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Análise crítica da adoção de concessões e parcerias público-privadas em infraestrutura e serviços
públicos
Dezembro/2018
ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018
Análise crítica da adoção de concessões e parcerias público-
privadas em infraestrutura e serviços públicos
Mauricio Winter Nicola – [email protected]
MBA – Planejamento, Execução e Controle de Obras Públicas
Instituto de Pós-Graduação - IPOG
Brasília, DF, 10 de fevereiro de 2018
Resumo
Na atual conjuntura econômica brasileira, vivemos um momento de escassez de recursos
públicos. Neste cenário, intensifica-se a promoção pela adoção do modelo de concessões e
parcerias público-privadas como solução ideal para o desenvolvimento da infraestrutura e da
oferta de serviços básicos para a população (energia, água, saneamento, saúde e educação).
Entretanto, observa-se em outros países um movimento contrário: a reversão ao poder público
de serviços concedidos à iniciativa privada. Este fato reforça a necessidade de uma análise
crítica sobre a aplicação das concessões e parcerias público-privadas e seus impactos no longo
prazo para os governos e para a sociedade. O artigo apresenta uma breve definição de concessão
e de parceria público-privada e as condições em que estas modalidades podem ser implantadas,
considerando a legislação brasileira vigente. A seguir, realiza-se uma análise crítica dos
principais argumentos favoráveis à implantação destes modelos. Considerando a experiência
internacional recente, são apresentados os principais problemas encontrados em outros países
e suas consequências para os governos locais e população usuária. Por fim, conclui-se que a
adoção do modelo de concessões e parcerias público-privadas acarretam consequências
importantes para o setor público e há a necessidade de se fazer uma reflexão, a partir da lição
internacional observada, para verificar se essa é a melhor opção para a oferta de serviços
essenciais à população.
Palavras-chave: concessões, parcerias público-privadas, infraestrutura, serviços públicos,
remunicipalização.
1. Introdução
No Brasil, assim como em quase todos os mercados emergentes, ampliar a quantidade e a
qualidade da infraestrutura existente é um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento. Isto
é verdade tanto no que se refere à infraestrutura econômica e logística, como estradas,
aeroportos e portos, quanto à infraestrutura social, como escolas e hospitais.
Em um cenário de recessão econômica, cujo impacto afeta diretamente a receita das
administrações públicas, constituída em sua grande maioria pela arrecadação de tributos, as
concessões e as parcerias público-privadas (PPPs) apresentam-se como uma forma de atrair
capital privado para a realização de obras e serviços, liberando, assim, espaço fiscal nas contas
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públicas para realização de outras despesas. A ideia é sedutora para gestores e administradores
públicos, considerando que estes encontram-se sensibilizados pelas dificuldades trazidas pela
recessão e pela forma como a implantação de parcerias público-privadas são, muitas vezes,
apresentadas.
Entretanto, observa-se recentemente uma significativa tendência mundial de retorno para a
administração pública de serviços anteriormente entregues à incitava privada na forma de
concessões ou PPPs. Esta tendência, vista com força sobretudo na Europa, vai no caminho
contrário ao movimento que vem sendo feito no Brasil e tem como causas diretas uma série de
problemas reincidentes que contrariam o preconizado como vantagens da adoção do modelo de
concessões de parcerias público-privadas. São tais problemas: tarifas inflacionadas, serviços
ineficientes, inexistência de investimentos adequados para melhoria ou expansão de serviços e
falta de transparência nas negociações.
De acordo com estudos realizados pelo Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com
sede na Holanda, entre o ano de 2000 e janeiro de 2017, houve pelo menos 835 exemplos de
remunicipalização de serviços públicos em todo o mundo, envolvendo mais de 1600 cidades de
45 países. A grande maioria dos casos ocorreu de 2009 para cá, 693 ao todo - indicando um
incremento desta tendência (TNI, 2017:14).
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Figura 1 – Infográfico com resultado de pesquisa internacional realizada pelo TNI
Fonte: TNI – Transnational Institute International Research (2017)
Outro ponto que merece atenção é o fato deste movimento estar acontecendo em países com
mercados desenvolvidos, experiência amadurecida em arranjos público-privados e arcabouço
legal e institucional consolidados, como Alemanha, França, Espanha e Reino Unido.
Reconhecendo a importância e a magnitude do processo de reversão para o setor público de
parcerias público-privadas implantadas em mercados desenvolvidos, este trabalho tem por
objetivo realizar uma análise crítica dos argumentos utilizados em prol da adoção deste modelo
de contratação no Brasil a partir dos principais problemas observados com as experiências
realizadas em outros países, considerando, ainda, as especificidades das leis e das normas
brasileiras vigentes sobre a matéria.
2. Concessões e Parcerias Público-Privadas: conceitos e marco regulatório brasileiro
De uma maneira geral, podemos definir as concessões e parcerias público-privadas como
contratos de longo prazo entre o governo e uma associação privada (em geral na forma de uma
empresa ou de um consórcio de empresas) geralmente utilizados para a construção,
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financiamento, operação e manutenção de infraestrutura ou prestação de serviços
tradicionalmente fornecidos pelo setor público.
De acordo com o Prof. Floriano de Azevedo Marques Neto, as concessões e as parcerias
público-privadas podem ser conceituadas como:
(...) ajuste firmado entre a Administração Pública e a iniciativa privada, tendo por
objeto a implantação e a oferta de empreendimento destinado à fruição direta ou
indireta da coletividade, incumbindo-se a iniciativa privada de sua concepção,
estruturação, financiamento, execução, conservação e operação, durante todo prazo
para ela estipulado, e cumprindo ao Poder Público assegurar as condições de
exploração e remuneração pela parceira privada, nos termos do que for ajustado.
(MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. As parcerias público-privadas no
saneamento ambiental. In: SUNDFELD, Carlos Ari. (Coord.). Parcerias Público-
Privadas. São Paulo, 2005, p.287-288.)
Exemplos de objeto das concessões e PPPs incluem hospitais, escolas, penitenciárias, rodovias,
ferrovias, sistemas de tratamento e abastecimento de água, saneamento básico e serviços de
energia. Desta forma, é bastante comum o envolvimento deste modelo de contrato no
fornecimento de bens e serviços essenciais e que afetam os diretos básicos dos cidadãos.
No Brasil, as concessões que não exigem transferências de recursos do governo (chamadas pela
doutrina de concessões “comuns”) são reguladas pela Lei nº 8.987/95. As parcerias público-
privadas, por sua vez, são consideradas pelo Direito brasileiro como espécies diferenciadas de
concessão, cujas normas gerais para sua implementação foram estabelecidas pela Lei nº
11.079/04. Este instituto estabeleceu as diretrizes dos contratos, determinou aspectos das
licitações, além de outras funções relevantes para o ambiente regulatório dos contratos de PPPs.
No modelo brasileiro vigente, há dois tipos de parcerias público-privadas:
a) Concessões patrocinadas: os retornos para o parceiro privado vêm das tarifas pagas pelos
usuários e das transferências do governo;
b) Concessões administrativas: todos os retornos para o parceiro privado vêm de transferências
do governo.
Assim como em outros países, a legislação brasileira de concessões e PPPs criou vantagens à
participação do setor empresarial com a previsão de um amplo rol de garantias que podem ser
oferecidas ao parceiro privado, incluindo para as parcerias público-privadas a criação de um
Fundo Garantidor com regime jurídico de direito privado e patrimônio desvinculado dos entes
públicos que o constituíram.
Além disso, desde a sua publicação, a legislação brasileira correlata vem sofrendo alterações
com o objetivo de aumentar a atratividade ao setor privado, acarretando o incremento do risco
ao parceiro público. Nesse sentido, destacam-se o aumento do limite de comprometimento das
despesas do ente público com PPPs de 1% para 5% para estados e municípios (incluído pela
Lei nº 12.766/12) e a diminuição do valor mínimo para celebração de contratos de R$ 20
milhões para R$ 10 milhões (incluído pela Lei nº 13.529/17).
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Quanto ao comprometimento das receitas com PPPs, observa-se que estados e municípios estão
livres para extrapolar o limite de 5% da receita corrente líquida, ficando, entretanto,
impossibilitados de receber transferências voluntárias ou garantias da União. Para PPPs cujo
parceiro público seja da esfera Federal, permanece o limite de comprometimento de 1% (Lei nº
11.079/04, Art. 22).
3. Análise dos argumentos utilizados para promoção de concessões e PPPs
Nos últimos anos, a utilização de concessões e parcerias público-privadas como uma alternativa
para ampliar o investimento em infraestrutura e serviços públicos tem sido amplamente
promovida por instituições financeiras e consultorias especializadas. Os fundamentos
apresentados seguem uma padronização e quase sempre vêm acompanhados de críticas ao
modelo tradicional de prestação de serviços públicos.
Em recente relatório do Banco Mundial sobre o tema, encontramos:
Maior eficiência é o objetivo das PPPs. Embora a possibilidade de fazer a
contabilidade extrapatrimonial dos investimentos públicos (off-balance-sheet
accounting) pelos formuladores de políticas como um incentivo atraente para o
financiamento de infraestruturas via PPPs, sua principal vantagem é a capacidade de
diversificar os riscos entre as partes interessadas, tirar proveito das inovações do setor
privado, e consequentemente trazer maior eficiência no uso de recursos. No modelo
tradicional de prestação de infraestrutura pelo poder público, a maior parte dos riscos
fica com os contribuintes; por outro lado, no modelo das PPPs, os riscos são
diversificados entre diversos atores, segundo o critério que aloca os riscos para a parte
com a maior capacidade de administrá-los. Em comparação à prestação pública -
modalidade em que os governos da região raramente realizam avaliações de risco - os
principais riscos dos modelos de PPP devem ser devidamente identificados e
precificados. (BANCO MUNDIAL. Financiamento Privado de Infraestruturas
Públicas através de PPPs na América Latina e Caribe, 2017, p.2)
Em publicação da Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC, temos:
As parcerias e concessões constituem instrumento fundamental para o
desenvolvimento da infraestrutura e, consequentemente, para o crescimento
sustentado do país. O amplo acesso a estes mecanismos pelo setor privado, poderia
contribuir decisivamente para o aumento do investimento. (...) A redução da
participação estatal pode ser vantajosa ao avanço das obras de infraestrutura, uma vez
que o investimento público é, muitas vezes, responsável por promover uma alocação
ineficiente de recursos. Enquanto o fornecimento de bens e prestação de serviços pelo
setor público, em muitos casos, vem acompanhado pela má escolha do projeto,
elevado custo, morosidade na execução e atrasos a opção pelas parcerias público-
privadas permite ganhos de eficiência na medida em que estes projetos concentram
em um único contrato construção e operação dos ativos. (CBIC. PPPS e Concessões
- Proposta para Ampliar a Participação de Empresas, 2ª ed, 2016, p.16 – 28)
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Fundamentalmente, os argumentos para sustentar as vantagens da adoção destes modelos de
contrato baseiam-se em três princípios: melhor planejamento de projetos, maior eficiência no
alcance dos objetivos e maior capacidade de inovação do setor privado.
