figura 14 - A - mapa da cidade de Knigsberg, b - as pontes de Knigsberg,c - o respectivo grafo. ........................................................................................................ 51 Figura 15 - Grafo das pontes de Knigsberg............................................................ 51 Figura 16 - Grafos - Exemplos de uso ....................................................................... 52 Figura 17 - Diagramas de Rede de P. Baran ........................................................... 52 Figura 18 - Elementos estruturais de uma Rede de Petri .......................................... 54 Figura 19 - Grafo bsicos de uma Rede de Petri ...................................................... 55 Figura 20 - As pontes da cidade de Knigsberg se analisadas a partir do modelo proposto por PETRI (1962), so os elementos mediatores (transio, interfaces) entre os atores (A, B, C e D). .................................................................................... 56 Figura 21 - Arranjo social dinmico. ......................................................................... 57 Figura 22 - Dinmica de redes sociais ...................................................................... 58 Figura 23 - Vnculos fortes e fracos ........................................................................... 60 Figura 24 - Modelo de Rede Mundo Pequeno proposto por WATTS e STROGATZ . 61 Figura 25 - Clusters e Hubs....................................................................................... 62 Figura 26 - Rede de elementos conectivos ............................................................... 63 Figura 27 - Diagrama de conexes em redes sociais na internet .............................. 64
Figura 28 - Diagrama de relaes em redes sociais online (interface) ...................... 64 Figura 29 - Conexo tcnica do social. ..................................................................... 65 Figura 30 - Autmato "Radiomensch Occultus" em imagem de 1909 ...................... 70 Figura 31 - Hipocampo ............................................................................................. 92 Figura 32 - Caprino gestado em tero artificial .......................................................... 96 Figura 33 - Esquema funcional do experimento de Liu ............................................. 98 Figura 34 - Panfleto da Fundao Aperfeioamento Humano, intitulado "Hoje, Esterilizao Humana (1938) .............................................................................. 100 Figura 35 - Frame do filme La cit des enfants perdus (O ladro de sonhos), 1995, de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro, que retrata a histria de um hbrido humano/mquina que no podia sonhar e por isso raptava crianas com o propsito de lhes roubar os sonhos. ....................................................................................... 102
SUMRIO
1. INTRODUO ................................................................................................... 14
2. SOBRE RELGIOS, ENGRENAGENS E NMEROS....................................... 16
3. SOBRE SISTEMAS INFORMACIONAIS E COMUNICAO ........................... 35
3.1. Conceito e acepes .................................................................................... 35 3.2. Sistemas comunicativos ............................................................................... 39 3.3. Comunicao e informao .......................................................................... 41 3.4. Sistemas massivos e ps-massivos ............................................................. 45
4. SOBRE PLANOS, REDES E CONEXES. ....................................................... 50
4.1. Teoria dos grafos ......................................................................................... 50 4.2. Redes de Petri ............................................................................................. 54 4.3. Dinmica das redes ...................................................................................... 56 4.4. Redes de mundos pequenos ....................................................................... 58 4.5. Redes sociais na internet ............................................................................. 63
5. SOBRE A DIMENSO EXISTENCIAL DA CIBERCULTURA ........................... 67
5.1. Ps-humanismo ........................................................................................... 70 5.2. Crise da alteridade ....................................................................................... 75
6. SOBRE FANTASMAS, FANTASIAS E SOLITUDE ........................................... 80
6.1. Reconfigurao neural ................................................................................. 84 6.2. Reconfigurao anatmica ........................................................................... 94
7. CONCLUSO ................................................................................................... 103
REFERNCIAS ....................................................................................................... 106
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ....................................................................... 113
14
1. INTRODUO
O texto aqui apresentado fruto de inmeras inquietaes, algumas delas,
talvez as mais importantes, decorreram da paternidade que se iniciou juntamente a
este mestrado.
O olhar para o mundo trazia ento no mais a complacncia
descompromissada com que a minha vida desenrolava-se at ento, postava-se
defronte a mim preocupaes at ento desconhecidas, ou quem sabe, ignoradas.
Tudo parecia certo, rpido, eficiente e veloz. No me apercebia a falta de
afeto, de significncia, da voz. No se trata de metforas, exatamente assim me
apercebi dos que me rodeavam e isso me abismou.
Este trabalho se situa no campo da cibercultura, sob a perspectiva da teoria
crtica, a qual possibilitou um percurso por caminhos menos usuais dos que grande
parte dos estudos sobre cibercultura costumam percorrer.
O termo cibercultura por si s uma incgnita construtiva no sentido que
nasce, ou cunhado, a partir da juno de um elemento de registro histrico da
sapincia humana, liberto experimentao. Justaposto a um segundo, aqui
inserido como prefixo, que representa como ser visto adiante, o cerceamento e a
vigilncia.
Neste cenrio percebi que toda mudana, mesmo que brusca, processual.
O novo apropria-se dos elementos de valorizao social ressignificando-os de modo
que no se apercebam do que perdido pelo processo.
Deste modo pelo julgo do progresso dirigem-se os esforos a efetivao das
causas menos nobres, entenda-se aqui mesmo humanas, dos ditames
sistematizantes os quais personificam seus principais protagonistas.
A cibercultura nasceu no seio da capitalizao, nos processos idiossincrticos
do sistema capitalista, outorgantes das personificaes sociais da Era da
Informao, o que se informa irrelevante frente s necessidades frenticas e
inescrupulosas de se informar.
15
O mundo sensvel reduz-se a exatido dimensional do pixel, a centelha dos
processos sistmicos aos quais os homens se debruam com o intuito de ganhar
tempo.
A eficincia do sistema na acelerao da produo (implcita), no
encurtamento dos espaos (inexistentes), na viabilidade conectiva (desvinculativa),
na aproximao (distanciamento), engodos tecnolgicos postos como necessidades
prementes do homem tecnologizado.
Este trabalho envereda-se ento por estas paragens, inquirindo sobre os
porqus determinantes desta contemporaneidade, bem como de uma sociedade que
se conformou a imagem e semelhana da mquina.
O ponto de partida delimitado pelo problema inicial seria identificar as
decorrncias desta condio a sociedade em relao as que a sucederam. Tal
delimitao por sua amplitude convergiu para as decorrncias de cunho
comunicativo, as quais estabelecem-se como a base cultural das sociedades.
O texto a seguir de cunho estritamente terico-conceitual, sendo sua
construo epistemolgica fruto das reflexes tericas anteriores, compreendendo o
levantamento e anlise terica do referencial bibliogrfico, com base em autores de
estudos sobre sociedade, comunicao, cultura e cibercultura, dentre os quais
destacam-se BAITELLO JR., BARBROOK, BAUDRILLARD, BAUMAN, CONTRERA,
RDIGER e POSTMAN1.
1 A pesquisa contemplou uma ampla bibliografia como pode ser verificado na seo de referencias
deste texto, no entanto o raciocnio central foi desenvolvido com base nos autores destacados.
16
2. SOBRE RELGIOS, ENGRENAGENS E NMEROS
Estamos assistindo ao nascimento de um tempo em que os aparatos tecnolgicos no so mais prteses humanas, o que vemos o ser humano como prtese dos aparatos tecnolgicos. (BAITELLO JR. e CONTRERA, 2010).
As inquietaes que orientaram esta pesquisa surgem no contexto social que
o seu objeto de estudo, a Cibercultura.
Lvy (1999) descreve, com seu entusiasmo assumido, as potencialidades que
a imbricao ciberespacial traria sociedade contempornea; e afirma que a fora
revolucionria dos jovens pode agora ser motriz de uma nova forma de
comunicao, o que impactaria positivamente as relaes estabelecidas nos planos
econmicos, polticos, sociais e humanos.
Este estudo no tem o intuito de endossar as ideias propostas por Lvy,
tampouco se atreve a contest-las, apenas tenta, por meio de levantamento terico,
compreender e relacionar aspectos determinsticos da realidade que aqui
evidenciamos a eventos oriundos desse contexto.
Segundo Lvy (1999, p.12), a verdadeira questo no ser contra ou a
favor, mas sim reconhecer as mudanas qualitativas na ecologia dos signos, o
ambiente indito que resulta da extenso das novas redes de comunicao para a
vida social e cultural.
Frente ao postulado inquire-se neste trabalho pelas decorrncias
comunicacionais2, provenientes da imbricao tecnolgica aos diferentes contextos
que compem a sociabilidade humana.
Alguns tericos alardearam preocupaes quanto aos potenciais malefcios
esfera do social das ramificaes das concepes artificiais da tcnica no contexto
de vida da sociedade contempornea.
2 O sentido de comunicao adotado neste trabalho imprime o significado de vinculo social,
reverbera ento no relacionamento interpessoal, no senso de comunidade como comum unidade e na prpria comunicao como comum ao.
