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ANDREZA - JURISPRUDÊNCIA - PRINCÍPIOS SOLIDARIEDADE

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TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2013.0000087235

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante GALVAO DIESEL COMERCIO DE PEÇAS PARA VEICULOS PESADOS LTDA., é agravado TEMPO SAUDE SEGURADORA S/A.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOÃO CARLOS SALETTI (Presidente sem voto), CARLOS ALBERTO GARBI E COELHO MENDES.

São Paulo, 26 de fevereiro de 2013

CESAR CIAMPOLINI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

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São Paulo

Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 2/10

Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000

Comarca : São Paulo 3ª Vara Cível do Foro Regional de Santana

MM. Juiz Dr. Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva

Agravante : Galvão Diesel Comércio de Peças para Veículos Pesados

Ltda.

Agravada : Tempo Saúde Seguradora S/A

VOTO Nº 2.807

Agravo de instrumento. Contrato de plano de saúde. Lei 9.656/98. Incidência também das normas do CDC. Abusividade e consequente nulidade de cláusula de rescisão imotivada por parte da operadora. Função social do contrato. Princípio constitucional da solidariedade. Cláusula geral de boa-fé que informa o direito obrigacional pátrio. Conjunto de princípios e normas que tornam incompatível, com o direito pátrio atual, a denúncia vazia de contrato a envolver direito fundamental da pessoa humana, qual seja, o direito à saúde. Agravo provido.

RELATÓRIO.

A fls. 71 e seguintes, proferi a seguinte

decisão, concessiva da liminar que pedia a agravante, decisum em que

adequadamente se sumariam os fatos importantes ao julgamento deste

agravo:

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 3/10

“Vistos.

Agravo de instrumento interposto em face de decisão, aqui às fls. 48,

proferida, em ação declaratória, nos seguintes termos: 'Vistos. Indefiro a

medida liminar, considerando que o artigo 13, parágrafo único, da Lei de

Planos de Saúde, aplica-se somente aos contratos individuais e tendo em vista

a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça reconhecer a

resilição pela empresa de assistência à saúde quando a outra parte é pessoa

jurídica (AgRg no Ag 1157856 / RJ, REsp 1119370 / PE e REsp 889406 / RJ).

Também indefiro, porque não há prova inequívoca de que qualquer dos

beneficiários seja imediatamente prejudicado, por interrupção abrupta de

tratamento. Ressalto quanto a isso que, nos termos do artigo 13, parágrafo

único, inciso III, da Lei 9.656/1998, é vedada a suspensão ou a rescisão

unilateral do contrato somente durante a ocorrência de internação do titular.

Cite-se. Int.'.

Insurge-se a demandante. Aduz que firmou contrato de seguro saúde com a

agravada em outubro de 1995 e sempre pagou rigorosamente em dia as

parcelas mensais; no entanto, em outubro próximo passado, recebeu

notificação da agravada informando ao fim do ajuste no prazo de 60 dias.

Ressalta que a relação entre as partes é de consumo e que a atitude da

agravada afronta os princípios da função social do contrato e da boa-fé

objetiva, bem como a dignidade da pessoa humana. Observa que, no caso em

tela, o bem jurídico a ser protegido é a saúde e, em última instância, a vida dos

beneficiários em sua maioria, idosos (destaca que um deles, recentemente, foi

vítima de infarto; enquanto outra beneficiária está em tratamento de câncer).

E, embora o parágrafo único do art. 13 da Lei 9656/98 faça menção somente à

contratação individual, não há razão para não o aplicar aos contratos coletivos.

Frisa que, de acordo com o art. 5º da LICC, o juiz deverá interpretar a lei de

acordo com os fins sociais a que ela se destina. Observa que não há diferença

entre os consumidores de plano coletivo e de plano individual. Colaciona

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 4/10

precedentes deste Eg. Tribunal de Justiça no sentido de ser possível a

aplicação do parágrafo único do art. 13 da Lei 9656/98 aos contratos coletivos.

Obtempera que a contratação de novo plano de saúde implicará a observância

de prazo de carência, ao qual a maioria de seus beneficiários, idosos, não

podem se submeter, sob pena de colocar em risco a saúde destes. Pugna pela

concessão de efeito ativo ao presente recurso e pelo seu integral provimento ao

final.

A fls. 49 encontra-se acostada cópia da fatura referente ao mês de setembro de

2012. Nela está indicada a faixa etária dos usuários: 18-45 anos e 56-60 anos.

Às fls. 63/64 está reproduzida a notificação emitida pela agravada.

É o relatório.

O art. 273 do CPC prevê que 'o juiz poderá, a requerimento da parte,

antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido

inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da

verossimilhança da alegação e: I haja fundado receio de dano irreparável

ou de difícil reparação (...)'.