3.1 Melhor planejamento
Argumenta-se que a decisão de realizar um projeto via concessões e parcerias público-privadas
implica a mobilização de mais recursos para o planejamento de projetos do que geralmente
ocorreria com a contratação tradicional, cuja falta de recursos e tempo dedicados ao
planejamento dos projetos causam sobrepreços nas obras, dimensionamento inadequado da
demanda e atrasos nos prazos.
Na verdade, o planejamento adequado é necessário tanto na contratação tradicional pelo setor
público quanto na estruturação projetos de concessões e PPPs. Estimativas de demanda, estudos
técnicos preliminares e mapeamento de impactos ambientais também deveriam ser realizados
na contratação tradicional. No Brasil, a Lei nº 8.666/93 que rege as tradicionais modalidades
de contratação pública traz em sua definição de projeto básico este princípio.
IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de
precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou
serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos
preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto
ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a
definição dos métodos e do prazo de execução [...] (Lei nº 8.666/93)
No que tange ao planejamento, a diferença fundamental entre a contratação tradicional pelo
poder público e a implantação de concessões e PPPS é que nestas há, ainda, a necessidade de
estudos complexos e avaliações cuidadosas para garantir o retorno financeiro ao ente privado
que, via de regra, implicam consideráveis honorários a consultores jurídicos e financeiros para
estruturar e negociar o acordo.
Segundo matéria do Financial Times, veiculada em 2001, empresas de consultoria jurídica e
financeira britânicas faturaram ao longo da última década cerca de 2,8 bilhões de libras
esterlinas no negócio de estruturação de projetos para concessões e PPPs. (FINANCIAL
TIMES, 2011)
3.2 Maior eficiência
Uma das justificativas mais utilizadas para a implantação concessões e PPPs é que a
implantação do modelo trará maior eficiência e, consequentemente, ganho de qualidade na
entrega do objeto do contrato ou na prestação do serviço. Preconiza-se que as empresas privadas
operam em um ambiente muito mais flexível do que o governo que possui normas rígidas,
hierarquia e decisões centralizadas. Alega-se, também, que o setor privado introduz controles
de resultado em substituição aos clássicos controles de processos aos quais os órgãos públicos
estão submetidos, aumentando significativamente a eficiência de construção e operação.
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Não há como duvidar da eficiência de determinados setores da iniciativa privada, há exemplos
impressionantes, sobretudo em economias de mercados desenvolvidos e dinâmicos. No entanto,
quando se trata de disponibilizar bens ou serviços essenciais cujo resultado ótimo não é tangível
financeiramente e a universalização do fornecimento possui grande importância, a eficiência
do setor privado não é absoluta. De uma maneira ou outra haverá conflito entre a eficiência
almejada por governos e sociedade e o natural objetivo de maximizar o lucro desejado por
sócios e acionistas da organização privada.
Uma ampla pesquisa realizada pelo Instituto Transnacional - TNI em 2012, identificou que a
reversão para o setor público do fornecimento de água em cidades europeias ocasionou
economia de custos, melhoria da qualidade do serviço, transparência financeira, além de
recuperação da capacidade operacional e de controle. (TNI, 2012:106). Em outra pesquisa mais
abrangente, realizada pelo mesmo instituto, que inclui outros serviços além da água, constatou-
se que os provedores públicos ofereceram serviços mais equitativos, mais transparentes e mais
eficientes do que o fornecedor do setor privado que os precedeu, com maior qualidade e com
melhor sustentabilidade a longo prazo (TNI, 2017:18). Objetivos ambientais, como acelerar o
desenvolvimento de energia renovável, integrar políticas ambientais para reduzir o desperdício,
ou melhorar o sistema de transporte público, são outras consequências da remunicpalização
encontradas na pesquisa.
Em cidades francesas, as operadoras públicas de fornecimento de água, após retomarem o
serviço, adotaram uma política de sustentabilidade ambiental que incentivava os usuários a
reduzir seu consumo de água, o que era impensável para os acionistas e financiadores dos
provedores privados, cuja venda da água como produto era uma importante estratégia para
alavancar os resultados da empresa.
Nesse sentido, os resultados obtidos no processo de remunicipalização dos serviços de água da
cidade de Paris foram emblemáticos. Duas das maiores e mais influentes empresas privadas de
água no mundo, Veolia e Suez, estão sediadas na capital francesa. Em 2008, a Câmara
Municipal de Paris, decidiu não renovar o contrato municipal com essas empresas que
dominavam o mercado global de fornecimento de água. Tais empresas operavam
conjuntamente o sistema de abastecimento da capital francesa desde 1985. Tendo em vista as
reclamações constantes da população quantos aos preços cobrados e a qualidade dos serviços
prestados, as autoridades municipais decidiram não renovar a concessão e criaram a Eau de
Paris como uma empresa pública, sob sua supervisão direta, para operar o sistema a partir de
2010.
Após a transferência para o setor público, os resultados foram impressionantes. Em 2012, os
cofres públicos haviam economizado cerca de 35 milhões de euros com a mudança para a
propriedade pública, levando a uma redução das tarifas de água em 8% (TNI, 2012:25). A
integração de partes fragmentadas do sistema de água deu à luz a uma organização mais
eficiente, consistente e sustentável, bem como a proteção dos recursos hídricos, investimento
em pesquisa e inovação e atividades de conscientização. Em 2015, a Eau de Paris obteve tripla
certificação QES (qualidade, meio ambiente e segurança) da AFNOR, entidade francesa de
normas técnicas.
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A experiência parisiense, onde um duopólio privado de poderosas empresas estava funcionando
em detrimento dos moradores da cidade, nos mostra que devemos ter cuidado com a ideia
simplista de que o setor privado sempre será mais eficiente que a administração pública.
