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Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas INTERNACIONAL ESTADO POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA JUDICIÁRIO SEGURANÇA PÚBLICA SOCIAL ECONOMIA TERRITORIAL COMUNICAÇÃO MOVIMENTOS SOCIAIS PERIFERIAS ANO 04 - Nº 34 - MARÇO 2019 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA

ANO 04 - Nº 34 - MARÇO 2019 ANÁLISE DA CONJUNTURA · o mercado de trabalho, que mostram como a alta desocupação e o crescimento da informalidade têm afetado fortemente as famílias

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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - MARÇO 2019

Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

INTERNACIONAL

ESTADO

POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

JUDICIÁRIO

SEGURANÇA PÚBLICA

SOCIAL

ECONOMIA

TERRITORIAL

COMUNICAÇÃO

MOVIMENTOS SOCIAIS

PERIFERIAS

ANO 04 - Nº 34 - MARÇO 2019BOLETIM DEANÁLISE DA CONJUNTURA

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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - MARÇO 2019

Com esta edição do Boletim de Análise da Conjun-tura, o governo federal completa três meses sem ter apresentado nenhuma medida para diminuir os agudos problemas sociais dos quais a popula-ção padece. Ao contrário, tomou iniciativas para aumentar os negócios do mercado financeiro às custas dos direitos sociais. E vem afundando o país em uma subserviência inédita à política exterior dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que tenta reforçar a construção de um estado policial contra os pobres e os que resistem a suas políticas.

Na sexta-feira, 22 de março, veio a primeira respos-ta massiva. Grandes manifestações cobriram boa parte do país contra a destruição que o governo Bolsonaro pretende impor à Previdência Social. Na mesma semana, a articulação política do governo fraquejava no Congresso Nacional e publicava-se nova pesquisa que mostra queda do apoio na opi-nião pública. O regime que a extrema direita quer impor não demostra capacidade hegemônica.

Nesse cenário, o boletim trata, na parte Internacio-nal, da visita de Bolsonaro aos Estados Unidos e da criação do ProSur. A seção Estado informa que o governo realizou no mês de março o primeiro gran-de leilão na área de infraestrutura e analisa a venda de doze aeroportos das regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do país por 2,377 bilhões de reais. O certame foi marcado pela subvalorização dos ae-roportos ofertados e pela ampliação da entrada de empresas estrangeiras – incluídas estatais estran-geiras no setor aeroportuário brasileiro.

Em Política e Opinião Pública é apresentada a com-posição das Comissões Permanentes na Câmara dos Deputados e são analisadas as principais pesquisas de opinião pública divulgadas no período, que evi-denciam a queda na avaliação positiva do governo.

Na cobertura do Judiciário o tema central é a atua-ção da turma de Sérgio Moro na conjuntura polí-tica brasileira. O grupo criado na Operação Lava Jato encontrou limites institucionais no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Câmara dos Deputados. Em matéria de Segurança Pública, o assassinato da vereadora do Psol Marielle Franco evidenciou a fa-lência do sistema de segurança pública fluminense, tomado pelo tráfico, milícias e pela intervenção fe-

deral. Um ano após, continua sem resposta a per-gunta “quem mandou matar Marielle?”

A seção Social apresenta os últimos dados sobre o mercado de trabalho, que mostram como a alta desocupação e o crescimento da informalidade têm afetado fortemente as famílias brasileiras, com destaque para o aumento da desocupação nos grandes centros. No tema da Previdência Social, mostra-se que o maior problema é a falta de renda e de emprego, além do fato de a proposta de refor-ma apresentada pelo governo (dos sistemas civil e militar) ampliar desigualdades sociais.

Em Economia, analisam-se os primeiros indicado-res econômicos do Brasil já sob o governo de Jair Bolsonaro. Frustrando as expectativas otimistas que prevaleciam no mercado ao final de 2018, a economia brasileira demonstra uma clara tendên-cia de desaceleração neste início de ano.

A seção Territorial traz estudo sobre a vinculação de trabalhadores a sindicatos, mostrando como o golpe de 2016 e o governo de Temer afetaram ne-gativamente o número total de sindicalizados e a taxa de sindicalização, que são indicadores impor-tantes da deterioração da democracia no Brasil.

Na cobertura sobre Comunicação, analisam-se a imagem de Jair Bolsonaro fora do Brasil a partir das principais reportagens publicadas na imprensa estrangeira e o posicionamento dos jornais tradi-cionais em relação aos recentes conflitos entre o Supremo Tribunal Federal e a República de Curitiba. Em redes sociais, o foco é a tática de Bolsonaro e sua duvidosa eficácia.

Em Movimentos Sociais, o tema principal são as centrais sindicais, que buscam ampliar o leque de apoios contra as propostas de mudança na Previ-dência. Contam com os movimentos sociais para construir uma greve geral. Uma vitória contra o pro-jeto de governo pode significar mais fôlego frente às pesadas baixas sofridas desde o golpe de 2016.

Finaliza este Boletim a nova seção Periferias, que expõe algumas conclusões de uma pesquisa rea-lizada pela Fundação Perseu Abramo sobre a rea-lidade da vida de quem está na informalidade do mercado de trabalho e revela os desafios para a or-ganização política destes trabalhadores.

APRESENTAÇÃO

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INTERNACIONAL

A visita de Bolsonaro a Trump

Entre os dias 17 e 19 de março, Jair Bolsonaro (PSL) visitou os Estados Unidos pela primeira vez como presidente. Em sua comitiva, estavam sete minis-tros, entre eles Ernesto Araújo das Relações Exte-riores, Paulo Guedes da Economia, Sérgio Moro da Justiça e Tereza Cristina da Agricultura. Seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), que recentemente foi empossado como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, tam-bém marcou presença. A visita foi marcada pela submissão de Bolsonaro a Donald Trump e pela entrega do Brasil em uma bandeja ao governo e empresários estadunidenses.

O primeiro evento oficial foi um jantar, no dia 17, oferecido pela Embaixada do Brasil em Washing-ton na casa do embaixador Sergio Amaral. Neste estavam “pensadores” da extrema-direita, como o “guru de Virgínia”, Olavo de Carvalho, e o estrategis-ta de Trump, Steve Bannon. Mesmo com a presen-ça do presidente brasileiro, o centro das atenções foi Olavo. Guedes chegou a dizer, na ocasião, que

ele era o “líder da revolução”. A China foi um assun-to bastante discutido, sobre o qual Tereza Cristina fez uma intervenção ressaltando a importância do país para as exportações brasileiras, já que o setor do agronegócio não está muito contente ultima-mente com a hostilização feita por membros do governo àquele país. Foi respondida por Bannon, para quem o Brasil não poderia se tornar mais de-pendente do país asiático. (Dependência só se for dos Estados Unidos).

No dia seguinte, Bolsonaro fez uma visita “surpresa” à CIA, anunciada pelo seu filho Eduardo no Twitter, onde ressaltou que seria uma oportunidade boa para discutir as relações internacionais na região, embora a política externa oficial dos EUA esteja a cargo da Secretaria de Estado, cujo titular é Mike Pompeo. No mesmo dia, Moro anunciou que assi-nou um acordo de parceria entre a Polícia Federal e o FBI para troca de informações. Enquanto isso, Guedes, em discurso na Câmara de Comércio dos Estados Unidos, colocava o Brasil à venda, falando que o país estaria de portas abertas para compra-dores e que agora os Estados Unidos poderiam nos

Este texto de conjuntura internacional trata da visita de Bolsonaro aos Estados Unidos e da criação do ProSur.

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tratar melhor. Além disso ele disse que gostava de “coca-cola e Disneylândia”.

À noite foi ao ar uma entrevista com Bolsonaro no canal de televisão Fox News, que é ligado a Trump e conhecido por defendê-lo. Durante a entrevista foi perguntado sobre a ligação entre Bolsonaro e sua família com as milícias, inclusive com o assassina-to de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Silva. Em sua fala, o presidente chegou a dizer que a maioria dos imigrantes brasileiros nos EUA não tem boas intenções e que é a favor da construção do muro, defendido por Trump, na fronteira entre os Estados Unidos e o México. O muro é uma expres-são tanto física quanto simbólica da xenofobia que Trump prega para separar a América do Norte da América Latina, mais pobre e menos desenvolvida.

Finalmente, no dia 19, houve o encontro entre Bol-sonaro e Trump. Além de vídeos e fotos um tanto quanto constrangedoras, nos quais Bolsonaro pare-cia estar encontrando pessoalmente um ídolo de in-fância, foram anunciados acordos que são bons ape-nas para os Estados Unidos. O primeiro deles foi o que acabou com a exigência de vistos para cidadãos americanos, japoneses, canadenses e australianos sem nenhuma contrapartida. Isso fará com que con-sulados e embaixadas brasileiras nestes países per-cam milhões em arrecadação sem garantia de que se amplie o número de turistas que visitam o Brasil. O segundo a ser destacado foi o acordo que possibi-litará a utilização da Base de Alcântara no Maranhão pelos Estados Unidos para lançamento de satélites e outros. Este acordo está sendo vendido como uma questão meramente comercial, de aluguel da base, mas é profundamente atentatório à soberania brasi-leira e sem lastro no que tange à parceria e transfe-rência de tecnologia.

Além destes, Bolsonaro anunciou que irá estabe-lecer uma cota tarifária reduzida para permitir im-portação anual de até 750 mil toneladas de trigo americano. E, outra vez, não teve nenhuma contra-partida. Apenas uma promessa de que os Estados Unidos poderiam comprar mais carne do Brasil. O trigo americano é altamente subsidiado, o que irá afetar negativamente o trigo brasileiro e também o da Argentina, que é o maior exportador de trigo para o Brasil atualmente. Isso poderá estremecer a

relação comercial com a Argentina, onde o Brasil tem superávit comercial, e repercutir negativamen-te no Mercosul.

Como maior promessa depois de ter o país entregue aos seus pés, Trump disse que irá trabalhar para que o Brasil seja aceito na Organização para a Coopera-ção e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desde que renuncie ao tratamento especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Co-mércio (OMC). Bolsonaro não pensou duas vezes e aceitou, trocando assim um benefício real por uma promessa que nada garante de bom para a econo-mia brasileira, mesmo se o Brasil vier a ser membro da OCDE. Vale ressaltar que existem membros des-ta organização que possuem o tratamento especial na OMC, caso da Coreia do Sul, México e Chile, por exemplo, que mantêm relações comerciais estreitas com os Estados Unidos. Esta postura irá também criar atritos com outros países em desenvolvimento, inclusive nos Brics. África do Sul, China e Índia de-fendem este direito na OMC, pois apesar de possuí-rem PIB acima da média dos países em desenvolvi-mento, seu PIB per capita é baixo.

Outro tema tratado na reunião foi em relação à Ve-nezuela. No entanto, Bolsonaro não revelou qual foi o conteúdo e existe o temor que ele possa ter se comprometido com a participação do governo brasileiro em novas agressões dos Estados Unidos ao país vizinho, o que seria desastroso em todos os sentidos. Este conflito não é brasileiro. É interno da Venezuela e o Brasil deveria atuar para ajudar a su-perá-lo e não para acirrá-lo. Aceitar uma ingerência imperialista no continente é colocar a própria se-gurança brasileira em risco, pois se a tentativa de derrubar um presidente legitimamente eleito for bem-sucedida isso abre caminho para que outros golpes possam ocorrer a qualquer momento e por qualquer motivo.

No encontro entre Bolsonaro e Trump, além da submissão brasileira aos interesses estaduniden-ses, o que também chamou a atenção foi a parti-cipação do filho de Bolsonaro em vez do ministro Ernesto Araújo, o que gerou ruídos entre o presi-dente e este último. Já no Brasil, ao ser provocado em uma sessão na Câmara com a fala de que só faltava ter pedido autógrafo para o Trump, Eduardo

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respondeu “eu pedi”. É a ilustração perfeita da polí-tica externa do atual governo. A igualdade entre as nações defendida pela diplomacia brasileira desde a atuação de Ruy Barbosa na Conferência de Haia em 1907 e o universalismo das relações internacio-nais foram substituídos por uma relação unilateral desigual e subalterna.

ProSur

Vários países latino-americanos reuniram-se no dia 22 de março em Santiago, no Chile, sob os auspícios do presidente Sebastián Piñera, incluindo os chefes de Estado da Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru. O objetivo era lançar as bases para uma nova organização regional em substituição à Unasul, que os governantes de direita na América do Sul agora rejeitam.

Esses países já haviam suspendido sua participação no ano passado na Unasul, quando estava sob a presidência pro tempore da Bolívia, e são os mes-mos que articularam o Grupo de Lima para hosti-lizar o governo de Nicolás Maduro na Venezuela,

que, inclusive, agora substitui o governo boliviano na presidência da Unasul. A Colômbia já se retirou da Unasul, gesto que foi recentemente seguido pelo governo do Equador, país onde está a sede dessa organização e cujo edifício é reclamado pelo governo equatoriano, que o construiu durante o governo de Rafael Correa.