17
Outros empenharam-se na defesa do potencial libertador que tais engendres
trariam sociedade, o que, no decorrer dos fatos, demonstrou-se prenncio do
crcere.
O crcere esteia a liberdade, a formulao das primeiras cidades implicava na
construo inicial da muralha, a qual garantiria a existncia liberta e despreocupada
de seus cidados.
O revestimento corporal utilizado pelos cavalarios medievais conferia-lhes
proteo pela privao. Os corpos no estavam mais libertos e fragilizados, jaziam
em claustros metlicos, limitadores dos movimentos corpreos de ordem motora,
cinestsica, cenestsica e sinestsica3.
A relao dicotmica entre privao e liberdade4 parece no sustentvel, visto
que para a percepo de uma requerida a outra.
certo que a imanncia, os ritos e cultos buscam a couraa protetora
mediante a obedincia aos ditames pretendidos, conferindo pela privao o acesso
muralha pertencente s paragens celestiais.
A existncia humana torna-se uma sucesso de privaes em nome da
liberdade e da indulgncia, pela precao contnua e ininterrupta, caminho singular
alforria anunciada.
Eis que chega-se ao sculo XIX, e com ele insurge-se a revoluo industrial,
amparada na exigncia de aumento contnuo da produo, ferramental, maquinrio
e mtodos especializados so empregados com essas finalidades.
A clausura amplia-se, o espao exigue-se, ou seja, confina-se o indivduo aos
desgnios da mquina, catalisadora de seus expurgos produtivos, em um processo
cclico de retroalimentao das necessidades pelo sistema inventadas.
3 Cinestesia:sentido da percepo do movimento, peso, resistncia e posio do corpo, provocado
por estmulos do prprio organismo; Cenestesia: designao genrica para as impresses sensoriais internas do organismo, que formam a base das sensaes; Sinestesia: relao que se verifica espontaneamente (e que varia de acordo com os indivduos) entre sensaes de carter diverso mais intimamente ligadas na aparncia; cruzamento de sensaes. (HOUAISS, 2001, p. 670; 720; 2579).
4 Aborda-se o conceito de liberdade neste ponto como a ausncia de determinao, servilismo e sujeio.
18 Figura 1 - Frame do filme Modern Times (Tempos Modernos) de 1936 do cineasta britnico Charles
Chaplin
Fonte: Frame do filme Tempos Modernos 1936 de Charles Chaplin
Talvez Ren Descartes (Sc. XVII) no tivesse noo da premonio a qual
enunciava ao afirmar que os homens e o universo funcionavam como relgio
mecnico. Esse discurso apresenta similaridades frente aos desgnios a que a
humanidade ps-industrialista foi conformada.
Se o prprio homem, em sua constituio orgnica, no operava como um
relgio, notvel que sua existncia passou a ser determinada por ele. No momento
de labor ou no perodo denominado lazer e descanso, porm caracterizado como
preparo ao exerccio.
A fora de trabalho se institui sobre a morte. preciso que um homem morra para tornar-se fora de trabalho. essa morte que ele negocia no salrio [...] preciso sustentar que a nica alternativa ao trabalho no o tempo livre nem o no trabalho, o sacrifcio. (BAUDRILLARD, 1996, p.55-56)
19
Baudrillard (1996, p.56), inquirindo sobre o trabalho e a genealogia do
escravo, ressalta o fim certo dos prisioneiros de guerra: a morte. Sendo essa uma
honraria concedida pelo vencedor ao inimigo derrocado, em contrrio, como ressalta
o autor, ele poupado e conservado (= servus), tornando-se esplio daquele que
o infligiu em batalha.
O escravo, mesmo quando em labor servil, ainda no est em trabalho, que
lhe conferido somente mediante a emancipao, enfim liberto da hipoteca da
condenao morte e liberto para qu? Precisamente para o trabalho. Baudrillard
(ibidem).
Paradoxalmente, Baudrillard (ibidem) afirma que o trabalho uma morte
lenta, a morte parcelada em oposio morte imediata, quem trabalha continua
sendo aquele que no foi condenado morte [...] a quem se recusou essa honra. O
trabalho de incio o signo dessa abjeo de no ser julgado digno a no ser da
vida. Baudrillard, ao chegar a essa concluso, faz eco s palavras de Joo Cabral
de Melo Neto em seu aclamado poema Morte e Vida Severina.
[...] Mas isso ento ser tudo em que sabe trabalhar? vamos, diga, retirante, outras coisas saber. Deseja mesmo saber o que eu fazia por l? Comer quando havia o qu, havendo ou no, trabalhar. Essa vida por aqui coisa familiar; mas diga-me, retirante, sabe benditos rezar? sabe cantar excelncias, defuntos encomendar? sabe tirar ladainhas, sabe mortos enterrar? [...] Vou explicar rapidamente, logo compreender: como aqui a morte tanta, vivo de a morte ajudar. [...] (MELO NETO, 1994, p. 38-39)
Baudrillard fala da morte no sentido de renncia vida, imperativo do homem-
engrenagem, aventado por Ren Descartes e efetivado por Henry Ford.
20
Figura 2 - Operrios da indstria Kent Atwater na Filadlfia em 1925
Fonte: Biblioteca do Congresso Norte Americano via http://www.shorpy.com.
Apesar de o paradigma mecanicista surgir no sc. XVIII, com as pesquisas de
Isaac Newton, a fora motriz da mecanizao do homem surge com o sistema
capitalista, a industrializao e a concepo das linhas de montagem, que possuem
seu cone no modelo proposto por Henry Ford (1913); colocavam o homem como
engrenagem da grande mquina, destituindo dela pela simples inoperncia o seu
potencial e domnio tcnico.
Wiener (1968) ressalta que o funcionamento fsico de um indivduo vivo e o de
mquinas de comunicao so exatamente paralelos no esforo anlogo de
dominar a entropia atravs da realimentao. Postula ainda que em ambos existe
um instrumento especial para coligir informao do mundo exterior, a baixos nveis
de energia, e torn-la acessvel na operao do indivduo ou da mquina.
(WIENER, 1968, p.26)
No se ressaltou da leitura que muitos fizeram de Wiener que:
[...] a mquina automtica [...] o equivalente preciso do trabalho escravo. Qualquer trabalho que dispute com o trabalho escravo deve aceitar as condies econmicas do trabalho escravo. (WIENER, 1968, p.159)
21
O prprio Wiener (1968, p.159) discorre quanto s potencialidades do que
chama de a nova revoluo industrial, a qual configura-se, segundo o autor, como
uma espada de dois gumes, utilizada para propiciar avanos nas condies
empregatcias, sociais e econmicas, mas, como destaca, se a humanidade
sobreviver o bastante para ingressar num perodo em que tal benefcio seja
possvel. Essa uma aposta que ainda no pode ser dada por certa.
Tais caractersticas reforam-se ao longo do sculo XX, que impulsionou e
moldou a sociedade pela equalizao conceitual propiciada pelos meios massivos
de informao. O homem no apenas colocado como parte da mquina, mas
condicionado a aceitar a sua agora condio maqunica sem perceber-se como tal.
Ocorre aqui o distanciamento do humano do que de pertena ao biolgico; a
natureza bem-vinda como cenrio social, ou seja, o homem a transforma em mero
adorno, retirando os elementos perturbadores e desconexos de seu atual estado de
civilidade, conferindo ao selvagem a artificialidade desejada.
Comeamos a perceber que aquilo que procuramos na natureza beleza natural pode ser distinguido do mundo natural [...] at certo ponto a natureza sempre feita pelo homem, seno diretamente com nossas mos, com certeza sempre por nossas mentes. (Hillman, 1993, p. 124.)
No por acaso um dos apelos comerciais de Henry Ford para se trocar os
cavalos pelos recm-lanados automveis era o fato de eles sujarem as ruas da
cidade com seus dejetos.
Figura 3 - Cidade de Nova York em imagens de 1900 e 1913 respectivamente.
Fonte: Detroit Publishing Company e George Grantham Bain Collection via http://www.shorpy.com.
22
O inexorvel e crescente condicionamento maqunico5 ao longo do tempo
passa a impregnar outros segmentos do social. A condio aventada por esse
trabalho j se precipita em distintas esferas antes mesmo da digitalizao dos
processos.
Barbrook (2009) considera sobre a ciberntica:
Similar a Marx, Wiener alertou que o papel da nova tecnologia sob o capitalismo era intensificar a explorao dos trabalhadores. Ao invs de criar mais tempo de lazer e melhorar os padres de vida, a informatizao da economia sob o fordismo aumentaria o desemprego e cortaria os salrios [...] a ciberntica provava que a inteligncia artificial ameaava as liberdades da humanidade [...] (BARBROOK, 2009, p.74-75).
Em meados do sculo XX, j em contexto imbricado tecnologicamente,
deparamo-nos com os auspcios algortmicos da insurgncia computacional.
