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TEORIA E PESQUISA 42 E 43 JANEIRO - JULHO DE 2003 63 O CONCEITO DE RAÇAE O IDEÁRIO DO BRANQUEAMENTONO SÉCULO XIX BASES IDEOLÓGICAS DO RACISMO BRASILEIRO 1 Andreas Hofbauer 2 Recentemente, o debate sobre a “discriminação racial” no Brasil tem esquentado em torno de uma nova questão: a implantação das chamadas Políticas de Ação Afirmativa. 3 Mesmo que hoje, diferentemente de um passado não muito remoto, a grande maioria dos especialistas reconheça que a sociedade brasileira não está livre da pecha do racismo, não há consenso em torno dos métodos que possam ser eficazes para enfrentar este problema social. E muito menos em torno da maneira de analisar, de forma adequada, este fenômeno social: a prática do racismo 4 . Aliás, na discussão atual, as diferentes concepções do que seja o racismo raramente são explicitadas pelos debatedores. Enquanto alguns entendem a introdução de Ações Afirmativas como uma espécie de precondição para a superação do racismo, uma vez que, segundo esta interpretação, a discriminação positiva ajudará os historicamente desprivilegiados a criar e fortalecer uma identidade positiva, outros vêem em tais medidas um ataque perigoso contra a “maneira tradicional brasileira” de se relacionar com as “diferenças humanas” e temem que por meio delas poderiam ser instigados conflitos raciais abertos. Num artigo recente, publicado na revista Novos Estudos (n°59, 2001), Monica Grin avalia que uma das divergências básicas entre os especialistas no assunto provém daquilo que ela chama de “falta de um consenso quanto ao ’estatuto ontológico’ da ‘raça’ no Brasil” (GRIN, 2001:178). No seu último livro, Classes, raças e democracia (2002), Antonio Sérgio Guimarães aponta para o mesmo problema. Ele fala de uma

(Andreas Hofbauer) O CONCEITO DE “RAÇA” E O IDEÁRIO DO “BRANQUEAMENTO” NO SÉCULO XIX – BASES IDEOLÓGICAS DO RACISMO BRASILEIRO

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Recentemente, o debate sobre a “discriminação racial” no Brasiltem esquentado em torno de uma nova questão: a implantação daschamadas Políticas de Ação Afirmativa.3 Mesmo que hoje, diferentementede um passado não muito remoto, a grande maioria dos especialistasreconheça que a sociedade brasileira não está livre da pecha do racismo,não há consenso em torno dos métodos que possam ser eficazes paraenfrentar este problema social. E muito menos em torno da maneira deanalisar, de forma adequada, este fenômeno social: a prática do racismo4.Aliás, na discussão atual, as diferentes concepções do que seja oracismo raramente são explicitadas pelos debatedores. Enquanto algunsentendem a introdução de Ações Afirmativas como uma espécie deprecondição para a superação do racismo, uma vez que, segundo estainterpretação, a discriminação positiva ajudará os historicamentedesprivilegiados a criar e fortalecer uma identidade positiva, outros vêemem tais medidas um ataque perigoso contra a “maneira tradicionalbrasileira” de se relacionar com as “diferenças humanas” e temem quepor meio delas poderiam ser instigados conflitos raciais abertos.Num artigo recente, publicado na revista Novos Estudos (n°59,2001), Monica Grin avalia que uma das divergências básicas entre osespecialistas no assunto provém daquilo que ela chama de “falta de umconsenso quanto ao ’estatuto ontológico’ da ‘raça’ no Brasil” (GRIN,2001:178). No seu último livro, Classes, raças e democracia (2002), AntonioSérgio Guimarães aponta para o mesmo problema.

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    O CONCEITO DE RAA E O IDERIO DO

    BRANQUEAMENTO NO SCULO XIX BASES IDEOLGICAS DO RACISMO BRASILEIRO1

    Andreas Hofbauer2

    Recentemente, o debate sobre a discriminao racial no Brasil tem esquentado em torno de uma nova questo: a implantao das chamadas Polticas de Ao Afirmativa.3 Mesmo que hoje, diferentemente de um passado no muito remoto, a grande maioria dos especialistas reconhea que a sociedade brasileira no est livre da pecha do racismo, no h consenso em torno dos mtodos que possam ser eficazes para enfrentar este problema social. E muito menos em torno da maneira de analisar, de forma adequada, este fenmeno social: a prtica do racismo4.

    Alis, na discusso atual, as diferentes concepes do que seja o racismo raramente so explicitadas pelos debatedores. Enquanto alguns entendem a introduo de Aes Afirmativas como uma espcie de precondio para a superao do racismo, uma vez que, segundo esta interpretao, a discriminao positiva ajudar os historicamente desprivilegiados a criar e fortalecer uma identidade positiva, outros vem em tais medidas um ataque perigoso contra a maneira tradicional brasileira de se relacionar com as diferenas humanas e temem que por meio delas poderiam ser instigados conflitos raciais abertos.

    Num artigo recente, publicado na revista Novos Estudos (n59, 2001), Monica Grin avalia que uma das divergncias bsicas entre os especialistas no assunto provm daquilo que ela chama de falta de um consenso quanto ao estatuto ontolgico da raa no Brasil (GRIN, 2001:178). No seu ltimo livro, Classes, raas e democracia (2002), Antonio Srgio Guimares aponta para o mesmo problema. Ele fala de uma

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    diferena ontolgica fundamental entre alguns antroplogos, como Yvonne Maggie e Peter Fry, por exemplo, e alguns socilogos como [ele prprio] eu (GUIMARES, 2002:54).

    Penso que defensvel distinguir, no meio das inmeras e diferentes abordagens tericas existentes, grosso modo, dois plos de argumentao que se opem.5 De um lado, temos uma tradio basicamente sociolgica que se concentra na anlise das relaes entre negros e brancos, e mais especificamente no aspecto da desigualdade social entre estes grupos raciais6. Autores ligados e/ou inspirados na Escola Sociolgica Paulista conseguiram com uma grande quantidade de trabalhos empricos e com dados estatsticos detalhados comprovar a existncia da discriminao racial em todos os mbitos da vida social.

    Do outro lado do espectro, temos uma srie de estudos que partem de preocupaes e concepes clssicas da Antropologia Social e Cultural. Nesta tradio acadmica, h uma tendncia de abordar as relaes raciais a partir de um suposto estilo de vida brasileiro que especfico7. Autores como Roberto Da Matta, Peter Fry ou ainda Lilia Schwarcz costumam dizer que, mesmo que o mito da democracia racial no corresponda realidade, este mito por si s constitui um ideal, um valor social para a maioria da populao brasileira. Por isto, segundo Schwarcz, por exemplo, no adianta, no basta desmascarar a democracia racial como uma falsa ideologia, como teria feito Florestan Fernandes e seus seguidores. preciso levar a srio os mitos para entender porque as pessoas evitam explicitar o conflito, preferindo - em vez de criar identidades fechadas - negociar suas identidades, segundo cada contexto especfico, etc.8.

    Em oposio radical a tais interpretaes, autores como Antonio Sergio Guimares baseiam sua reflexo numa diferenciao essencial entre dois grupos: brancos e negros. E, a partir deste pressuposto metodolgico, Guimares entende a grande quantidade de termos de cor, que so usados no cotidiano (moreno claro, moreno escuro, marrom bombom, etc.) como expresses que atuam enquanto representao metafrica do velho conceito clssico de raa. Afirma Guimares, por exemplo, que [...] a cor, no Brasil, funciona como uma imagem figurada de raa (GUIMARES, 1999:43-4)9.

    Com base nesta anlise, Guimares reivindica a reintroduo do conceito de raa como uma categoria analtica.10 Prope a adoo de

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    um discurso racialista como um recurso de autodefesa que deve ajudar a recuperar o sentimento tnico, o sentimento de dignidade, de auto-estima e de autoconfiana da populao afro-descendente (GUIMARES, 1995:43). E a racializao deve servir ainda como uma base conceitual-acadmica que permita articular e agilizar a luta por polticas pblicas compensatrias.11

    Nesta linha de argumentao, a variedade e o uso flexvel de cores de pele (ou seja, identificaes com cores alm de branco e de negro), tendem a aparecer, implicitamente (e, por vezes, explicitamente), como um no-reconhecimento da realidade ou como expresso de uma falta de conscincia.12 Esta postura deve-se, em parte, a uma explicao funcional-estruturalista do conceito raa/cor, que abordarei a seguir; e, em parte, a noes naturalizadas das diferenas humanas que, segundo Peter Wade, permeiam ainda os estudos das relaes raciais. Wade mostra que, embora a grande maioria dos pesquisadores (por exemplo, John Rex e Michael Banton) afirme que raa uma construo social, ocorre, freqentemente, que as variedades fenotpicas so tratadas como um dado biolgico neutro. Desta forma, argumenta Wade, transfere-se a conceituao naturalizada da idia de raa para o fentipo.13

    As diferenas entre as duas linhas de anlise parecem, de fato, insuperveis e inconciliveis. De um lado, as anlises de natureza mais cultural-antropolgicas tm contribudo muito para aprofundar e sofisticar a reflexo sobre a dinmica e sobre as ambigidades que marcam a questo complexa das identidades no Brasil. Mas na medida em que tendem a interpretar a construo da(s) diferena(s) e, portanto, tambm, as relaes raciais a partir de um etos brasileiro (quase como uma espcie de essncia do ser brasileiro) que se situa alm do processo histrico, tais anlises correm, por vezes, o perigo de se transformar num discurso justificatrio dos mitos sociais14.