Além de ser uma articulação política e ideológica da direita contra os governos progressistas do con-tinente, não está claro qual seria o papel e funcio-namento da nova organização, salvo que será um instrumento a mais de atuação política dos aliados do presidente estadunidense, Donald Trump, na América do Sul, que, por sua vez, tem como “ideal de consumo” erradicar a esquerda dos governos sul -americanos, a começar pela Venezuela, Nicarágua e Cuba. No entanto, a iniciativa de Piñera tem re-cebido muitas críticas internamente no Chile sob vários argumentos, principalmente que as organi-zações internacionais não podem surgir e desapa-recer meramente a partir de afinidades ideológicas, pois elas devem servir os interesses das nações e não dos governos de plantão.

INTERNACIONAL

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ESTADO

O desmonte do setor de aeroportos no governo BolsonaroO atual governo tem ampliado a lista de ativos privati-záveis e acentuado o discurso ideológico em defesa das privatizações. No entanto, não consegue levar adiante essas vendas. Grande parte dos principais projetos lis-tados no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) tem status em atraso por motivos variados, que vão desde entraves junto ao TCU até desacordos sobre as modalidades das desestatizações.

Para compensar, o governo tem acelerado o calen-dário das concessões, É nesse cenário que se insere o leilão dos aeroportos. Segundo a Agência Nacio-nal de Aviação Civil (Anac), a disputa gerou uma ar-recadação de 2,377 bilhões de reais, superando as expectativas do governo em 2,158 bilhões.

Os entusiastas da venda dos ativos públicos sau-daram o ágio médio do leilão, que ficou em torno de 986%. Pouco se comentou, entretanto, que tal percentual só foi possível pois o próprio governo iniciou o certame com expectativas tímidas e pre-ços subestimados, o valor de outorga inicial fixado pelo edital propunha vender o pacote de aeropor-tos pelo valor de 219 milhões de reais. Trata-se de uma evidente desvalorização dos ativos públicos, dado que os custos médios para a construção de

um aeroporto variam entre trezentos e quinhentos milhões de reais. Isso significa que, na matemática do governo Bolsonaro, doze aeroportos poderiam valer menos do que um aeroporto.

Além desse valor à vista, as regras previam uma outorga variável que deve ser paga ao longo dos próximos trinta anos de concessão. Esse valor deve chegar a cerca de 1,9 bilhão de reais para o conjunto dos três blocos de aeroportos concedidos.

O investimento previsto nos doze aeroportos ao longo do período da concessão é de 3,5 bilhões de reais. Nos primeiros cinco anos o investimento estimado é de 1,47 bilhão e nos 25 anos restantes o investimento espera-do é de 2,03 bilhões. Se forem considerados apenas os valores médios, isso significa que a partir de 2025 cada um dos doze aeroportos receberá um investimento de cerca de 5,5 milhões de reais por ano, um valor abaixo do necessário para atender as necessidades de ma-nutenção, ampliação e melhoria dos serviços para os usuários. Há ainda uma dúvida com relação a como serão captados os recursos para esses investimentos, dado o desmonte dos instrumentos de financiamento de longo prazo em curso atualmente no país.

Dadas as condições favoráveis ao capital privado,

O governo Bolsonaro realizou no mês de março o primeiro grande leilão na área de infraestrutura da atual ges-tão. Foram vendidos doze aeroportos das regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do país por 2,377 bilhões de reais. O certame foi marcado pela subvalorização dos aeroportos ofertados e pela ampliação da entrada de empresas estrangeiras no setor aeroportuário brasileiro.

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o leilão também foi marcado pela forte disputa e pelo interesse de investidores estrangeiros. Vale destacar que este foi o quinto leilão de concessão de aeroportos do Brasil. Como já se disse, foi o pri-meiro do governo Bolsonaro. Com esse processo, o número de aeroportos geridos pela iniciativa pri-vada subiu de dez para 22. Atualmente, sete ope-radoras internacionais atuam no país: o grupo suíço Zurich Airport (Florianópolis e Confins); o alemão Fraport (Fortaleza e Porto Alegre); os franceses Egis (Viracopos) e Vinci Airports (Salvador); o argentino Corporación América (Brasília e São Gonçalo do Amarante); Changi Airports, de Cingapura (Galeão, no Rio); e a Airport Company South Africa, da África do Sul (Cumbica, em Guarulhos).

A espanhola Aena venceu o disputado leilão pelo principal bloco de aeroportos. Com oferta de ou-torga de 1,9 bilhão de reais, o consórcio vai adminis-trar os aeroportos do bloco Nordeste, considerado o mais cobiçado desse certame, que compreende os terminais de Recife, Maceió, João Pessoa, Araca-ju, Juazeiro do Norte e Campina Grande. A previsão é que a empresa vencedora faça um investimento de 2,153 bilhões de reais nos seis terminais, sendo 788 milhões nos cinco primeiros anos do contrato.

Na sequência, o Bloco Centro-Oeste, integrado pe-los aeroportos de Cuiabá, Sinop, Rondonópolis e Alta Floresta, todos no Mato Grosso, foi arremata-do pelo Consórcio Aeroeste, por quarenta milhões de reais, ágio de 4.739% sobre o valor mínimo de outorga de oitocentos mil. O Consórcio Aeroeste é formado por Socicam Terminais Rodoviários (85%), que administra o terminal rodoviário do Tietê, em São Paulo, e Sinart Sociedade Nacional de Apoio Rodoviário e Turístico (15%). A Socicam já opera dois aeroportos regionais no país, segundo a pró-pria empresa: os de Ilhéus e Vitória da Conquista, na Bahia.

Por fim, os aeroportos de Vitória (ES) e Macaé (RJ), que fizeram parte do bloco Sudeste, foram arre-matados pela suíça Zurich por 437 milhões de reais, ágio de 830% sobre o valor mínimo de 46,9 mi-lhões. O grupo já administra, no Brasil, os terminais de Florianópolis e Confins (MG).

Ao todo, nove grupos de investidores apresenta-ram propostas no leilão. As operadoras estrangeiras

Zurich (Suíça) e Fraport (Alemanha) e o CPC (Com-panhia de Participações em Concessões) foram os únicos a participar da disputa tanto pelo bloco Nor-deste como pelo Sudeste.

Os aeroportos do Bloco Nordeste – Recife (PE); Ma-ceió (AL); João Pessoa (PB); Aracaju (SE); Juazeiro do Norte (CE); e Campina Grande (PB) – serão os primei-ros aeroportos administrados pela Aena no Brasil.

A empresa administra 46 aeroportos na Espanha, in-cluindo os terminais de Madri–Barajas e Barcelona. Na América Latina, a empresa administra doze aeropor-tos no México, dois na Jamaica e dois na Colômbia. O aeroporto de Luton, em Londres, também está sob administração da companhia. O que pouco se desta-cou, entretanto, é que se trata de uma empresa esta-tal, para espanto dos adeptos do ultraliberalismo.

Nesta rodada, o edital também prevê o risco com-partilhado entre o governo e as concessionárias vencedoras. Isso porque o valor da outorga para os três blocos, de 2,1 bilhões de reais, que serão pa-gos ao longo da concessão. Vai depender da recei-ta bruta da futura concessionária. Sendo assim, se o movimento do aeroporto cair, a empresa pagará menos ao governo, que compartilhará com ela o risco com relação ao comportamento da econo-mia. Uma vez mais o poder público se encarrega dos riscos e a iniciativa privada dos retornos.

Os doze terminais licitados respondem por 9,5% de todo o tráfego aéreo doméstico do país, com quase vinte milhões de passageiros por ano, se-gundo a Anac. Com o leilão desta sexta, quase 70% do trafego aéreo do Brasil será em aeroportos ad-ministrados pela iniciativa privada.

A Secretaria de Aviação Civil do Ministério da In-fraestrutura afirmou ainda que o governo deve leiloar mais 22 aeroportos da Infraero na próxima rodada, prevista para acontecer em 2020, a pre-visão é que esse leilão também seja dividido em blocos, encabeçados pelos terminais de Curitiba, Manaus e Goiânia. A meta estabelecida pelo gover-no é de transferir para a iniciativa privada todos os aeroportos da Infraero até o final da atual gestão. A serem mantidas essas condições, os ganhos serão do capital privado internacional, ao passo que as incertezas serão dos usuários dos aeroportos e da infraestrutura do país.

ESTADO

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POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

Comissões da Câmara e a Previdência

Dando sequência ao boletim de fevereiro, o texto traz a composição das Comissões Permanentes na Câma-ra dos Deputados. Com a indefinição sobre a Comis-são de Constituição e Justiça, visto que sua instalação era o pontapé inicial para a reforma da Previdência do governo Bolsonaro, e com a pausa dos trabalhos para o Carnaval, as comissões foram instaladas e distribuí-das apenas em março.

Os partidos mais contemplados com o comando das comissões foram os dois maiores da Câmara: o PSL, partido de Bolsonaro, e o PT, segunda maior bancada e a maior entre os partidos de oposição.

O PSL presidirá a Comissão de Constituição e Jus-tiça e Cidadania, por meio do deputado Felipe Francischini (PSL-PR), a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, com o deputado Léo Motta (PSL-MG), e a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, com o deputado Eduardo Bol-sonaro (PSL-SP).

Já o Partido dos Trabalhadores comandará a Co-missão de Cultura, com a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), de Direitos Humanos e Minorias, com o deputado Helder Salomão (PT-ES), e a Comissão

de Legislação Participativa, com o deputado Leo-nardo Monteiro (PT-MG). Nas três comissões, o PT indicou como vices a deputada Maria do Rosário (PT-RS), o deputado Padre João (PT-MG) e a depu-tada Erika Kokay (PT-DF), respectivamente.

As comissões que ficaram com partidos de oposi-ção ao governo Bolsonaro foram a de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (Lídice da Mata, PSB-BA), de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Rodrigo Agostinho, PSB-SP), de Trabalho, de Ad-ministração e Serviço Público (Professora Marcivâ-nia, PCdoB-AP) e a Comissão de Ciência e Tecno-logia, Comunicação e Informática (Félix Mendonça Júnior, PDT-BA).

Os partidos que presidirão mais de uma sessão, para além do PSB, já citado, serão o PP, o PR, o PSD e o MDB. O primeiro ficou com a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvi-mento Rural e com a Comissão de Integração Na-cional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia, presididas pelos deputados Fausto Pinato (PP-SP) e Átila Lins (PP-AM), respectivamente. Já o segun-do comandará a Comissão de Defesa do Consumi-dor e a Comissão de Segurança Pública e Comba-

Esta seção apresenta a composição das Comissões Permanentes na Câmara dos Deputados e analisa as principais pesquisas de opinião pública divulgadas no período, que demonstram a queda na avaliação posi-tiva do governo Bolsonaro, e os possíveis motivos para isso.

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te ao Crime Organizado, com os deputados João Maia (PR-RN) e Capitão Augusto (PR-SP). O PSD comandará a Comissão do Esporte e a Comissão de Seguridade Social e Família, com os deputados Fábio Mitidieri (PSD-SE) e Antonio Brito (PSD-BA). Por fim, o MDB comandará a Comissão de Finan-ças e Tributação e a Comissão de Turismo, com os deputados Sergio Souza (MDB-PR) e Newton Car-doso Junior (MDB-MG).

Outros sete partidos comandarão apenas uma co-missão cada, sendo estes: PTB, cuja deputada Luísa Canziani, do Paraná, presidirá a Comissão de De-fesa dos Direitos da Mulher; PSC, cujo deputado Gilberto Nascimento, de São Paulo, comandará a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência; Podemos, com o Pastor Marco Feli-ciano, de São Paulo, comandando a Comissão de Desenvolvimento Urbano; o Solidariedade presi-dirá a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, por meio do de-putado Bosco Saraiva (SD-AM); o PSDB presidirá a Comissão de Educação com o deputado Pedro Cunha Lima, da Paraíba; o PRB a Comissão de Mi-nas e Energia, com Silas Câmara (PRB-AM); por fim, o DEM comandará a Comissão de Viação e Trans-portes, que será presidida pelo deputado paulista Eli Corrêa Filho.

A instalação das comissões permanentes na Câma-ra e consequentemente a divisão destas entre os partidos era primordial para o início dos trabalhos na casa, o que significa que projetos considerados prioritários dependiam disso para começar a trami-tação. Era o caso da Proposta de Emenda Consti-tucional nº 06/2019, enviada pelo Executivo e que altera a Previdência Social, conhecida como PEC da Reforma da Previdência. Sua tramitação se iniciou na Comissão de Constituição e Justiça, comandada pelo PSL, que dará o parecer sobre a admissibilida-de ou não da proposta, antes de seguir para outras comissões temáticas e, por fim, para o plenário da Câmara, onde precisa de 308 votos favoráveis em duas votações para seguir ao Senado Federal.

Opinião pública já demonstra decepção

O presidente Jair Bolsonaro entregou em 20 de fe-vereiro ao Congresso a proposta do governo de re-

forma do sistema de aposentadorias. Entre os prin-cipais pontos da reforma estão a fixação da idade mínima para a aposentadoria em 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, fim da aposen-tadoria por tempo de contribuição e mudança nas regras específicas para determinadas categorias, como trabalhadores rurais, professores, funcioná-rios públicos e militares.

Há, segundo a proposta, a possibilidade de criação de um sistema de capitalização de iniciativa priva-da, na qual cada trabalhador faz uma espécie de poupança individual para o futuro, em detrimento do atual sistema de previdência social, pública e solidária em que a contribuição é feita por traba-lhadores, empregadores e governos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), esse sistema aumentaria a desigualdade e diminuiria o valor da aposentadoria recebido no final.