No por acaso os compenetrados cientistas computacionais dos anos 1950
buscavam na apropriao dos sistemas neurais a conscincia maqunica passvel de
ser reproduzida em srie.
Segundo Wiener (1968, p.15), o termo ciberntica deriva-se da palavra grega
kubernetes, que significa piloto; no entanto, como ressalta o autor, a mesma
palavra grega de que eventualmente derivamos a nossa palavra governador.
De acordo com Rudiger (2011, p.108), Norbert Wiener cunhou ciberntica
para definir, em seus termos, a cincia do controle das relaes entre mquinas e
seres vivos, em especial da comunicao entre elas e os homens.
No futuro [...] as mensagens entre o homem e as mquinas, entre as mquinas e o homem, e entre a mquina e a mquina, esto destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante. (WIENER, 1968, p.15).
A cultura e os espaos ditos cibers so, etimologicamente falando,
respectivamente, o controle da cultura e o espao controlado, e configuram-se na
gide de governo, de cerceamento que ocorre na impetrao da conexo
tecnolgica.
5 O termo maqunico ser empregado neste texto como sinnimo de todo elemento de
intermediao entre o homem e a ao a ser executada, seja mediao mecanizada, eletroeletrnica ou computacional.
23
Fato no dimensionado adequadamente at ento que o aspecto
governamental da imbricao tecnolgica emerge no social, tornando-o imperativo
da cidadania, silogismo da ascenso social dentro de um sistema econmico
especfico, o capitalismo.
Esse raciocnio torna evidente que o maquinrio de finalidade produtiva e o
ferramental primitivo utilizado por nossos antepassados propiciaram e determinaram
o fazer no aparato do processo natural de progresso social.
Os avanos tecnolgicos permitiram em igual grau o avano das
possibilidades humanas de conexo, empenhadas agora na conquista exterior de
seu universo existencial, encurtado e operacionalizado pela interferncia
tecnolgica.
Alexander Graham Bell (sculo XIX), quando efetuou a primeira chamada
telefnica, adicionou novo patamar aos processos abstratos decorrentes da leitura
ou da contemplao de imagens.
A codificao e a decodificao do som em sinais eltricos permitiam a
comunicao oral em longa distncia. Para tanto, porm, era essencial a
predisposio do indivduo em falar e ouvir sem saber ao certo com quem se
comunicava no alm-mquina. Comea aqui o apagamento do interlocutor.
[...] Na apropriao individual de objetos naturais para seus fins de vida, ele controla a si mesmo. Mais tarde ele ser controlado. O homem isolado no pode atuar sobre a Natureza sem a atuao de seus prprios msculos, sob o controle de seu prprio crebro. Como no sistema natural cabea e mo esto interligados, o processo de trabalho une o trabalho intelectual com o trabalho manual. Mais tarde separam-se at se oporem como inimigos. O produto transforma-se, sobretudo, do produto direto do produtor individual em social, em produto comum de um trabalhador coletivo, isto , de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se encontram mais perto ou mais longe da manipulao do objeto de trabalho. Com o carter cooperativo do prprio processo de trabalho amplia-se, portanto, necessariamente, o conceito de trabalho produtivo e de seu portador, do trabalhador produtivo. Para trabalhar produtivamente j no necessrio, agora, pr pessoalmente a mo na obra; basta ser rgo do trabalhador coletivo, executando qualquer uma de suas subfunes. [...]. (MARX, 1996, p. 133).
O homem, agora comensal da mquina, no guarda similaridades com o
homem que o antecedeu, e a palavra falada pela primeira vez deixa de precisar do
ar que separa a boca e os ouvidos dos que compartilham o discurso.
24
Barbrook (2009, p.74-75), descrevendo os experimentos e concluses de
Turing nos anos de 1950, evidencia o [...] jogo da imitao. Como o observador
no conseguia dizer se falava com um humano ou uma mquina numa conversa on-
line, ento no haveria mais diferena substancial entre os dois tipos de
conscincia.
Elimina-se a distncia, como propiciou Graham Bell; ancora-se a mquina
possibilidade produtiva, como proposto por Ford; configura-se o habitculo
insurgncia maqunica, e o homem desnudo apenas um homem desnudo.
O contexto de existncia social torna-se hbrido, homens e mquinas
estabelecem relao simbitica, os artifcios somem no contexto, mimetizando-se
aos espaos da natureza, que por sua vez confinada, outorgada ao expurgo,
conformada a toda ambincia tecnolgica e transformada em cenrio imaginrio ao
gozo do tempo livre (livre da maldio do ter que trabalhar). (GARCIA, 2002, p.3)
certo que a apropriao do trabalho e do tempo humano pelas linhas de
montagens impe aos indivduos o distanciamento daquilo que os conformava.
Assim, eles j esto fora do contexto anterior, vivendo na particularidade dos
afazeres contratados, imputados ao estreitamento das relaes sociais, delegados
convulsividade operacional de seu posto de trabalho, ao cerceamento intelectual.
25
Figura 4 - Industria de rdios na Philadelphia em meados de 1925.
Fonte: Biblioteca do Congresso Americano via http://www.shorpy.com.
Ao homem na era industrial, pea de uma mquina maior, cabe a constante
busca do domnio tcnico do qual foi destitudo. Ele empenha esforos na
idiossincrtica busca constante pelo aperfeioamento de seus afazeres mecnicos,
em um processo contnuo de crescimento e desempenho; contudo, continua a ser
engrenagem.
A rpida mudana tecnolgica dissolve a ordem tradicional do tempo. Os indivduos tentam compensar essa perda aumentando a demanda de formao, refletida no conceito de educao permanente [...] Na sociedade da alta velocidade o tempo mesmo se converte em objeto de acelerao. (GARCIA, 2002, p.5-6)
No dia 3 de abril de 1973, em uma esquina da rua 56, em Nova York, Martin
Cooper, pesquisador da Motorola, faz a primeira ligao da histria com um telefone
celular.
26
Figura 5 - Telefonistas no incio do sculo XX e Martin Cooper, em sua primeira ligao de um telefone celular, em 1973.
Fonte: http://www.shorpy.com
O aparelho telefnico tradicional j era popular; os transeuntes, no entanto,
olhavam para Cooper com espanto, pois imaginavam se tratar de uma pea. No
havia fios de conexo. Iniciava-se a popularizao da relao tecnolgica dos
espaos com o no espao, estabelecia-se a centelha daquilo que anos mais tarde
se estabeleceria como ciberespao.
Retomemos, porm, o contexto social em que tal ligao foi executada. O
homem havia pisado na lua fazia quase uma dcada; televisores, rdios,
automveis, eletrodomsticos e demais itens de origem industrial e tecnolgica
ocupavam os espaos construdos especialmente para abrig-los, nas moradas
norte-americanas, estabelecidas como modelo ideal de habitao.
27
Figura 6 - Sra. Hall prepara o caf da manh para seu marido, Kenneth, antes de ele sair para o trabalho na fbrica de alumnio em Sheffield, Alabama.
Fonte: Arthur Rothstein for the Office of War Information via http://www.shorpy.com
Vivia-se a guerra fria; nos dissabores do ps-guerra e da corrida
armamentista os laboratrios das empresas de tecnologia tornavam fato as
predies da indstria da fico.
Os homens j no fugiam das projees cinematogrficas como quando os
irmos Lumire, em 1895, apresentaram sociedade o cinematgrafo, tampouco
detinham-se no espao de morada. Alongavam sua existncia no enfadonho ir e vir
propiciado pelas linhas telefnicas, autoestradas, aeroportos e suportes de
comunicao em massa.
As possibilidades de recepo informacional expandiam-se a partir da
mediao destas com os elementos intensificadores formados pelos engendres
maqunicos, eltricos e eletrnicos.
O homem via-se preso lgica estabelecida da conectividade tcnica,
enquanto seu potencial perceptivo era interseccionado pelos elementos de
mediao, intermediando o seu contato com o mundo natural.
28
As relaes comunicativas esvaam-se em formas e processos do mesmo
modo que as relaes humanas, conformando novos homens, mecanizados, talvez
como anteviu em outros tempos Ren Descartes.
A sociedade que emerge no sculo XX traz, embutida em suas entranhas, os
processos mediadores dos artifcios, tornando homens e mquinas um novo
elemento indissocivel.
Figura 7 - O rob Robert, brinquedo de plstico e metal fabricado pela Ideal Toy Corp em New York, na dcada de 1950.
Fonte: http://www.daviddarling.info.
A mescla resultante da simbiose pode ser entendida como ciborgue, termo
que nasce da juno dos termos ciberntica e organismo. No se trata, portanto, de
um ou outro, mas de um elemento sinttico, ou o que na fico cientfica ficou
delimitado por mquinas cnscias.