    De outro lado, a essencializao das categorias de negro e branco possibilitou questionar e desmascarar os mitos especialmente, o da democracia racial - como construes ideolgicas e possibilitou tambm desenvolver trabalhos estatsticos sobre a discriminao racial. Mas, ao mesmo tempo, esta linha de pesquisa de cunho sociolgico, que pauta sua reflexo pela existncia de grupos com fronteiras fixas, no oferece pistas terico-metodolgicas para interpretar a complexa questo da identidade.

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    O modo como categorias-chave como negro, branco, raa, etc. so tratados revela, a meu ver, que ambas as tradies acadmicas continuam fortemente marcadas por concepes do estruturalismo e (estrutural-)funcionalismo clssico. Em estudos de orientao cultural-antropolgica, fala-se correntemente de sistemas classificatrios, cuja origem raras vezes explicada e cujo funcionamento analisado freqentemente como nos textos clssicos de Claude Lvi-Strauss, isto , numa esfera que se localiza alm dos processos histricos concretos e alm das preocupaes e intenes subjetivas.15 Segundo estas concepes, existe no Brasil algo como uma estrutura prpria (um sistema classificatrio)16 ou um etos que privilegia os meios-tons e ambivalncias e que abomina levantar uma fronteira rgida entre branco e negro.17 A perspectiva objetivista, embutida na tradio estruturalista clssica, no estimula indagaes a respeito de intencionalidades subjetivas ligadas ao uso das categorias ou ainda a respeito de transformaes e variaes semnticas dos conceitos que se manifestam em meio a conflitos de interesses. A anlise estrutural visa, em primeiro lugar, estabelecer relaes lgicas no plano da estrutura.

    Na tradio da Sociologia das Relaes Raciais, que remete aos estudos da Escola de Chicago (anos 30), h uma propenso a vincular a delimitao de grupos raciais diretamente anlise de assimetrias scio-econmicas. J R. Park buscava detectar contextos especficos em que surgem relaes raciais e, mais recentemente, em 1970, J. Rex argumentaria que so as condies estruturais conflitos em torno de recursos escassos, situaes de explorao extrema, etc. que fazem com que relaes sociais sejam definidas em termos de relaes raciais.18 Mas, pode ocorrer tambm, e no apenas nos estudos raciais clssicos (como, por exemplo, nos trabalhos de Park), que categorias-chave como raa, negro, branco, etc. sejam usadas num mesmo texto de forma indiscriminada, s vezes como instrumentos analticos (que transcrevem a fora da engenharia scio-econmica), e outras vezes, como reproduo dos termos locais (micos) (cf. tambm a crtica de CARTER, 2000:12).

    Autores de ambas as linhas interpretativas (a cultural-antropolgica e a sociolgica) afirmam que raa no deve ser entendida como um dado biolgico, mas como uma construo social.19 Mas nas duas tradies acadmicas rapidamente esboadas

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    aqui, pode-se perceber uma tendncia implcita, como tentei argumentar, de tratar categorias-chave, como negro, branco, raa quase como uma decorrncia lgica de algo mais profundo, ou seja, como uma funo de algo ao qual se atribui uma existncia mais real: uma estrutura classificatria ou um sistema econmico.20

    Em seus trabalhos recentes, o filsofo e socilogo alemo, Wulf D. Hund, chama a ateno para a situao confusa em torno do debate internacional a respeito do fenmeno do racismo. Constata que existe, entre os especialistas, um consenso segundo o qual raa uma construo social. Mas que no h consenso quando se trata de avaliar se raa deve ser entendida como um fato social, como uma construo ideolgica, uma metfora discursiva, uma inveno ou como algo semelhante, e se a construo de raas um fenmeno tipicamente ocidental ou um fenmeno universal (HUND, 2003:12; cf. tb. 1999: 7).21 Hund analisa e critica que, no debate internacional atual, tem-se gastado muita energia em questes de definio: na delimitao e na datao do fenmeno do racismo (HUND, 2003:12;19).22 Ele argumenta que o fenmeno do racismo no pode ser definido de forma abstrata, mas tem de ser analisado e captado, caso a caso, numa perspectiva histrica. Escreve Hund:

    On that score there is a lack of historical reflexivity not only about the historical background to the emergence of modern racism [...]. It is about racism in general. Up to a point this is a theoretical problem. Far too many studies are concerned with definitions. Yet ideas cannot be defined, they have to be evolved historically (HUND, 2003:19).

    Endossando as crticas de Hund, proponho analisar

    denominaes de cor/raa como construes ideolgicas nos seus contextos econmicos, histricos e sociais especficos. Ao atuarem como categorias de incluso e excluso que remetem tambm a concepes de mundo, reivindico tratar conceitos como raa, negro, branco, etc. como parte integrante e importante da prpria histria do racismo. Nesta perspectiva, importante ainda no restringir a anlise exclusivamente aos discursos da elite sobre os outros (discursos polticos oficiais, cientficos), mas investigar tambm as concepes a respeito dos outros que se articulam na base. Ou seja, acredito que, para entendermos o racismo, temos de entender como a ao da elite (econmica, intelectual) se relaciona com a (re)ao popular. preciso

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    estudar a conjugao entre discursos, concepes do mundo, ideologias, e, claro, condies econmicas e sociais.

    Com esta proposta metodolgica procuro tambm construir uma ponte entre as duas tradies acadmicas esboadas. Pois parece-me de fundamental importncia no dissociar, na anlise, a problemtica da desigualdade social da questo das especificidades simblicas/culturais, tratando-as de forma integrada.

    Desta forma, possvel mostrar que: 1) As concepes de negro e de branco foram

    desenvolvidas inicialmente como um discurso ideolgico independente da idia de raa.

    2) Raa foi usada inicialmente como uma idia no essencializada - e isto no apenas no Brasil.

    3) A idia de transformar negro em branco pode ser interpretada como um iderio (ou ideologia) antigo que ganhou fora simultaneamente com concepes especficas do mundo e do ser humano e marcou desde o incio a sociedade colonial brasileira.

    4) O iderio do branqueamento que me parece uma caracterstica importantssima do racismo brasileiro tem atuado como suporte ideolgico de relaes de poder de tipo patrimonial que aqui se estabeleceram e se firmaram desde a Colnia.

    5) A partir do final do sculo XIX, a idia do branqueamento se transformou num argumento importante para o discurso daquela parte da elite brasileira (polticos e cientistas) que queria mudanas econmicas, mas, ao mesmo tempo, preocupava-se em manter a velha estrutura de poder no pas.

    Tanto as anlises de tipo cultural-antropolgicas como as abordagens mais sociolgicas entendem que a ideologia do branqueamento nasceu num momento de incertezas, no contexto histrico-poltico da transformao da sociedade escravista em um novo modelo social, o sistema capitalista. Afirma-se que as teorias raciais clssicas, que ganharam fora a partir da segunda metade do sculo XIX na Europa e nos EUA, e que condenavam a miscigenao, punham em xeque a viabilidade do projeto de modernizao do pas.

    Segundo esta anlise, a idia do branqueamento serviu como uma sada ideolgica para este momento crtico de transformaes na poltica e na economia. Serviu tambm elite poltica e econmica do pas como argumento para promover uma grande campanha de

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    importao de mo-de-obra branca europia o que teria como efeito colateral a marginalizao (no-integrao) dos negros na nova sociedade de classes que estava surgindo nos centros urbanos do pas.

    L-se, portanto, seja nas abordagens cultural-antropolgicas seja nas sociolgicas, que o branqueamento uma ideologia (teoria) genuinamente brasileira que surgiu no final do sculo XIX como uma adaptao das teorias raciais clssicas situao brasileira23. Segundo A.S. Guimares, as linhas diretrizes das teorias raciais clssicas anglo-europias foram assimiladas, mas modificadas em dois pontos: 1) questionava-se o carter inato das diferenas raciais; 2) no se aceitava que a mistura racial levaria obrigatoriamente degenerao das raas (GUIMARES, 1995:37).

    Mesmo que as reflexes de L. Schwarcz sobre o racismo se baseiem em premissas substancialmente diferentes daquelas de A.S. Guimares, esta autora apresenta uma interpretao quase idntica. Escreve L. Schwarcz: [...], se existe uma teoria que de fato criada no Brasil, a teoria do branqueamento, de incios do sculo [XX] (SCHWARCZ, 1996:178). E pouco antes: [...] os intelectuais eram obrigados a lidar com uma parte da teoria [racial clssica] e obliterar outra (idem:172)

    Concordo que a ideologia do branqueamento foi um elemento fundamental para justificar e levar a cabo a poltica imigracionista, como afirmam Guimares, Schwarcz e outros. Esta ideologia teve um papel importante no discurso dos abolicionistas, como o caso de Joaquim Nabuco. Mas discordo da afirmao de que o branqueamento seria filho deste momento histrico.

    Trata-se de um detalhe analtico ligado interpretao da construo da idia de negro, da idia de raa, que me parece um ponto muito importante para a compreenso do tipo de racismo que se desenvolveu no Brasil. Contrariamente s anlises correntes, que interpretam o surgimento do branqueamento como uma reao ao fim da escravido, e implicitamente defendem que escravido e branqueamento se excluem24, argumentarei que escravido e branqueamento podem ser melhor entendidos como fenmenos que se complementavam.

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    I. NEGRO COMO O PECADO Em primeiro lugar, importante destacar que as idias de

    negro e branco so anteriores ao discurso racial. As duas cores no diziam respeito simplesmente a um mundo natural passvel de ser observado de forma objetiva, mas eram associadas a ideais morais-religiosos. Desde os primrdios das lnguas indo-europias, o branco representava o bem, o bonito, a inocncia, o puro, o divino, enquanto o negro era associado ao moralmente condenvel, ao mal, s trevas, ao diablico, culpa. Na Idade Mdia, o grande paradigma de incluso e excluso era a filiao religiosa, e no ainda a cor de pele.

