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Editor: Instituto Politécnico de Santarém
Coordenação: Gabinete coordenador do projecto
Ano 5; N.º 195; Periodicidade média semanal; ISSN:2182-5297; [N.21]
FOLHA INFORMATIVA Nº28-2012
Festividades Religiosas Fluviais - Uma Romaria no Sado, em Alcácer do Sal
Alcácer do Sal, terra de pontes abraçando margens, de um Sado tranquilo entre canaviais
ondulantes e campos verdes de arroz.
Pensar em Alcácer é fazer presente imagens de salinas, de
pescas, de história; de presença de marcas de povos que,
por aqui, exerceram um forte e prolongado domínio,
aculturando as suas gentes. Destacam-se os Fenícios que a
fundaram, um milénio antes da nossa Era, e os Árabes que
lhe deram o nome de Al-Kassr.
Nos campos circundantes, o sobreiro continua senhor e rei,
num domínio disputado pelos pinheiros, ambos tesouros da
nossa floresta, da nossa riqueza e marca identitária da nossa
cultura, desde a extração da cortiça à confeção de doçaria à
base de pinhão.
Sábado, 28 de julho de 2012
Ao cair da noite, celebra-se no rio e nas margens Nª Srª do Castelo. Romaria do Sado, traduzida
numa procissão fluvial noturna, que conta meia dúzia de anos. Nascida do sonho de um homem,
Filismino Coelho, ex-autarca da terra, que queria ver colorido o rio, com flores e bandeiras e os
barcos engalanados, em homenagem e veneração da Virgem Maria, aqui invocada sob o nome
de Senhora do Castelo.
E é o castelo que se destaca sobre o casario que se eleva a partir do rio. Altaneiro olha as águas
parecendo estender os braços num suave abraço, feito muralhas de pedra. Para lá, caminham
todos os passos ao entardecer, lusco-fusco da tarde de Verão.
O sol vai tombando no horizonte, espalhando tons púrpura e dourados no rio. A igreja de Santa
Maria do Castelo enche-se de fiéis para a celebração eucarística. Cá fora, no adro, acendem-se
as primeiras velas que, pouco a pouco, com a saída da procissão, formarão alamedas de luz
descendo a rua que serpenteia entre o branco das paredes caiadas. São luzes abençoadas pelo
sacerdote, agora na escuridão total. Luzes que guiam, luzes que protegem, luzes que confortam
na dureza dos dias de luta. De uma luta nas águas do Sado ou nas salinas das margens. Uma luta
travada na água. Água que santifica e purifica no batismo; água que é o “centro da vida”, tal
como foi referido na homilia. E é esta água que continua a comandar a vida. Presente no corpo e
no espírito e presente também nas festividades do Sado; é no capricho das marés que se
prepara a procissão.
No Sado, as embarcações alegremente enfeitadas
aguardam a chegada da imagem que veneram.
Algumas vieram de véspera, da Carrasqueira, de
Setúbal e de outras povoações ribeirinhas.
Entoam-se cânticos e reza-se o rosário, enquanto o
cortejo desce em direção ao rio. Aí chegado, aguarda-
se, respeitosamente, que a imagem seja colocada numa das embarcações. Ladeiam-na as
outras. As margens enchem-se de milhares de pessoas e velas tremeluzentes. Depois, as
embarcações deslizam, rio abaixo e rio acima, tingindo de cor as águas escuras do Sado, sob o
manto negro da noite. A banda instalada num batelão acompanha em ritmos musicais a viagem
da Virgem no rio. É a Mãe que abençoa as viagens, a faina e os filhos do Sado. Depois,
suavemente, os barcos acostam e o andor é retirado para retornar, mais tarde, à igreja, onde
permanecerá até ao próximo ano.
Ficam a ecoar as salvas de palmas com que a população se despede da Senhora do Castelo.
Ecoam também as invocações: “Senhora do Castelo, abençoai a nossa terra”; “Senhora do
Castelo, abençoai as nossas
famílias”; “ Senhora do Castelo,
abençoai os nossos corações”.
A procissão da Senhora do
Castelo agregou milhares de
pessoas. De entre tantos e
tantos rostos curtidos pelo sol,
de entre tantas e tantas mãos
calejadas pela faina piscatória,
procurávamos uns em
particular…
A comunidade Avieira do Sado
Foi em busca da comunidade avieira do Sado que nos deslocámos a Alcácer. Encontrámo-la.
Continua presente nas margens deste rio, originária de quatro famílias de pescadores oriundos
da Praia da Vieira, descendentes das primeiras famílias que iniciaram este movimento
migratório singular, desde os meados do século dezanove. Foi a procura de sustento em águas
mais tranquilas que os trouxe. Alves Redol chamou-lhes “avieiros”, os “ciganos do rio”. Viviam
nos barcos. Estes eram a sua casa, a sua cama e toda a sua vida.
Antes de se instalarem de forma permanente nas margens do Tejo e do Sado, os avieiros
realizavam o percurso sazonal de ida e volta, partindo da Vieira, quando os rigores do inverno e
a bravura do mar lhes dificultavam as artes de pesca. Voltavam, depois, para a praia de origem.
Constituíam comunidades nómadas de pescadores, de uma cultura vincada e própria.
Foram ficando. Levantaram assentamentos palafíticos. Construíam os seus barcos, remendavam
as suas redes e vendiam o pescado que o rio lhes oferecia. Ficaram, também, as marcas da sua
cultura. Uma cultura que é parte integrante da nossa identidade e dos povos da Borda-d´Água.
“Ti” Joaquim Lobo Guerra é um dos avieiros do Sado. Nele encontrámos a ligação ao passado
recente da sua comunidade e falámos sobre o futuro. Construímos pontes. Como estas pontes
de Alcácer, fortes e que se querem, para sempre, ligando margens de culturas.
(Ti Joaquimi e esposa, Maria Paiva Letra, integrados na procissão fluvial)
Alcácer do Sal e a Romaria do Sado em imagens
O Sado Pescadoras vendendo pequenos camarões
Igreja de Santiago e panorâmica das embarcações no Sado
Decoração de uma rua e elementos identitários da cultura sadina no Posto de Turismo
O último barco construído por Ti Joaquim Guerra (oferecido à sua neta)
Lembrando as artes de pesca…
A
meio caminho da Igreja de Santa Maria do Castelo
O andor preparado com a imagem
Acendendo-se as velas para acompanhar a Senhora em procissão
Nossa Senhora do Castelo…
…que desce ao encontro do Sado
Recita-se o Rosário…
A chegada ao rio e a entrada no barco que a aguarda…
A Banda, instalada num “Batelão”, interpreta trechos alegres…
… enquanto Nossa Senhora do Castelo entra no barco… …e percorre o rio, abençoando as gentes.
(Até ao próximo ano)
Ti Joaquim Pedreiro Letra Guerra, num “adeus” à Senhora do Castelo
“Quem me tira o rio, tira-me tudo” Joaquim Lobo Guerra i Joaquim Lobo Guerra, ou Ti Joaquim Pedreiro Letra, 78 anos; nasceu perto de Lisboa, mas foi registado em Valada do Ribatejo; pescador da comunidade avieira de Alcácer do Sal; filho de António Lourenço Guerra e Guilhermina Lobo.
Texto de Ana Paula Pinto
Fotos de Carlos Vitorino
(Colaboradores no Projeto de Candidatura da Cultura Avieira a Património Nacional)