Pela possibilidade da aquisio de conscincia por parte das mquinas ou
pela ideia de maquinizao das conscincias, parece-me evidente que no foram
as mquinas que se tornam inteligentes como Turin assegurou, so os inteligentes
que se tornaram mquinas. (SILVA, 2012, p.13)
Kurzweil (2005) afirma que a fronteira final no que concerne inteligncia
artificial ser rompida em meados de 2020, dando incio ao que chama de
singularidade tecnolgica, em meno ao termo utilizado para descrever o
momento gnese do universo.
29
A inteligncia biolgica est esttica, porque um paradigma velho e vencido, mas o novo paradigma da computao e inteligncia no biolgica cresce exponencialmente. A passagem ser na dcada de 2020 e, depois disso, pelo menos da perspectiva dos equipamentos, a computao no biolgica dominar [...]6 (KURZWEIL, 2005).
Diversos estudiosos e entusiastas do tema somam esforos na busca pelo
Rob Redentor (BARBROOK, 2009, p.35), impelindo trabalhos ao encurtamento
temporal que separa a sociedade contempornea das ddivas concernentes ps-
humanidade que se erguer Homo Sapiens.
O discurso promulgado o mesmo que, protagonizado pela indstria,
possibilitou a absoro do homem pelas mquinas industriais no incio do sculo
XIX, e posteriormente o expurgou de suas maleficncias humanas em nome dos
processos produtivos, ou seja, as mquinas inteligentes surgiram como nico modo
indulgncia social.
A ascenso das redes telemticas de comunicao adicionou importante
elemento ao processo de busca e impetrao da conscincia maqunica.
Confere-se no agora institudo ciberespao a possibilidade de ascender
social, cultural e economicamente; em troca exige-se apenas o compromisso do
usurio no cumprimento dos afazeres determinados pelo sistema, possibilitando o
funcionamento das digitalizadas engrenagens que movimentam o fluxo informacional
na rede.
Segundo Lvy:
O cmulo da cegueira atingido quando as antigas tcnicas so declaradas culturais e impregnadas de valores, enquanto as novas so denunciadas como brbaras e contrrias vida. Algum que condena a informtica no pensaria nunca em criticar a impresso e menos ainda a escrita. Isso porque a impresso e a escrita (que so tcnicas!) o constituem em demasia para que ele pense em apont-las como estrangeiras. No percebe que sua maneira de pensar, de comunicar-se com seus semelhantes, e mesmo de acreditar em Deus so condicionadas por processos materiais (LVY, 1993, p. 15)
6 Traduo livre do original: Biological intelligence is fixed, because its an old, mature paradigm,
but the new paradigm of non-biological computation and intelligence is growing exponentially. The crossover will be in the 2020s and after that, at least from a hardware perspective, non-biological computation will dominate [] (KURZWEIL, 2005).
30
Enfatiza Lvy (1993) que toda e qualquer crtica aos ditames da imbricao
tecnolgica s relaes humanas so exageradas e despropositadas, originadas em
indivduos cegos aos auspcios e benevolncias que a tecnologia propiciar
humanidade.
Escapa a Lvy (1993), no entanto, o carter distinto da tcnica em relao
tecnologia. Rdiger (2009, in Marcondes Filho, 2009, p. 337-338) tenciona a vertente
etimolgica do termo tcnica, resgatando seu emprego na antiga Grcia, como
forma de saber de que o homem se serve para produzir o que a natureza no lhe
proporciona espontaneamente, mas sempre de forma varivel e dentro de certos
limites.
Rdiger (2009, in Marcondes Filho, 2009, p. 338) ressalta que a gnese do
termo tecnologia est em Galileu Galilei (1564 1642) e Ren Descartes (1596
1650), ou seja, o projeto tecnolgico de submeter s tcnicas mundanas aos
critrios de perfeio extraordinrias do logicismo (matemtico).
Postman (1994) traa excelente panorama sobre as transformaes ocorridas
entre os perodos por ele definidos como o de culturas usurias de ferramentas, a
mudana para uma tecnocracia e posteriormente ao tecnoplio.
Postman (ibidem, p.51) descreve como as mudanas fomentadas pela
revoluo industrial trouxeram ideias de objetividade, eficincia, habilidade,
padronizao, mediao e progresso, caractersticas das mquinas impostas a
partir de ento ao homem maquinizado.
Segundo Postman (ibidem, p.60), Frederick Taylor, engenheiro norte-
americano autor dos Princpios de administrao cientfica, criou o primeiro
esboo explcito e formal das suposies da ideia de mundo do tecnoplio:
[...] o objetivo principal, se no o nico, do trabalho e do pensamento humano a eficincia; que o clculo tcnico , em todos os aspectos, superior ao julgamento humano; que na verdade o julgamento humano no pode ser confivel porque est infestado de falta de exatido, ambiguidade e complexidade desnecessria; que a subjetividade um obstculo para o pensamento claro; que o que no pode ser medido, ou no existe ou no tem valor; e que os assuntos dos cidados so mais bem orientados e conduzidos por especialistas. (POSTMAN, 1994, p.60).
31
Postman (ibidem, p.61) enftico quanto percepo de que a declarao de
Taylor (1911) explcita ao afirmar que a sociedade mais bem servida quando
seres humanos so colocados disposio de suas tcnicas e de sua tecnologia,
metaforicamente como engrenagens vivas do maquinrio. Como esperado, as
peas valem menos que a mquina completa, pois so facilmente substitudas em
nome da eficincia do sistema.
certo que os mesmos determinantes ao surgimento e configurao do termo
tecnologia foram impulsionadores da revoluo industrial; no por acaso, Friedrich
Lamprecht, em 1787, a define como a cincia fabril (ibidem).
Segundo Emmanuel Mesthene (1968 apud RDIGER, 2009), a tecnologia
compreende a totalidade dos instrumentos que os homens fabricam e empregam
para fabricar e, por meio deles, fazer as coisas.
Evidencia-se que enquanto a tcnica o elemento imprescindvel ao ser
humano execuo de algo que no o dado naturalmente, a tecnologia o
complexo processo mecnico eletrnico entre o homem e o domnio tcnico
essencial efetivao da tarefa. E nela esto embutidas a ideologia e as formas
cognitivas da mecnica e da eletrnica.
Os aparatos tecnolgicos propem e efetivam a obliterao da tcnica que,
possibilitando as potencialidades maqunicas de replicao em srie, efetivam-se na
reprodutibilidade do que so para o homem e do prprio homem quando reflete essa
tecnologia.
Lvy (2000), perfaz seu conformismo na alegao:
Olhe para a merda do mundo. exatamente a mesma merda que h em voc: a besteira, a cobia, a raiva, a violncia, a arrogncia, o cime, o medo, a autodestruio, a vergonha. Se voc se culpa, voc s um covarde. Se acusa os outros, o mundo, o sistema, os estrangeiros, e sei l o que mais, voc um verdadeiro covarde. Mas se voc se recusa a ver a merda, voc o pior dos covardes. A coragem est em ficar na merda. Trabalhar com ela. Aceit-la tal como . Ver que vazia. Sentir no mais ntimo que a merda um sonho de merda (LVY, 2000, p. 168).
Parece-me de fato que se trata de simples escolha, aceit-la tal como [...]
(ibidem) ou simplesmente inquirir sobre os postulados preditos por seus
admiradores. A dvida que emerge frente ao cenrio social aventado quais
32
decorrncias essas imbricaes traro sociedade e prpria noo de
humanidade.
O ensaio resposta requisitada pelo questionamento tangenciaria diferentes
reas do saber, como sociologia, antropologia, medicina, fisiologia, etologia, entre
outras tantas. provvel que as decorrncias que se evidenciassem no processo
fossem positivas em algumas reas e negativas em outras. Mas pensar em reas
isoladas do conhecimento no implicitamente pensar na humanidade, construtora
de todas as reas.
inegvel a contribuio da cincia quando se analisa o controle dos
sintomas da Doena de Alzheimer a partir de um implante neural, como o promovido
pela equipe do Andrs Lozano, professor de Neurocirurgia no Hospital Toronto
Western, em Ontrio, Canad.
Igualmente inegvel o desservio prestado por prticas educacionais
mediadas por computador formao de jovens indivduos, como as evidenciadas
por Nicholas Carr (2011), ou as desastrosas decorrncias das relaes sociais,
como as descritas pela professora de Tecnologia e Sociedade do MIT, Sherry Turkle
(2011).
Turkle (2011) incisiva quanto falta de ateno que ocorre quando as
pessoas, mesmo juntas, se conectam ao prprio dispositivo mvel, o que o filsofo
tcheco-brasileiro dos modernos meios de comunicao, Vilm Flusser, chama de
novo nomadismo, o nomadismo das mentes. Os corpos esto juntos, no entanto a
mente vagueia por seu universo particular em meio nulidade dos espaos ciber.