Pesquisa realizada pela CNT/MDA, de 21 a 23 de fe-vereiro, com 2002 pessoas residentes em 137 mu-nicípios de 25 unidades da Federação, indicou que menos da metade da população brasileira (43,4%) aprova a Reforma da Previdência, uma parcela li-geiramente maior, de 45,6% a desaprovam, o que coloca o empate técnico para a questão.

O valor do salário mínimo estabelecido em 998 reais foi desaprovado por dois terços da população (66,9%) e mais da metade (52,6%) também desa-provou o decreto que flexibiliza a posse de armas. No entanto, o pacote anticrime, apresentado por Sérgio Moro teve 62% de aprovação.

Segundo a mesma investigação, o principal desafio para o governo de Bolsonaro está na área da Saú-de, apontado por 42,3% dos entrevistados, seguido pela área de segurança pública (34,3%), educação (31,6%) e combate à corrupção (29,2%).

No cômputo geral, a pesquisa levantou 38,9% de aprovação ao atual governo de Jair Bolsonaro, 29% avalia de modo regular e 19% tem avaliação ruim ou péssima do governo.

Pesquisa do Ipespe realizada por meio de contato telefônico com mil entrevistas em todo o país, en-tre os dias 11 e 13 de março, confirmou a informa-ção. Segundo o Ipespe, o governo de Jair Bolsonaro foi avaliado positivamente por 37% da população,

POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

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tendo oscilado negativamente 3% em relação ao estudo do mesmo instituto realizado nos dois me-ses anteriores, enquanto a avaliação negativa evo-luiu de 20% para 24%, de janeiro a março e a ava-liação regular ficou em 32%.

Nesse estudo, cerca de dois terços dos entrevista-dos (64%) consideraram a reforma da Previdência necessária, enquanto um terço (31%) se posicionou contrário a ela. Questionados sobre pontos especí-ficos, também houve empate técnico entre os en-trevistados, que se posicionaram de alguma forma a favor do estabelecimento de uma idade mínima para aposentar (51%) e os que se colocaram contra essa medida (49%).

Já a mudança nas regras das aposentadorias espe-ciais, como de servidores públicos, policiais, bom-beiros e professores e militares das Forças Armadas receberam ampla adesão, de mais de 50% da po-pulação brasileira para todos os casos, e discordância de em torno de um terço dos entrevistados, sendo que a mudança nas regras da previdência dos mili-tares é a que apresenta menor discordância (29%).

A percepção de que a corrupção irá diminuir nos próximos seis meses caiu dez pontos percentuais desde a posse do governo (54% para atuais 44%), bem como a expectativa positiva em relação ao restante do mandato (que caiu de 63% para 54%), enquanto a expectativa negativa para o restante do mandato subiu de 15% na posse para 20%.

Se, em janeiro, 37% dos entrevistados considera-vam as notícias veiculadas mais favoráveis ao go-verno Bolsonaro, hoje esse percentual caiu para 21%, enquanto 43% consideram as notícias veicu-ladas sobre o governo mais desfavoráveis. A maior parcela (mais de 60%) considera verdadeiras as informações veiculadas pela mídia formal (rádios, emissoras de TV e jornais impressos); cerca de me-tade dos entrevistados considera falsas as informa-ções veiculadas por portais de notícias da internet, blogs e sites de notícias, Twitter e Instagram; e a maioria (mais de 70%) considera falsas as notícias veiculadas por Whatsapp e Facebook.

A maior parte dos entrevistados (72%) ficou saben-do sobre a publicação de Bolsonaro em seu perfil no Twitter do vídeo sobre golden shower durante o Car-naval, e 59% consideraram o conteúdo inadequado.

Por fim, pesquisa realizadas entre os dias 16 e 19 de março pelo Ibope, que ouviu 2002 entrevistados de todo o Brasil, registrou queda de quinze pontos na avaliação positiva de do governo Jair Bolsona-ro, de janeiro a março. Em janeiro ele tinha 49% de avaliação positiva, caiu para 39% em fevereiro e para 34% agora em março, o mesmo índice de avaliação regular e 24% de avaliação negativa.

O Ibope também apurou queda de dezesseis pon-tos percentuais na maneira como Jair Bolsonaro está governando, com aprovação de apenas metade do eleitorado (51%) frente à desaprovação de 38%, que subiu dezessete pontos percentuais de janeiro a março. Da mesma forma, a confiança em Jair Bol-sonaro reduziu neste espaço de tempo de 61% para atuais 49%, e 44% disseram não confiar no presi-dente eleito, o que mostra uma perda de confiança de catorze pontos percentuais desde a posse.

Em comparação a outros presidentes eleitos, Bol-sonaro tem o menor índice de aprovação de um governo em primeiro mandato há três meses da posse, o pior já registrado. Aos três meses dos pri-meiros mandatos de Fernando Henrique, Lula e Dilma as taxas de aprovação foram de 41%, 51% e 56%, respectivamente. Até Fernando Collor levou mais tempo (nove meses e o confisco da poupan-ça) para chegar a tão baixos índices de aprovação quanto Bolsonaro.

A avaliação positiva do governo é maior entre os que possuem renda acima de cinco salários mínimos, os que se declaram brancos, os evangélicos e os mora-dores do Sul e do Centro-Oeste. Já as avaliações ne-gativas estão mais presentes entre os moradores de municípios com mais de quinhentos mil habitantes (32%), os habitantes de periferias das regiões metro-politanas (29%) e entre os que possuem entre 45 a 54 anos e provavelmente se sentem mais ameaça-dos pela reforma da Previdência.

Pesquisa Word Happiness Report, realizada pelo Instituto Gallup em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) em 156 países, revela que os brasileiros nunca foram tão infelizes.

Esta é a sétima edição do relatório, que começou a computar a sua série histórica em 2006. A conclu-são do estudo é que há uma onda global de infelici-dade, motivada tanto pela desconfiança em líderes

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políticos quanto pelo consumo de informação pe-las redes sociais.

No relatório deste ano, o Brasil ficou na 32ª posição como país mais feliz, abaixo de países da América do Sul como Costa Rica (12ª posição), México (23ª), Chile (26ª) e apenas uma posição acima do Uruguai (33ª).

Segundo Marcelo Neri, diretor da FGV Social, labo-ratório da FGV que estuda desenvolvimento social e que analisou os dados da Gallup usados para me-dir a felicidade, em 2013, o brasileiro avaliava a sua satisfação com a vida, em escala de 0 a 10, com nota de 7,1. A partir de 2015 começou a se observar

queda nessa pontuação e hoje estamos no menor nível da série histórica, 6,3.

Os principais motivos que levaram a essa queda no índice de felicidade do brasileiro foram a crise financeira, a sensação de insegurança na política e a falta de confiança em líderes do Estado, diz a pesquisa. Segundo o relatório, o Brasil bateu o re-corde de todos os países em toda a série histórica na descrença com os líderes da política nacional, o que as pesquisas nacionais de avaliação de go-verno, comparativamente aos governos anteriores, confirmam.

POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - MARÇO 2019

JUDICIÁRIO

O mês de março foi intenso para a turma de Sérgio Moro na conjuntura política brasileira. O grupo político criado na Operação Lava Jato encontrou limites institucionais no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Câmara dos Deputados. Resta entender quais serão as respostas.

Parte dos movimentos sociais e o PT têm alertado, há anos, que a Lava Jato se tornou uma força ati-va e articulada na conjuntura política brasileira. Em que pese o fato de que esse não é o papel do Poder Judiciário e do Ministério Público (MP), a verdade é que a operação proporcionou a criação de um gru-po político que interferiu no processo democrático, ajudou a viabilizar o golpe de 2016 e acabou por dar força fundamental à eleição de um projeto autoritá-rio e retrógrado. A grande imprensa e parte das for-ças políticas brasileiras incensaram esse processo e se calaram ante os absurdos cometidos pela maior perseguição política ocorrida no país pós-1988.

Desde os convenientes vazamentos de grampos ile-gais na Presidência da República, passando pela absur-da prisão de Lula, pela seletividade das investigações e das prisões, a influência da Lava Jato na cena política brasileira já era mais do que óbvia. Moro foi premiado em quase todas as celebrações da elite e conquistou um grande espaço político no governo Bolsonaro.

A configuração de um cenário de criminalização da política e da supremacia de uma burocracia judicial

sobre as instituições democráticas proporcionaram a ideia na opinião pública de que a presença de Moro no Ministério da Justiça era um fortalecimen-to do combate à corrupção. No entanto, desde a configuração de sua equipe, o ex-juiz mostrou que se trata de um projeto de poder, bem estruturado e articulado a partir de Curitiba. Não é mero acaso que praticamente todo o primeiro escalão do mi-nistério tenha sido preenchido por quadros oriun-dos da Lava Jato no Paraná.

Desde então, a principal ação do ministério foi a apresentação do projeto de lei “anticrime”, num mo-vimento que se estruturou enquanto o restante do governo se mobilizava para apresentar o projeto da reforma da Previdência. Essa confusão de agenda indica originalmente um anacronismo dos grupos que comandam o Brasil nesse momento, mas tam-bém demonstra que o grupo político de Moro segue atuando de forma autônoma e descomprometida com a lógica institucional da política brasileira.

Nesse contexto, o MP-PR, em conluio com a di-retoria da Petrobras e apoiado pela juíza Gabriela

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Hardt, teve a ideia de reverter para si recursos bilio-nários pagos a título de multa pela estatal nos Es-tados Unidos para a criação de um fundo privado. Em menos de três meses, o partido da república de Curitiba incomodou a cena política brasileira. Só que dessa vez, o “lavajatismo” entrou em rota de colisão com o STF e com Rodrigo Maia.

A iniciativa do fundo, chamado por Gilmar Mendes de “fundo partidário” é uma excrescência jurídi-ca completa. Ela daria poderes e recursos à mar-gem da lei para promotores de primeira instância e criaria uma verdadeira estrutura paralela capaz de desestabilizar ainda mais a democracia no Brasil. Depois de cinco anos de complacência com Moro e sua turma, o STF resolveu agir. Vários ministros do Supremo saíram em ataque ao projeto, e o mi-nistro Dias Toffoli suspendeu a validade do acordo que criava o fundo.

Na mesma semana, por 6 a 5, a corte decidiu pela competência da Justiça Eleitoral para o julgamento de crimes conexos ao crime de caixa dois. Trata--se de uma necessária limitação ao ilegal escopo de atuação da Lava Jato, já que, sem a menor au-torização legislativa, Curitiba se tornou o ponto de partida do julgamento dos casos de corrupção em todo o Brasil, e a Justiça Federal passou a julgar cri-mes que não lhe cabem, se valendo de métodos de investigação, aplicação e execução de pena fla-grantemente inconstitucionais.

Por outro lado, questionado sobre a tramitação do projeto de lei “anticrime”, o presidente da Câmara deu entrevista em que atacou fortemente Sérgio Moro: “Eu acho que ele conhece pouco a política, eu sou presidente da Câmara, ele é ministro, fun-cionário do presidente Bolsonaro, então é o presi-dente Bolsonaro que tem que dialogar comigo. Ele (Moro) está confundindo as bolas, ele não é presi-dente da República, ele não foi eleito para isso. Está ficando uma situação ruim para ele, porque ele está passando daquilo que é responsabilidade dele”.

Eis o encontro de Sérgio Moro com os limites e in-tercorrências da correlação de forças. Essa obvie-dade própria do jogo democrático não era evidente para quem passou anos criminalizando a política e perseguindo aqueles que pensam diferente dele. No

entanto, engana-se aquele que acredita que o ex--juiz perdeu a sua influência sobre o Poder Judiciário.

Ao condenar Lula injustamente pela segunda vez, Gabriela Hardt (a substituta de Moro) copiou tre-chos inteiros da primeira sentença do ex-presiden-te, escrita pelo atual ministro da Justiça. Da mesma forma, a juíza havia homologado o fundo de Dal-lagnol, afirmando o “merecimento” do MPF do Pa-raná para administrar os recursos.

O grupo político segue atuando de forma articula-da e coordenada pelo seu chefe, que agora possui uma frente de atuação no governo Bolsonaro, além dos já conhecidos braços na Polícia Federal, no Mi-nistério Público e no Judiciário. Ao longo dos anos, o “lavajatismo” construiu o seu sucesso com base no “timing” das prisões e arbitrariedades.

E então, Michel Temer foi preso. Pode ser que seja só uma coincidência. Pode ser também que o su-cesso na opinião pública das prisões midiáticas e espetaculares da operação ao longo dos últimos anos não tenha efeito sobre a popularidade do gru-po político de Moro. Pode ser que Marcelo Bretas não tenha pensado sobre a legítima restrição de competência da operação (apesar de citá-la diver-sas vezes na decisão que determinou a prisão de Temer). Pode ser que quase três meses depois da posse de Bolsonaro, só agora a Lava Jato tenha per-cebido que Temer deveria ser preso.

É essencial destacar que nunca uma prisão pode ser uma resposta política para nada e para ninguém. Ne-nhum regime democrático pode aceitar que inves-tigações e processos judiciais sejam utilizados para influenciar a conjuntura. Contra Lula, Dilma e o PT as instituições deixaram que isso acontecesse. Agora, o mesmo veneno se volta contra aqueles que se apro-veitaram politicamente dos abusos da Lava Jato.