    Esta fora simblica expressava-se em diferentes costumes medievais: marcava-se um rosto com fuligem para estigmatizar um pecador ou para revelar a culpa de algum; usava-se tambm a referncia cor negra para desqualificar inimigos pagos, como por exemplo os hngaros (cf. Cano de Rolando).25

    Numa poca que foi marcada pelas Cruzadas, o fator mais importante para diferenciar amigo de inimigo era, tambm na Pennsula Ibrica, o pertencimento religioso. Todos os outros possveis indicadores de diferena tinham de ser subordinados s explicaes do mundo derivadas da Sagrada Escritura. Assim, diferenas fenotpicas eram tambm secundrias para o cristo ibrico e seriam interpretadas a partir de verdades religiosas.

    A.C. de C.M. Saunders mostra que escravos provenientes da frica, com pele escura, eram, em geral, mais bem tratados isto , recebiam punies menos severas e eram tidos como mais confiveis do que os escravos muulmanos que se recusavam a converter-se ao cristianismo (SAUNDERS, 1982:108;118). A esta simbologia de cores (branco = puro e divino; negro = impuro e pago, pecador), permeada por concepes morais-religiosas, pode-se tambm atribuir o fato de que as mais variadas populaes em ultramar seriam chamadas de negros.26 E esta associao de idias (a caracterizao destes povos como negros) seria ainda usada como argumento para justificar as intervenes coloniais.

    De suma importncia para a histria do racismo foi uma reinterpretao daquele trecho do Velho Testamento onde a palavra escravo aparece pela primeira vez (Gnesis: IX). A maldio de No que condenou Cana por causa de um comportamento imoral de seu

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    filho, Ham, o qual passa a ser o ltimo dos servos dos seus irmos! - relacionava culpa e imoralidade com o fenmeno da escravido. No texto citado no h, porm, nenhuma aluso a quaisquer caractersticas fsicas especficas do pecador, Ham.

    Segundo Jordan, foi em escritos exegticos rabnicos (provavelmente do sculo V ou VI) que, pela primeira vez, estabeleceu-se uma relao clara e direta entre maldio de Ham/Cana e a cor de pele escura (JORDAN, 1968:18). No demoraria muito at que os rabes-muulmanos assumissem esta leitura do Velho Testamento, com o objetivo de justificar a escravizao daquelas populaes que viviam ao sul do Saara, as quais se declaravam convertidas ao Islo.

    O problema aqui girava em torno do fato de que a ortodoxia islmica probe estritamente a escravizao de irmos-de-f, mesmo que estes tenham se convertido apenas recentemente. Uma tal leitura permitia assim a compatibilizao da visada escravizao com os textos sagrados. Posteriormente, este discurso ideolgico seria tambm adotado pelos cristos ibricos e ganharia, no contexto do trfico transatlntico, uma nova relevncia poltica.

    importante destacar que esta construo ideolgica que tendia a igualar o ser escravo com a cor negra no era usada exclusivamente para caracterizar as populaes do continente africano. Enquanto os indgenas do Novo Mundo foram vtimas de escravizaes, eles eram qualificados no apenas como ndios ou gentios mas tambm eram chamados simplesmente de negros.27 A denominao de negro para indgenas foi inicialmente usada tambm pelos jesutas (cf., por exemplo, as cartas e textos escritos por Manuel da Nbrega)28 que chegaram a apoiar guerras justas contra populaes indgenas.

    Quando o trfico triangular assumiu formas mais slidas e os jesutas comearam a exercer o papel de protetores dos ndios, mudaria tambm o discurso dos padres. Antonio Vieira, por exemplo, j no relacionava a maldio de Ham com os ndios. E ainda recriminava severamente os senhores pelo fato de chamarem os indgenas de negros com o nico intuito de justificar a sua escravizao: "Mas nada disto basta para moderar a cobia e tirania dos caluniadores, porque dizem que so negros e ho de ser escravos".29 Em meados do sculo XVIII foram formulados vrios alvars e leis que visavam a acabar com as prticas aparentemente ainda comuns de escravizar grupos indgenas

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    (sobretudo no Gro-Par) e, em alguns deles, o uso da categoria de negro para designar ndios foi expressamente proibido.30

    De acordo com a concepo crist universalista, todos os seres humanos eram tidos como filhos de um nico casal. No havia dvida de que Ado e Eva, ou seja, a humanidade na sua origem, era branca.31 Desvios fenotpicos deste modelo eram atribudos a falhas morais e, a partir do sculo XVII, passavam a ser explicados cada vez mais tambm como produtos de influncias climticas.

    Em suas muitas pregaes, A. Vieira argumentava que a cor de pele negra surgiu no momento em que os descendentes de Ham originalmente tambm brancos foram morar na Etipia32. Mas, ao mesmo tempo, o padre jesuta ligava, recorrentemente, a cor negra com a idia de uma vida cheia de pecado que, segundo ele, predominava em frica: uma vida na escurido, sem presena de Deus (cf. VIEIRA, 1940: 26;109).

    Consequentemente, o transporte de escravos africanos para o Novo Mundo era incentivado no discurso jesutico como resgate33. Ou seja, como uma espcie de empresa de salvao que possibilitaria a reintegrao de seres humanos enegrecidos na grande famlia da cristandade. Nos seus sermes dirigidos aos escravos, Vieira opunha a escravizao do corpo a uma possvel libertao de suas almas. O batismo era visto como primeiro passo para purificar a alma. E uma vida em escravido, em obedincia paciente s ordens dos senhores nesta terra, seria recompensada, post mortem, com a liberdade espiritual eterna: algo que, segundo os jesutas, era muito mais importante do que a liberdade do corpo fsico prometida pela carta de alforria (cf. VIEIRA, 1940:78;339).

    No discurso teolgico da poca, a vida escrava era tratada como chance e como prova, que abriria aos escravizados a possibilidade de tomar o caminho certo que conduziria ao reino de Deus. Seguindo as reflexes de Aristteles sobre a escravido e sobre o poder desptico (o poder do senhor - despotes), adaptadas agora ao iderio cristo, os jesutas entendiam a convivncia entre senhores e escravos como uma espcie de relao de interesses complementares. O escravo contribua com a sua fora fsica, com seus servios e ao senhor cabia o papel de atuar como protetor daqueles sobre os quais exercia o seu poder senhorial. Sua tarefa, portanto, era alimentar os escravos, educ-los como bons cristos

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    e, quando necessrio, puni-los com justeza, mas tambm com moderao.

    A fuso ideolgica entre escravido, cor negra e imoralidade, de um lado, e liberdade, cor branca e ideal religioso de outro, repercutiria tambm entre aqueles que, em princpio, eram vtimas deste discurso - sobretudo entre aqueles que ansiavam ascender dentro da ordem estabelecida. Em vrios episdios colhidos no mundo rabe-muulmano medieval e tambm na pennsula Ibrica no incio da expanso colonial, a converso f verdadeira e o desejo de integrao so comentados como um processo de clareamento, de embranquecimento dos conversos.

    Assim, no sculo X, o poeta srio al-Maarri descreve um reencontro no paraso entre um senhor e sua escrava, no qual o morto se assusta com a "brancura" de sua ex-escrava: "Mas voc era negra e agora est mais branca que cnfora" (apud ROTTER, 1967:180; minha traduo). Nas atas dos processos da Inquisio (Lisboa, 1556), um clrigo relata que uma mulher negra, que inicialmente se recusara ao batismo, nele consentia sob a condio de que, com este ato, a sua cor de pele pudesse ser clareada. O mesmo clrigo confirma, no seu depoimento, que poucos dias depois do batismo o corpo da conversa teria se tornado branco: somente lhe ficaram pelo rosto umas pintas pretas que ainda tem no rosto de que a gente se espantou muito34.

    Numa de suas peas de teatro, escrita tambm na primeira parte do sculo XVI (Frgoa de Amor, 1524), Gil Vicente satiriza num tom sarcstico o comportamento de um escravo que pede a uma divindade que o transforme em branco (branco como ovo de galinha) para ter mais facilidades e sucesso na vida.35 Mais de cem anos depois, numa Crnica da Companhia de Jesus em Portugal (editada em 1645-47), uma procisso de domingo, com participao de africanos convertidos, comentada da seguinte maneira: Assim succedeo, & acudiram a esta Igreja mais de mil pretos: junto todo este luzido exercito de negros, branqueados com a augoa do sancto bautismo, [...]36

    Estes poucos exemplos parecem-me suficientes para mostrar tambm que os argumentos dominantes, os quais serviriam para legitimar o uso de mo-de-obra africana e, inclusive, para instaurar um sistema econmico e social escravista no Novo Mundo, no se baseavam na idia de que a humanidade seria dividida em raas humanas. Ao longo da histria do Ocidente, a fora simblica das cores negro e

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    branco que, durante muito tempo, foram associadas a valores religiosos-morais seria agora projetada em novas vises a respeito do mundo e do ser humano.

    A partir do sculo XVIII, cientistas europeus comearam a desenvolver as primeiras concepes raciais, que se desprenderiam cada vez mais dos dogmas religiosos. Seguindo esta nova viso, que concebia o homem como parte integrante da natureza (physis), a cincia passava a analisar e classificar os seres humanos tambm segundo critrios e mtodos fsicos. Mesmo assim, explicaes de cunho mais religioso-moral e outras j mais naturalizadas a respeito das diferenas humanas deviam ainda por muito tempo conviver lado a lado, e tambm sobrepor-se.

    A causa de diferentes caractersticas fenotpicas seria atribuda freqentemente, a partir de ento, a fatores externos, como as condies de vida, mas sobretudo a determinadas condies climticas e geogrficas, que eram percebidas ainda, por muitos autores, como expresso direta da Vontade Divina.

