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AnSBBR TERMOFÍLICO APLICADO À PRODUÇÃO DE
METANO PELO TRATAMENTO DE GLICERINA: EFEITO
DA CODIGESTÃO COM MELAÇO
ZUCOLOTO, N.F. 1; RODRIGUES, J.A.D. 1; RATUSZNEI, S.M. 1
1 Instituto Mauá de Tecnologia, Escola de Engenharia Mauá
E-mail para contato: [email protected]
RESUMO – A produção de metano foi avaliada em condições de monodigestão e
codigestão termofílicas (55°C) em reator anaeróbio operado em batelada e batelada
alimentada sequenciais com biomassa imobilizada (AnSBBR) e agitação mecânica (2,8
L, 50 rpm). Na monodigestão o AnSBBR foi operado em batelada (B) com afluente a base
de glicerina com carga orgânica volumétrica aplicada (COVA) de 2,3 a 6,5 gDQO.L-1.d-
1 e tempo de ciclo (tC) de 8 h. Na codigestão (86% glicerina e 14% melaço) a operação
foi em batelada (B – tC = 8 h) e em batelada alimentada (BA – tC 8 h) com COVA de 2,4
a 7,7 gDQO.L-1.d-1, e tempo de alimentação (tA) de 4 h. Os melhores resultados foram
obtidos na codigestão com 7,7 gDQO.L-1.d-1, na qual obteve-se 84,4 molCH4∙m-3∙d-1 e
18,9 mmolCH4·gDQO-1. Um modelo cinético foi ajustado aos dados experimentais,
permitindo a análise da rota metabólica anaeróbia. A estimativa de ampliação de escala
considerando indústrias de produção de biodiesel de pequeno e médio porte resultou em
reatores únicos de 6,64 e 332 m³, para os quais sugeriu-se operação em paralelo com 4
e 8 reatores, com estimativa de geração energia de 2,94 e 147 kW, respectivamente.
1. INTRODUÇÃO
Os efluentes não devem mais ser considerados apenas resíduo da atividade humana e sim
como fontes renováveis de energia. Uma das formas viáveis de se recuperar recursos destes
efluentes é a produção de energia pelos produtos combustíveis da digestão anaeróbia (H2 e
CH4). Neste contexto destaca-se o tratamento da glicerina, o maior subproduto da produção de
biodiesel, com alto potencial para a geração de metano.
Dessa forma, nesse trabalho avaliou-se a aplicação de um AnSBBR em condições
termofílicas (55ºC) na produção de biometano pela digestão de glicerina e codigestão de
glicerina e melaço, avaliando-se o aumento da carga orgânica volumétrica aplicada e a
estratégia de alimentação sobre o desempenho do biorreator.
2. MATERIAL E MÉTODOS
O AnSBBR (modelo BIOFLO III, da New Brunswick Scientific Co.) foi operado a 55
°C e 50 rpm, em batelada (tC = 8 h), e em batelada alimentada (tC = 8 h e tA = 4 h). O volume
total foi de 2,8 L, dos quais 1 L foi tratado por ciclo e 1,8 L consistia no volume de meio
residual. O inóculo foi proveniente do sistema de tratamento termofílico de vinhaça da Usina
São Martinho (Pradópolis, SP), o qual foi imobilizado em cubos de 1,0 cm de espuma de
poliuretano. A água residuária foi preparada diluindo-se glicerina ou glicerina/melaço, em
função da COVA da condição e suplementada com ureia e bicarbonato de sódio. A glicerina e
o melaço foram provenientes do processo industrial de produção de biodiesel e bioetanol,
respectivamente.
As condições de ensaio são descritas a seguir (duração de cada ensaio ≈ 21 d):
(i) Monodigestão em batelada (B): com 2000 mgDQO.L-1 (M-I); 3000 mgDQO.L-1
(M-II); 4000 mgDQO.L-1 (M-III); 5000 mgDQO.L-1 (M-IV) e 6000 mgDQO.L-1 (M-V);
(ii) Codigestão em batelada (B) com 3000 mgDQO.L-1 (C-I); 4000 mgDQO.L-1 (C-
II); 5000 mgDQO.L-1 (C-III); 6000 mgDQO.L-1 (C-IV) e 7000 mgDQO.L-1 (C-V-B); e em
batelada alimentada (BA) com 7000 mgDQO.L-1 (C-V-BA).