Está claro que o grupo político da Lava Jato é mais importante para Moro do que o próprio governo. Ele achou que a independência prometida por Bol-sonaro significava a prevalência de seus interesses e opiniões pessoais às do governo. Isso pode ter custado a reforma da Previdência e a própria esta-bilidade de um já combalido Bolsonaro. Mas a no-meação de Moro era “meramente técnica”.

JUDICIÁRIO

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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - MARÇO 2019

SEGURANÇA PÚBLICA

Caso Marielle evidencia falência da segurança pública

O assassinato de Marielle Franco evidenciou a falência do sistema de segurança pública fluminense, tomado pelo tráfico, milícias e pela intervenção federal. Mesmo após um ano do assassinato da vereadora do Psol, perguntas seguem não respondidas: quem mandou matar Marielle e por quê?

Em 14 de março completou um ano o assassina-to da vereadora Marielle Franco e de seu motoris-ta Anderson Gomes. Dezenas de manifestações aconteceram nas principais capitais do país para exigir apuração e justiça para essa barbárie que ganhou repercussão nacional e internacional. Ao longo do ano, o tema foi manchete de principais jornais ao redor do mundo. “Quem matou Marielle? Quem mandou matar?” foram, provavelmente, as perguntas mais pronunciadas em 2018.

Mas por que, entre tantos outros, este caso em específico ganhou tamanho destaque? Num país onde se matam mais de sessenta mil pessoas ao ano (segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pú-blica), e que é campeão mundial em assassinatos de defensores de direitos humanos (segundo rela-tório lançado em 2016 pela ONG Oxfam), por que o assassinato de Marielle mobilizou tanto?

Marielle é mulher preta, pobre, periférica, lésbica, militante socialista, conhecida pela sua atuação em direitos humanos, pelos combates à violência

policial e à atuação das milícias, participando ativa-mente da investigação parlamentar contra milicia-nos (ainda quando assessorava o parlamentar Mar-celo Freixo). Marielle é um símbolo. Um símbolo de resistência em um país que mata quase três vezes mais negros que brancos. Que violenta mulheres. Uma figura emblemática se pensarmos sob a pers-pectiva da segurança pública e sob a perspectiva da ação do Estado que se faz presente a uma parcela da população - que se sentia representada por Ma-rielle - exclusivamente, da maneira mais violenta: pelo seu braço armado.

Marielle, o símbolo da resistência fluminense, as-sassinada pelas milícias em um contexto geral de intervenção federal. O que isso tem a nos dizer?

A origem das milícias

Milícia é um termo cunhado pela jornalista do jornal O Globo Vera Araújo em 2005. Segundo ela, a pa-lavra era mais curta que “paramilitares” (expressão

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usada na época) e, assim, soou melhor para estam-par a manchete que trazia sua reportagem sobre este grupo de agentes de segurança que cobravam pedágio sobre territórios e serviços públicos da ci-dade. Foi no início dos anos 2000 que grupos de policiais e ex-policiais começaram a chamar a aten-ção da opinião pública.

A origem das mílicias, no entanto, é mais antiga, data do final da década de 1970, quando na Favela do Rio das Pedras (zona oeste do Rio) as associações de bairro começaram a pagar policiais para garantir que o tráfico não dominasse o território recém ocu-pado. O grupo se fortaleceu e passou a oferecer e a cobrar, além de segurança, outros serviços, como gás e transporte. Os pagamentos passaram a ser obrigatórios, sob pena de castigos violentos em caso de descumprimento. Com o tempo, assim como as facções do tráfico, os milicianos começaram a impor toques de recolher e regras rígidas às comunidades.

Até certo momento, esta atividade tinha apoio de parcela da população que, mesmo coagida, dizia preferir pagar a milícia que ter que conviver sob o domínio do tráfico. César Maia, quando prefeito, chegou a chamá-las de “autodefesas comunitárias” e um “mal menor que o tráfico”. No entanto, milicia-nos seguiram se fortalecendo e passaram a se orga-nizar em zonas eleitorais, elegendo políticos e tendo influência sobre o poder público. A atividade se es-truturou enquanto tal e o grupo cresceu tanto que hoje, segundo matéria do G1 que cruzou informa-ções do Ministério Público estadual, da Polícia Civil, da Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que quadrilhas estão em 37 bairros e 165 favelas da Região Metropolitana, atuando em um quarto da cidade do Rio. A percepção popular sobre elas também mudou: a última pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Data-folha mostra afirma que cariocas tendem a ter mais medo de milícia que do próprio tráfico.

O contexto da Intervenção

Os assassinatos ocorreram quando o Rio de Janei-ro estava há quase um mês sob intervenção fede-ral. Em 16 de fevereiro de 2018, o governo Temer decretou (com posterior referendo do Congresso

Nacional) uma intervenção na área de segurança pública no estado do Rio de Janeiro. O Interventor, que passou a ter papel de secretário estadual de se-gurança pública, foi general o Exército, Walter Sou-za Braga Netto. O general tinha o comando direto sobre as polícias estaduais, o Corpo de Bombeiros e a Secretaria de Administração Penitenciária e res-pondia diretamente à Presidência da República – e não mais ao governador. A intervenção teve dura-ção de dez meses.

O Observatório da Intervenção – organização que reuniu uma série de entidades coordenada pela Fa-culdade Cândido Mendes e financiada pela Open Socity - divulgou um relatório dos dez meses de atuação dos militares na cidade. O que é apresenta-do como resultado positivo? Houve uma queda de 5,5% nos homicídios dolosos, em comparação ao mesmo período anterior; e 14% menos de roubo de cargas. Este último dado foi muito comemorado pelos miliatares (sic). Mas existem motivos para co-memorar? Nem tanto. O relatório também aponta que nas 668 operações monitoradas houve 204 mortos pelas mãos do Estado, além de 53 chaci-nas (um total de 213 motos). Mais de 1.200 pessoas mortas no Rio de Janeiro neste período, aumento de 40% nas mortes em ações policias. Mais 1.090 feridos e 103 agentes de segurança mortos. Ainda houve aumento expressivo nos tiroteios: de 5.238 de fevereiro a dezembro de 2017 para 8.193 no mesmo período de 2018, volume 56% maior. Au-mento também de 3,9% nos roubos comuns. Além disso, organizações da sociedade civil denunciam uma série de abusos e crimes cometidos pelos agentes como estupros, casas invadidas, prisão de inocentes e aumento do número de desaparecidos.

Com mais de duzentos mil agentes e 72 milhões de reais investidos ao longo de dez meses, a intervenção foi ineficiente em construir um legado para a segu-rança pública do estado. Nada foi investido no que diz respeito a inteligência, estrutura para investigação e desmantelamento do crime organizado, das facções, das milícias, do tráfico de drogas e de armas.

A investigação do assassinato de Marielle Franco O assassinato de Marielle e Anderson põe em evi-dência estas fragilidades do sistema de inteligência

SEGURANÇA PÚBLICA

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da segurança pública do estado do Rio. Apenas após quase um ano de investigação foram presos os sus-peitos pela execução dos dois, o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz e o sargento reformado Ronnie Lessa, possivelmente pertencentes ao grupo miliciano Es-critório do Crime. A arma utilizada foi uma subme-tralhadora alemã HKMP5 de calibre 9 milímetros, usada por forças especiais da polícia. A munição pertencia a um lote comprado pela Polícia Federal de Brasília, em 2006. Balas desse lote foram extra-viadas. Elas foram também usadas em chacinas em Barueri e Osasco, na Grande São Paulo, em 2015, e em São Gonçalo, no Rio, entre 2015 e 2017.

As respostas da investigação param por aí, mas a prisão dos suspeitos suscita ainda mais perguntas que não parecem ter perspectiva de solução no curto prazo.

Uma matéria de Allan de Abreu publicada na Re-vista Piauí, edição de março de 2019, que conta ao leitor como se estruturaram as milícias no Rio e revela tentativas de interferência na investigação do crime de assassinato, termina com a seguinte frase: “O crime se espalhou pelo poder constituído do Rio. Tem bancada. É uma metástase sem con-trole. O estado não sai mais dessa situação por suas próprias mãos”. E não é muito difícil chegar a esta

conclusão. Ora, se a milícia é formada por policiais e ex-polícias e se o próprio governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel - que comanda as polícias – participou de atos contra homenagens à vereadora assassinada, parece óbvio que a investigação apre-senta sinais de comprometimento e possibilidade de envolvimento e obstrução.

Nesse bolo todo, algumas perguntas ainda perma-necem sem resposta: como um ex-PM, com venci-mentos incompatíveis com alto poder de compra, reside num condomínio de luxo no Rio, com casas na faixa de 2,5 milhões de reais? Qual a abrangên-cia de um esquema de tráfico de armas que ga-rante 117 fuzis M16 americanos? Quem e por que tentaram induzir o também miliciano Orlando de Curicica a mentir sobre o caso? Por que o caso não foi transferido para investigação e justiça federais? Afinal, quem mandou matar Marielle e por quê?

Os erros na condução da política de segurança pública e o aprofundamento das opções falidas e equivocadas – como o caso da intervenção – ge-raram a morte de Marielle, episódio que serviu para expor essa ineficiência e a indústria do crime dis-farçada de política pública. Marielle segue presente!

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SOCIAL

Mercado de Trabalho

A alta desocupação e o crescimento da informali-dade têm afetado fortemente as famílias brasilei-ras, com destaque para o aumento da desocupação nos grandes centros.

Em janeiro de 2019, o Brasil gerou saldo positivo de 34 mil vagas formais segundo o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego. O dado foi praticamente um terço do saldo que era esperado por especialis-tas e ficou abaixo dos 77 mil criados em janeiro de 2018. Em janeiro de 2019, o estoque de empregos formais ficou em 38,4 milhões, abaixo do pico de empregos formais de janeiro de 2015, que foi de 40,7 milhões e próximo do valor de janeiro de 2012 (38 milhões). Em outras palavras, o Brasil retrocedeu o número de empregos formais a valores de quase sete anos atrás, sendo que em 2012 o país tinha 198 milhões de habitantes e hoje tem 209 milhões.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios Contínua (PnadC) mostram que a taxa de desocupação (12%) no trimestre móvel encerrado

em janeiro de 2019 subiu 0,3 ponto percentual em relação ao trimestre de agosto a outubro de 2018 (11,7%). Em relação ao trimestre móvel de novem-bro de 2017 a janeiro de 2018 (12,2%), o quadro foi de estabilidade. São 12,7 milhões de desocupados no país e 27,5 milhões de subocupados no trimes-tre encerrado em janeiro de 2019 (contra 26,8 mi-lhões de subocupados no mesmo trimestre do ano anterior). O desalento (situação em que as pessoas desistem de procurar emprego) também cresceu de um ano para o outro: no trimestre fechado em janeiro de 2019, ficou em 4,7 milhões, contra 4,4 milhões no mesmo trimestre do ano anterior. En-tre o trimestre de novembro a janeiro de 2018 e novembro a janeiro de 2019, também aumenta o número de trabalhadores sem carteira e por conta própria. Ou seja, a taxa de desocupação tem caído com o aumento do desalento e da informalidade, o que não é um bom indicador.

Apesar da queda da taxa de desocupação nos úl-timos meses, a desocupação tem atingido forte-mente os grandes núcleos urbanos brasileiros. O

Esta seção analisa os últimos dados sobre o mercado de trabalho, que mostram como a alta desocupação e o crescimento da informalidade têm afetado fortemente as famílias brasileiras, com destaque para o aumento da desocupação nos grandes centros. Por outro lado, a imprensa repete que o maior problema do Brasil é a Previdência, ocultando a falta de renda e de emprego. No entanto, as propostas de reforma apresentadas pelo governo (dos sistemas civil e militar) ampliam desigualdades.

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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - MARÇO 2019

gráfico abaixo, montado com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra a taxa de desocupação média anual nas capitais para o ano de 2018. Em Porto Alegre, João Pessoa, Boa Vista, Vitória, Rio de Janeiro, Belém, Teresina, Porto Velho, São Paulo, Recife, Aracaju, Maceió e Macapá, a taxa de desocupação atingiu o maior valor dos últi-mos sete anos. Também, enquanto o Sul e o Centro-

-Oeste se destacam com taxas mais baixas em suas capitais, no Norte e no Nordeste algumas capitais apresentam índices altíssimos (como Maceió com 16,7%, Manaus com 18,1% e Macapá com 18,2%). No Sudeste, três das quatro capitais (São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória) tiveram as maiores taxas de deso-cupação anual média dos últimos sete anos. Ou seja, nos grandes centros, a situação é dramática.

Reforma da Previdência mantém privilégios

O mantra do governo tem sido que a reforma da Previdência (PEC 06/2019) combateria privilégios. A seguir, elencamos alguns pontos que contradi-zem este discurso.

A proposta do governo prejudica mais as mulheres ao ampliar o tempo de contribuição e/ou idade mí-nima em especial para este grupo, desconsideran-do a carga de trabalho doméstico não remunerado efetuada pelas mulheres. Segundo o IBGE, por se-mana, as mulheres realizam por volta de vinte ho-ras de trabalho doméstico não pago, enquanto os homens realizam dez horas. Enquanto as mulheres podem, em teoria, se aposentar do trabalho remu-nerado, não se aposentam do trabalho doméstico.