    Cientistas importantes, como Georges Louis Leclerc de Buffon, descreviam a cor de pele escura como uma decorrncia do ambiente e, portanto, como um fenmeno acidental e perfeitamente reversvel37. Assim, explica-se tambm que vrios pensadores da virada do sculo XVIII para o XIX contavam ainda com a possibilidade de uma mudana de cor de pele dentro de uma nica raa, caso um determinado grupo migrasse para uma regio mais quente ou mais fria.38 Buffon chegou a propor que se levasse um grupo de africanos (do Senegal) para Dinamarca, a fim de estudar quantas geraes demoraria at que a cor de pele deste grupo fosse totalmente transformada em branco. Ele estipulou um perodo de 8 a 12 geraes, tempo que, segundo ele, deveria ser o suficiente para branquear uma raa (blanchir une race) (Buffon, 1839: 326;335).39

    Muitos pensadores acreditavam tambm que a transformao de negro em branco (ou vice-versa) podia se dar ainda mais rapidamente (num prazo de quatro geraes) por meio de casamentos controlados entre representantes da raa branca com representantes da raa negra. Entre meados do sculo XVIII e incio do sculo XIX, foram publicados vrios esquemas de cruzamento: aqui a metamorfose de negro em branco, como conseqncia de cruzamentos adequados,

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    apresentada nos moldes de uma frmula matemtica, como, por exemplo, na obra de Cornlius de Pauw (1774):

    1. Dun Ngre et dune femme blanche nat le multre demi-noir, demi-blanc longs cheveux. 2. Du Multre et de la femme blanche provient le quarteron basan cheveux longs. 3. Du quarteron et dune femelle blanche sort loctavon moins basan que le Quarteron. 4. De lOctavon et dune femme blanche vient un enfant parfaitement blanc... .40

    Mas, no demoraria muito tempo at que a causa das diferentes constituies raciais fosse procurada no mais em fatores naturais externos ao corpo humano, mas cada vez mais dentro dos prprios corpos. Diferentes mtodos antropomtricos, desenvolvidos para medir e avaliar caractersticas fsicas do corpo humano, seriam agora utilizados para determinar nveis de inteligncia e de moralidade de toda uma raa. Ao se atribuir a razo das diferenas humanas a essncias hereditrias, supostamente caractersticas de todo um grupo, os cientistas transformariam o conceito de raa numa categoria biologicamente definvel. naturalizao (ou, mais especificamente, biologizao) dos critrios de classificao acompanhava um processo amplo de secularizao que se expressava em dramticas transformaes sociais, polticas e econmicas na Europa e nos EUA.

    O fortalecimento e a consolidao do Estado de Direito, por meio do qual os direitos e deveres dos cidados deviam ser definidos e garantidos pela Constituio de cada nao, que correspondia ao ideal filosfico - originrio do Iluminismo - do indivduo autnomo e responsvel, concorreram para burocratizar as relaes sociais como um todo. Um processo que contribuiria, de um lado, para formalizar as relaes entre os cidados (os includos) e, de outro lado, para tornar as fronteiras em relao aos excludos mais rgidas e mais impermeveis. Este avano da juridificao e da racionalizao da vida social se expressaria tambm em novas idias sobre a existncia humana.

    Alguns estudos j chamaram a ateno para relaes significativas entre a construo de raas e determinadas tradies de pensamento filosfico da modernidade41. Outros trabalhos enfatizaram a

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    relao entre a superao de estruturas pr-modernas e o desenvolvimento de discursos racializados.42

    evidente que com esta descrio pontual e esquemtica pretendo apenas apontar para a relao complexa entre modernidade e naturalizao das categorias de incluso e excluso, sem aprofundar esta temtica.43 O objetivo deste ensaio muito mais o de mostrar, ao exemplo do Brasil, que discursos ideolgicos so desenvolvidos em contextos histricos e polticos concretos, marcados por relaes de poder especficas, e fundam, deste modo, formas de discriminao racismos especficos.

    Embora o Brasil no tenha ficado isolado nem tenha sado ileso das inovaes que surgiram no Velho Continente, seja no plano tecnolgico, econmico ou mesmo no plano das idias cientficas at porque a elite do pas sempre manteve contatos intensos com a Europa e com os EUA , quero argumentar que esta concepo biologizada de raa descrita h pouco no se transformaria, aqui no Brasil, em concepo hegemnica. A meu ver, houve boas razes para isto.

    II. BRANCO COMO LIBERDADE E PROGRESSO Um ponto fundamental no funcionamento do sistema escravista

    no Brasil foi a larga margem de exerccio do poder senhorial, que independia da interferncia direta de instituies estatais e que marcava profundamente as relaes sociais. Como em muitas outras sociedades escravistas, o fator poder dependia, tambm no Brasil, diretamente da manipulao de redes de dependncia, de relaes de proteo e de explorao, de conquistas de privilgios, etc. O status legal e a posio social dos indivduos particulares pautava-se, portanto, menos em princpios gerais abstratos ou em determinaes do poder judicial, mas era definido nas esferas de domnio dos senhores de escravos (nas plantaes, nas cercanias das minas de ouro e diamante, nas casas grandes).

    Neste jogo de poder, do qual o escravo participava de uma posio subordinada - porm, no como objeto passivo -, referncias cor e/ou caractersticas raciais serviam como argumentos justificatrios para incluir e excluir. Categorias como branco, negro, mestio, mulato, etc., eram usadas no apenas para descrever, de

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    forma objetiva, a pigmentao da pele ou o fentipo de um determinado indivduo. A percepo da cor (ou do fentipo) orientava-se tambm pelas relaes de poder (status, dinheiro) bem como pelos contextos sociais especficos.

    Viajantes europeus, que passaram no Brasil na primeira metade do sculo XIX, mostraram-se surpresos com o uso malevel e ambguo das denominaes de cor. Escreve Rugendas, que veio ao Brasil com a expedio Langsdorff (de 1822 a 1825):

    Os que no so de um negro muito pronunciado, e no revelam de uma maneira incontestvel os caracteres da raa africana, no so, necessariamente, homens de cor; podem, de acordo com as circunstncias, ser considerados brancos (RUGENDAS, 1979:145-6).

    Rugendas constata ainda que as leis que excluam os mulatos de cargos civis e eclesisticos eram regras sem eficcia. Elas seriam constantemente burladas pelo fato de que no Brasil, facilmente, qualquer tonalidade de pele mais clara [...] aceita como branca (RUGENDAS, 1835:22, minha traduo). Como precondio para que isto possa ocorrer, Rugendas cita trs fatores: riqueza, alianas e mrito pessoal. E o gravurista alemo ainda chama a ateno, em um comentrio, para as estratgias locais de casamento:

    As ligaes entre brancos e mulatas so freqentes, principalmente porque, em sendo abastados, os pais casam de bom grado suas filhas com os brancos [...]. Observa-se, em tudo isso, uma tendncia constante das cores escuras para aproximar a sua descendncia da cor branca, o que explica muitas coisas que o europeu estranha (RUGENDAS, 1979:149-50).

    Numa viagem pelo nordeste (1809-15), o ingls Henry Koster registrou um episdio que ilustra bem o uso contextualizado de categorias de cor (e/ou de raa). Koster documentou, com certo espanto e certa incompreenso, a resposta que ouviu sua pergunta, se um certo capito-mor seria "mulato". O interrogado, que Koster descreveu como homem de cor, respondeu: "Era, porm j no !". E, em seguida, justificou: "Pois, Senhor, um Capito-Mor pde ser Mulato?" (KOSTER, 1942:480).

    Quero deixar claro que estas citaes e comentrios de viajantes no devem ser entendidos como prova de uma suposta facilidade de ascenso social. O importante frisar - e isto o que nos interessa aqui - que tais registros histricos revelam a existncia de um ideal que hoje

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    chamamos de branqueamento: um iderio historicamente construdo (uma ideologia, segundo alguns, um mito para outros), que funde status social elevado com cor branca e/ou raa branca e projeta ainda a possibilidade de transformao da cor de pele, ou de metamorfose da raa.

    Ao operar como interpretao do mundo (e, deste modo, tambm das relaes sociais), esta construo ideolgica foi fundamental para a manuteno da ordem social. Chamar a ateno para a cor de pele escura (ou traos raciais negrides) de algum era uma grave ofensa, sobretudo para aqueles que buscavam ascender socialmente. Enquanto as palavras negro e preto estavam intrinsecamente associadas vida escrava, a cor branca estava ligada ao status de pessoa livre.

    A historiadora Hebe Maria Mattos (1998, p. 93-8) analisou 65 processos judiciais do sculo XIX (nas provncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e So Paulo) e chamou a ateno para o fato de que em nenhuma ata aparece a categoria de negro livre (ou preto livre). Ou seja, o registro branco significava, implicitamente, ter nascido livre. Num caso ao qual a pesquisadora deu destaque especial, um homem livre, aparentemente descendente de africanos, acusado de duplo homicdio. Chama a ateno o fato de que todos os testemunhos estavam de acordo num ponto: o de que o crime tinha sido uma vingana motivada por um ato de humilhao. Depois de um jantar na casa das futuras vtimas, o acusado foi chamado de negro.

    Mesmo que a libertao da escravido e a chance de ascender socialmente tenha representado para muitos escravos no tanto uma realidade factvel para a sua prpria vida, mas muito mais uma promessa para futuras geraes, a instituio da alforria exercia um papel-chave dentro do sistema patrimonial escravista. Ao permitir que os escravos alimentassem a esperana de uma possvel melhora de vida pela superao do status de escravo, a alforria pacificava a vida cotidiana.44 Sabe-se que a chance de conquistar a carta de alforria dependia, em primeiro lugar, das relaes entre o senhor e o escravo. Normalmente, apenas escravos que j tinham prestado servios durante longos anos (muitas vezes escravos velhos) podiam contar com esta gratido por parte do senhor.