O monitoramento foi de acordo com APHA (1995). Foi realizado o ajuste de um modelo
cinético aos valores obtidos nos perfis ao longo do ciclo conforme descrito em Lovato et al.,
(2016) e uma estimativa de aumento de escala conforme descrito em Albanez et al., (2016).
3. RESULTADOS, DISCUSSÕES E CONCLUSÕES
A Tabela 1 apresenta os principais resultados da operação (228 dias) do AnSBBR. O
sistema se mostrou estável em relação à produção/consumo de alcalinidade e de ácidos voláteis
totais. A codigestão implicou na obtenção de maiores valores de eficiência de remoção,
provavelmente em função de vantagens da codigestão como um maior equilíbrio de nutrientes
e o aumento da carga de matéria orgânica biodegradável.
A produtividade em metano melhorou com o aumento da COVA para ambos,
monodigestão e codigestão, devido a uma maior disponibilidade de substrato, porém a
codigestão implicou em valores superiores em relação a monodigestão. O maior valor foi obtido
para a condição com 7,7 gDQO.L-1.d-1 (C-V-B) na qual obteve-se 84,4 molCH4∙m-3∙d-1. Este
valor foi muito próximo ao obtido quando se alterou a estratégia de alimentação para batelada
alimentada (C-V-BA). Desta forma, a codigestão poderá ser realizada tanto em batelada quanto
em batelada alimentada para COVA de 7,7 gDQO.L-1.d-1 uma vez que não houve diferença
significativa nos resultados dos parâmetros analisados. Quanto ao rendimento molar (RMCR)
entre produtividade de metano (PrM) e carga orgânica removida (COVR) verificou-se que os
valores foram menores para a codigestão. Isso ocorreu em função de uma maior concentração
de matéria orgânica removida na codigestão o que implicou em rendimento menor em metano.
A Tabela 2 contém os valores dos parâmetros cinéticos obtidos para as condições com
melhores resultados obtidos (C-V-B e C-V-BA) enquanto a Figura 1 apresenta os valores
obtidos experimentalmente (marcadores) e os valores obtidos pelo modelo cinético ajustado
(linhas). Tais parâmetros cinéticos aparentes são associados ao consumo de substrato, à
formação e consumo de ácidos voláteis e à formação de metano. Analisando os perfis obtidos
é possível notar que o modelo foi eficiente em ajustar os valores experimentais em relação à
concentração de substrato (S), de ácido acético (HAc), de ácido propiônico (HPr), de ácido
butírico (HBu), de ácido valérico (HVa) e de metano (M), validando a interpretação do
comportamento dos parâmetros cinéticos.
Tabela 1 – Principais resultados obtidos
Monodigestão
Parâmetros/Condições M-I M-II M-III M-IV M-V
SF (%) 77 2 (14) 74 3 (9) 66 2 (10) 60 3 (10) 55 4 (11)
PrM (molCH4∙m-3∙d-1) 27,2 39,6 50,9 56,8 64,4
RMCR (mmolCH4∙gDQO-1) 15,3 16,7 17,9 17,2 18,0
CH4 (mmolCH4∙L-1) 12,7 0,1 (6) 12,9 0,1 (7) 13,5 0,2 (5) 14,1 0,0 (7) 16,6 0,4 (8)
AB (mgCaCO3.L-1) 806 86 (13) 1162 112 (10) 1014 96 (10) 1005 93 (11) 871 78 (8)
AVT (mgHAc.L-1) 257 106 (13) 486 142 (10) 1078 126 (10) 1652 75 (11) 2229 110 (8)
COVR (gDQO.L-1.d-1) 1,8 2,4 2,9 3,3 3,6
Codigestão
Parâmetros/Condições C-II C-III C-IV C-V-B C-V-BA
SF (%) 93 1 (12) 81 3 (11) 71 2 (11) 63 1 (11) 59 3 (6)
PrM (molCH4∙m-3∙d-1) 60,3 70,5 72,8 84,4 83,7
RMCR (mmolCH4∙gDQO-1) 14,0 15,4 15,3 17,3 18,9
CH4 (mmolCH4∙L-1) 16,9 0,1 (10) 18,3 0,1 (10) 20,8 0,1 (8) 21,6 0,0 (9) 19,7 0,0 (5)
AB (mgCaCO3.L-1) 2359 54 (11) 2269 197 (8) 2272 88 (10) 2253 128 (12) 2255 194 (6)
AVT (mgHAc.L-1) 73 9 (11) 631 141 (8) 1342 106 (10) 1997 89 (12) 1922 65 (6)
COVR (gDQO.L-1.d-1) 4,3 4,6 4,7 4,9 4,4
Obs.: entre parênteses – número de amostras analisadas.