A PEC 06/2019, no caso da aposentadoria no Re-gime Geral da Previdência Social, propõe o fim do direito à aposentadoria por tempo de contribuição. As mulheres terão que trabalhar dois anos a mais (dos 60 aos 62 anos), se forem do setor urbano, e

cinco anos a mais (dos 55 aos 60 anos), se forem do setor rural. Os homens, ao contrário, permane-cerão com as mesmas referências etárias da atual modalidade de aposentadoria por idade (65 anos, no setor urbano, e 60, no rural). Também, pela re-forma, as regras de transição são especialmente du-ras para as mulheres e são propostas restrições ao acesso e aos valores das pensões por morte, além de mudança das regras de acúmulo de benefícios e do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Segundo cálculos de Eduardo Fagnani, professor do IE/Unicamp, a reforma busca acabar com o sistema de seguridade social, além do que a eco-nomia prevista pela proposta onera duramente os mais pobres. Dos 1,1 trilhão de reais previstos para serem economizados em dez anos, 75,6% viriam da subtração de direitos dos beneficiários do INSS (rural e urbano), da assistência social e do abono sa-larial, que beneficiam justamente os mais pobres: 715 bilhões de reais serão “economizados” porque

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serão cortados direitos garantidos para a proteção à velhice dos trabalhadores rurais e urbanos inscritos no RGPS; e outros 182 bilhões de reais no BPC e no endurecimento das regras do Abono Salarial.

Propostas penalizam mais trabalhadores civis

O governo Bolsonaro entregou ao Congresso em 20 de março de 2019 a proposta de Reforma da Previdência para os militares, que tramita como Projeto de Lei 1645/2019. Segundo o próprio site da Câmara Federal, “a chegada do projeto ocorre no prazo limite previsto pelo governo e atende à condição imposta por líderes partidários para des-travar a análise da reforma da Previdência dos ser-vidores civis (PEC 6/19)”. No entanto, a economia prevista pelo projeto para os próximos dez anos de 97 bilhões de reais é contraposta por um aumento de gastos de 86,8 bilhões, devido à reestruturações na carreira como forma de compensação à catego-ria, que, além de ter vínculos com o presidente da República, tem grande espaço no governo hoje. Até analistas mais conservadores têm dito que, desta forma, a proposta de reforma penaliza muito mais os trabalhadores civis que os militares.

A proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019) ocorre no momento em que a sociedade brasileira está mais fragilizada: com o mercado de trabalho ainda em crise e com o crescimento econômico muito baixo, a mudança das regras previdenciárias em conjunto com a piora dos serviços públicos como um todo - como a saúde, muito importante para a população idosa - tem o potencial de piorar muito a qualidade de vida dos brasileiros como um todo. Muitas pessoas, com a crise no mercado de traba-lho, perderam o acesso a planos de saúde, e tam-bém com os cortes que a saúde tem sofrido com a Emenda Constitucional 95. Assim, com a Emenda Constitucional 95, a reforma trabalhista, a proposta de reforma da Previdência e muitos outros direitos perdidos nos últimos anos, o Brasil desfaz mecanis-

mos para combater a pobreza, a desigualdade e ar-risca cada vez mais a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, em especial durante a velhice.

A pauta uníssona da reforma esconde o verdadei-ro problema: falta de empregos de qualidade. De-sapareceu no Brasil a discussão sobre geração de emprego. Com 12,5 milhões de desocupados, 27,3 milhões de subutilizados (desocupados, subocupa-dos por insuficiência de horas e na força de traba-lho potencial), não se fala em como solucionar um dos mais graves e imediatos problemas das famí-lias brasileiras, a desocupação.

O drama de milhões de famílias parece não ser um grande problema. A pauta uníssona da necessida-de da reforma da Previdência domina as notícias diariamente. Não se fala mais em geração de em-pregos, quanto mais em empregos de qualidade. Dizem os analistas que quando o Brasil realizar a reforma da Previdência, o país voltará a crescer, a gerar empregos. Dizem que tudo depende dela. Mas não explicitam qual relação tem a reforma com o crescimento econômico.

E se for invertida a causalidade: qual o impacto da geração de empregos nos resultados da Previdên-cia? Quanto a este ponto, de 2009 a 2015 o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) urbano, segundo cálculos do SPREV, foi superavitário. Um dos gran-des motivos foi a geração, neste período, de gran-des saldos de emprego formal ano a ano, amplian-do a base contributiva da Previdência e garantindo a sustentabilidade do sistema: segundo o Caged, de 2000 a 2014 foram gerados 23,4 milhões de empregos formais. Só de 2009 a 2014 foram 8,4 milhões. Ou seja, até não muito tempo atrás (até a crise que se inicia em 2015), com a mesma estrutura previdenciária, havia um RGPS urbano superavitário. Por isso, fazer a discussão sobre o sistema previden-ciário sem discutir o momento em que se encontra o mercado de trabalho brasileiro – o alto desemprego e os crescentes níveis de informalidade - é olhar so-mente um aspecto da questão.

SOCIAL

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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - MARÇO 2019

ECONOMIA

Nível de Atividade

Seguindo a tendência de desaceleração que já tem sido observada desde meados de 2018, este início de 2019 vem confirmar o fraco dinamismo da eco-nomia brasileira, mesmo já se avançando pelo ter-ceiro ano pós recessão – é a mais lenta recuperação de todas as recessões já vividas no Brasil.

Por seu turno, as autoridades econômicas do gover-no, presas à ideologia ultraliberal, não se dispõem a utilizar nenhum instrumento do setor estatal para reanimar a produção e o emprego, apostando todas as fichas nos efeitos indiretos de uma virtual reforma da Previdência sobre o humor dos investidores pri-vados. É a receita para a continuidade da estagnação e a permanência de altas taxas de desemprego.

Entre os indicadores de atividade econômica men-salmente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), com exceção das vendas no varejo que cresceram levemente na passagem de dezembro para janeiro (0,4%), os demais seto-res apresentaram números especialmente ruins na

mesma comparação mensal, com as atividades de serviços recuando 0,3% e a produção física da indús-tria caindo mais intensamente (-0,8%). Especifica-mente em relação ao mau desempenho da indústria, a maior queda foi registrada justamente na produção de bens de capital, a mais relevante, que caiu 3% em relação a dezembro e 7,7% frente a janeiro de 2018.

Fortemente influenciado por esses resultados se-toriais apurados pelo IBGE, o IBC-Br (indicador an-tecedente do Banco Central) apontou uma contra-ção do PIB de 0,41% no primeiro mês do governo Bolsonaro, o que acabou esfriando as expectativas do mercado, fazendo as projeções do Boletim Fo-cus para o crescimento do PIB em 2019 caírem ra-pidamente, saindo de 2,49% na terceira semana de fevereiro para 2,01% na terceira semana de março.

Além disso, outros indicadores relevantes para se medir o pulso da economia também vieram sina-lizando uma trajetória cadente preocupante. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), que calcula mensalmente o Indica-dor de Consumo Aparente de Bens Industriais - de-

Esta seção analisa os primeiros indicadores econômicos do Brasil já sob o governo de Jair Bolsonaro. Frus-trando as expectativas otimistas que prevaleciam no mercado ao final de 2018, a economia brasileira de-monstra uma clara tendência de desaceleração neste início de ano, expressa pelas quedas da produção industrial, das atividades de serviços e pelo fraco crescimento das vendas no comércio varejista.

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finido como a produção industrial interna líquida das exportações acrescida das importações – houve uma queda de 1,1% na comparação entre janeiro de 2019 e dezembro de 2018, na série com ajuste sazonal. Com isso, esse importante indicador acumulou uma retração de 1,9% no trimestre encerrado em janeiro. Já no comparativo com o mesmo trimestre do ano anterior, a queda foi ainda mais acentuada (-2,7%), denotando, portanto, a piora de uma demanda por bens industriais no país que desde a crise de 2015 não dá sinais consistentes de recuperação.

Por seu turno, a produção agropecuária que teve importante papel na interrupção da recessão entre 2016 e 2017, parece pouco capaz de garantir maior impulso neste ano de 2019. De acordo com o le-vantamento sistemático da produção agrícola do IBGE a safra de grãos deverá crescer apenas 1% no presente ano, isto é, 0,8% abaixo do que havia sido previsto pelo mesmo levantamento em fevereiro.

Restaria assim, o comércio exterior para quem sabe reanimar a demanda agregada brasileira. Entretan-to, a desaceleração que vem sendo registrada nas economias centrais – especialmente na zona do Euro, que parece caminhar para uma recessão – não autorizam maiores apostas nesta via para nos resgatar da estagnação.

Comércio Exterior

Até a terceira semana do mês de março, os resul-tados da balança comercial do país mostraram um leve recuo das exportações (-1%) sobre o mesmo período de 2018, enquanto as importações caíram 1,7%. Consequentemente, o saldo comercial acu-mulado até aquele momento alcançou 9,4 bilhões de dólares, o que representa uma queda de 0,3% na comparação com 2018.

Em um momento especialmente tumultuado em nossa estratégia de inserção internacional, com um alinhamento cada vez mais explícito com os EUA, é importante destacar que a China continua sen-do de longe o mais importante destino para nos-sas exportações. Apenas nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, o volume de bens exportados à economia chinesa alcançou 8,32 bilhões de dó-lares, o que corresponde a 23% de tudo que ex-

portamos nesse período e quase duas vezes o que vendemos para os Estados Unidos (4,47 bilhões de dólares ou 12,8%). Em terceiro lugar, bem mais dis-tante dos dois primeiros, está a Argentina, que ab-sorveu 4,4% de nossas exportações (1,5 bilhão de dólares), mas que tem o mérito de comprar uma vasta gama de produtos industrializados produzi-dos no Brasil.

Estranhamente, contudo, seja pelo anacrônico viés ideológico, seja por interesses ainda pouco claros, vá-rias ações recentes do presidente da República, bem como do fanático que comanda o Ministério das Re-lações Exteriores, apontam no sentido do abandono dos fortes laços comerciais que mantínhamos com a China e a Argentina, sem que se possa identificar um destino alternativo para o nosso comércio exte-rior. A mudança voluntária do status do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) - abrindo mão de benefícios concedidos a países que são con-siderados emergentes -, o fim das cotas comerciais ao trigo norte-americano e a intenção de entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) compõem uma pequena mas significativa amostra do tamanho do descompro-misso do atual governo em relação aos interesses nacionais, inclusive daqueles vinculados a grupos econômicos que lhe dão sustentação no Congres-so e que apoiaram entusiasmados a candidatura de Bolsonaro à Presidência.

Contas Públicas

Embora os dados mais recentes da Receita Federal tenham apontado uma recuperação importante da arrecadação federal no mês de fevereiro (+5,36%) quando comparada à do mesmo mês do ano an-terior, a equipe econômica do governo já prevê dificuldades para conseguir cumprir a meta de re-sultado primário de 139 bilhões de reais de déficit. Entre os principais motivos para o pessimismo do governo estão a queda da estimativa do PIB (que na Lei Orçamentária Anual previa um crescimento de 2,5% e que na revisão de 22 de março caiu para 2,2%) e a baixa probabilidade de conseguir privati-zar ainda este ano a Eletrobras e com ela arrecadar doze bilhões de reais. Por conta disso, no mesmo dia 22 de março o governo decidiu contingenciar

ECONOMIA

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29,8 bilhões de reais do orçamento federal para o presente ano.

Por outro lado, segue o impasse sobre o ritmo de re-passes do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES) para o Tesouro Nacional, a título de devolução de recursos que em momentos anteriores foram emprestados ao banco para sua capitalização. Há a previsão de que ainda em 2019 serão repassados cem bilhões de reais de um total de 271 bilhões que o BNDES estaria devendo ao Te-souro. Entretanto, como parte desse dinheiro está comprometida com operações de crédito ainda em curso (cerca de 205 bilhões de reais), há na direção do banco a preocupação de não descumprir os pa-râmetros do acordo de Basileia III, o que pode acabar dilatando o prazo de devolução.

De todo modo, independentemente da estratégia do governo para cumprir com a meta de resultado pri-mário, é absolutamente certo que a equipe de Paulo Guedes continuará firme em seus propósitos de redu-zir as despesas públicas, o que significa que a política fiscal deverá continuar impactando negativamente o crescimento do PIB, dificultando assim qualquer mo-vimento mais consistente de recuperação.

Inflação e política monetária

No mês de fevereiro a inflação medida pelo IPCA do IBGE acelerou para 0,43%, ficando, portanto, um pouco acima dos 0,32% que tinham sido apurados

no mês de janeiro. No acumulado dos últimos doze meses, o Índice de Preços ao Consumidor Am-pliado (IPCA) alcançou 3,89%, mantendo-se as-sim abaixo do centro da meta, que para 2019 é de 4,25%. Apesar disso e do erro recorrente do Banco Central em relação à meta (já são mais de dois anos com a inflação correndo bem abaixo do centro da meta), na última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) – a primeira sob o comando de seu novo presidente, Roberto Campos Neto, indi-cado por Jair Bolsonaro – decidiu-se manter a Selic em 6,5% ao ano. Com isso, tanto no setor industrial quanto no setor financeiro já são várias as críticas ao comportamento excessivamente conservador do Banco Central brasileiro, visto que até mesmo pelos parâmetros da ortodoxia econômica o atual patamar da taxa de juros estaria fora de lugar – aci-ma da chamada taxa de juros neutra – agindo, por-tanto, como um vetor contracionista.