A prova inequívoca mencionada pelo dispositivo é a suficiente para o

surgimento da verossimilhança necessária à concessão da antecipação de

tutela.

Analisando o instituto, afirmam LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO

CRUZ ARENHART:

'A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar: (i)

o valor do bem jurídico ameaçado, (ii) a dificuldade de o autor provar

sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras

de experiência, e (iv) a própria urgência descrita.' (Curso de Processo

Civil, vol. 2, pág. 213).

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 5/10

Pois bem. Em cognição sumária a cabível neste momento processual , os

requisitos para concessão da medida afiguram-se presentes.

A notificação expedida pela agravada não apresenta qualquer justificativa para

a rescisão unilateral do contrato. E, conforme já decidiu por diversas vezes

este Eg. Tribunal, tal circunstância não se afigura admissível:

'PLANO DE SAÚDE - Contrato coletivo/empresarial - Natureza de

contrato relacional, com pagamento antecipado para prevenir riscos

futuros - Incidência da Lei n. 9.656/98, sem prejuízo das normas

cogentes do Código de Defesa do Consumidor - Abusividade e

conseqüente nulidade de cláusula contratual que prevê a possibilidade de

resilição unilateral do contrato, por parte da operadora de saúde,

mediante denúncia imotivada - Abuso do direito de resilir - Afronta aos

princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva - Natureza

relacional das relações obrigacionais compatível com a denúncia

somente motivada do contrato, levando em conta os valores em jogo -

Ação procedente, para reconhecer a abusividade da cláusula que permite

a resilição unilateral imotivada por parte da operadora de saúde,

obrigando-a a dar continuidade ao contrato - Verbas sucumbenciais bem

fixadas - Recurso não provido.' (Ap. 9130138-87.2009.8.26.0000,

FRANCISCO LOUREIRO).

'Plano de saúde. Rescisão unilateral e imotivada do contrato de plano de

saúde coletivo. Aplicação dos ditames do CDC. A aparente proteção

exclusiva do art. 13, parágrafo único, inciso II, aos contratos individuais,

estende-se também aos contratos coletivos por adesão, sob pena de ferir

gravemente todo o sistema protetivo tanto do Código de Defesa do

Consumidor como da Lei nº 9656/98. Nos contratos coletivos o

beneficiário final é o consumidor, tal qual nos contratos individuais ou

familiares. Presentes os requisitos do artigo 273 do CPC, deve-se

conceder a tutela antecipada. Necessidade de resguardar o direito à vida.

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 6/10

Demais questões que ficam relegadas à apreciação do mérito da ação.

Decisão reformada. Recurso parcialmente provido.' (AI 0159683-

59.2012.8.26.0000, JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS).

'AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE COLETIVO.

RESILIÇÃO IMOTIVADA. MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ILEGITIMIDADE DE PARTE

AFASTADA PORQUANTO CARACTERIZADO O GRUPO

ECONÔMICO.

1 - Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão que

determinou a manutenção de contrato de plano de saúde, objeto de

resilição imotivada pela fornecedora.

2 - A proteção conferida pela Lei nº 9.656/98, em interpretação

restritiva, aparentemente abarca somente os contratos individuais, o que

não deve ocorrer, sob pena de excluir a contratante de planos coletivos

do sistema de proteção do Código de Defesa do Consumidor, o que deve

ser repudiado.

3 - Recurso provido para determinar a continuidade do vínculo

contratual, em respeito aos deveres laterais de boa-fé, cooperação e

lealdade contratuais, até julgamento da demanda, oportunidade em que

se avaliará a abusividade ou não da cláusula que permite a resilição

imotivada.

4 - Afastada a alegação de ilegitimidade de parte sustentada pela

agravante. O intercâmbio de atendimento determina a solidariedade

entre as diversas cooperativas do grupo UNIMED. Métodos de gestão de

contratos, orientados pela divisão de bases geográficas não podem

determinar a restrição de atendimento ao consumidor. Amplo

atendimento em rede que faz parte de estratégia publicitária. Inexistência

de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ante o cumprimento

das prestações mensais pela autora.

5 - Recurso não provido.' (AI 0308920-07.2011.8.26.0000,

ALEXANDRE LAZZARINI).

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 7/10

'PLANO DE SAÚDE - Coletivo - Resilição unilateral e imotivada -

Impossibilidade - Vedação inscrita no art. 13, par. ún., II, da Lei nº

9.656/98 que também se projeta sobre os contratos coletivos

empresariais de plano e/ou de seguro saúde - Necessidade de se

maximizar a eficácia protetiva dos consumidores que atuam por

intermédio da empresa estipulante - Função social desses ajustes, de

natureza existencial, que alça espectro diferenciado - Prevalência da boa-

fé objetiva e do necessário equilíbrio - Abuso da cláusula autorizante -

Precedentes desta Corte - Recurso desprovido.' (Ap. 0132418-

10.2011.8.26.0100, FERREIRA DA CRUZ).