Controles de resultados buscando eficiência podem naturalmente ser aplicados na
administração pública com a vantagem de eventuais resultados financeiros serem inteiramente
reinvestidos na expansão do fornecimento, na qualidade do serviço ou na redução de tarifas,
sem a necessidade de remunerar cada vez mais sócios e acionistas.
3.3 Maior capacidade de inovação
Trazer a capacidade de inovação tecnológica do setor privado para a infraestrutura e os serviços
públicos também faz parte do discurso constante da agenda para promoção das concessões e
das parcerias público-privadas. No entanto, de uma maneira geral, as áreas identificadas por
consultorias e instituições financeiras como elegíveis para implantação destes modelos, tais
como saneamento básico, iluminação pública e coleta de lixo possuem tecnologia consolidada
ou algum nível de infraestrutura pré-existente, restando pouca margem para inovação.
Curiosamente, alguns consultores desaconselham o investimento em áreas com grande
potencial para inovação, como a da Tecnologia da Informação. Em seu guia para
implementação de parcerias público-privadas, a consultoria Radar PPP recomenda:
Os projetos devem estar em setores em que a tecnologia é razoavelmente estável. Isto
é relevante, pois contratos de PPP são tipicamente de longo prazo. Assim, em setores
com tecnologia muito dinâmica, é difícil estabelecer os padrões contratuais de
desempenho, bem como projetar adequadamente custos e receitas. Esta característica
não é essencial, mas a experiência demonstra que estes projetos são muito difíceis de
se preparar e tendem a ser mais arriscados e menos atrativos (RADAR PPP. Guia
prático para Estrutuiração de Programas e Projetos, 2014, p.2)
Investimento em inovação envolve, também, alto risco. Vivenciamos nas últimas três décadas
o surgimento de uma profusão de pequenas empresas inovadoras com ações negociadas em
bolsa de valores que provou ser um modelo de negócio adequado ao ambiente de inovação. No
entanto, não parece ser este o modelo proposto pelas consultorias especializadas para
implantação das PPPs e concessões, onde grandes grupos consorciados operam em atividades
já consolidadas, lastreados por extenso rol de garantias aportadas pelo poder público.
Para que a inovação seja realmente considerada como argumento para uma tomada de decisão
consciente do gestor público, bancos e empresas de consultoria deveriam apresentar, também,
os casos onde o setor público trouxe a inovação prometida pelos grupos privados que operavam
os sistemas.
De acordo, com David McDonald, Professor do Departamento de Estudos para o
Desenvolvimento Global da Queen's University do Canadá:
Experiências com participação pública no planejamento de serviços de água,
cooperativas de trabalhadores, sistemas comunitários de água e outros modelos
inovadores de prestação de serviços estão desafiando esses modelos mais antigos de
entrega pública de água e demonstrando o potencial de sistemas de água que
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empurram os limites do que entendemos por serviço público. O municipalização não
pode ser um retorno inquestionável ao que foi oferecido antes da privatização . Deve
ser uma melhoria no que se entende por público e uma expansão dos termos
democráticos de engajamento (McDONALD, DAVID A. Remunicipalisation: Putting
Water Back into Public Hands, 2012:21)
Em 1993, um consórcio liderado por uma subsidiária da Suez iniciou uma concessão de água e
saneamento de 30 anos na cidade de Buenos Aires. Em 2006, após o fracasso da concessionária
em honrar o contrato em relação aos compromissos de investimento, metas de expansão,
proteção ambiental e qualidade do serviço, o governo cancelou o contrato de concessão e criou
a empresa pública Aysa para assumir imediatamente a responsabilidade dos serviços de
abastecimento de água e saneamento.
Além de melhoria na qualidade do serviço e redução das tarifas cobradas dos usuários, a
empresa pública de abastecimento de água da capital argentina desenvolveu uma estratégia
inovadora para enfrentar o déficit de expansão herdado da iniciativa privada: foram criadas
cooperativas de trabalhadores envolvendo os futuros usuários para do acesso à água nos bairros
mais desfavorecidos, conectando mais de 700 mil pessoas (AZPIAZU E CASTRO, 2012:58).
Em Grenoble, cidade francesa com aproximadamente 150.000 habitantes, o governo local
decidiu remunicipalizar, em 2001, o serviço de água potável, após experimentar por mais de
uma década de serviços de baixa qualidade, ineficientes e caros do operador privado. Além de
aumentar em três vezes os investimentos em manutenção e renovação da infraestrutura quando
comparado com o anterior operador privado e manter as tarifas em nível mais baixo e estável,
a empresa pública Eau de Grenoble adotou uma solução inovadora ao introduzir uma política
para agricultores das áreas próximas aos mananciais de captação de água, incentivando-os a
trabalhar com agricultura orgânica, a fim de reduzir a utilização de agrotóxicos e proteger
qualidade da água reduzindo, assim, os custos de tratamento da água (LOBINA E HALL,
2007:93).
Em 2017, a empresa pública Eau de Paris instalou uma usina fotovoltaica no telhado de um de
seus maiores reservatórios de água potável, localizado no bairro de Haÿ-les-Roses, a 5 km do
centro de Paris. Aproveitando o porte e a localização privilegiada do edifício (cerca de 1.780
horas de sol por ano) a empresa pública agora opera a maior usina fotovoltaica de cobertura da
França: cerca de 12.000 m² de painéis fotovoltaicos estão instalados no telhado do tanque de
água potável, produzindo 1.600 MWh / ano que são introduzidos diretamente na rede local,
beneficiando o consumo dos equipamentos do reservatório e abastecendo a população local. Os
custos de instalação do empreendimento serão amortizados pela receita proveniente da revenda
de eletricidade excedente (PARIS, 2017).