[...] as trs catstrofes. A primeira catstrofe, a hominizao, a descida do homem para a savana, transformou-o em um ser nmade. Tal nomadismo, que obriga o homem a andar, em alemo fahren, gera tambm a aquisio do conhecimento, erfahrem/ficar sabendo/. A segunda catstrofe foi o assentamento, que o levou ao cultivo de animais, plantas e criao de agrupamentos urbanos. Isso teria aberto as portas posse e acumulao de bens materiais (afinal, argumentava em alemo, sitzen (estar sentado) e besitzen (possuir) so palavras irms). E a terceira catstrofe [...] consistiria em expulsar o sedentrio de seu espao fechado e domstico, obrigando-o a uma nova era de nomadismo. Sua casa torna-se inabitvel, pois est perfurada pelo vento da informao, diz Flusser. Esse novo nomadismo da mobilidade virtual, por sua vez, desvaloriza novamente a posse dos bens materiais, as coisas, em favor dos bens imateriais, as no coisas, informaes, softwares e similares. Volta-se aos domnios do fahren e do erfahen, com a diferena que nos movimentamos agora num espao de nula dimenso, gerado pelas cifras, pontos e gros (e aqui argumenta o
33
autor: sifr em rabe quer dizer vazio; tambm dela nasce a palavra zero). (BAITELLO JR, 2007, P.24 in FLUSSER, 2007).
Efetiva-se a conexo maqunica em seu mais alto grau, desde as primeiras
impugnaes liberdade humana impostas pelas linhas de montagem. Presos s
celas digitais, os homens agora vivem em meio Era da Informao - Druker (1999),
tida como momento histrico que sucede a intitulada Era Industrial, ou, como define
Cazeloto (2008), determinados pela monocultura informtica, ou seja, circunscritos
aos desgnios do Tecnoplio, como Postman (1994) descreve.
Os aspectos caractersticos ressaltados por Cazeloto (2010) como
conformadores da monocultura informtica herdam seus atributos do momento
histrico que os antecederam.
[...] a hiptese de que a aparente diversidade das prticas culturais na cibercultura redutvel a um conjunto de procedimentos, interdies e ferramentas homogneas, baseadas na mediao de equipamentos informticos. A esse conjunto, bem como s prticas a ele associadas, denominamos monocultura informtica. (CAZELOTO, p.1, 2010)
O momento histrico que antecede a monocultura informtica conforma os
homens aos ditames de um sistema monocultural padronizador ao extremo,
separando pela conexo os indivduos de seus pares, e na distncia anunciada se
posta como meio eficaz e nico para a comunicao.
Os aspectos comunicativos ofertados pelas solues maqunicas e
eletroeletrnicas se estabelecem apenas mediante o distanciamento humano que
tais dispositivos propiciaram ao longo do tempo. A soluo maqunica , portanto,
idealizada pelos problemas decorrentes de sua prpria existncia e no da
existncia humana.
A intermediao exercida pelo elemento de origem artificial no relacionamento
interpessoal propicia a permuta informacional 7 enquanto oblitera o potencial
comunicacional8.
7 Informao: ato ou efeito da emisso ou recepo de mensagens (RABAA e BARBOSA, p.388,
2001). 8 Comunicao: conjunto de conhecimentos e procedimentos humanos, articulados no intuito de
propor a unicidade conceitual. (RABAA e BARBOSA, p.155, 2001).
34
Os elementos tcitos aos processos comunicativos, portanto, so substitudos
por elementos Turing-computveis, ou seja, requisitos de funcionamento das
solues maqunicas.
Daniel Bell (1970) afirmou que o conhecimento terico seria o elemento
propulsor da sociedade do futuro, determinada e qualificada a partir de emergentes
possibilidades de acesso, processamento e distribuio de contedo informacional
(KUMAR, p. 15, 1997).
Tal potencialidade atribuda aos engendres maqunicos roaram o intelecto de
inmeros pesquisadores, tericos e entusiastas, e no por acaso as dcadas
antecedentes se mostraram profcuas s concepes da natureza ciberntica e
informacional.
Mltiplas proposies de sistemas comunicativos e comunicacionais
pululavam na academia, e os esforos estavam dirigidos efetivao dos
postulados da redeno humana pelos dispositivos artificiais.
35
3. SOBRE SISTEMAS INFORMACIONAIS E COMUNICAO
Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicao entre ambos, que se d atravs de signos lingusticos. O mundo humano , desta forma, um mundo de comunicao. (FREIRE,1977, p. 66)
3.1. Conceito e acepes
O termo comunicao possui sua origem etimolgica no latim communicatio (ao de comunicar, fazer parte), e compartilha a mesma linhagem de vocbulos
como communitas (comunidade), communis (comum, que pertence a vrios) e
commune (bem comum), ou seja, o ato de comunicar compreende a habilidade e o
conhecimento de tornar a ao comum, acessvel, disponvel, inteligvel a um
grupamento tnico.
Gomes (2004, p.2) descreve a comunicao como tornar comum,
estabelecer comunho, participar de comunidade, por meio de intercmbio de
comunicao.
Esse ato desenvolve-se a partir da apropriao, manipulao e exteriorizao
de elementos inerentes esfera da cultura9, com o intuito de produzir significado.
A comunicao caracterstica ontolgica do ser humano, parte indissocivel
da sua existncia, e delineou ao longo dos anos a construo cultural que levou o
homem primitivo das savanas ocupao do territrio espacial.
De acordo com BATESON e RUESCH (1965, p.11-17 apud LANA (2008), [...]
a comunicao a matriz em que esto cravadas todas as atividades humanas, a
comunicao no [...] se refere somente transmisso verbal, explcita e
intencional de uma mensagem, mas inclui todos os processos atravs dos quais as pessoas se influem mutuamente (grifo meu).
9 Deixe-me fazer aqui uma rpida distino entre cultura e civilizao [...] A cultura acontece em
lugares fechados, reservados mesmo, envolvendo a putrefactio alqumica, ou decadncia enquanto o corpo da fermentao. Gerao e decadncia acontecem juntas; e no so sempre fceis de se distinguir. O que condiz com a civilizao so sistemas de irrigao, monumentos, vitrias, perseverana histrica, riqueza e poder como uma fora coesiva que tem um objetivo comum. A civilizao funciona; a cultura floresce. A civilizao olha para frente; a cultura olha para trs. A civilizao relato histrico; a cultura um empreendimento mtico...A slaba-chave na cultura o prefixo re (Hillman, 1993, p. 34).
36
LANA (2008), em sua anlise do Comunicacion: la matriz social de la
psiquiatria, de BATESON e RUESCH (1965), destaca trs tipos de comunicao
elencados pelos autores: comunicao interpessoal, comunicao intrapessoal e
comunicao de massa.
TRIVINHO (1996, p.74) destaca trs processos fundamentais de
comunicao: interpessoal, de uma ou duas vias [...] de massa, que implica
transmisso e recepo a distncia [...] cyberspatial [...] por mediao de mquinas
informticas capazes de redes interativas [...].
FRANA (2001) divide o estudo da comunicao em duas categorias
distintas, processo de comunicao e os meios de comunicao.
Os processos comunicativos dizem respeito ao modus operandi para se
estabelecer a comunicao, como fala, escrita e expresso corporal. J os meios de
comunicao categorizam-se pelo suporte tecnolgico pelos quais a comunicao
se estabelece, como imprensa, rdio, cinema, TV e internet.
Os estudos da comunicao comumente enveredam por demonstraes
sistmicas 10 dos processos envolvidos, reduzindo o conjunto de conhecimentos
inerentes comunicao: lingusticos, psicolgicos, antropolgicos, sociolgicos,
filosficos, metodolgicos, culturais (BARBOSA e RABAA, 2001, p.155), em
referencial tautolgico arquitetado na sntese aristotlica: fonte, mensagem e
receptor (Figura 8).
Figura 8 - Trade aristotlica do fluxo comunicacional
Fonte: Elaborado pelo prprio autor.
10 Conjunto de elementos interdependentes e/ou inter-relacionados, de modo a formar um todo
(BARBOSA e RABAA, 2001, p.680). Capra (1996) prope uma diferenciao fundamental entre o que chama de sistemas vivos e sistemas mecanicistas, onde evidencia que o primeiro no pode ser analisado em partes menores, mas sempre em seu todo compositivo em relao ao contexto, o que o autor destaca como pensamento contextual [...] uma vez que explicar coisas considerando o seu contexto significa explic-las considerando o seu meio ambiente, [...] todo pensamento sistmico pensamento ambientalista. (CAPRA, 1996, p.46-47). A delimitao do termo sistema empregado neste texto, no entanto, aponta para o carter mecanicista e cartesiano dos modelos apresentados.
Fonte Mensagem Receptor
37
Por essa premissa, para ocorrer a comunicao essencial que o sistema de
codificao da mensagem, a linguagem, seja comum entre o emissor e o receptor,
caso contrrio o contedo comunicacional codificado pelo emissor no poder ser
decodificado pelo receptor, inviabilizando o processo comunicativo.