Tabela 2 - Parâmetros cinéticos obtidos nas condições C-V-B e C-V-BA
Condições k1S' k1HAc k1H2 k2HPr k2H2 k3HBut k3H2 k4HVa k4H2 k5HVa k5HBut
CV-B 0,57 1,18 0,25 0,14 0,16 0,27 0,32 0,02 0,24 0,10 0,27
CV-BA 1,28 11,56 0,07 2,54 0,09 0,20 0,06 0,03 0,07 0,01 0,20
Condições k5H2 k6HBut k6H2 k6HPr k7HPr k7H2 k7HAc k8HAc k8M k9H2 k9M
CV-B 0,04 0,12 1,43 0,09 0,04 0,00 0,37 0,28 0,00 1,87 1,20
CV-BA 0,10 0,00 0,10 12,22 1,80 0,07 12,25 5,51 0,15 0,31 0,00
Analisando os parâmetros cinéticos ajustados para a codigestão tem-se que a produção de
ácido acético (HAc) manteve-se, aproximadamente, constante até 3000 mgDQO.L-1 (k1HAc =
0,26 h-1 – C-I); k1HAc = 0,18 h-1 – C-II), porém aumentou com o aumento da concentração
afluente (k1HAc = 0,41 h-1 – CIII); k1HAc = 0,76 h-1 – CIV); e k1HAc = 1,18 h-1 – CV-B). O aumento
mais significativo ocorreu quando se manteve a concentração, porém alterou-se a estratégia de
alimentação para batelada alimentada (k1HAc = 11,6 h-1 – C-V-BA). Essa tendência também foi
encontrada na produção dos ácidos propiônico e valérico. Em relação à metanogênese, na
codigestão em batelada a hidrogenotrófica foi predominante (k9M = 1,20 h-1 – C-V-B) e na
codigestão em batelada alimentada a acetoclástica foi predominante (k8M = 0,15 h-1 – C-V-BA).
CV-B
CV-BA
Figura 1 - Experimental (marcadores) e modelo (linhas) para C-V-B e C-V-BA.
A estimativa do aumento de escala, para o tratamento de resíduos de indústrias de
biodiesel de pequeno e médio porte (200 L.d-1 e 10000 L.d-1) feita com os resultados da
condição a C-V (4,9 gDQO.L-1.d-1) resultou em reatores com volume útil 6,64 e 332 m3,
respectivamente. Considerando o rendimento da produção de biometano (17,3
molCH4.kgDQO-1), obteve-se produção de metano e energia gerada de 286 e 14300 molCH4.d-
1 e 2,94 e 147 kW, respectivamente. Com isso, foi proposto um esquema industrial para tratar a
glicerina produzida e gerar energia, que consta em operar reatores descontínuos em paralelo
visando obter uma operação contínua. Assim, para indústria de pequeno porte tem-se 4 reatores
de 1,66 m³ de volume útil e, para indústria de médio porte, 8 reatores de 41,6 m³ de volume útil,
para atender a demanda diária. O ciclo de cada reator foi de 8 h, sendo para pequeno porte: 2 h
para alimentação, 4 h para reação e 2 h para a descarga; e médio porte: 1 h para alimentação, 6
h para reação e 1 h para a descarga.
Portanto conclui-se que a codigestão (glicerina/melaço) em batelada ou em batelada
alimentada em condições termofílicas foi mais vantajosa em relação a monodigestão
(glicerina), obtendo-se 84,4 molCH4.m-3.d-1 e 18,9 molCH4.kgDQO-1.
6. AGRADECIMENTOS
A FAPESP (#2015/06246-7), CNPq (#443181/2016-0) e CAPES.
6. REFERÊNCIAS
ALBANEZ R, CHIARANDA B, FERREIRA R, FRANÇA A, HONÓRIO C, RODRIGUES J,
RATUSZNEI S, ZAIAT M, Anaerobic biological treatment of vinasse for environmental
compliance and methane production. Applied Biochemistry and Biotechnology, 178, 21-43,
2016.
APHA, AWWA, WPCF, Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater.
19th edition, American Public Health Association, Washington, 1995.
LOVATO G, RATUSZNEI SM, RODRIGUES JAD, Co-digestion approach in anaerobic
processes for biomethane production. Current Biochemical Engineering, 3, 200-209, 2016.
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