ANTES DE UMA FUNDAÇÃO - UM CONCEITO

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  • 8/14/2019 ANTES DE UMA FUNDAO - UM CONCEITO

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    FUNDAO GETLIO VARGASESCOLA DE DIREITO DE SO PAULO

    ALEXANDRE PACHECO DA SILVA

    ANTES DE UMA FUNDAO, UM CONCEITO:Um estudo sobre a disciplina jurdica das fundaes de apoio na cooperao entre

    Universidade e Empresa.

    SO PAULO2011

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    Alexandre Pacheco da Silva

    ANTES DE UMA FUNDAO, UM CONCEITO:

    Um estudo sobre a disciplina jurdica das fundaes de apoio na cooperao entre

    Universidade e Empresa.

    Dissertao apresentada Escola de Direito de

    So Paulo da Fundao Getlio Vargas, como

    requisito para a obteno do ttulo de mestre

    em direito e desenvolvimento.

    Orientador: Prof. Dr. Mario Gomes Schapiro

    Fundao Getlio Vargas

    Escola de Direito de So Paulo

    So Paulo2011

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    Silva, Alexandre Pacheco.Antes de uma Fundao, um conceito: Um estudo sobre a disciplina jurdica das

    fundaes de apoio na cooperao entre Universidade e Empresa / Alexandre Pachecoda Silva. - 2011.

    322 f.

    Orientador: Mario Gomes Schapiro.Dissertao (mestrado) - Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getulio

    Vargas.

    1. Fundaes (Direito pblico) -- Brasil. 2. Universidade e indstria -- Brasil. I.Schapiro, Mario Gomes. II. Dissertao (mestrado) - Escola de Direito de So Paulo daFundao Getulio Vargas. III. Ttulo.

    CDU 347.189.11(81 "

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    ALEXANDRE PACHECO DA SILVA

    ANTES DE UMA FUNDAO, UM CONCEITO:

    Um estudo sobre a disciplina jurdica das fundaes de apoio na cooperao entre

    Universidade e Empresa.

    Dissertao apresentada Escola de Direito de

    So Paulo da Fundao Getlio Vargas, como

    requisito para a obteno do ttulo de Mestre

    em Direito e Desenvolvimento.

    Linha de Pesquisa: Direito dos Negcios e

    Desenvolvimento Econmico e Social.

    Data de aprovao:

    ___/___/_____

    Banca Examinadora:

    _____________________________________Prof. Dr. Mario Gomes Schapiro

    _____________________________________

    Prof. Dr. Mario Engler

    _____________________________________

    Profa. Dra. Maria Paula Dallari Bucci

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    AGRADECIMENTOS

    No poderia comear qualquer forma de agradecimento, seno agradecendo aos meus

    pais e a minha irm, por todo o carinho e apoio e pela importncia que sempre deram a minhaformao. Sempre me indicaram a importncia de estudar e refletir sobre o ambiente a minhavolta para que possamos pensar em formar de melhorar o nosso pas.

    Thais. No tenho palavras suficientes para agradecer. No haveria um trabalho semas suas crticas, suas sugestes, sem nossas conversas. Muito obrigado.

    Ao meu Orientador, que conheci ainda na minha Graduao em Direito na Escola deDireito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas, uma voz fundamental na formao de umaEscola de Direito de Ponta que se enxerga como um ambiente crtico, plural e livre. Dentretodas as conversas que tivemos, sua maior contribuio para a minha formao no foi umcontedo especfico, mas sim o reforo de que necessrio se criar formas diferentes de se pensar o direito.

    Ao Professor Oscar Vilhena e Fundao Getlio Vargas pela Bolsa Mario HenriqueSimonsen e pelo ambiente rico em discusses e preocupaes sobre os rumos dodesenvolvimento do Brasil.

    Aos Professores que compuseram a minha Banca de Qualificao. Professor MarioEngler, com importantes alertas sobre os caminhos metodolgicos de meu trabalho e sobre aforma de construo de minhas ideias. Professora Maria Paula Dallari Bucci, peloscomentrios feitos ao meu trabalho, pela generosidade em indicar a Universidade Federal deSo Carlos como um caso relevante a ser estudado, por me colocar em contato com o pessoalda Universidade e por sempre interesse e esprito crtico ao ouvir e ler minhas ideias.

    todos os entrevistados. Suas entrevistas me conduziram para a complexidade darealidade das Universidades Federais brasileiras e para as potencialidades dos Ncleos deInovao e das Fundaes de Apoio. Agradeo ao Professor Targino de Arajo Filho, aoProfessor Paulo Igncio Fonseca de Almeida, Professora Ana Lcia Vitale Torkomian, aoProfessor Hlio Waldman, ao Dr. Lauro Teixeira Contrim e ao Dr. Marcelo Garzon, porterem me concedido entrevistas encarando minhas questes diretamente, por terem merecebido com muita simpatia e com o esprito de encontrar solues para melhorar o pas.