Não é demais assinalar que por conta dos juros ainda elevados, as despesas com serviço da dívida conti-nuam absorvendo cerca de 20% das receitas totais arrecadadas pelo governo federal, algo próximo de 380 bilhões de reais por ano, portanto, na mesma magnitude do que o alegado déficit da Previdência. A diferença, entretanto, é que enquanto os recursos da Previdência se destinam a garantir um padrão de renda mínimo a sessenta milhões de brasileiros de baixa renda, a despesa com os juros da dívida públi-ca vão desaguar no bolso daquele 0,5% que dorme no topo da pirâmide social brasileira.

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TERRITORIAL

Os trabalhadores sindicalizados no pós golpeEngana-se quem pensa que os tempos sombrios para a sindicalização dos trabalhadores começa-ram agora. É certo que a reforma trabalhista de Temer em 2017, quando tornou facultativa a con-tribuição sindical, e as sérias dificuldades no pro-cesso de contribuição sindical criadas por Medida Provisória pelo presidente Bolsonaro, possuem um poder devastador para a manutenção dos sin-dicatos do país. Mas os resultados da Pesquisa Na-cional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2016 e 2017 apontam que um processo forte de dessin-dicalização iniciou-se já em 2016, ano do golpe do ex-presidente Temer.

Tais propostas para enfraquecer os sindicatos, que possuem como principal função a defesa dos in-teresses e direitos dos trabalhadores de diferen-tes categorias, caem como uma luva para o atual projeto neoliberal, que prevê a entrega de grande parte da estrutura estatal nacional e das riquezas naturais do país ao setor privado nacional, e, em grande parte, ao privado e estatal estrangeiro.

O golpe de Temer, além de diversas outras consequências trágicas, também afetou negativamente a vin-culação de trabalhadores a sindicatos. Se de 2012 a 2015 o número total de sindicalizados chegou inclu-sive a aumentar, em 2016 e 2017 este número despencou, inclusive a taxa de sindicalização, mesmo com um total de ocupados razoavelmente estável. Este impacto foi percebido pelo mercado de trabalho dos estados da federação em diferentes proporções. No período de 2012 a 2017 o perfil dos sindicalizados também se alterou moderadamente.

Quantos são e onde estão

O número de trabalhadores ocupados sindicalizados cresceu de 14,481 milhões de pessoas em 2012 para 14,659 em 2015, um incremento de aproximada-mente 178 mil trabalhadores sindicalizados. No en-tanto, conforme pode-se observar na tabela 1, este número passou a reduzir a partir de 2016, chegando a 13,1 milhões em 2017, uma redução de 1,5 milhões de ocupados sindicalizados em apenas dois anos. Vale lembrar que número total de ocupados no país era praticamente o mesmo no último trimestre de 2015 (92,2 milhões de pessoas) em comparação ao último de 2017 (92,1 milhões de pessoas), segundo a Pnad Contínua Trimestral.

Todavia os estados da federação apresentaram rea-lidades distintas em ambos períodos. Se de 2012 a 2015 doze estados já apresentaram redução no to-tal de ocupados sindicalizados, entre 2015 e 2017 foram 22 estados nesta situação. Sendo que seis estados apresentaram variações negativas superio-res a cem mil trabalhadores, com destaque negativo para o Paraná (-248 mil sindicalizados), Minas Gerais

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(-216 mil) e Rio Grande do Sul (-207 mil). Em 2017, os estados com mais ocupados sindicalizados foram

São Paulo (3,3 milhões), Minas Gerais (1,3 milhões), Rio Grande do Sul (1 milhão) e Bahia (926 mil).

Fonte: Elaboração própria a partir das PNADC 2012, 2015 e 2017/IBGE.

Tabela 1. Trabalhadores ocupados e sindicalizados

A taxa de sindicalização permite um olhar mais apurado desta presença e variação, principalmente quando se compara estados mais e menos popu-losos. É possível perceber na Tabela 2 que quatro estados possuem taxas inferiores a 10%, o caso de Alagoas (8,2%) e Rio de Janeiro (9,3%), por exemplo; e que seis estados apresentam valores superiores a 18%, como Piauí e Maranhão, com as respectivas proporções de ocupados sindicalizados frente ao total de ocupados de 22,9% e 20%.

A variação da taxa de sindicalização brasileira en-tre 2012 e 2015 foi de -0,3 ponto percentual (pp). Nos dois anos seguintes, no entanto, esta queda foi cinco vezes maior, -1,5pp. Os estados que apre-sentaram maiores reduções entre 2015 e 2017 fo-ram Roraima (-4,7pp), Paraná (-4,4pp), Rio Grande do Norte (-3,7pp) e Rio Grande do Sul (-3,3pp). Os únicos estados que apresentaram aumento da taxa neste período foram Mato Grosso do Sul (1,8pp), Amapá (0,7pp) e Goiás (0,5pp).

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Quem são

É interessante observar o perfil distinto do traba-lhador sindicalizado em relação aos não associados a sindicatos. A tabela 3 permite observar que, se na distribuição por sexo as proporções são similares, no aspecto da instrução já se observa diferenças significativas. Os trabalhadores sindicalizados pos-suem predominância no maior nível de instrução, pois 31,3% destes têm ensino superior, proporção que é quase duas vezes o dos trabalhadores não sindicalizados (16,4%).

Os trabalhadores sindicalizados, em geral, também apresentam um melhor posicionamento na ocu-pação em relação aos trabalhadores não sindica-lizados. Quase metade (48,4%) deles está no setor privado com carteira assinada, perante a 34,3% dos trabalhadores não sindicalizados. Apenas 4,3% dos sindicalizados trabalham neste setor sem registro em carteira, ao passo que para os não sindicalizados esta proporção é três vezes maior, 13,5%. A propor-ção de trabalhadores domésticos sindicalizados ain-da é muito baixa e representa apenas 1,5% destes, frente a 7,7% dos trabalhadores não sindicalizados.

TERRITORIAL

Tabela 2. Trabalhadores ocupados e sindicalizados

Fonte: Elaboração própria a partir das PNADC 2012, 2015 e 2017/IBGE.

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Por fim, a tabela 4 permite analisar a variação do perfil dos trabalhadores sindicalizados desde o iní-

cio da série histórica da Pnad Contínua, em 2012, como o aumento da participação feminina, que su-

Tabela 3. Trabalhadores ocupados por situação de sindicalização

Os trabalhadores por conta própria também repre-sentam uma proporção no grupo dos sindicaliza-dos significativamente inferior aos dos não sindica-lizados, 15,2% diante de 27% dos demais. O setor público possui quase o dobro do peso entre os ocu-pados sindicalizados (23,6%) do que entre os não sindicalizados (10,5%).

A tabela 3 também apresenta dados do grupamen-to de atividades de ambos perfis de trabalhadores. Em consequência pode-se observar menor pro-

porção significativa entre os ocupados sindicaliza-dos nas atividades ligadas à construção civil (3,7% entre os sindicalizados e 8,4% entre os não sin-dicalizados), ao comércio e reparação de veículos (13,4% e 20,2%), a alojamento e alimentação (2,7% e 6,2%), a serviços domésticos (1,5% e 7,7%) e a ou-tros serviços (2,1% frente a 5,4% dos não sindicali-zados). Já o setor agropecuário (14% frente a 8,8%) e a administração pública (28,1% contra 15,3%) são setores com maior peso dentre os sindicalizados do que para os demais.

Fonte: Elaboração própria a partir das PNADC 2012, 2015 e 2017/IBGE.

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biu de 39,3% em 2012 para 42,1% em 2017.

Ao observar a evolução histórica nota-se também um decréscimo da participação de trabalhadores com até o ensino médio incompleto de 6,9 pontos percentuais (pp) e um consequente aumento nos com ensino superior de 6 pp.

No item posição da ocupação, a presença do em-pregado do setor público variou positivamente em 2 pp, ao passo que o empregado com carteira, seguindo inclusive os indicadores do mercado de trabalho dos últimos anos, apresentou redução de

1,2 pp, bem como os “conta própria” (-0,8 pp) e o trabalhador familiar auxiliar (-0,9 pp).

As atividades industriais e as agropecuárias foram as que apresentaram maior redução entre os sin-dicalizados no período analisado, com reduções respectivas de 3,3 pp e 2,6 pp. A construção civil também apresentou queda de 0,9 pp. Já os setores de comércio e reparação de veículos apresentou incremento de 1,1 pp. Mas o setor que, definitiva-mente, aumentou sua participação neste grupo foi o da administração pública, um crescimento de 3,5 pontos percentuais.

Tabela 4. Trabalhadores ocupados e sindicalizados

Fonte: Elaboração própria a partir PNADC 2012 e 2017/IBGE.

TERRITORIAL

A taxa de sindicalização no entanto reduziu-se para praticamente todos os perfis e categorias. Os destaques negativos no período para os ocupa-dos sindicalizados, foram muitos: os trabalhado-res homens (-2,3 pp), os com ensino médio (-2,7 pp) e com ensino superior (-4,2 pp), as posições na ocupação trabalhador familiar auxiliar (-3,2 pp), empregador (-3 pp) e conta própria (-2,7 pp), e as

atividades industriais (-4 pp), transporte, armaze-namento e correios (-3,3 pp), agropecuária (-2,1 pp) e de construção civil (2 pp).

As únicas atividades que apresentaram variação po-sitiva na participação foram as que historicamente sempre foram pouco vinculadas numericamente aos sindicatos, as de serviços domésticos e outros serviços com 0,3 pp e 0,5 pp, respectivamente.

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COMUNICAÇÃO

Imprensa estrangeira

Fora do Brasil a imagem de Jair Bolsonaro não é das melhores. Pelo menos, na forma como os veículos de jornalismo mais tradicionais o tratam. Recente-mente, ele declarou que seu governo é de centro--direita. A mídia brasileira sequer comenta qual é o posicionamento político do presidente, já os jornais estrangeiros o classificam como um político de ex-trema-direita, nacionalista e populista. E não é só. Frequentemente, ele é lembrado por suas declara-ções homofóbicas, racistas e por fazer apologia à ditadura militar brasileira.

Em função da visita diplomática aos Estados Unidos, Bolsonaro foi alvo de diversas reportagens. Muitos veículos mencionaram semelhanças entre ele e o presidente estadunidense Donald Trump, que brin-cou com o fato de Bolsonaro ser conhecido como o “Trump dos trópicos”. Um dos pontos em comum ci-tados é o uso do Twitter para fazer comentários que gerem polarizações por serem polêmicos. O veículo que mais trabalhou nesse sentido foi o The New York Times, mencionando, inclusive, que Bolsonaro é au-toritário e que Trump tem demonstrado admiração por líderes com essa característica.

A visita aos Estados Unidos rendeu a publicação de

notícias essencialmente negativas para Bolsonaro porque, de acordo com a avaliação de jornalistas e diplomatas, o governo brasileiro cedeu demais, não conseguiu atingir os seus objetivos principais – como mais espaço para a exportação de açúcar e o fim de sanções à carne brasileira – e recebeu apenas promessas de Donald Trump. Uma delas, a aproximação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan, já foi criticada por um mi-nistro de Estado francês, de acordo com notícia pu-blicada pelo jornal português Diário de Notícias. Se-gundo a publicação, o ministro francês afirmou que é impossível qualquer associação do Brasil à Otan.

O jornal inglês The Guardian mencionou que na ava-liação de diplomatas, a forte aproximação com Do-nald Trump pode ser um tiro no pé no momento em que os EUA estão em guerra comercial com a China, que é o maior parceiro comercial do Brasil.

A postura adotada por Jair Bolsonaro rendeu a pu-blicação de um artigo no New York Times que foi escrito pela integrante do conselho editorial do jor-nal, Carol Giacomo, no qual ela afirma que “O novo presidente do Brasil ameaça os ‘pulmões do plane-ta’”. Outras publicações no mesmo sentido foram feitas mundo afora. O The Guardian menciona que

Esta seção analisa a imagem de Jair Bolsonaro fora do Brasil a partir das principais reportagens pu-blicadas na imprensa estrangeira e o posicionamento dos jornais tradicionais em relação aos recentes conflitos entre o Supremo Tribunal Federal e a República de Curitiba. Em redes sociais, o foco é a tática de Bolsonaro e sua duvidosa eficácia.

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os indígenas estão sob risco no governo Bolsona-ro, o francês Le Monde publicou reportagem com a mesma mensagem.

Além das negociações duvidosas com os Estados Unidos e o risco para o meio ambiente, Bolsona-ro ainda foi mencionado pelos jornais por causa da sua publicação no Twitter sobre o carnaval, em que ele postou um vídeo escatológico para criticar uma das festas brasileiras mais tradicionais. A atitude foi notícia no mundo inteiro. O Le Monde definiu bem o ocorrido: Bolsonaro lançou uma “bomba esca-tológica” em seu Twitter. O texto observa que ele faz um uso frenético das redes sociais e que isso tem ajudado a minar a sua popularidade. Já o The Guardian afirmou que o tuíte foi uma reação do presidente às críticas que recebeu dos foliões nos blocos e das escolas de samba.