Ademais, como ressaltou o nobre Desembargador ALEXANDRE

LAZZARINI no precedente antes citado, não haverá para a agravada risco de

prejuízo, na medida em que o prêmio mensal continuará a ser pago pelo

agravante.

Assim, diante da existência dos requisitos autorizadores, em especial o risco à

proteção da saúde, bem jurídico extremamente relevante, que deve ser

priorizado em detrimento de qualquer outro, necessária se faz a concessão da

antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Destarte, ante o exposto, concedo efeito ativo ao presente recurso, para o fim

manter a vigência do contrato firmado pelas partes, nas condições antes

ajustadas, determinando-se à agravada que encaminhe mensalmente à

agravante o respectivo boleto para pagamento do prêmio, sob pena de multa

diária de R$ 10.000,00.

Desnecessárias as informações do Juiz da causa, não sendo possível a

intimação da agravada por não estar representada nos autos.

Int. e Comunique-se por via eletrônica (servindo esta como ofício)”. (grifos,

negritos e itálicos do original).

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 8/10

Sem contraminuta, por não estar a agravada

representada nos autos.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO.

Reafirmo o que deduzi na decisão antes

copiada, ocasião em que deferi antecipação de tutela recursal, com

respaldo em jurisprudência deste Eg. Tribunal de Justiça, que tenho a

honra de integrar.

Em se tratando de plano de saúde, incidem a

Lei 9.656/98 e também, subsidiariamente, o Código de Defesa do

Consumidor.

Sobretudo, há o julgador que estar atento à

função social do contrato (o que não deixa estar compreendido no

conceito que emana do comando do art. 5º da Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro) e à cláusula geral de boa-fé, que informa

o direito obrigacional pátrio (Código Civil, art. 422).

E também ao princípio da solidariedade

previsto no art. 3º, I, da Constituição Federal, como explicam

FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO e AMANDA PALMIERI

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 9/10

FRAÇÃO:

“Outros mecanismos foram criados pelo ordenamento jurídico

não para diluir entre toda a sociedade a reparação dos danos já

consumados, mas sim para evitá-los e preveni-los. A um custo

considerável, certas atividades sofreram intensa regulamentação,

com o escopo de administrar de modo satisfatório o risco de

acidentes, acompanhadas de fiscalização severa. Em outros

segmentos, especialmente os voltados à prestação de serviços

públicos de massa por concessão ou autorização estatal, se

criaram agências reguladoras (Anatel, Aneel, Conso, ANS

[Agência Nacional de Saúde Suplementar], CVN), que

impõem metas de eficiência que nada mais são do que controle

do número estatístico de falhas e de danos causados aos

consumidores (SCHREIBER, 2007, p. 217).” (O Princípio

Constitucional da Solidariedade e sua Aplicação no Direito

Privado, in Revista do Advogado, AASP, outubro de 2012,

págs. 98/110; trecho à pág. 108).

Pelo princípio da solidariedade, busca-se

modular a autonomia privada, certo que a solidariedade não se

confunde “com simples sentimento genérico de fraternidade, de

assistencialismo, ou de caridade, mas, ao contrário, cria o

comportamento cogente de evitar o nascimento de relações jurídicas

iníquas no Direito Privado”. E se, em determinada relação jurídica,

aquele de quem se exige observância do princípio constitucional da

solidariedade eventualmente tiver custos maiores do que os previstos, é

razoável imaginar que busque compensação noutras contratações,

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Agravo de Instrumento nº 0261870-48.2012.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 10/10

quando tal aumento “poderá ser repartido entre os membros da

coletividade através de diversos mecanismos, inclusive o aumento do

preço dos serviços e das atividades em geral” (FRANCISCO

EDUARDO LOUREIRO e AMANDA PALMIERI FRAÇÃO, ob. cit.,

págs. 107, com invocação da doutrina de MARIA CÉLIA BODIN DE

MORAES, e 108).

Desse conjunto de princípios e normas decorre

a abusividade e a consequente nulidade de cláusula de rescisão

imotivada por parte da operadora. A denúncia vazia de contrato a

envolver direito fundamental da pessoa humana, qual seja, o direito à

saúde, é incompatível com o atual estágio do direito pátrio.

De se reformar, pelo exposto, efetivamente, a

r. decisão agravada.

DISPOSITIVO.

Dou provimento ao agravo de instrumento,

confirmada a tutela antecipada antes deferida.

É como voto.

CESAR CIAMPOLINI

Relator