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Figura 2 – O reservatório-usina de L’Haÿ-les-Roses – inovação implantada pelo setor público
Fonte: Prefeitura de Paris – Dossiê para Imprensa (2017)
4. Problemas encontrados na implantação de concessões e parcerias público-privadas
Em períodos de recessão econômica, observa-se que as instituições financeiras e os fundos
internacionais intensificam a cobrança dos governos para a realização de contingenciamento
das despesas públicas. Muitas vezes, o acesso a recursos financeiros é condicionado à adoção
pelos governos de planos de austeridade fiscal acompanhados de incentivo para implantação de
concessões e parcerias público-privadas.
Alguns governos adotam a mesma lógica na negociação entre entes da federação. Foi o que
aconteceu no recente caso de concessão da CEDAE, companhia de água do Rio de Janeiro, que
atende cerca de 12 milhões de pessoas em 64 municípios. Como moeda de troca para um pacote
de auxílio financeiro negociado entre o governo estadual e a União, o governo federal exigiu a
concessão da companhia de água para grupos privados, apesar da excelente saúde financeira da
companhia pública: só em 2016 o lucro foi de R$ 379 milhões, contra R$ 249 milhões em 2015
- um incremento de 52% (BBC Brasil, 2017).
Nesse sentido, além da realização de uma análise técnica e financeira muito cuidadosa é
importante que os gestores públicos estejam cientes que também há riscos e desvantagens na
implantação de concessões e parcerias público-privadas, muitas vezes minimizados ou
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simplesmente omitidos dos relatórios técnicos de consultorias especializadas e instituições
financeiras.
4.1 O inevitável conflito: lucro versus objetivo social
O que se observa em nível mundial é uma tendência de reversão dos serviços concedidos devido
a uma série de problemas verificados após a concessão ao setor privado. Dentre estes
problemas, é frequente a insuficiência de investimento em infraestrutura para regiões onde o
retorno financeiro não é considerado satisfatório, muitas vezes motivada pela priorização da
rentabilidade do parceiro privado em detrimento de prioridades sociais mais elevadas, tais como
acesso universal, serviços de qualidade e preocupação com sustentabilidade ambiental.
Isso acontece devido à natural finalidade econômica das empresas privadas. Não se está aqui
cometendo o erro de demonizar o lucro das organizações privadas. É saudável que tais empresas
o realizem para atingir propósitos maiores, como a perenidade. No entanto, é preciso reconhecer
que certos objetivos sociais são mais factíveis para o setor público. As instituições financeiras,
as consultorias especializadas e os círculos acadêmicos não deveriam excluir da abordagem um
simples fato: para implantação de infraestrutura adequada e fornecimento de serviços de
qualidade, uma organização privada terá todas obrigações do setor público e mais uma - a de
remunerar seus sócios e acionistas. Infelizmente, a recente experiência internacional mostra que
esta remuneração é, muitas vezes, obtida por meio de aumento de tarifas e depreciação dos
salários dos trabalhadores, o que impacta na qualidade do serviço ou na renegociação das
contraprestações pagas pelo governo, onerando os cofres públicos.
No Reino Unido, o Conselho Municipal de Nottingham (532 mil habitantes) decidiu, em 2015,
criar sua nova empresa para fornecimento de energia elétrica, porque descobriu que muitas
famílias de baixa renda da cidade estavam lutando para pagar suas contas e que a criação de
uma empresa municipal era a melhor forma de universalizar este serviço. Chamada de Robin
Hood Energy, a empresa oferece um serviço mais barato porque não extrai grandes lucros e não
confunde os clientes com pacotes tarifários complicados. No site da empresa encontramos o
seguinte slogan: "Sem acionistas privados. Sem gratificações para administradores. Apenas
preços claros e transparentes". (Robin Hood Energy, 2017, tradução nossa). Além de possuir
possui os preços mais baratos no Reino Unido a empresa inovou ao implantar um sistema com
medidores de pré-pagos (ou seja, o usuário pode optar por pagar antecipadamente pela energia
elétrica alimentando um medidor especial com moedas ou crédito).
Devido ao sucesso obtido com redução de tarifas e a qualidade da prestação do serviço, a Robin
Hood Energy já formou parcerias com outras grandes cidades para expansão do modelo. Em
2016, a cidade de Leeds (534 mil habitantes) criou uma empresa municipal, a White Rose
Energy, para promover redução e simplificação das tarifas em toda a região de Yorkshire,
formando com a Robin Hood Energy, uma parceria público-público para investimentos em
geração de energia renovável. Em 2017, as cidades de Bradford, Bristol e Doncaster (528.000,
428.000 e 80.000 habitantes, respectivamente), também preocupadas com a incapacidade do
setor privado em universalizar o serviço de fornecimento de energia para famílias de baixa
renda, formaram parcerias com o consórcio público-público Robin Hood / White Rose para
implantação do modelo (HALL, DAVID. 2016:7).
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Juntos, esses novos fornecedores municipais já cobrem mais de 2,2 milhões de pessoas no Reino
Unido e fornecem eletricidade e gás mais baratos devido à eliminação de dividendos a
acionistas e à implantação de inovações no serviço. Além disso, atuam diretamente ou através
de cooperativas locais, no fomento e pesquisa para desenvolvimento de energia solar e eólica
em suas regiões.
4.2 Custos ocultos e passivos contingentes: o comprometimento das receitas públicas no
longo prazo nas parcerias público-privadas
As parcerias público-privadas (PPPs) são apresentadas como uma alternativa à forma
tradicional de implantação de infraestrutura pública ou de prestação de serviços sociais. Criadas
a partir de arranjos financeiros de estruturação bastante complexa, propõem-se a obter
investimento privado na fase de implantação do empreendimento, diluindo o pagamento que
parceiro público deve realizar à concessionária por um longo período de tempo, durante a fase
de operação. Isso reduz a necessidade de aporte público nas etapas iniciais do empreendimento,
aliviando o tesouro público no curto prazo. Por outro lado, criam-se obrigações fiscais de longo
prazo, significativas para os governos e a sociedade.