No entanto, parece pouco factvel que o processo de troca de mensagem se
estabelea de imediato, como alude o esquema grfico acima (Figura 9). Em anlise
primeira e incompleta, evidencia-se que o elemento intitulado como mensagem
requer suporte para existir como significado quando exteriorizado pelo emissor,
possibilitando sua apropriao e interpretao pelo receptor, ou seja, a mensagem,
quando exteriorizada, inexiste sem um suporte, que foi e ainda a concepo mais
popular de meio.
No entanto, aspectos relativos comunicao fazem uso concomitante de
diferentes recursos corpreos. No se exige obrigatoriamente um suporte externo,
pois o meio de influxo comunicacional configura-se no prprio corpo.
Presencialmente assim se emitem, se que h emisso e no apropriao,
diferentes elementos que formam a comunicao com o outro; em decorrncia de
estmulos ocasionados por esse processo desencadeiam uma srie de elementos
comunicativos por parte daquele que os recebeu; Fechando o ciclo comunicacional
em cclica relao entre estimulaes e reaes corpreas aos elementos
perceptivos presentes no momento da ao comunicativa.
Segundo POMBO (1994), para McLuhan, o meio, o canal, a tecnologia em
que a comunicao se estabelece, no apenas constituem a forma comunicativa,
mas determinam o prprio contedo da comunicao.
Segundo McLuhan (1962), o termo galxia empregado como ttulo em uma
das suas mais importantes obras, The Gutenberg Galaxy: The making of
Typographic Man, ganha o sinnimo de cultura. Para o autor, a humanidade passou
por trs grandes transformaes culturais: a primeira intitula de cultura oral, a
segunda de cultura tipogrfica e a terceira de cultura eletrnica.
No perodo compreendido pela cultura da oralidade, inerente s sociedades
no alfabetizadas, os processos comunicativos estabeleciam-se diretamente, sem a
intermediao para o alm-corpo.
38
Os recursos empregados nesse caso, da dico11 aos gestuais corpreos,
transmitidos e apropriados entre o emissor e o receptor pelos sistemas perceptveis
primrios, viso, audio e olfato, concorriam com estmulos distintos aos
produzidos pelos comunicantes, e implicavam a inteleco imediata do contedo
informacional para ser fornecida a resposta necessria continuidade do processo
comunicacional em exerccio. A presena garantia a percepo complexa do
interlocutor e sua alteridade.
muito importante aprender o uso correto das palavras e as suas entoaes justas, porque o sucesso da magia depende efetivamente da ordem ritual em que as palavras so pronunciadas [...]12. (CAROTHERS, 1959, p.309 apud McLUHAN, 1962, p.19)
J na cultura tipogrfica, determinada por McLuhan como Galxia de
Gutenberg, o contedo passa a ser fixado em suporte fsico, conferindo maior
resistncia e durabilidade mensagem, no mais representativa da complexidade
comunicativa, sobretudo informacional.
O processo de inteleco passa a ser mais lento, possibilitando ao receptor-
leitor o consumo repetido de determinado contedo informativo, conferindo maior
espao ao carter reflexivo do processo de apropriao e cincia.
Por sua vez, elementos tcitos comunicao direta se suprimem na
impessoalidade da transmisso, ocultam-se na descrio mediada da realidade
articulada pela leitura e registro do escriba, e em decorrncia na mediao intrnseca
do suporte.
Ganha-se ento o prolongamento temporal dos ditos, ao passo que perdem-
se os elementos contribuintes a estes. A assepsia informativa conferida pelo papel
retira do processo comunicativo elementos constituintes e que por vezes lhe so
determinsticos, tornando a ambivalncia propiciada pelo rudo um encadeamento
sistmico e processual.
Uma vez escritas, as palavras tornam-se, evidentemente, parte integrante do mundo visual. Como a maior parte dos elementos do mundo visual, tornam-se entidades estticas e, enquanto tal, perdem o dinamismo que caracteriza o mundo do ouvido em geral [...]13. (CAROTHERS, 1959, p.310 apud MCLUHAN, 1962, p.20).
11 Domnio e entoao lingustica. 12 Traduo de Olga Pombo, 1994. 13 Ibidem.
39
A sistematizao se tornou recorrente nas diversas teorias que se propem
descrever os processos comunicativos, decompondo seus elementos constituintes e
os encadeando, em engendre artificial de causas e decorrncias.
3.2. Sistemas comunicativos
Shannon & Weaver (1975) propem uma sistematizao baseada na teoria
matemtica da informao, empenhados em identificar o modo mais eficiente de uso
dos meios comunicativos disponveis, em que evidenciavam a preocupao com a
supresso de possveis rudos, atestando a fidelidade da informao.
Figura 9 - Modelo Comunicacional de Shannon e Weaver
Fonte: RABAA& BARBOSA (2001, P. 161)
Johnson (1946) props um modelo no qual enfatizava a relao da linguagem
com a percepo da realidade, detalhava a significao das palavras em relao aos
eventos, os quais carregam elementos oriundos da linguagem, em demonstrao
cclica do processo comunicacional.
Figura 10 - Sequncia esquemtica proposta por Wendell Johnson para o processo comunicacional.
Fonte: Elaborado pelo prprio autor baseado no modelo ilustrado em RABAA & BARBOSA (2001, p.
161). 14
14 1.Um evento ocorre (qualquer fato de primeira ordem que sirva como fonte de estmulo sensorial);
2. que estimula o sr. A. pelos olhos, ouvidos ou outros rgos sensoriais, e em consequncia; 3. dispara impulsos nervosos que viajam para o crebro do sr. A, e de l para os seus msculos e glndulas, que produzem as tenses pr-verbais, sentimentos etc.; 4. que o sr. A., em seguida, comea a traduzir em palavras, de acordo com seu repertrio verbal e, independentemente de
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O modelo proposto por Johnson (1946) no contempla o contexto como
elemento determinante comunicao, tampouco elucida o carter impessoal da
comunicao em massa, e dos aspectos inerentes da comunicao a distncia
mediada por meios eletroeletrnicos.
Lasswell (1948), em sua proposta, pretende definir um modelo que
compreenda elementos procedentes da comunicao em massa, no qual estabelece
um conjunto de questes referenciadas como os sete qus (Figura 11).
Figura 11 - Esquema comunicacional de Lasswell15.
Fonte: RABAA& BARBOSA (2001, P. 163)
Os elementos compositores do modelo de Lasswell (1948), quando
considerados isoladamente, remetem a categorias distintas na anlise do processo
comunicativo.
todas as palavras, ele pensa em; 5. O sr. A escolhe algumas palavras, as quais combina de modo adequado e em seguida; 6. por meio de ondas sonoras e ondas de luz, o sr. A. fala com o sr. B.; 7. cujos ouvidos e os olhos so estimulados pelas ondas sonoras e ondas de luz, respectivamente, e os resultantes; 8. impulsos nervosos viajam para o crebro do sr. B., causando reaes pr-verbais, e de l para seus msculos e glndulas; 9. o sr. B., em seguida, comea a traduzir em palavras, de acordo com seu repertrio verbal e, independentemente de todas as palavras, ele pensa em; 10. o sr. B escolhe algumas palavras, as quais combina de modo adequado e em seguida as profere, consequentemente estimulando o sr. A. ou algum prximo, dando assim continuidade ao processo de comunicao (RABAA& BARBOSA (2001, P. 161-162).
15 O modelo original de Lasswell compem-se nas cinco primeiras etapas, sendo os itens 6 e 7 referentes s causas, aos antecedentes ou intenes da mensagem (questo sugerida por O. Holsti), e outras referentes s condies em que ela foi recebida adicionados posteriormente. (RABAA& BARBOSA (2001, P. 163)
41
Quem diz determina o elemento de controle da emisso, o que dito refere-
se ao contedo da mensagem, por qual canal discute o meio empregado, a quem
infere quanto ao destinatrio da mensagem e com que efeito delineia o impacto
produzido pela informao.
Estmulos e resposta parecem ser as unidades naturais em cujos termos pode ser descrito o comportamento [...] a estreita relao entre os dois torna impossvel a definio de um a no ser em termos do outro. Em conjunto, constituem uma unidade. Pressupem-se mutuamente. Estmulos que no produzem respostas no so estmulos. E uma resposta tem necessidade de ter sido estimulada. Uma resposta no estimulada como um efeito sem causa. (LUND, 1933, p.28-35 apud WOLF, 1999, p.9)
O modelo de Lasswell (1948) guarda sinergias com as demais tentativas de
reproduo sistmica da comunicao, engendra-se no formulismo inexorvel das
denominaes tcitas dos processos comunicacionais.
Figura 12 - Esquema simplificado do modelo comunicacional de Lasswell
Fonte: Elaborado pelo prprio autor baseado no modelo ilustrado em
www.sociologiadelacomunicacionuva.blogspot.com.