    A libertao de um escravo era apresentada pelo discurso dominante como um ato de piedade religiosa e no costumava levar a um rompimento com os laos de dependncia. que a maioria das

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    cartas de alforria foi concedida "sob condies" - que podiam incluir a exigncia de prestao de servio gratuito durante muitos anos e at a ameaa de reescravizao em caso de desobedincia ou de tratamento desrespeitoso (ingratido) para com o ex-senhor (cf. MATTOSO 1990:180;186).

    De outro lado, o ex-escravo precisava da ajuda do seu ex-senhor se quisesse sobreviver como liberto. Qualquer tentativa de ascenso social dependia do apoio e da proteo de senhores poderosos. O liberto no constitua, portanto, a anttese do escravo, mas apenas um possvel passo em direo diminuio da explorao direta por um senhor numa sociedade marcada pelo jogo de manipulao de laos de pertencimento.

    O direito posse de escravos no seria posto em xeque, durante muito tempo, pela maioria da populao - o que no significa que os escravos e ex-escravos no tivessem desenvolvido formas de resistncia.45 Ktia Mattoso mostra, nos seus estudos sobre a vida em Salvador em meados do sculo XIX, que a maioria dos libertos era dono de um ou outro escravo (MATTOSO, 1990:235). Sabemos por vrias outras pesquisas que at escravos podiam com o consentimento de seus senhores comprar africanos recm-chegados com o objetivo de ensinar-lhes um trabalho manual especializado e troc-los posteriormente pela prpria liberdade (cf. por exemplo M. KARASCH, 2000:448;585).

    A Abolio no Brasil deu-se como um processo longo que se arrastou durante quase todo um sculo. Na primeira metade do sculo XIX, surgiram algumas vozes isoladas que criticavam a prtica de manter escravos como contrria religio crist e razo. J estes primeiros crticos argumentavam que a escravido inibia o progresso do pas, porque freava a criatividade humana, o desenvolvimento tecnolgico e, desta forma, a modernizao desejada. Mecanizao, ou seja, industrializao e escravido se excluem, j escrevia Jos Bonifcio de Andrada e Silva em seu projeto de emancipao gradual, apresentado em 1823 (ANDRADA E SILVA, 1964:55;69).

    Chama a ateno o fato de que todos os projetos polticos que visavam abolir a escravido, vinculavam a implementao da abolio idia da importao de mo-de-obra europia (= branca). Baseados numa concepo j mais naturalizada de negro e branco, os espritos progressistas da poca estavam convencidos de que a mo-

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    de-obra branca seria mais produtiva que a mo-de-obra negra. Branco j no simbolizava mais exclusivamente valores morais-religiosos nem s o status de liberdade: agora a cor branca seria tambm projetada na idia do progresso.

    Naturalmente, havia ainda, num primeiro momento, vrias vozes que se opunham a este iderio do progresso. Um dos mais rduos defensores do status quo era o bispo e poltico Jos Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, que criticava os ideais iluministas, procurando desqualificar a concepo da liberdade individual e da razo absoluta. Quase 20 anos depois da Revoluo Francesa, ele publicou um tratado em que fez uma defesa do trfico como um empreendimento de resgate 46, sem pautar sua argumentao na existncia de raas humanas (cf. tb. PIMENTEL, 1995, p. 262ff.). De uma forma geral, pode-se, porm, constatar que, no incio do sculo XIX, o fator raa adentra o e se estabelece no debate poltico: raa seria usada nos discursos tanto daqueles que eram a favor da manuteno da ordem social e econmica quanto daqueles que combatiam o sistema escravista.

    Em 1821, ou seja, um ano antes da Proclamao da Independncia, o mdico e filsofo Francisco Soares Franco publicou o Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e do Brazil, no qual ele analisa a situao do Imprio e apresenta propostas para superar os problemas econmicos, sociais e polticos mais graves. Soares Franco, que apoiava um lento processo de emancipao, via na falta de homogeneidade da populao um problema para o futuro do pas. Seguindo uma tese que estava ganhando fora no meio intelectual, Franco avalia: Hum povo composto de diversos povos no he rigorosamente huma Nao; he hum mixto incoherente, e fraco [...] (FRANCO, 1821:5).

    Para Franco, a escravido na Antigidade era menos perniciosa, pois, segundo ele, na Grcia e na Roma Antiga, "os escravos antigos ero homens semelhantes a seus senhores, enquanto "os nossos escravos da America so huma raa de homens distincta, e separada da nossa especie pelas feies mais evidentes; quero dizer pela cr" (FRANCO, 1821:6-7). Mas Franco acreditava ter achado o remdio para este desenvolvimento errneo: o Estado devia incentivar no apenas a imigrao de colonos europeus, mas devia tambm introduzir leis que estimulassem os casamentos entre mestios e brancos e que, ao mesmo tempo, inibissem casamentos entre mestios e negros ou outros mestios.

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    Assim, dentro de trs geraes, a raa negra podia ser reduzida consideravelmente e, deste modo, criar-se-iam as condies necessrias para a construo de uma nao livre e forte nos trpicos.47 Franco explica o processo de transformao racial aqui postulado da seguinte maneira:

    Os mistios conservo s metade, ou menos, do cunho Africano; sua cr he menos preta, os cabellos menos crespos e lanudos, os beios e nariz menos grossos e chatos, etc. Se elles se unem depois casta branca, os segundos mistios tem j menos da cr baa, etc. Se inda a terceira gerao se faz com branca, o cunho Africano perde-se totalmente, e a cr he a mesma que a dos brancos; s vezes inda mais clara; s nos cabellos he que se divisa huma leve disposio para se encresparem. (FRANCO, 1821:18).48

    As primeiras leis que visavam a proibir a importao de escravos africanos foram assinadas pelo governo, em boa medida, como resposta a presses externas (mais especificamente, aos interesses capitalistas britnicos). Contudo, devido resistncia interna (interesses dos senhores locais) tornaram-se praticamente ineficazes. Quando, em meados do sculo XIX, o trfico legal foi efetivamente exterminado, os senhores de escravos foram obrigados a se deparar com a questo de como, futuramente, iriam organizar a produo sem a mo-de-obra escrava.

    Vrios fatores como, por exemplo, o fim do trfico, a acima citada prtica da alforria e o fator miscigenao (resultante de freqentes relaes sexuais entre pessoas de todas as tonalidades de cor, comuns desde o incio da colonizao) devem ter contribudo para que, na segunda metade deste sculo, a porcentagem de no-brancos entre a populao livre tenha aumentado consideravelmente.49 No primeiro censo oficial efetuado em 1872, a categoria dos livres era composta por 41% de no-brancos.

    O projeto de imigrao europia devia ser, agora, posto em prtica. No ano de 1866, foi fundada, por Aureliano Cndido de Tavares Bastos, a Sociedade Internacional de Imigrao. O jurista e poltico tambm no tinha dvida de que o homem branco era no s muito mais inteligente mas sobretudo tambm trs vezes mais produtivo do que o negro (BASTOS, 1939, p. 160-1). A vinda de imigrantes brancos deveria estimular o incio de um lento e controlado processo de

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    modernizao nas cidades brasileiras, no qual os escravos negros deviam ser substitudos por mo-de-obra europia.

    Para acelerar as transformaes econmicas desejadas, caberia ao governo combater o uso de escravos, permitindo-o apenas no mbito domstico.50 Ou seja: mesmo que, em princpio, Tavares Bastos visse no escravo negro um empecilho para o progresso e para a industrializao do pas, para ele, o uso de mo-de-obra branca e livre na produo industrial no contradizia nem impedia o uso de mo-de-obra negra e escrava nos lares dos abastados.51

    Joaquim Nabuco, abolicionista famoso, foi o fundador da Sociedade Brasileira Contra a Escravido (1880) e autor do texto programtico O Abolicionismo (1883). Nesta obra, ele tambm igualava modernizao a europeizao e via uma incompatibilidade entre escravido e industrializao.52 Nabuco foi provavelmente um dos primeiros intelectuais do Brasil que muito antes de Gilberto Freyre j falava de uma convivncia relativamente harmoniosa entre brancos e negros. Para ele, havia apenas conflitos de interesses entre classes diferentes, mas no, como nos EUA, um preconceito social contra cuja obstinao pouco pde o caracter, o talento e o mrito de quem incorre nelle (NABUCO, 1988:23). E explicita: "A escravido, por felicidade nossa, no azedou nunca a alma do escravo contra o senhor, falando collectivamente, nem creou entre as duas raas o odio reciproco que existe naturalmente entre oppressores e opprimidos" (idem:22).

    Com esta anlise das relaes sociais no Brasil, Nabuco perseguia basicamente dois objetivos: de um lado, o poltico tentava apaziguar o medo que os grandes proprietrios tinham de possveis reaes violentas dos negros, caso estes alcanassem um dia a liberdade. De outro lado, procurava justificar seu empenho de modo estritamente legalista e econmico: para Nabuco, o conflito entre negros e brancos se restringia apenas a relaes de produo "atrasadas", que um simples decreto, na sua opinio, poderia resolver.53

    Tambm segundo este seu raciocnio, marcado por ideais liberais e teses de cunho darwinistas sociais54, o verdadeiro progresso poderia ser alcanado somente por meio da imigrao de mo-de-obra europia. Nabuco, que se empenharia pessoalmente na propaganda de projetos imigratrios (por exemplo, na Exposio Mundial em Paris, um ano depois da Abolio), sonhava com um paiz onde todos sejam livres; onde, atrahida pela franquesa das nossas instituies e pela liberalidade

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    do nosso regimen, a immigrao Europa traga sem cessar para os tropicos uma corrente de sangue Caucasico vivaz, energico e sadio, que possamos absorver sem perigo [...] (NABUCO, 1988:252; grifo meu).