Embora o assunto tenha sido tratado no mundo todo, nem todos os grandes jornais publicaram so-bre a ida do ex-presidente Lula ao velório de seu neto, Arthur. Dezenas de veículos, em diversos paí-ses, publicaram informações como as do The Guar-dian que, além de explicar o ocorrido, mencionou que Lula já havia sido impedido de ir ao velório de um irmão e que a sua prisão dividiu o Brasil entre os que acreditam que ele deveria ser preso e aque-les que consideram que a sua detenção é injusta e sem provas. O jornal espanhol El Mundo disse que mesmo sem uma convocação oficial, uma multi-dão foi até o cemitério para homenagear Lula e que se ouvia o grito de “Lula livre”. Além disso, a fala de Lula sobre levar “para o céu o diploma de inocen-te” quando fosse reencontrar o seu neto, foi repro-duzida em jornais na China, Cuba, Espanha, Reino Unido, Venezuela e em outros países.

Apesar de o auge da polêmica relacionada à prisão do ex-presidente ter passado após as eleições, o conteúdo das reportagens mostra, mais uma vez, que no exterior a perspectiva continua a ser a de que a sociedade brasileira está dividida com rela-ção à condenação de Lula e que milhões defendem que ele é vítima de um processo injusto. Esse tipo de análise passa longe da grande mídia brasileira que, ao contrário, faz de tudo para não tratar do as-sunto e tenta ignorar as opiniões de juristas que são críticos às condenações.

República de Curitiba na mídia tradicional

A decisão do Supremo Tribunal Federal, em 14 de março, de que crimes comuns, como corrupção, associados a crimes eleitorais, como caixa 2, de-vem ser julgados pela Justiça Eleitoral foi objeto de análise em editoriais da Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, que manifestaram posições divergentes a respeito.

O mais crítico à República de Curitiba, curiosamente, foi o Estadão. No texto publicado em 17 de março, “A Lava Jato e a Lei”, argumentou que a decisão do STF apenas reafirmou a jurisprudência daquela corte. De acordo com o jornal, o que ameaça a Lava Jato “é o pendor de alguns de seus integrantes para agir à margem da lei, quer julgando-se acima dela, quer interpretando-a de acordo com suas convicções ou necessidades. Esse comportamento tende a colocar em questão a legiti-midade das ações relacionadas à operação.”

O editorial ainda afirma que há tempos ficou claro que o objetivo da operação não é apenas combater a corrupção, mas sanear a política nacional, citando a ascensão do ministro Sérgio Moro ao posto como exemplo dessa mudança de rumo. E criticou o argu-mento de Moro segundo o qual a Justiça Eleitoral não estaria adequadamente estruturada para julgar casos criminais mais complexos. “Mais uma vez, trata-se de exotismo jurídico: se a lei manda que certo tipo de crime seja julgado por determinado tribunal, não cabe escolher arbitrariamente outro tribunal apenas porque alguém da Lava Jato considera este mais bem preparado que aquele. Como disse o ministro Celso de Mello em seu voto no Supremo, o norte deve ser a lei, e não a busca pragmática de resultados’”.

Já o editorial publicado em 13 de março pela Fo-lha de S.Paulo “Lava Jato em xeque” - um dia an-tes do julgamento do STF e um dia depois que o Ministério Público anulou o acordo firmado entre a força-tarefa da Lava Jato e a Petrobras que re-sultaria na criação de uma fundação privada ge-rida por procuradores - mostra outra visão. Ao mesmo tempo que a Folha apoia o argumento de que a manutenção dos crimes comuns na Justiça Eleitoral coloca em jogo o combate à corrupção, pois faltam expertise e estrutura a esse ramo do Judiciário para lidar com investigações complexas, o texto critica os procuradores pela tentativa de

COMUNICAÇÃO

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criar o fundo de combate à corrupção e questiona a credibilidade da operação.

“Após cinco anos de existência, nada mais natural que se multipliquem os sinais de desgaste da Lava Jato. Atritos são inevitáveis numa operação que tes-tou os limites da lei para descobrir até onde poderia ir com delações premiadas, conduções coercitivas e prisões provisórias, para ficar em três exemplos. A ainda recente guinada do ex-juiz federal Sergio Moro rumo ao Ministério da Justiça, que nada tinha de inevitável, também contribuiu para colocar em risco parte da credibilidade merecidamente acu-mulada pela operação.”

A Folha também publicou duas reportagens deta-lhando o desgaste da operação em decorrência de derrotas sofridas recentemente, incluindo, além das duas mencionadas, o anúncio pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF, de que seria aber-to um inquérito para investigar a existência de fake news, ameaças e denúncias caluniosas, difamantes e injuriantes que atingem a honra e a segurança dos membros da Corte e de seus familiares.

O Globo, em editorial publicado no dia 13 intitulado “O julgamento no STF que pode prejudicar o com-bate à corrupção”, argumenta que a Justiça Eleito-ral “não tem estrutura para enfrentar altas delin-quências no desvio de dinheiro do contribuinte e sua posterior lavagem por esquemas sofisticados, cuja elucidação requer parcerias com procuradores e juízes de outros países, por exemplo”. O texto ig-nora a derrota sofrida no dia anterior pelos procu-radores na questão do fundo.

O modus operandi de Bolsonaro nas redes

Durante os últimos dias houve inúmeras publica-ções polêmicas realizadas por Bolsonaro. Para além da discussão sobre publicações, temas específicos e ataques contra segmentos da sociedade, é inte-ressante observar a proposta comunicacional que é utilizada pelo presidente.

Modus operandi: A “esquerda institucional” poderia ser derrubada usando uma mistura de exposição, entretenimento e indignação. A receita: ache um ponto fraco no segmento ou instituição que você está contra - nesse caso o carnaval. Compile evi-

dências que suportem seu ponto de vista particu-lar - aqui, a atitude de pessoas no carnaval. Elabore de um jeito que provoque a ira na audiência – por exemplo, os protagonista seriam a população e os vilões identificados como público LGBT, estimulan-do uma reação furiosa da esquerda progressista e uma contra-reação ainda mais forte da direita. Em-pacote isso com elementos como câmeras caseiras e a ideia de escândalo, por exemplo. Divulgue como sendo algo escandaloso, que a mídia tradicional não cobre e oculta por interesse próprio.

Esse método - extremamente barato - foi usado por Andrew Breitbart em inúmeras de suas denúncias. Em tempo: o Breitbart News foi fundado por Andrew Breitbart, controlado por Steve Bannon e financia-do por Robert Mercer. No episódio, que se passa no verão de 2009, dois estudantes conservadores de jornalismo na casa dos 20 anos visitaram inúmeros escritórios da Acorn, uma ONG que advoga em be-nefício de pessoas mais pobres. A estudante se pas-sou por uma prostituta e o estudante seria seu cafe-tão. Juntos, perguntaram a uma atendente da Acorn algumas dicas de como conseguir, por exemplo, usar a casa deles como um bordel.

Sem o conhecimento da equipe, eles usavam câme-ras escondidas. Apesar de não capturarem nada ile-gal, eles puderam filmar a equipe dando declarações comprometedoras. Como parte de uma estratégia previamente elaborada, Andrew Breitbart disponi-bilizou o vídeo para a Fox News, enquanto cobria o tema com profundo empenho em seu website. Em suma, com esse processo, os republicanos conse-guiram retirar da Acorn o investimento federal, le-vando-os a falência em novembro de 2010.

Observam-se inúmeras tentativas de reproduzir esse tipo de debate no Brasil, com os mais diversos “bodes expiatórios” selecionados por Bolsonaro e sua família. Qual será a eficácia, no período pós-elei-toral, de tal tática? Pesquisa Ibope, divulgada no dia 20 de março, mostra que a eficácia está compro-metida: por mais polêmicas e eficazes que sejam as publicações do atual mandatário da República, o eleitorado e quem o ajudou a se eleger esperam mais. Apoiadores cobram ações nas área econômi-ca e parceiros uma maior atuação no debate sobre a reforma da Previdência.

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MOVIMENTOS SOCIAIS

A derrubada da contrarreforma da Previdência pode ser decisiva para os movimentos sociais. O protagonismo numa eventual derrota do governo nessa pauta tem tudo para garantir a recuperação de posições no terreno, após um período de im-portantes baixas iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff.

Barrar as mudanças, que afetarão não somente as aposentadorias, mas o sistema de Seguridade So-cial como um todo, foi eleita pelas centrais sindi-cais e movimentos sociais como tarefa prioritária no primeiro semestre.

Mobilizações organizadas em dezenas de cidades brasileiras, no dia 22 de março, eram consideradas pelos sindicatos como um termômetro que indi-caria quais as possibilidades e obstáculos para a convocação de uma greve geral contra o projeto do governo, em data ainda não estabelecida.

A intenção das centrais, anunciada publicamente, é repetir a paralisação nacional de 28 de abril de 2017, quando, segundo cálculos dessas entidades, 45 milhões de brasileiros não foram ao trabalho.

Naquela ocasião, foi decisiva a adesão dos setores de transporte público nas principais capitais e em algumas regiões metropolitanas.

Para atrair apoio para além dos contingentes sindi-calizados à greve pretendida, o movimento sindical tem buscado, conforme relato do presidente da CUT Vagner Freitas, costurar politicamente com os agentes econômicos e as lideranças políticas dos municípios, de olho na grande dependência eco-nômica que as cidades, sobretudo as pequenas – com menos de cem mil habitantes –, guardam com a concessão de aposentadorias e pensões. Para 64% dos municípios brasileiros, os recursos da Pre-vidência têm mais peso que os repasses do Fundo de Participação dos Municípios.

Como não poderia deixar de ser, o apoio dos de-mais movimentos sociais continua fundamental. Espera-se muito da participação das mulheres nas mobilizações de rua. A força demonstrada pelos coletivos feministas nos últimos tempos, especialmente nas manifestações do #EleNão, e a efetiva capacidade demonstrada de agregar se-

Centrais sindicais buscam ampliar o leque de apoios contra as propostas de mudança na Previdência e contam com os movimentos sociais para construir uma greve geral. Uma vitória contra o projeto do governo pode signi-ficar maior fôlego frente às pesadas baixas sofridas desde o golpe de 2016.

Centrais sindicais e a contrarreforma da Previdência

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tores multipartidários ou apartidários, reafirmam a natureza imprescindível dos movimentos de mu-lheres nessa disputa.

Enquanto isso, o líder do Movimento dos Trabalha-dores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos havia ini-ciado um giro por diversas cidades brasileiras para a realização de plenárias tendo como tema a defesa da Previdência. Na penúltima semana de março, em cidades da região Sul, encontros reuniram mi-lhares de pessoas. A agenda de Boulos privilegiou universidades como locais das assembleias. Em sua conta no Twitter, Boulos também reafirmou o cará-ter crucial da batalha em torno da Previdência.

Tendo o dia 28 de abril de 2017 como referência, então é preciso destacar que muito mudou desde então. Se por um lado a contrarreforma previden-ciária encaminhada por Michel Temer foi derrotada, resultado do qual o movimento sindical reinvindica protagonismo, principalmente devido às mobiliza-ções que culminaram na greve geral de 2017, por outro a destruição da Consolidação das Leis do Tra-balho, encaminhada pelo mesmo Temer, foi apro-vada com relativa tranquilidade.

Intitulada reforma trabalhista, a nova legislação não só está jogando na informalidade a massa traba-lhadora, como chancelou oficialmente toda espé-cie de desrespeito aos direitos trabalhistas. O que anteriormente era passível de punição e por isso causava constrangimento, agora pode ser pratica-do com indisfarçável orgulho pelo empresariado.

Se não bastasse apontar para o esvaziamento das possibilidades de sindicalização, outrora associada quase integralmente à figura da carteira de trabalho, a nova legislação retira muitos dos papéis que ca-biam aos sindicatos. A letra da lei empurra os sindi-catos para fora de processos como as negociações coletivas e as resoluções de conflito, por exemplo.

Sintoma maior deste ataque contra os sindicatos, até o momento, é a postura do governo estadual de São Paulo, que concedeu pacote de incentivos fiscais para a montadora GM, em troca da manu-tenção de fábricas em São José dos Campos e São Caetano, sem a participação dos trabalhadores na mesa de negociação. Os sindicatos foram solene-mente ignorados. Em sua lógica marqueteira, João

Dória quis, certamente, passar a mensagem de que o movimento sindical não é necessário.

A mudança nas leis trabalhistas também ataca a jugular da arrecadação dos sindicatos, de duas ma-neiras: a extinção compulsória do imposto sindical e a queda na massa dos trabalhadores formais.

Quando a ofensiva antissindical parecia ter atingi-do seu grau máximo, eis que no início de março o atual governo federal edita medida provisória que tenta inviabilizar até mesmo a contribuição finan-ceira voluntária para os sindicatos. Pela medida, de número 873, o sindicalizado voluntário não poderá mais autorizar desconto de sua contribuição dire-tamente na folha de pagamento. Será necessário fazê-lo por boleto bancário, após autorização por escrito. Isso causará ao menos três prejuízos: mais despesas monetárias e operacionais para geração e entrega dos boletos para os sindicatos; falta de pagamento por razões como esquecimento ou fal-ta de tempo, e, a mais grave, facilitará às empresas a perseguição à atividade sindical, uma vez que os sindicalizados ficarão mais expostos.