3.3. Comunicao e informao
Marcondes Filho (2009, p.63-64) evidencia que quando recebo sinais
externos, eles podem rebater sobre mim como informao, mas tambm como
comunicao [...], correspondendo, como afirma o autor, s colocaes propostas
por Plato no livro VII da Repblica [...] h duas espcies de coisas no mundo: as
que deixam o pensamento inativo [...] e as que fazem pensar [...].
Uhlmann (2002) afirma que na Era da Informao houve a substituio da
comunicao pela informao, constructo de algo definido, capaz de ser transferido,
armazenado, recuperado, estruturado, organizado e controlado [...], ou seja, h
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distoro dos conceitos, o que de certo modo confere informao um grau de
humanidade que sua estrutura mecanicista carece.
A distino entre comunicao e informao parece redimir eventuais
inconsistncias nos modelos comunicativos apresentados ao longo do sculo XX,
isto , se analisados como modelos informativos. (grifo do autor)
Rabaa e Barbosa (2001, p.388) definem informao como ato ou efeito de
emitir ou de receber mensagens, ou como o contedo da mensagem emitida ou
recebida.
Quanto definio de comunicao, os autores (ibidem, p.155) propem
como um conjunto dos conhecimentos [...] relativos ao processo de comunicao,
como lingusticos, psicolgicos, antropolgicos, sociolgicos, filosficos,
cibernticos, entre outros.
Marcondes Filho (2009, p.64) ressalta que a comunicao realiza-se no
plano da interao entre duas pessoas ou nos dilogos coletivos; o autor alude
ainda comunicao oriunda de meios massivos e da possibilidade de criao
similar em ambientes informticos.
Marcondes Filho (2012) sugere, a partir dos estudos de Bergson, Heinz Von
Foerster e Prokop, que a comunicao seja efetuada no momento do que define
como afeco16, e que as consequncias posteriores nada mais tm a ver com a
comunicao propriamente dita, e sim com decorrncias desta.
Figura 13 - Momento da efetivao da comunicao
Fonte: MARCONDES FILHO, 2012, p.6.
16 do lat. afecctio, estado afetivo acompanhado de prazer ou dor (REZENDE, 2009, p.18 in
MARCONDES FILHO, 2009, p.18).
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A comunicao o efeito de um acontecimento p sobre uma reta s, sendo que s a sequncia de sensaes que eu vou sentir num certo perodo de tempo a partir desse acontecimento. Inicialmente, h um impacto inicial r sobre nossos sentidos, uma mera impresso orgnica. Eu ouo um som, eu vejo uma luz, eu sinto algo em minha pele. Trata-se de algo presgnico e pr-ideolgico. So as afeces simples, sinais ou intensidades puras de que fala Von Foerster ou os fanerons do nominalismo antigo. A quantidade sentida dessa afeco simples no nem objetiva, nem subjetiva, nem ativa, nem passiva, ela simplesmente tida. (MARCONDES FILHO, 2012, p.6).
Para o autor, o momento seguinte afeco, momento efetivo do processo
comunicacional segundo o esquema, preenchido pela percepo, efeitos outros do
processo, ou seja, o elemento de impacto se dissipa e torna-se lembrana do fato
propriamente dito.
Afeco o prazer, a dor, a emoo que eu sinto, por exemplo, diante da picada de uma agulha. meu pathos. Ela ocorre dentro do corpo e tem um local de ocorrncia, que um territrio da minha pele, ou seja, uma extenso, res extensae. Quando essa afeco se projeta, tornando-se inofensiva, ela perde a extenso, torna-se percepo. A agulha, que me picou, provocou inicialmente uma afeco; passado algum tempo, isso j se tornou inofensivo, virou lembrana, criou-se em mim uma percepo, res cogitans. (MARCONDES FILHO, 2012, p.7)
Evidencia-se na proposta de Marcondes Filho (2012) uma abordagem
mecnica do processo comunicacional, em que o momento de input, o qual o autor
nomeia como afeco, precedido de feedbacks automticos, nomeados pelo autor
como percepo e suas decorrncias.
Contrera (2009) destaca a negligncia dos estudos sobre comunicao ao
que nomeia vnculo comunicativo. Segundo Baitello Jr. (apud Contrera, ibidem,
pg.355), vincular significa ter ou criar um elo simblico ou material, e formar um
territrio comum de relao comunicativa.
Nesse sentido, importante que faamos uma ressalva acerca do fato de que a desconsiderao do papel do vnculo para a comunicao que colabora para a manuteno de uma viso empobrecida sobre os processos comunicativos, muitas vezes conferindo s trocas de informao seu aspecto central. Ainda vemos nos estudos de comunicao uma confuso entre teorias da informao e teorias da comunicao, sendo que as primeiras se ocupam normalmente de aspectos funcionais e instrumentais das trocas informativas, alinhando-se muitas vezes aos estudos da ciberntica, enquanto a segunda deveria se ocupar dessa dimenso complexa da constituio e dinmica dos vnculos comunicativos. Isso estabeleceria uma clara distino entre os papis de informar e comunicar,
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hoje usualmente confundidos. (CONTRERA, 2009, p.355 In Marcondes Filho, 2009)
O recorte terico aqui proposto tem o intuito de destacar recursos para as
indagaes futuras deste texto efetivamente propiciarem a reflexo da mediao dos
meios tecnolgicos nos processos relacionais.
O que se apresenta, no entanto, a emergncia de processos informacionais
ao invs de comunicacionais; o primeiro tornou-se elemento preponderante nas
relaes humanas mediadas pelos meios eletroeletrnicos, assim sendo utilizarei a
partir deste ponto a notao informacionais ao invs de comunicacionais quando me
referir a tais artefatos tecnolgicos de transmisso e recepo de informaes.
O termo informtica, referente aos diferentes dispositivos eletroeletrnicos de
cunho computacional, surge da juno das palavras informao e automtica. No
por acaso, o conceito sempre esteve presente nos ambientes nos quais os
computadores foram idealizados.
O emprego do termo em seu contexto ocidental foi de Philippe Dreyfus
(1962), na poca diretor do Centro Nacional de Clculo Eletrnico de Bull, que o
utilizou pela primeira vez para nomear a sua recm-fundada empresa Sociedade de
Informtica Aplicada - SIA (PILLOU, 2004). Posteriormente adotado pela Academia
Francesa, em 1967, como referncia ao tratamento informacional executado por
mquinas.
Anteriormente, no entanto, o termo aparecia em outros contextos, utilizado
pelo cientista da computao, o alemo Karl Steinbuch (1957), para nomear o jornal
que publicava: Informatik: AutomatischeInformationsverarbeitung 17 , e pelo
pesquisador russo Alexander Mikhailov (1966) para designar uma disciplina de
cincia da informao (GOLVEIA, 2011).
Evidencia-se que as relaes humanas mediadas pelos computadores sejam
de cunho informacionais e no comunicacionais. As determinaes implicam
alteraes comportamentais, sociais, antropolgicas, psicolgicas, perceptivas,
conformando o homem em um modelo sistemtico de relaes.
17 Informtica: processamento automtico de informaes.
45
Na cultura eletrnica a velocidade ganha destaque, tornando os processos
informacionais da instantaneidade, caracterstica indissocivel dos meios eletrnicos
de informao.
Baudrillard (1981) descreve a crise do sentido em relao propulso de
elementos informacionais, e sugere trs hipteses:
[...] ou a informao produz sentido [...] mas no consegue compensar a perda brutal de significado de todos os domnios. [...] ou a informao no tem nada a ver com significado. outra coisa, um modelo operacional de outro tipo, exterior ao sentido e circulao do sentido propriamente dito. a hiptese de Shannon: de uma esfera de informao puramente instrumental, mdium tcnico que no implica qualquer finalidade de sentido e, portanto, que no pode ser sequer implicada num juzo de valor [...] neste caso no haveria pura e simplesmente relao significativa entre a inflao da informao e a deflao do sentido. Ou ento, pelo contrrio, existe correlao rigorosa e necessria entre os dois, na medida em que a informao diretamente destruidora ou neutralizadora do sentido e do significado. A perda do sentido est diretamente ligada ao dissolvente, dissuasiva da informao, dos media e dos mas media. (BAUDRILLARD, 1981, p.104).
A cultura eletrnica tende absoro sensorial, que impele o receptor da
mensagem informacional aos desgnios do meio, como subterfgio dos meandros da
existncia carnal.
Quais sero as novas configuraes dos maquinismos e da alfabetizao no momento em que as antigas formas da percepo e do juzo forem interpenetradas pela nova era eletrnica? (McLUHAN, 1962, p.278).
Este trabalho ensaia parte de possvel resposta pergunta proposta por
McLuhan (1962), buscando na contemporaneidade indcios das decorrncias da
interpenetrao eletrnica nos processos relacionais humanos.