    Contrariando as teses de muitos cientistas europeus da poca, Nabuco via na mistura de raas uma sada para o futuro do Brasil: "no futuro, s uma operao nos poder salvar custa da nossa identidade nacional isto , a transfuso do sangue puro e oxygenado de uma raa livre" (idem:6; grifo meu).

    III. SEGREGAR OU EXTINGUIR Mais e mais polticos e donos de escravos comeavam a se

    pronunciar, agora, em favor da implantao de um projeto econmico mais moderno. No entanto, muitos deles no estavam dispostos, como a argumentao de Tavares Bastos mostrou, a abdicar de velhos privilgios. Mesmo que abolicionistas como Nabuco tenham apontado para um novo caminho promissor progresso via imigrao , a nova situao causava incertezas e um certo mal-estar no seio da intelligentsia brasileira. A elite intelectual e as lideranas polticas perguntavam-se at que ponto seria possvel e desejvel, introduzir o princpio da igualdade entre os cidados, com todas as suas conseqncias, num pas cuja populao era composta, majoritariamente, por mestios e raas inferiores.

    Neste sentido, o fim da escravido e a Proclamao da Repblica constituam tambm um desafio para uma nova gerao de cientistas formados em instituies universitrias brasileiras. A postura dos cientistas oscilava entre dois plos: o compromisso acadmico com as modernas cincias naturais e a fidelidade nova nao. Nesse quadro, destacam-se as tendncias opostas entre os juristas e os mdicos da poca, detectadas por Schwarcz: os primeiros, mais engajados no fortalecimento da instituio de um Estado moderno de tipo legal, mostravam maior afinidade com o discurso liberal e acreditavam na fora transformadora da lei para a superao das desigualdades existentes; os segundos, baseados nas premissas de uma cincia natural e suas leis rgidas e propensas a determinismos, tendiam a descartar a possibilidade da igualdade (SCHWARCZ, 1993:180-182;244).

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    Partindo de premissas caractersticas das cincias naturais, o mdico legista, Raimundo Nina Rodrigues criticava o fato de que os cdigos penais estavam ainda muito permeados por concepes metafsicas e no reconheciam os avanos da cincia moderna. Tal como Darwin, Nina Rodrigues acreditava que a luta do homem pela sobrevivncia contribua para que, ao longo do processo evolutivo, valores supremos, tais como "inteligncia" ("razo") e "moralidade", impor-se-iam. E, como Nina Rodrigues tinha certeza de que a vontade individual no escapava ao desenvolvimento da mente humana, existiam tambm, para este cientista, tipos de crimes prprios em cada fase da evoluo (RODRIGUES, 1957:48-50).55

    Nina Rodrigues, em cuja rvore genealgica se achavam, alis, certamente tambm ancestrais no-europeus, questionava o fato de que as raas inferiores cumprissem todas as precondies fundamentais para um igual tratamento diante da lei: faltava-lhes, segundo ele, a conscincia do dever e a conscincia do direito formal (idem:82). E, alm disso, para o autor, existia uma "impossibilidade material, orgnica" que impedia os representantes das phases inferiores da evoluo social de passar bruscamente para o "gro de cultura mental e social das phases superiores" (RODRIGUES, 1957:50).

    Nina Rodrigues, que participou ativamente da discusso internacional da poca e manteve bons contatos, sobretudo com a Escola Criminalista Italiana (Lombroso) e a Escola de Medicina Legal Francesa, assumiu muitas das concepes biolgico-essencialistas de seus colegas europeus a respeito de raa. Embora raa aparea nas suas anlises como um fator biologizado todo poderoso, Nina Rodrigues, como alis a maioria dos cientistas da poca, nunca se preocupou em definir "raa" e tampouco explicitou a relao entre diferenas raciais e o outro grande paradigma da poca: a "evoluo humana". De qualquer forma, Nina Rodrigues no tinha dvida de que as leis da natureza, que para ele fundamentavam a hierarquizao do mundo, estavam acima de qualquer julgamento moral e constituam verdades inquestionveis.56

    Partindo da constatao de que "a igualdade politica no pode compensar a desigualdade moral e physica" (idem:87), Nina Rodrigues defendia um tratamento diferenciado para criminosos, de acordo com a sua organisao physio-psychologica. Para ele, punir algum que, por razes de inferioridade racial, no est preparado para cumprir com os

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    direitos e deveres prprios da civilizao moderna seria um equvoco, do ponto de vista cientfico. Adverte Nina Rodrigues: tornar os barbaros e selvagens responsveis por no possuir[em] ainda essa conscincia [de direitos e deveres]" seria a mesma coisa que tornar as crianas responsveis por no terem atingido a maturidade mental dos adultos, ou castigar "os loucos por no serem sos de espirito" (RODRIGUES, 1957:85).

    No fundo, o estudioso reivindicava um controle cientfico para a determinao da responsabilidade legal do indivduo. Os criminosos deveriam ser investigados caso a caso com mtodos antropomtricos para que fosse definido seu grau de responsabilidade perante a lei. Outro ponto era a questo do mestiamento, a qual constitua um problema especial que, segundo Nina Rodrigues, explicava-se igualmente pela lei biolgica: os produtos dos "cruzamentos" de espcies seriam tanto menos favorveis quanto mais essas espcies se encontram afastadas na hierarquia zoolgica (idem:132). A escala de "mestiamento" concebida pelo cientista abrangia um espectro que ia do inteiramente inaproveitvel e degenerado at um "producto valido e capaz de manifestao superior da actividade mental" (idem:141). A responsabilidade penal deveria, de acordo com Nina Rodrigues, seguir este mesmo esquema.

    Como tantos outros colegas cientistas, Nina Rodrigues acreditava firmemente que, para a formao de um Estado-nao, era preciso contar com uma grande homegeneidade da populao. Convicto das suas teses raciais, Nina Rodrigues tinha de ser um ctico: ele criticava a uniformizao do Cdigo Penal como um erro grave que atent[a] grandemente contra os principios mais elementares da physiologia humana (idem:175)57 e propunha a diviso do pas em, no mnimo, quatro regies legais diferentes, que deveriam ser definidas de acordo com as respectivas caractersticas raciais, climticas e geogrficas.

    A "obsesso" cientfica do autor em querer comprovar suas teses a respeito da "capacidade mental" das "raas inferiores" levou-o a se dedicar aos estudos da religiosidade afro-brasileira. Numa poca em que o candombl era vtima da violncia policial, Nina Rodrigues se aproximou dos terreiros e transformou-se num dos seus primeiros grandes defensores. Como og do Gantois, Nina Rodrigues reivindicava o cumprimento do direito prtica livre de todas as confisses religiosas, garantido pela Constituio (RODRIGUES, 1977:246).

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    Segundo Nina Rodrigues, esta garantia legal tinha de valer tambm para as crenas religiosas da raa negra. Ele admitia que, do ponto de vista teolgico (catlico) "as prticas religiosas dos nossos negros podem [...] ser capituladas de um erro". Mas advertia: "Absolutamente elas no so um crime, e no justificam as agresses brutais da polcia, de que so vtimas" (idem:246).

    Tentando seguir coerentemente um corpo terico e aplicando os conceitos cientficos correspondentes a este campo, Nina Rodrigues procurava avaliar, medir a inferioridade detectada com mtodos exatos (quantitativos). Diferentemente de muitos defensores da tese do branqueamento, Nina Rodrigues desenvolveria um interesse acadmico por vrios aspectos das diferenas raciais e engajar-se-ia pessoalmente em proteger de atos de violncia a religio de uma raa que ele considerava inferior.

    Embora tenha demonstrado e declarado mais de uma vez a sua simpatia para com a "raa negra", as convices evolucionista-raciais de Nina Rodrigues fizeram-no questionar a possibilidade de um desenvolvimento prspero do pas, exatamente por causa da grande quantidade de negros e mestios entre a populao brasileira. Algumas passagens da ltima obra do cientista podem dar a impresso de que, no fim da vida, suas convices tenham perdido um pouco em rigidez. Outros trechos do mesmo livro demonstram, porm, que ele nunca abdicou de seu ceticismo profundo, como ilustram as seguintes palavras de Nina Rodrigues: A raa negra no Brasil, por maiores que tenham sido seus incontestveis servios nossa civilizao, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravido, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferrios, h de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo. (RODRIGUES, 1977:7). E adiante: "O que importa ao Brasil determinar o quanto de inferioridade lhe advm da dificuldade de civilizar-se por parte da populao negra que possui e se de todo fica essa inferioridade compensada pelo mestiamento, processo natural por que os negros se esto integrando no povo brasileiro, para a grande massa da sua populao de cor" (idem:264).

    Com suas avaliaes pessimistas, Nina Rodrigues voltava-se explicitamente contra aqueles pensadores que prognosticavam um futuro branqueado do pas.58 Nina Rodrigues permaneceria uma voz

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    isolada no meio do debate nacional. Uma voz que no teria grande repercusso. Aqueles, porm, que conseguiram manter viva a "chama do branqueamento" transformaram-se em mentores do discurso oficial.

    O jurista, poltico e crtico literrio Slvio Romero foi um deles. Para Romero, a desigualdade entre as raas era tambm um fato primordial e irredutvel (ROMERO, 1969:268). Mas ele apostava, principalmente, em dois fatores que deveriam contribuir para homogeneizar a populao, e, desta forma, consolidar um Estado de Direito nos trpicos: a democracia e o "mestiamento", que caracterizado pelo autor como o velho fermento unificador (idem:267).