Em face disto, muitos gestores públicos adotam o modelo de parcerias público-privadas como
uma forma de ocultar o endividamento público de curto prazo, tendo em vista que a legislação
de muitos países não considera nas contas nacionais os custos do projeto e seus passivos
contingentes.
De fato, no Brasil, os contratos celebrados na forma de PPP, em regra, não são classificados
como operações de crédito (dívida), o que afasta comandos previstos na Lei de
Responsabilidade Fiscal e em resoluções editadas pelo Senado Federal estabelecendo limites
de endividamento público. Felizmente, a Lei nº 11.079/04 que regulamenta as PPPs no Brasil
estabeleceu limites para o comprometimento das dívidas públicas da União e dos Estados. Essa
limitação estabelecida tanto pelo artigo 22, quanto pelo artigo 28, foi criada com o nítido
objetivo de trazer princípios de responsabilidade fiscal e evitar que as PPPs fossem utilizadas
como um instrumento de ocultação de endividamento dos entes contratantes. Ressaltamos que
esses limites existentes no Brasil não eram estabelecidos em muitos países europeus até
recentemente, podendo-se dizer que o Brasil é um dos precursores no atual movimento de
responsabilidade fiscal nas PPPs. Não obstante a prudência do legislador brasileiro em impor
limites ao comprometimento das despesas públicas no longo prazo, observamos recentemente,
o aumento desses limites por meio de medidas provisórias e a pressão de instituições financeiras
e consultorias que veem tais dispositivos legais como restrição para implantação de PPPs.
Ao evitar as despesas do orçamento de curto prazo para a construção de infraestrutura, as PPPs
criam obrigações futuras para os governos muito semelhantes às de outras formas de
financiamento. Além disso, é comum que os contratos atribuam aos governos obrigações
contingentes ou condicionadas (como um pagamento adicional que só ocorre se a demanda cair
consideravelmente ou se os custos de construção ultrapassarem um determinado limite).
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Assim, este tipo de contrato expõe os orçamentos fiscais futuros a responsabilidades explícitas
e implícitas (contingentes) que podem ser bastante arriscadas para a saúde financeira dos
governos no longo prazo.
Recentemente, a falta de cuidado com a sustentabilidade e o comprometimento das contas
públicas no longo prazo em programas de PPP levaram os orçamentos de alguns países, como
Portugal e Espanha, a ficarem muito pressionados pelos credores privados causando crises
sistêmicas.
Em Portugal, as rodovias eram consideradas projetos muito dispendiosos e que traziam poucos
benefícios ao governo. Para incremento da malha rodoviária e operação do sistema, os gestores
públicos viram nas PPPs uma forma de viabilizar projetos sem que os custos reais dos mesmos
fossem alocados na dívida pública. O setor privado, por sua vez, acreditava que era capaz de
financiar as obras por meio da cobrança de tarifas (de usuários, ou ocultas, da Administração
Pública). Com a chegada da crise financeira em 2008, os níveis de demanda e de renda caíram,
e os ingressos provenientes das tarifas se reduziram, fazendo surgir para o setor público a
necessidade de incremento da remuneração para o setor privado, oriundo das contingências
resultantes do modelo pactuado. O forte impacto das cláusulas de equilíbrio financeiro e a
ausência de informações claras sobre os custos futuros para o país - incluindo as contingências,
além das reduções gerais de recursos públicos - resultaram na suspensão do programa, com um
custo rescisório imediato superior a 200 milhões de Euros, impactando na economia do País
como um todo (ARAÚJO E SILVESTRE, 2014:30).
Além do alívio fiscal no curto prazo, uma outra forma de convencer os gestores públicos a
implantarem parcerias público-privadas é realização de uma comparação entre a realização de
um empreendimento por meio de contratação tradicional e a realização do mesmo
empreendimento por meio da adoção de uma PPP. O resultado financeiro desta comparação,
geralmente chamado de Value for Money, apresenta dois fluxos de caixa:
− O fluxo de desembolsos previstos para o governo no contrato da PPP projetada;
− O fluxo de desembolsos previstos para o governo se fosse implementar um projeto nas
mesmas condições diretamente, incluindo uma valoração econômica dos riscos que o
governo suportaria com esta estratégia de implementação, mas que ele deixará de suportar
com a PPP. Normalmente este segundo fluxo de caixa é chamado de Comparador do Setor
Público (ou PSC, da sigla em inglês);
Ao final, os valores presentes líquidos (VPL) destes dois fluxos de caixa são comparados,
informando que a PPP gera um custo menor e melhor resultado que a contratação tradicional.A
demonstração de Value for Money resultando em vantagem econômica ao parceiro público,
aliada à perspectiva de alívio fiscal no curto prazo e às supostas vantagens atribuídas à iniciativa
privada já discutidas neste artigo, podem parecer tentadoras para gestores. No entanto, há de se
ter cautela, pois o cálculo do valor presente líquido (VPL) exige a definição de uma taxa de
desconto (Td) que, por envolver valores subjetivos para sua construção na fase de projeto,
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geralmente é majorada com alto grau de incerteza para o lado que se deseja vender, dando a
falsa impressão de que é financeiramente a melhor alternativa para os Governos.
Inclusive algumas consultorias reconhecem que pode haver substancial imprecisão para
definição da Taxa de Desconto utilizada nas projeções para determinação do Value for Money.