    Agradeo ao Professor Francelino Grando, no apenas pela entrevista, mas principalmente por ter compartilhado comigo o seu entusiasmo pela formao de um pasmelhor, em que a tecnologia desenvolvida no pas possa ser um diferencial para ensejar umcrescimento econmico com a ampliao da infraestrutura de pesquisa das UniversidadesPblicas Federais.

    Ao Professor Carlos Ari Sundfeld, pois em meio as vaidades do mundo jurdico e acomplexidade dos temas do Direito Administrativo, nunca desempenhou o papel deautoridade por sua posio, mas sempre por seus argumentos e provocaes. O tema destetrabalho foi fruto de um dos debates com o Professor em sala de aula. Debates que sempre primaram pela construo de propostas para solucionar controvrsias jurdicas e refletir sobremodelos institucionais.

    Agradeo ao Professor Jos Garcez Ghirardi por sempre me mostrar que existe ummundo que busca ser compreendido para alm do Direito, mundo das palavras, dos sentidos,dos pequenos gestos, da generosidade das pessoas.

    Por fim, aos meus amigos Paulo Andr Nassar, Vitor Martins, Andr Rosilho e JosAntonio Batista de Moura Ziebarth, importantes interlocutores para a minha pesquisa por seus

    comentrios, sugestes e pelo tempo gasto com minhas ideias.Obrigado todos.

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    SUMRIO

    INTRODUO.........................................................................................................................2

    a. Um primeiro desafio ao estudo do tema: classificao jurdica e fundaes deapoio................................................................................................................................3

    b. Uma outra abordagem: organizaes de intermediao como instrumento decooperao entre universidade e empresa.....................................................................14

    c. Organizao do trabalho e metodologia de pesquisa....................................................21

    CAPTULO I: LEI DE INOVAO - UM MARCO LEGAL DEINSTITUCIONALIZAO DA COOPERAO UNIVERSIDADE EEMPRESA...............................................................................................................................26

    a. Po de queijo, biphor e PAM Membranas....................................................................30

    i. Indstria do Po de Queijo e a contratao por demanda de mercado................31

    ii. Desenvolvimento de biphor e a parceria pblico-privada tecnolgica................33

    iii. A criao da PAM Membranas a partir do Laboratrio de Processos deMembrana do Programa de Engenharia Qumica COPPE/UFRJ........................35

    iv. cincia, tecnologia e inovao: termos-chave na reflexo sobre cooperaoU&E.....................................................................................................................36

    b. O marco legal da cooperao Universidade e Empresa (U&E) ! Lei n.10.973/04.......................................................................................................................42

    i. Escopo da cooperao: Uma Lei voltada ao desenlace das UniversidadesPblicas Federais.................................................................................................46

    ii. Instrumentos de cooperao: transferncia de tecnologia, aliana estratgica, parceria, participao societria e prestao de

    servio..................................................................................................................49iii. Novos velhos atores: " Universidade Empreendedora # , " Empresa Nacional # ,

    " Organizaes de Intermediao # e " Empresas de Inovao ( spinoff )# ......................................................................................................................60

    iv. Universidade Francesa e Escritrios de Transferncia de Tecnologia NorteAmericanos: a questo da diviso de competncias entre NIT e Fundaes deApoio...................................................................................................................67

    CAPTULO II: FUNDAES DE APOIO COMO ORGANIZAES DE

    INTERMEDIAO ! UMA DISCIPLINA JURDICA EMCONSTRUO......................................................................................................................80

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    a. Exerccio: O Regime de direito pblico, o po de queijo, o Biphor e a PAMMembranas ...................................................................................................................83

    b. Lei n. 8.958/1994: A formao da disciplina jurdica das fundaes de apoio

    universidades federais...................................................................................................91

    c. Acrdo n. 2.731/2008: Uma tentativa restritiva de compatibilizao das fundaesde apoio com o regime de direito pblico...................................................................101

    i. A Deciso n. 655/2002 e Acrdo n. 2.731/2008: A busca pelo escopo deatuao das fundaes de apoio.........................................................................104

    ii. Crise na Universidade de Braslia: o estopim para o Acrdo n.2.731/2008.........................................................................................................113

    iii. Acrdo n. 2.731/2008: ! Velhos temas, novos conceitos " ..............................118

    iv. 2009: O ano em que os projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnolgicos poderiam ter parado nas universidades federais brasileiras " .........................................................................................................135

    d. Lei n. 12.349/2010 e Decreto n. 7.423/2010: a reforma da Lei n. 8.958/94 e umanova proposta de regulamentao da relao entre universidades federais e fundaesde apoio.......................................................................................................................140