    Com palavras como [t]odo brasileiro um mestio, se no no sangue, nas idias (idem, 1949:85), Romero buscava criar um esprito de unio nacional. Percebe-se que neste discurso o mestio se transforma em sada para o Brasil. As vises de futuro de Romero oscilavam entre a consolidao de uma nova raa (mestia) adaptada aos trpicos e a vitria da raa branca, um processo que levaria a uma transformao racial da populao e traria ao pas os benefcios do progresso.59

    Mais clara e contundente era a linha de argumentao de Joo Baptista Lacerda. Embora tambm mdico de formao, e mesmo tendo partido de concepes tericas (sobretudo Spencer) e mtodos de pesquisa (craniologia, por exemplo) semelhantes queles utilizados por Nina Rodrigues, Lacerda chegaria a concluses opostas em sua anlise do povo brasileiro. Na funo de diretor do Museu Nacional, foi nomeado pelo Presidente da Repblica para representar o pas no primeiro Congresso Universal das Raas, em 1911, em Londres.

    Como Nina Rodrigues, Lacerda atribua em princpio s "leis da natureza" uma influncia decisiva sobre a evoluo do homem. Mas o cientista via uma chance de manipular ou intervir no processo da seleo natural. Para ele, a religio crist era o nico elemento da evoluo que podia impedir a opresso e a destruio dos "povos inferiores" pelos "superiores". Desta perspectiva, o ato de civilizar e catequizar no apenas os "primitivos" surge como um dever moral, como a nica sada para salvar a humanidade (LACERDA, 1912:13;48-51).

    Mesmo que muitas das idias de Lacerda fossem marcadas por concepes naturalizadas do mundo, ele acreditava firmemente como vrios filsofos europeus no incio do Iluminismo que por detrs da

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    realidade observvel, atuava a Vontade Divina que, em ltima instncia, seria inatingvel mente humana. Apoiado nesta sua convico, Lacerda opunha-se veementemente exaltao da razo pura, despida de princpios cristos.60 No um acaso que suas explicaes a respeito das diferenas humanas, especificamente a respeito das diferentes tonalidades de cor de pele, se assemelhassem mais quelas dadas por pensadores como Buffon (ou ainda, Soares Franco) do que dos mentores clssicos do discurso evolucionista e racial de sua poca:

    Demais, devem todos saber, porque a sciencia j o demonstrou, que embora tomada como character differencial de raa, a cr no passa de um character anthropologico accidental, susceptivel de modificar-se profundamente sob a influencia dos agentes cosmicos; que a superioridade e a inferioridade das raas no sentido absoluto um facto inveridico; e que no mundo s existem raas adiantadas e atrazadas, devendo ser attribuidas essas differenas s condies do meio physico e social em que o homem evoluio (LACERDA, 1912:90; grifo meu).

    Na esperana de que as leis naturais pudessem ser aperfeioadas por meio da fora da f crist, e apoiado numa concepo no essencialista de raa, Lacerda sustenta uma viso positiva a respeito do cruzamento inter-racial. Ele defende a idia de que os produtos do casamento entre brancos e negros no constituam uma raa prpria em razo da sua pouca estabilidade, que fazia com que em novos cruzamentos tendessem a voltar ao tipo branco ou preto (LACERDA, 1911:8). De qualquer forma, Lacerda no via os mestios como "bastardos decadentes": no seu texto, apresentado no Congresso Universal das Raas em Londres, os mestios aparecem muito mais como "sujeitos em vias transformao em branco".61

    Segundo Lacerda, a transformao do Brasil num dos "principais centros civilizados do mundo" (idem:19) seria garantida por dois fatores: a imigrao europia e a seleo sexual (preferncia de casamentos com brancos)62, as quais iriam, inevitavelmente, "clarear" a populao. O desaparecimento do negro era visto, portanto, como uma conseqncia "lgica" deste processo, como uma questo de tempo: "il est logique de supposer que dans lespace dun nouveau sicle, les mtis auront disparu du Brsil, fait que concidera avec lextinction parallle de la race noire entre nous" (idem:18; 19).

    Diferentemente da abordagem de Nina Rodrigues, aqui a diferena essencial entre brancos e negros no ganha destaque na

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    anlise. Lacerda concebe os africanos e seus descendentes tambm como uma raa prpria, mas como uma raa que, por meio de sua contribuio construo da sociedade brasileira, transformada em elemento nacional e, desta forma, absorvida pela dominante cor/raa branca.

    Lacerda contribuiu ainda para a construo do mito, segundo o qual os escravos brasileiros teriam sido relativamente bem tratados pelos senhores. Como prova (exemplo), Lacerda cita o fato de que, no raramente, mulatos (crianas) escravos sentavam mesma mesa do senhor ou acompanhavam seus filhos na caa (idem:11).

    situao escravista no Brasil, Lacerda ope as condies supostamente muito mais severas e cruis predominantes nos EUA, onde, diferentemente do Brasil, ter-se-ia instaurado um forte preconceito de raa e de cor (idem:17). A descrio da soluo pacfica para a questo racial transforma-se, no final do texto, num argumento para atrair no apenas mo-de-obra branca63, mas tambm investimento de capital estrangeiro: no Brasil, os investidores podiam exatamente por causa do carter pacfico do povo brasileiro (idem, p. 26), por causa da ausncia de graves conflitos sociais e de confrontaes blicas contar com as melhores condies de segurana (idem:27).64

    O ideal do branqueamento como aparece nos discursos de importantes abolicionistas e cientistas brasileiros , traduzir-se-ia em medidas polticas concretas. As teses do branqueamento, agora j mais naturalizadas do que na poca colonial, transformar-se-iam em discurso e prtica da poltica oficial. No Congresso, debatiam-se no apenas formas de incentivar a imigrao europia; foram tambm apresentados projetos que propunham a proibio da imigrao de asiticos e africanos.65 Ainda no final do Estado Novo, Getlio Vargas justificaria a assinatura de um decreto-lei (1945) que devia estimular a imigrao europia com as seguintes palavras: "[...] a necessidade de preservar e desenvolver, na composio tnica da populao, as caractersticas bsicas mais desejveis de sua ascendncia" (apud BEOZZO, 1981:575).

    O projeto da modernizao devia de forma lenta e controlada em grande parte pela antiga elite do velho regime ser posto em prtica. A sua realizao, no entanto, restringiu-se, durante muito tempo, a algumas parcas regies geogrficas (os espaos urbanos), sobretudo produo econmica de algumas poucas reas e no causaria transformaes profundas na estrutura social e nas relaes de poder

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    predominantes na sociedade brasileira. H fortes indcios de que a no-implantao de um projeto social e poltico mais moderno, que tivesse como objetivo a implementao efetiva de deveres e direitos dos cidados, tenha constitudo tambm um fator fundamental para que, at meados do sculo XX, o iderio do branqueamento se mantivesse como uma ideologia hegemnica.

    Mesmo que os tempos tenham mudado, mesmo que j h algum tempo o Brasil tenha sido envolvido tambm pelas foras globais do capitalismo moderno que tendem a burocratizar e racionalizar as relaes entre empregador e empregado, possvel sentir ainda hoje a fora do poder patrimonial que se baseia em redes pessoais de proteo e de dependncia e que continua atuando muitas vezes de forma latente, outras vezes de forma bem explcita. Percebe-se que a lgica do capitalismo moderno no substituiu totalmente (ainda) a lgica do patrimonialismo; h muito mais uma convivncia e sobreposies complexas entre formas arcaicas, modernas e ps-modernas de organizao econmica e social.

    IV. CONCLUSO

    Tentei mostrar nesta anlise que o iderio do branqueamento,

    em suas vrias fases histricas, nunca se resumiu idia de transformar uma cor/raa em outra. A crena na possibilidade de uma metamorfose da cor de pele (da raa), ofereceu um suporte ideolgico para a continuidade do exerccio do poder patrimonial-escravista. Ao mesmo tempo em que as relaes patrimoniais hierrquicas constituam um obstculo para a implantao de direitos civis (liberdade individual, igualdade diante da lei), a ideologia do branqueamento trazia em si um enorme potencial de resistncia contra qualquer tentativa de essencializar os limites de cor e/ou de raa.

    Isto porque o iderio do branqueamento induz a negociaes pessoais e contextuais das fronteiras e das identidades dos envolvidos. Esta prtica social, que permaneceu viva neste sculo que passou, contribuiu no apenas para encobrir o teor discriminatrio embutido nesta construo ideolgica mas tambm para abafar uma reao coletiva. Assim, a ideologia do branqueamento atua no sentido de dividir aqueles que poderiam se organizar em torno de uma reivindicao

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    comum, e faz com que as pessoas procurem se apresentar no cotidiano como o mais "branco" possvel.

    Partindo de uma perspectiva de branqueamento, que termina por sustentar a realizao gradual de valores paradigmticos supremos (religioso-morais, biolgicos-evolutivos, civilizatrios), um "mais escuro" pode ser visto como um ser que a longo prazo contribui para o aperfeioamento deste "projeto societal". Mas pode ser considerado tambm moral, biolgica e culturalmente "inferior" quele que consegue apresentar-se como "menos escuro". Assim, qualquer denominao de cor e/ou de raa ganha uma forte carga de ambigidade. Esta ambigidade que marca os processos de incluso e excluso e que pode ser interpretada como uma conseqncia da fora do iderio do branqueamento, foi provavelmente tambm uma das razes porque o Brasil oficial conseguiu, com sucesso, apresentar-se durante tanto tempo como um pas no-racista.66

    J faz algum tempo, porm, que a hegemonia do iderio do branqueamento foi rompida. A partir dos estudos raciais promovidos pela UNESCO, nos anos 50, classificaes tipolgicas de cores difundiram-se para alm do discurso cientfico67. E, no final dos anos 70, o discurso do Movimento Negro brasileiro comeou a assumir concepes essencializadas de negro, com o objetivo de forjar uma identidade poltica combativa e de desmistificar a idia da democracia racial.