[...] Os Valores Presentes Líquidos destes dois fluxos de caixa são comparados e se a
opção pela PPP gerar um custo menor, diz-se que a alternativa apresentou um melhor
“Value for Money”, e o projeto passa no teste. Um dos problemas desta análise é que
ela depende de dados muito detalhados que geralmente somente estão disponíveis em
fases muito avançadas da preparação. Assim, a equipe do projeto tem fortes incentivos
para que as avaliações de “Value for Money” deem resultados positivos ou sejam
impregnadas de certo otimismo sobre os riscos do projeto, afinal os estudos de
preparação já consumiram um alto volume de tempo e recursos. Outro problema é que
o cálculo do Valor Presente Líquido exige a definição de uma Taxa de Desconto, cujo
cálculo é impreciso e difícil de construir. (RADAR PPP. Guia prático para
Estruturação de Programas e Projetos, 2014, p.24)
4.3 Custo de capital, das garantias e do monitoramento
Obras de infraestrutura e prestação de serviços públicos exigem muito investimento. É preciso
considerar o fato de que o setor público pode, quase sempre, obter financiamentos a taxas de
juros mais baixas do que as empresas privadas. Além disso, é comum que concessionárias
privadas contraiam dívidas junto a instituições financeiras na modalidade de financiamento
chamada Project Finance. Ao contrário das modalidades de financiamento convencional
(Corporate Finance), onde os credores avaliam, entre outros aspectos, a capacidade de
pagamento do tomador para financiar ou não um projeto, no Project Finance bancos e
investidores avaliam, principalmente, a projeção do fluxo de caixa gerado pelo projeto. Isto
resulta em um custo de capital mais elevado para remunerar o incremento de risco das
instituições financeiras e dos acionistas.
O custo de capital tem sido um fator importante nos recentes casos de reversão ao setor público
dos serviços de transporte em Londres. A rescisão desses contratos foi fortemente influenciada
pelo cálculo da poupança gerada com os investimentos para o setor público, contraídos a taxas
de juros mais baixas, quando comparadas ao setor privado. Segundo relatório realizado pelo
PSIRU (Public Services International Research Unit), instituto de pesquisas da Universidade
de Greenwich, o investimento na modernização do sistema de sinalização e de cabo de fibra
óptica no sistema de transporte da capital britânica realizada pelo setor público foi de
aproximadamente 11 milhões de libras, em comparação com os 24 milhões de libras que seriam
cobrados pelo setor privado (HALL, DAVID. 2016:133).
Além do custo de capital, uma variável importante, e muitas vezes desconsiderada nos estudos
comparativos entre a contratação tradicional e modelo de concessões e PPPs, é custo das
garantias aos entes privados que são oferecidos pelo setor público. Os governos geralmente
fornecem diferentes tipos de garantias para atrair investidores privados, que podem criar um
fardo significativo no futuro. Essas garantias vão desde de reembolsos de empréstimos, fluxos
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de renda mínima, taxas de retorno garantidas, taxas de câmbio garantidas até compensação
financeira, caso uma nova legislação afete a rentabilidade de um investimento.
No Brasil, a legislação também previu amplo leque de garantias ao setor privado tais como:
vinculação de receitas do ente público para pagamento do concessionário, utilização de fundos
especiais previstos em lei, contratação de seguro-garantia, garantias prestadas por fundo
garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade. No caso das parcerias público-
privadas, chama atenção a criação de um fundo garantidor com personalidade jurídica de direito
privado, para prestar garantia rápida e com liquidez à iniciativa privada.
Outro fator importante que deve ser considerado é o custo de monitoramento, sobretudo nas
concessões de serviços públicos de saneamento básico que devem ser prestados de forma
abrangente e continuada. Nesse sentido, as parcerias público-privadas inovaram ao instituir
contratos com remuneração atrelada à performance, que pode ser aferida por verificadores
independentes. Embora tal mecanismo de remuneração e controle constitua inegável avanço, a
experiência europeia trouxe casos de captura do verificador independente pelo setor privado,
decorrente do poder econômico de grandes grupos consorciados. Autoridades do Reino Unido
e da Alemanha afirmam que o controle ou a gestão simplificada foi um motivo fundamental
para a remunicipalização. Em vez de negociações constantes com empresas privadas para
persuadi-las a entregar o serviço, os municípios optaram por simplesmente administrar o
próprio trabalho para alcançar seus objetivos.
4.4 Perda de autonomia do agente público para implantação de políticas públicas
Concessões e parcerias público-privadas introduzem novos problemas para os governos. Em
primeiro lugar, contratos complexos e integrados, que conferem um alto grau de autonomia
para os operadores privados, diluem as linhas tradicionais de controle e transparência.
Informações sobre os gastos públicos, padrões de desempenho e decisões operacionais ficam
fora do regime governamental, param de ser publicadas no diário oficial e deixam de ser
submetidas aos métodos tradicionais de controle. O acesso a essas informações, tanto pelos
tribunais de contas quanto pela sociedade, fica mais restrito.
Nas parcerias público-privadas, existe ainda a figura da Manifestação de Interesse da Iniciativa
Privada(MIP) que pode resultar em perda de autonomia do setor público ainda nas fases iniciais
do projeto. A MIP consiste em proposições não solicitadas por parte do setor privado ao setor
público que, caso tenha interesse pela ideia, pode avançar para a solicitação de estudos por meio
de um procedimento de manifestação de interesse ou optar por implantar o projeto
internamente.