    CAPTULO III: FAI ! A FUNDAO DE APOIO CRIADA COMO ORGANIZAODE INTERMEDIAO DA COOPERAO UFSCAR EEMPRESAS...........................................................................................................................149

    a. Duas inclinaes distintas: fundaes de apoio ! voltadas para fora " da universidade efundaes de apoio ! voltadas para dentro " da universidade.......................................151

    b. A Metodologia de anlise da FAI...............................................................................160

    c. FAI: antes de uma fundao, um conceito - uma entidade sem ! vontade prpria " ........................................................................................................................162

    d. FAI nos Projetos da UFSCAR: De um brao operacional da Universidade para umaOrganizao de Intermediao de seu DesenvolvimentoTecnolgico.................................................................................................................169

    e. FAI e Agncia de Inovao: uma relao simbitica..................................................182

    f. O Decreto n. 7.423/2010 e a proposta de reforma do Confies: aproximaes eafastamentos do modelo FAI.......................................................................................189

    CONCLUSO: UM MODELO COMPATVEL EM UM UNIVERSO

    COMPLEXO.........................................................................................................................195

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    ENTREVISTAS

    APNDICE A ! Entrevista com o Professor Targino de Arajo Filho ! Reitor daUniversidade Federal de So Carlos.......................................................................................213

    APNDICE B ! Entrevista com Professor Paulo Igncio Fonseca de Almeida ! DiretorExecutivo da Fundao de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico(FAI).......................................................................................................................................224

    APNDICE C ! Entrevista com a Professora Ana Lcia Vitale Torkomian ! Ex-Diretora

    Executiva da Fundao de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico(2000-2008) e atual Secretaria Adjunta de Desenvolvimento Tecnolgico e Inovao doMinistrio de Cincia e Tecnologia........................................................................................240

    APNDICE D ! Entrevista com o Professor Francelino Lamy de Miranda Grando - Ex-Procurador-Chefe da Universidade Federal de So Carlos e atual Secretrio de Inovao doMinistrio de Desenvolvimento Indstria e Comrcio...........................................................250

    APNDICE E ! Entrevista com o Dr. Lauro Teixeira Cotrim - Procurador-Chefe daUniversidade Federal de So Carlos.......................................................................................265

    APNDICE F ! Entrevista com Dr. Marcelo Ferro Garzon ! Advogado da AssessoriaJurdica da Fundao de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico(FAI) e da Agncia de Inovao da Universidade Federal de SoCarlos......................................................................................................................................284

    APNDICE G ! Entrevista com o Professor Hlio Waldman ! Reitor da UniversidadeFederal do ABC......................................................................................................................305

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    SIGLAS

    CNRS ! Centre National de la Recherche Scientifique

    CNRT ! Centres Nationaux de Recherche Technologique

    COPPE ! Instituto Alberto Luiz Coimbra de Ps-Graduao e Pesquisa de Engenharia

    COPPETEC ! Fundao Coordenao de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnolgicos

    FAI ! Fundao de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    FAPEU ! Fundao de Amparo Pesquisa e Extenso Universitria

    FINATEC ! Fundao de Empreendimentos Cientficos e Tecnolgicos

    FINEP ! Financiadora de Estudos e Projetos

    FNDCT ! Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoFOC ! Fiscalizao de Orientao Centralizada

    FUNDEP ! Fundao de Desenvolvimento da Pesquisa

    INPI ! Instituto Nacional de Propriedade Industrial

    MCT ! Ministrio de Cincia e Tecnologia

    MDIC ! Ministrio de Desenvolvimento Indstria e Comrcio

    MEC ! Ministrio da Educao

    MPOG ! Ministrio do Planejamento, Oramento e GestoMIT ! Massachuttes Institute of Technology

    SECEX ! Secretaria de Controle Externo

    UFSCAR ! Universidade Federal de So Carlos

    UFMG ! Universidade Federal de Minas Gerais

    UFRJ ! Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFSC ! Universidade Federal de Santa Catarina

    UNICAMP !