Os primeiros sindicatos atingidos são os dos servi-dores públicos, uma vez que o desconto das con-tribuições voluntárias se dava através do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), ór-gão subordinado ao Ministério da Economia, cujo titular atual, Paulo Guedes, é o principal entusias-ta da contrarreforma da Previdência no interior do governo, representante do sistema financeiro que é. Já nos primeiros dias de março, o Serpro come-çou a enviar ofícios aos sindicatos do setor público federal suspendendo a cobrança em folha. Uma forma de tentar eliminar o debate e a negociação com os trabalhadores.

Em busca de enfrentar este mais recente golpe, as centrais sindicais instruíram os sindicatos filiados a ingressar com liminares judiciais contra os efeitos da medida. Paralelamente, em março já se fazia tra-balho político junto ao Senado, que tecnicamente tem a prerrogativa de devolver medidas provisórias ao Executivo, anulando seus efeitos.

Por tudo isso, e a despeito de tudo isso, uma vi-tória contra a proposta de mudança na Previdên-cia pode ser a chave para os movimentos sindical

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e sociais reafirmarem sua importância na vida das pessoas e no desenvolvimento econômico do país. Será então necessário, caso consigam, explicitar o papel que tiveram no resultado positivo. Será outra árdua tarefa, uma vez que a mídia comercial certa-mente procurará invisibilizar a atuação e atribuir a não-aprovação a fatores outros, como falta de ar-ticulação política do governo – que de fato existe.

Demonstração desse descompasso interno ao go-verno foi dada em 21 de março, quando a Operação Lava Jato anunciou, com pompa, a prisão do ex--presidente Temer e do ex-ministro Moreira Fran-co. Inegável latifúndio de Sérgio Moro, ministro da Justiça, a ação pode acirrar os atritos com o Con-

gresso – Franco é sogro do presidente da Câmara, Rodrigo Maia – e com o MDB, sigla a qual os presos pertencem. Se as prisões forem mantidas, o incô-modo aumenta. Se o Supremo Tribunal Federal conceder habeas corpus a ambos, outra frente de atrito ficará mais abrasiva. Comentaristas aposta-vam que o episódio acarretaria dificuldades à apro-vação da contrarreforma.

Já a aprovação da proposta do governo, caso ocor-ra, fará ainda mais difícil a vida dos movimentos so-ciais, especialmente para os sindicatos. O desafio de reorganização estrutural e de ação muito prova-velmente vai se tornar mais urgente.

MOVIMENTOS SOCIAIS

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PERIFERIAS

A informalidade e a organização popular

O governo Bolsonaro apresentou uma agenda de ações para seus cem primeiros dias que, especial-mente na parte econômica, capitaneada por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, significa a ten-tativa de implementação absoluta de uma agenda neoliberal de desresponsabilização do Estado sobre garantia de emprego e direitos trabalhistas, com o consequente aprofundamento da informalidade.

Entre essas ações, propõe-se, por exemplo, a exis-tência de uma Carteira de Trabalho nas cores verde e amarela, destinada prioritariamente aos jovens, com a qual estes poderiam ser empregados sem nenhum direito trabalhista, equiparando tal tipo de acesso ao mercado de trabalho, ao trabalho in-formal. Esse avanço das políticas de austeridade características destes tempos neoliberais tem re-tirado das relações de trabalho a centralidade da organização da vida social e política, seja no Brasil, seja em outras partes do mundo.

Isso tem impacto direto não apenas sobre as con-dições de vida da maioria da população, mas sobre a qualidade da vida política da democracia.

O aumento da informalidade que se vislumbra na conjuntura nacional e a ação política institucional de

atores do mercado financeiro aprofundam o fosso existente entre pobres e ricos, brancos e negros, mu-lheres e homens. O resultado é a reprodução da polis grega em sua literalidade, sem recursos a metáforas.

O modelo de sociedade política da polis grega é paradigmático das sociedades ocidentais e todas aquelas que analisam o processo político do Brasil. Um modelo que envolve um processo de decisão aberto, participativo, coletivo de reflexão e discus-são sobre os assuntos relativos à polis. Central nes-te modelo de democracia, o envolvimentos de to-dos os cidadãos, por meio da participação popular nas decisões políticas - feita diretamente, elegen-do seus representantes, ou mesmo por meio de plebiscitos ou câmaras e conselhos de participação social - é um dos pilares que sustenta a legitimida-de de qualquer sistema. Isto é: sem participação de todos, não há democracia.

O Brasil foi, ao longo do século 20, ampliando seu processo de democratização neste quesito, assim como viu multiplicar-se os instrumentos de inter-ferência do povo na política, com diversas inova-ções institucionais em níveis municipais, estaduais ou federal. Seu ápice pode ser considerado a orga-nização política dos trabalhadores em partidos po-

Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo mostra a realidade da vida de quem está na informa-lidade do mercado de trabalho e revela os desafios para a organização política destes trabalhadores, que são a maioria nas periferias do Brasil.

Foto: Paulo Pinto

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líticos e a eleição de um sindicalista, membro das classes populares, como presidente da República por um partido de trabalhadores.

Todavia, reconhecendo esse legado considerável de organização política dos trabalhadores brasilei-ros, essa se deu especialmente em torno de ban-deiras de luta de ampliação de direitos trabalhistas ancorados na Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), ainda que nosso país sempre tenha possuído uma quantidade imensa de trabalhadores infor-mais, à margem de qualquer regulação pública do trabalho, o que inclusive caracteriza o seu histórico do mundo do trabalho.

Muito embora esse histórico possa ser considerado uma herança do período escravista, é necessário reconhecer, como apontaram Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle e Silva, em 1979, que os expedien-tes de segregação e produção de desigualdades ganharam independência no capitalismo brasilei-ro, e que as discriminações de raça, classe e gênero atuam com certa interdependência uma das outras.

Assim, o contingente populacional expelido pela escravidão nunca foi incorporado à sociedade de classes por meio da sua integração formal, com to-dos os direitos constitucionais, sociais, civis e polí-ticos que o continente branco o fora. Conservando assim, uma desigualdade profunda em todas as áreas da vida social, inclusive quanto à formalização do trabalho, como é possível observar a partir dos dados disponíveis da Pesquisa Nacional por Amos-tra de Domicílios Contínua de 2018 (Pnad 2018).

Desigualdades de raça e gênero

Analisando os dados da última Pnad 2018, referen-te ao quarto trimestre do ano, verificamos nitida-mente as desigualdades de raça e gênero relaciona-das à formalização do trabalho e suas decorrências também na renda desses trabalhadores e trabalha-doras. Quase metade da população preta ou parda está na informalidade: 46,9%. O percentual entre a população branca é bem menor: 33,7%.

Ainda que o nível de informalidade em geral esteja equivalente entre homens e mulheres, 40,8% de-les não têm registro, enquanto 40,7% delas estão na mesma situação, quadro alcançado por meio de

uma forte formalização do trabalho das mulheres ao longo da primeira década dos anos 2000, em algumas atividades as diferenças entre homens e mulheres segue alarmante. É o caso da agrope-cuária e agricultura, em que 66,8% dos homens e 75,5% das mulheres não têm registro, e, princi-palmente, dos serviços domésticos, no qual 57,3% dos homens frente a 71,2% das mulheres exercem a função sem carteira assinada.

Além da ausência de direitos trabalhistas a renda do trabalhador informal é menos da metade da renda de quem é registrado. Em 2017, o conjunto dos informais recebia, em média, 48,5% dos ren-dimentos dos formais. A desigualdade se mante-ve na comparação por sexos e raça. Uma mulher informal recebeu, em média, 73% de um homem na mesma condição e uma pessoa preta ou parda na informalidade recebeu 60% de um branco na mesma situação.

Informalidade no Brasil contemporâneo

O cenário delineado pela Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo “Trajetórias da Informa-lidade no Brasil Contemporâneo” expõe alguns dos obstáculos para a organização dos trabalhadores informais. Entre eles, destaca-se, por exemplo, a ausência de tempo disponível para a organização política, reuniões encontros, assembleias.

Nos relatos dos próprios trabalhadores obtidos nas entrevistas da pesquisa verifica-se que o trabalha-dor informal, para conseguir dar conta de seu sus-tento e sobrevivência material, aloca todo seu tem-po em atividades relacionadas ao trabalho, com jornadas diárias de mais de dez horas. Tal ausência de tempo para além do trabalho, há a consciência de que se o informal autônomo abrir mão de horas de trabalho para participar de alguma manifesta-ção política, ele inevitavelmente não receberá por essas horas.

Como todo o tempo é usado para o trabalho, falta tempo também para programação e para o plane-jamento econômico, profissional e pessoal. Quan-do os sujeitos não se põem a pensar sobre a próxi-ma semana, o próximo mês ou ano, as expectativas quanto ao futuro vão decaindo e isso gera uma bai-

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xa expectativa quanto a melhorias de condições de vida, o que pode refletir numa acomodação com a situação vivida e em uma visão de dispensabilidade e negação das organizações políticas.

Mas é necessário pensar também sobre a outra face deste contexto político e econômico. Neste outro lado temos os setores rentistas, que vivem de produção de valor em exercício do trabalho. Uma camada privilegiada e diminuta da sociedade que prescinde da dedicação ao trabalho por dispor de renda disponível para seu sustento e reprodu-ção. Um grupo que possui todo o tempo de sua vida para fazer política. Daí, podemos observar a quantidade de grandes empresários no Brasil que tem direcionado seus esforços para a política, cujo maior exemplo é João Amoedo, que disputou a úl-tima eleição presidencial, cuja riqueza foi em parte herdada, em parte provinda do mercado financei-ro. Amoedo agora dedica-se a construção de um partido político, o Partido Novo.

Retomando a relação com o mito de fundação da democracia ateniense por meio da participação dos cidadãos na ágora, na verdade, que este não era um direito de todos, mas uma exclusividade de quem poderia ser considerado cidadão - homens (com tempo) livres, com propriedades e com escra-vos. Para que estes cidadãos pudessem dedicar-se à política, havia uma maioria de escravizados que lhes provinha o sustento e realizavam o trabalho de produção material, assim como pelo menos metade da população, as mulheres, que eram res-

ponsabilizadas exclusivamente pelos trabalhos de reprodução social.

O trabalho e toda atividade necessária à reprodu-ção material da sociedade articula-se com a dis-ponibilidade para o tempo livre para providenciar a atividade política dos cidadãos e produzir cida-dania; mas no caso da sociedade grega a cidada-nia chegou apenas para aqueles que dispunham de tempo livre para sua organização. Este mito fundacional da democracia ocidental foi trazido pelo brasilianista americano Michael G. Hanchard para pensar a democracia em países centrais como França, Inglaterra e Estados Unidos articulando três dimensões estruturantes da vida social, a política, a discriminação e o trabalho. É o mito grego se con-cretizando na realidade de diversos países.

Conforme exposto anteriormente, no Brasil a si-tuação dos trabalhadores e trabalhadoras informais na prática quase inviabiliza sua participação políti-ca, quando seu tempo livre é tomado por ativida-des indispensáveis para sua sobrevivência material, e de modo profundo, quando suas expectativas são tolhidas pela impossibilidade de planejamen-to futuro. Temos então, uma maioria de negros e mulheres dando sustentação a um sistema político branco, masculino, exclusivista, oligárquico e segre-gado. A necessidade de mudanças profundas nessa realidade, através do diálogo, conscientização e or-ganização do conjunto dos trabalhadores, formais e informais, é urgente para a agenda democrática da esquerda no Brasil.

Para saber mais:

The Spectre of Race: How Discrimination Haunts Western Democracy, de Michael Hanchard (Princeton Uni-versity Press, Princeton, 2017)

Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil., de Carlos Hasenbalg (Editora UFMG, Belo Horizonte, 2005)

Informalidade: Realidades e possibilidades para o mercado de trabalho brasileiro, de Léa Marques, Artur Hen-rique, Daniel Teixeira e Ludmila Abílio (Editora: Fundação Perseu Abramo. São Paulo, 2018.)

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O Boletim de Análise da Conjuntura é uma publicação mensal da Fundação Perseu Abramo. Diretoria Execu-tiva: Marcio Pochmann (presidente), Isabel dos Anjos Leandro, Rosana Ramos, Artur Henrique da Silva San-tos e Joaquim Soriano (diretoras/es). Coordenador da Área de Produção do Conhecimento: Gustavo Codas. Equipe editorial: Antonio Carlos Carvalho (advogado); William Nozaki (cientista social); Kjeld Jakobsen (con-sultor em cooperação e relações internacionais); Ana Luíza Matos de Oliveira, Alexandre Guerra e Marcelo Manzano (economistas); Sergio Honório (engenheiro); Ronnie Aldrin Silva (geógrafo); Luana Forlini (interna-cionalista); Jordana Dias Pereira, Matheus Toledo, Pau-lo C. Ramos e Vilma Bokany (sociólogos); Rose Silva, Pedro Simon Camarão e Isaías Dalle (jornalistas); Leo Casalinho e Pedro Barciela (análise de redes sociais) e Eduardo Tadeu Pereira (historiador). Revisão: Fernan-da Estima. Editoração eletrônica: Camila Roma. Cola-borou: Léa Marques. Baseia-se em informações dispo-níveis até 22 de março de 2019.

EXPEDIENTE

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