Apesar da MIP permitir a mobilização de recursos e a expertise do setor privado para a
preparação de projetos, ela introduz desafios para a gestão da deliberação pública, pois, de fato,
abre-se uma janela para a interação com o mercado em fase bastante embrionária do processo
de tomada de decisão do poder público. Além disso, requer capacidade governamental de
avaliação crítica dos estudos realizados pelo setor privado. Isto porque é comum que tais
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estudos sejam repletos de vieses que podem gerar licitações pouco competitivas ou representar
um modelo de negócios com uma alocação de riscos ruim para o setor público.
Outro problema introduzido é a perda de flexibilidade do governo. Alterar contratos de
concessões e PPPs é muito mais difícil do que alterar parâmetros de implementação de políticas
públicas tradicionais. Em outras palavras, o setor privado introduz atores com “poder de veto”
dentro dos sistemas governamentais, o que reduz a possibilidade ou amplitude das decisões
governamentais no futuro. É verdade que contratos podem ser renegociados e que
juridicamente, o governo pode até alterá-los unilateralmente. Ocorre que, na prática, o setor
privado controla os ativos e tem mais informação do que o governo. Portanto, alterar os
contratos de forma minimamente satisfatória pode ser bem difícil.
4.5 Abandono do setor privado após frustação da demanda projetada
Contratos de concessões e parcerias público-privadas têm em comum o fato de serem arranjos
de longo prazo nos quais há uma alocação de risco entre o setor público e o setor privado. Isto
quer dizer que os contratos preveem, de forma explicita ou implícita, quem arcará com os
efeitos positivos e/ou negativos de eventos futuros incertos. Riscos tipicamente alocados são
referentes a variações no custo da obra, ou seja, o contrato define quem arca com os custos
adicionais, caso existam; e o risco de demanda, ou seja, o contrato define quem sofre as
consequências financeiras de um consumo maior ou menor dos serviços em relação ao que foi
estimado no momento da licitação.
Quando a demanda resulta menor do que a estimada no projeto, há casos em que o setor privado
abandona a prestação de serviços. Embora haja a previsão de sanções contratuais para o setor
privado, os governos e a população acabam sendo prejudicados. O primeiro por ter a obrigação
constitucional de prover os serviços e o segundo por sofrer com a indisponibilidade dos serviços
(muitas vezes essenciais) até que se normalize a situação.
Foi o que aconteceu recentemente na concessão do aeroporto de Viracopos (SP). O consórcio
de empresas chamado Aeroportos Brasil assumiu Viracopos em 2012 e deveria operar o
aeroporto por 30 anos, além de realizar investimentos em infraestrutura. Em 2017, com a
diminuição da demanda de serviços, a concessionária deixou de pagar as parcelas da outorga,
não realizou os investimentos previstos e decidiu abandonar a concessão (EBC Agência Brasil,
2017).
4.6 Dificuldades enfrentadas pelos governos em caso de rescisão contratual
Outra lição importante que nos traz a observação de casos de concessão e PPPs no exterior é
que muitas vezes os instrumentos contratuais privados são mais difíceis de modificar ou
rescindir. Uma vez assinado o contrato, os prestadores de serviços privados conseguem
bloquear as condições contratuais, e quaisquer alterações subsequentes implicam um elevado
custo para as autoridades públicas. Quando se trata de rescindir contratos, ou mesmo de não
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renovar os que cessam, as administrações locais e nacionais enfrentam, frequentemente, uma
contenda difícil e dispendiosa.
Isso pode significar que, mesmo sob a tutela do interesse público, o governo terá que tomar
medidas fortes para enfrentar grandes grupos empresariais com consequências financeiras
potencialmente graves: em caso de rescisão do contrato, as empresas podem exigir
compensação, inclusive por frustação nos lucros esperados.
Em 2002, a o grupo multinacional Veolia obteve a concessão para tratamento e fornecimento
de água na cidade norte americana de Indianápolis (820.000 habitantes). A ausência de
tratamento adequado implicou um alerta para a necessidade de ferver a água, atingindo mais de
um milhão de pessoas e, em 2005, foi instaurada auditoria para investigar os relatórios sobre a
qualidade da água. A concessionária ameaçou sair e encurralou a cidade, obrigando o poder
público a fazer um acordo estabelecendo pagamentos adicionais para compensar eventuais
lucros cessantes. Além da péssima qualidade da água, o relatório da auditoria constatou o
sistemático aumento de tarifas, baseado no consumo de água no verão, sem o conhecimento da
Comissão Reguladora dos Serviços Públicos da cidade. Após um desgastante processo judicial,
a cidade foi forçada a pagar 29 milhões de dólares à concessionária para rescindir o contrato
mais de dez anos antes do seu fim previsto (LOBINA E HALL, 2014:38).
5. Conclusão
Considerando a recente experiência internacional de reversão ao setor público da execução de
infraestrutura e da prestação de serviços concedidos à iniciativa privada, constatamos que não
se trata de casos isolados. A dimensão e a amplitude desta tendência, sobretudo em países
desenvolvidos, reforçam a importância de se questionar a vantajosidade para o setor público da
aplicação de concessões e parcerias público-privadas no Brasil. A partir da investigação de
alguns casos, concluímos que os motivos que levaram à rescisão com o ente privado, tais como
aumento de tarifas, serviços ineficientes e baixo investimento em infraestrutura vão de encontro
ao preconizado por instituições financeiras e consultorias especializadas. Diante do exposto,
conclui-se que é necessária uma profunda reflexão da sociedade e das autoridades públicas
acerca da adoção de concessão e parcerias públicos privadas quando o objeto for a prestação de
serviços ou o fornecimento de bens essenciais, cujo objetivo final deve ser acesso de qualidade,
a uma maior parcela da população, a um preço justo e dentro de um modelo econômico
sustentável.
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<http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-07/acionistas-autorizam-relicitacao-
do-aeroporto-internacional-de-viracopos>
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