3.4. Sistemas massivos e ps-massivos
O advento dos meios de propagao em massa de informaes surge no
sculo XV com a prensa de Gutenberg (THOMPSON, 1995). Ganham fora no
perodo ps-revoluo industrial, tornam-se populares ao longo do sculo XX, j
fazendo uso de dispositivos eletroeletrnicos para essa propagao.
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O termo comunicao em massa, surgido em consonncia sociedade de
massas em meados do sculo XIX, parte da necessidade perene de uniformidade
social.
Os grandes centros urbanos comeavam a se formar, e com eles torna-se
imprescindvel informar essa populao sobre assuntos inerentes ao grupo.
Aparecem os primeiros jornais, os quais, ao longo do tempo, partilham seu espao e
mrito com os demais meios, como rdio, cinema e televiso.
Quanto s massas, destinatrias da informao veiculada pelos meios,
Baudrillard (1985, p.3) as define como [...] buraco negro em que o social se
precipita; segundo o autor, as massas no tm histria a escrever, nem passado,
nem futuro, elas no tm energias virtuais para liberar, nem desejo a realizar: sua
fora atual [...], o que oculta [...] o desabamento central do sentido com uma
recrudescncia de todas as significaes e com uma dissipao de todos os
significantes.
Em relao ao contedo dirigido s massas, Baudrillard refora o seu carter
doutrinador, corroborando as proposies de Debord (2003) quanto sociedade do
espetculo.
Seja qual for seu contedo, poltico, pedaggico, cultural, seu propsito sempre filtrar um sentido, manter as massas sob o sentido. Imperativo de produo de sentido que se traduz pelo imperativo incessantemente renovado de moralizao da informao: melhor informar, melhor socializar, elevar o nvel cultural das massas etc. Bobagens: as massas resistem escandalosamente a esse imperativo da comunicao racional. O que se lhes d sentido e elas querem espetculo. (BAUDRILLARD, 1985, p.6)
Com a popularizao da internet no final do sculo XX, alguns tericos
alardearam a ento emergncia de uma sociedade ps-massiva (CASTELLS, 1999;
LVY, 1996, 1999; LEMOS, 2001, 2007, 2010), dotada de meios de emisso e
propagao de informao autnomos.
Em consonncia, a mesma sociedade agora se debruava frente a todo o
conhecimento do mundo, e tudo passava a estar na distncia de um clique; ao futuro
cabia a utopia de geraes erigidas nos domnios auspiciosos da era da informao.
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Os meios ps-massivos de mediao informacional, em oposio aos
massivos, se arquitetavam de modo acntrico, instituam ao consumidor o papel de
produtor; termos como prosumer, neologismo proposto por Alvin Toffler (1970) em
seu livro The Third Wave (A terceira onda), ganham destaque, conferindo ao
indivduo comum o poder e o domnio sobre a informao, seu consumo e sua
divulgao.
Inegvel o fato de a internet ter permitido considerveis avanos em relao
ao acesso e informaes colocadas disposio; do mesmo modo se torna o fato
de que todos os benefcios proclamados no se realizaram em sua plenitude, e
ainda inegveis so as consequncias danosas que tal contexto acarretou.
O excesso informacional decorrente da mecanizao da sociedade em todas
as suas instncias resulta, como descreve Postman (1994, p.27), uma mudana
total, uma tecnologia nova no acrescenta nem subtrai coisa alguma. Ela muda
tudo.
Informao no caracteriza conhecimento: a sociedade enviesada ao
consumo e produo de fluxos informacionais contnuos no se sobressai
intelectualmente s sociedades que a antecederam. Alguns estudos, como se ver
mais frente, indicam exatamente o inverso.
As decorrncias para o social podem ser nefastas, como Postman (1994)
demonstra:
[...] bastante simples descrever a relao entre a informao e os mecanismos para o seu controle: a tecnologia aumenta o suprimento disponvel de informao. Quando o suprimento aumenta, os mecanismos de controle so pressionados. So necessrios mecanismos de controle adicionais para suportar as novas informaes. Por seu turno, quando os prprios mecanismos de controle so tcnicos, eles aumentam mais ainda o suprimento de informao. Quando o suprimento de informao j no controlvel, ocorre um colapso geral da tranquilidade psquica e do propsito social. Sem defesas, o povo no tem como encontrar sentido em suas experincias para imaginar futuros imaginveis. (POSTMAN, 1994, p.79-80)
Postman (ibidem, p.117) afirma que a relao redefine os humanos como
processadores de informao, e a prpria natureza como informao a ser
processada. Segundo o autor, a metfora fundamental a de que somos
mquinas.
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Rdiger (2011), na resenha da obra de Nicholas Carr, The shallows: what the
internet is doing to our brains18, descreve o processo pelo qual respostas pr-
roteirizadas passam a incorporar o cotidiano, conformando o crebro em unidades
processadoras de sinais. Segundo ele, na cibercultura, a conscincia direcionada
para a manipulao do equipamento, em vez de focar no significado eventualmente
existente no que ela est oferecendo. (RDIGER, 2011, p.204)
A internet, como rede que liga seres humanos em sua proposta inicial,
paradoxalmente passa a destituir destes a sua humanidade, condicionando-os aos
determinismos maqunicos, redundncia sistmica, aos auspcios da tecnologia.
O panorama que se apresenta revela os denominados meios de comunicao
de massa, ou mesmo os contemporneos meios ps-massivos de comunicao,
como mquinas de informao e, por conseguinte, propulsoras da incomunicao.
Baitello Jr. (1999, p.2), citando Harry Pross, evidencia o corpo como a
primeira mdia do homem, ou mdia primria, [...] essa a comunicao que
ocorre no flerte, na articulao e na leitura dos gestos e da mmica facial, no
movimento e deslocamento no espao [...] (Ibidem).
O corpo o primeiro elemento a ser destitudo dos processos ditos de
comunicao a distncia, e todo o aparato comunicacional que nele jaz ignorado,
permanecendo em primeira instncia o elemento passvel de difuso
eletroeletrnica, ou seja, som e imagem.
Sem a presena do corpo, os elementos a ele e dele decorrentes, como
evidencia Baitello Jr. (1999, p.3): [...] qualquer que seja o movimento ou sua
ausncia, haver sempre um sentido, uma mensagem a ser lida por um corpo vivo
diante de outro corpo [...], perdem-se no cenho inexpressivo dos meios
eletroeletrnicos de transmisso de mensagens informacionais.
Como enfatiza Contrera (2007), as pesquisas sobre comunicao esto:
Fortemente influenciadas pelos estudos da ciberntica, especialmente pelos estudos de Shannon e Weaver; as primeiras reflexes que se ocupam
18 Editado no Brasil pela Agir Editora sob o ttulo A Gerao Superficial: o que a internet est
fazendo com os nossos crebros, 2011.
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especificamente dos fenmenos comunicativos do sculo XX foram marcadas por uma viso tecnicista da comunicao humana, que pensava o ser humano a partir dos mesmos referenciais com que se pensava os at ento recentes sistemas artificiais de informao. Ignorando a complexidade dos sistemas vivos e suas profundas diferenas com relao aos sistemas artificiais, essa concepo se centrava em uma viso matematizante. (CONTRERA, 2007, p.7)
Matematizam-se os processos para torn-los computveis pelas mquinas;
por sua vez postas como mtodo eficiente de intermdio comunicativo, entrepem-
se aos corpos obliterando justamente o processo ao qual ela visa potencializar, a
comunicao.
O homem, engrenagem no seio maqunico, agora fala a linguagem das
mquinas, sente-se includo por estar preso nas teias dessa rede, telemtica,
maqunica e idiossincrtica.
relevante a reflexo acerca do conceito de rede que propiciam a amarrao
dos processos informacionais, caractersticos da cibersociedade.
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4. SOBRE PLANOS, REDES E CONEXES.
Rede artefato destinado ao enlace, oculta-se na paisagem mimetizando-se
aos espaos de vivncia; por ser invisvel aos olhos facilmente aprisiona as vtimas,
que no se do conta da priso. Talvez sintam-se ainda mais confortveis pelo
afago do encurtamento espacial, percebem-se includas comunidade propiciada
pela rede.
4.1. Teoria dos grafos
O termo rede tornou-se popular na ltima dcada, especialmente em relao
ascenso e popularizao das chamadas redes telemticas, intermeio da
sociabilizao e fomentadoras da emergncia das comunidades digitais.
Fenmeno na internet, as configuraes em rede tornaram-se determinantes
s mudanas comportamentais e relacionais da sociedade contempornea, sendo
hoje um dos sustentculos da chamada Capitalismo Informacional (CASTELLS,
1999).
O conceito de rede normalmente refora o seu carter intangvel, denotando,
como ressalta RECUERO (2009), uma metfora estrutural.