    Hoje, pode-se perceber que co-existem diferentes ideais a respeito de igualdade social e de diferena cultural, a respeito de autenticidade e de hibridismo. Ou seja, percebe-se que na era da globalizao, a questo da identidade, do incluir e do excluir, tornou-se, tambm no Brasil, mais complexa ainda. Os velhos conceitos de negro e branco e de raa esto sendo reavaliados por novos interesses polticos, novas foras ideolgicas, novas tendncias acadmicas e idias cientficas - como por exemplo pelas teses ps-modernas a respeito das diferenas humanas, pelo multiculturalismo68, pelo panafricanismo, por um novo nacionalismo, ou ainda por posturas, como o black is beautiful, pelo politicamente correto ou por novos focos radicais que pregam a supremacia da raa branca69.

    Mas mesmo assim, o iderio do branqueamento no foi totalmente apagado: ele perceptvel no dia-a-dia at hoje. Deste modo, a fora social do iderio do branqueamento pode explicar no apenas a

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    (ainda) pequena porcentagem de "pretos (negros") nas estatsticas oficiais at hoje70, mas explica tambm a grande quantidade de termos de cor, que dominam o linguajar cotidiano71. Muitas das palavras usadas no cotidiano como autodescries ou como termos que buscam no ofender a pessoa denominada so bastante curiosas (moreno, moreninho, marrom bombom, de cor, queimado de praia, meio-branco) e sinalizam que uma grande parte da populao, sobretudo as classes menos favorecidas72, continua evitando identificar-se com a categoria negro (preto) e continua valorizando e privilegiando cores claras.

    Tudo indica que a ideologia do branqueamento continua funcionando como uma espcie de pano de fundo ideolgico sobre o qual outros discursos, outras concepes de negro e branco vo se sedimentando (por exemplo: o discurso do Movimento Negro atual e as propostas acadmicas de racializar as diferenas).

    Procurei argumentar aqui que a ideologia do branqueamento tem sido, ao lado da idia da democracia racial, um componente importante do racismo brasileiro. E tambm por causa da importncia social desta construo ideolgica que me parece problemtico e inadequado basear a reflexo sobre o racismo no Brasil em concepes essencializadas, ou ainda a-histricas de negro e de branco, ou mesmo em sistemas classificatrios situados alm dos processos histricos.

    Quero ento concluir minha anlise, dizendo que o racismo um fenmeno social complexo: no apenas discriminao e humilhao mas tambm o discurso sobre os processos de incluso e excluso. H uma relao intrnseca entre realidade e discurso sobre a realidade. Por isto, parece-me necessrio analisar os contextos histricos, polticos, econmicos e culturais juntamente com o plano do(s) discurso(s), ou seja, juntamente com a construo das idias, se quisermos entender o funcionamento do fenmeno do racismo. Desta maneira, possvel mostrar que no existe um etos brasileiro descolado das relaes raciais como tambm possvel mostrar que raas e/ou cores no tm uma existncia prpria, no tm um significado que independa do mundo dos valores e dos ideais culturais.

    Quero crer que uma abordagem que insiste em mostrar que cores e raas so construes histricas e ideolgicas, e, como tais, devem ser analisadas no seu contexto econmico, poltico, cultural

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    3 O debate ganhou flego quando, na poca dos preparativos da Terceira Conferncia Mundial contra Racismo (Durban, 2001), o governo mostrou disposio de criar mecanismos de discriminao positiva para combater o racismo no Brasil (cf. tb. TELLES, 2003, p. 86-97). 4 Cf. tb. a anlise que M. Grin faz do seminrio Multiculturalismo e racismo: o papel da ao afirmativa nos Estados democrticos contemporneos, que foi promovido pelo governo brasileiro e ocorreu em junho de 1996, no Palcio da Alvorada (GRIN, 2001, p. 183ff.). 5 Estou ciente de que a tipologia que segue no passa de uma diferenciao grosseira que tende a achatar certas diferenas relevantes existentes entre as muitas e diferentes abordagens, alm de tender a simplificar as concepes tericas dos autores. Mesmo assim, arrisco-me a faz-lo com o objetivo de mostrar: 1) que tradies divergentes na concepo (construo) do outro esto ligadas diretamente a diferentes interpretaes do que seja o fenmeno do racismo; e 2) que uma abordagem contextual (no sentido de historicizada) da construo do outro pode, talvez, superar problemas tericos intrnsecos a cada uma das tendncias citadas. Jacques DAdesky e Srgio Costa propem classificaes semelhantes quando analisam os diferentes discursos acadmicos anti-racistas (opem anti-racismo diferencialista e anti-racismo universalista; e anti-racismo igualitarista e anti-racismo integracionista Cf. DADESKY, 2001; COSTA, 2002b). 6 Esta linha de pesquisa, que remete, em termos tericos e metodolgicos, aos estudos da UNESCO promovidos nos anos 50 (cf. os trabalhos de importantes intelectuais, tais como F. Fernandes, A.L. Costa Pinto, O. Ianni, F.H. Cardoso), seria retomada, sobretudo a partir do final dos anos 70, por pesquisadores como Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle Silva, e outros. 7 Roberto Da Matta, por exemplo, afirma, ao comparar a questo racial no Brasil com a situao nos EUA, que [o] problema bsico (...) sem o qual a questo racial no pode ser entendida -, jaz no estilo cultural por meio do qual as duas sociedades elaboram, constrem e lidam com as suas diferenas (DA MATTA, 1997, p. 71-2). 8 Cf. L.M. SCHWARCZ, 1998, p. 236; Peter FRY, 1995-6, p. 134. 9 A.S. Guimares postula que no h denominao de cor sem a existncia de uma ideologia racial. Diz o autor: Algum s pode ter cor e ser classificado num grupo de cor se existir uma ideologia em que a cor das pessoas tenha algum significado. Isto , as pessoas tm cor apenas no interior de ideologias raciais (GUIMARES, 1999, p. 44). E Guimares afirma ainda que, desde os primrdios da histria do Brasil, a c]or (...) uma construo racialista (GUIMARES, 1999, p.97; cf. tb. GUIMARES, 1995, p. 27).

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    10 De forma parecida, no seu recente livro Racismo brasileira (2003), Telles define as categorias-chave de incluso e excluso fora dos contextos histricos sociais especficos. Num subcaptulo, intitulado Nota sobre o conceito de raa e o uso de termos raciais, opta pelo termo raa que, segundo ele, inclui tambm a noo de cor. E define ainda que o seu uso da categoria negro inclui pardos e pretos (TELLES, 2003, p. 39). 11 Guimares admite que a autoclassificao de cor da populao nem sempre corresponde classificao usada pelo IBGE e em textos sociolgicos. A desfesa do uso da categoria de raa (de uma noo essencializada de negro) ganha aqui, visivelmente, um teor pragmtico: justificar-se-ia pelo objetivo poltico. Escreve Guimares: Na ausncia de tal identidade [social/racial], o legislador poder estar ajudando a criar, com sua legislao, a comunidade sobre a qual pretende legislar (GUIMARES, 1997, p. 240). 12 Clvis Moura, por exemplo, distingue entre identidades "corretas" ou "reais" e identidades deformadas (MOURA, 1994, p. 157). Diante do resultado da pesquisa PNAD-1976, que levantou 136 termos de identificao de cores de pele diferentes, Moura lamenta: o brasileiro foge da sua realidade tnica, da sua identidade, procurando, atravs de simbolismos de fuga, situar-se o mais prximo possvel do modelo tido como superior (MOURA, 1988, p. 63; grifo meu; cf. tb. p. 62). Seria possvel mencionar vrios outros exemplos: tambm Guimares, por exemplo, numa reflexo terica sobre os usos de categorias, chega a classificar a noo nativa de cor como falsa (Cf. GUIMARES, 1999, p. 43). 13 Wade, e tambm Donna Haraway, insistem em dizer que o reino da natureza no se apresenta aos seres humanos como uma campo neutro. Os dois pesquisadores partem do princpio de que o conhecimento um processo social, de maneira que, o conhecimento sobre a natureza no pode ser simplesmente separado das categorias culturais daqueles que produzem o conhecimento (WADE, 1993, p. 31; minha traduo). Portanto, diz Wade, a natureza tambm uma construo social; e Haraway complementa: biology remain[s] a human culture-specific discourse, not the body of nature itself (in: WADE, 1993, p.18, 31). 14 Mesmo que o objetivo dos pesquisadores certamente no seja defender uma ideologia repressora nem conservadora, a primazia atribuda ao mundo simblico em detrimento de outros fatores custa-lhes crticas, por vezes, bastante cidas. Sem dvida alguma, no agradvel ser acusado de defender privilgios dos brancos ou de dificultar ou ainda de impossibilitar a implementao de medidas polticas efetivas de combate ao racismo. Cf. as palavras de P. Fry: I find it difficult not to side with those who resent attempts to interpret the Brazilian model or Brazilian sociological intelligence as fundamentally erroneous. To do otherwise would be to renege on the tenets of my discipline and succumb to pressures to capitulate to the inevitability of the racialization of the world. And yet, taking such a

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    position, contrary to the dominant views of so many of my friends and colleagues, including those in the thick of the antiracist struggle in Brazil, is painful, bringing, as it does, accusations of neo-Freyreanism, representing white privilege or even of a lack of concern for racism and racial inequality(FRY, 2000:111). 15 Assim, nas reflexes de Y. Maggie, as diferentes denominaes de cor tendem a ser tratadas como significantes que apontam para uma estrutura profunda, uma espcie de lgica oculta que se expressaria na cultura brasileira, como se pode perceber na seguinte passagem: "Essa categoria [moreno] como uma chave para se falar em cor e raa sem falar de cor e raa, pois moreno contm em si mesmo tanto cor, como ausncia de cor (...). Moreno contm em si o gr