    Universidade de CampinasUSP ! Universidade de So Paulo

    UnB ! Universidade de Braslia

    TCU ! Tribunal de Contas da Unio

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    RESUMO

    A presena crescente de pessoas jurdicas sob o regime de direito privado exercendo funese atividades desempenhadas por pessoas jurdicas sob o regime de direito pblico temapresentado desafios importantes para o estudo do Direito. A atuao das Fundaes de Apoiono auxlio s Universidades Pblicas Federais brasileiras so um exemplo disso. De umfenmeno espontneo, timidamente regulado pela Lei n. 8.958/1994, transformaram-se emum universo diversificado, em que se questiona a sua atuao junto Instituies Federais deEnsino Superior. Ao desempenhar funes e atividades de auxlio Universidades Federais,executam recursos pblicos oramentrios e de Agncias de Fomento. O questionamento daobrigatoriedade destas entidades realizarem prvio procedimento licitatrio para contrataode terceiros quando estiverem auxiliando s Universidades Federais, a necessidade decumprimento das regras de recolhimento de recursos pblico Conta nica do Tesouro Nacional e a possibilidade de contratao de pessoal sem concurso pblico para trabalhar nas

    atividades de auxlio fazem parte das controvrsias enfrentadas no trabalho. Este trabalho procurou refletir sobre este fenmeno a partir de trs frentes, uma proposta de anlise dofenmeno fundacional, em que fundaes de apoio so compreendidas como organizaes deintermediao entre universidade e empresa, um levantamento das principais questes decompatibilizao entre o regime de direito pblico e a atuao das fundaes no contexto deauxlio ao desenvolvimento tecnolgico das Universidades Pblicas Federais e, por fim, oestudo de um caso em que h a compatibilizao entre um modelo de fundao de apoio e oregime de direito pblico, o caso da Fundao de Apoio Institucional ao DesenvolvimentoCientfico e Tecnolgico (FAI) da Universidade Federal de So Carlos (UFSCAR). Propomosum recorte especfico para o estudo do auxlio realizado pelas fundaes de apoio,caracterizando-as como organizaes de intermediao da cooperao entre universidade e

    empresa, pois acreditamos que dado o conjunto significativo de transformaes no papeldesempenhado por universidades de pesquisa no mbito da produo industrial, uma novaforma de leitura da intermediao necessria para a compreenso do papel e da misso dasUniversidades de Pesquisa no desenvolvimento econmico do pas. As universidades, alm deformadoras da mo de obra especializada e da gerao de conhecimento, passam a ser centrosde gerao de tecnologia, se aproximando da indstria, pois substituiria em parte os antigosdepartamentos de pesquisa e desenvolvimento de indstrias nacionais, ao mesmo tempo quetambm desempenharia o papel de fomentadora da gerao de empresas de inovao, criandoincubadoras de empresas e facilitando o intercmbio entre seus professores e tcnicos e profissionais da matriz industrial dos pases. No Brasil, esta transformao se depara com umhiato importante. O pas, por meio de suas Universidades Pblicas produtor deconhecimento, com um nmero significativo de publicaes internacionais, contudo, no temconseguido converter este conhecimento em aplicao industrial, em inovao tecnolgica,medida pelo registro de patentes e pela transferncia de tecnologia para a indstria. Emsegundo lugar, a Lei de Inovao Tecnolgica (Lei n. 10.973/2004) como a primeiratentativa de estabelecer formas de reduzir este hiato, criou instrumentos jurdicos para permitir a cooperao entre Universidades Pblicas Federais e Empresas Nacionais, posicionando as fundaes de apoio como intermediadoras da relao entre Universidade eEmpresa, ao lado dos Ncleos de Inovao. A Lei, por um lado, foi capaz de criar osinstrumentos jurdicos para que a cooperao entre Universidade Pblica e Empresa Nacionalseja lcita, contudo, no enfrentou questes jurdicas importantes, alm das questes sobreincidncia do regime de direito pblico na intermediao realizada pelas fundaes, tambmno definiu a funo das fundaes de apoio na captao e gesto de projetos de tecnologia,ou na gesto da propriedade intelectual e sua relao com os Ncleos de Inovao, ou a participao das fundaes na formao de empresas de inovao por meio do processo de

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    incubao de empresas nas Universidades Federais. Foi o Tribunal de Contas da Unio, comorgo de controle do emprego dos recursos pblicos, o principal local de debate sobre ascontrovrsias jurdicas envolvendo a relao entre Fundaes de Apoio e UniversidadesFederais. Em nosso entendimento, o Tribunal na Deciso n. 655/2002, iniciou um processo

    de compatibilizao entre a atuao das fundaes de apoio e o regime de direito pblico, aodefinir as fundaes de apoio ligadas projetos de desenvolvimento e transferncia detecnologia das Universidades Federais como organizaes de intermediao, contudo,retrocedeu no Acrdo n. 2.731/2008, ao definir de forma ampla o conceito de recurso

    pblico e recomendar aos Ministr ios da Educao e da Cincia e Tecnologia que proibissemos repasses diretos de recursos de Agncias de Fomento Fundaes de Apoio no mbitofederal. O caso da FAI paradigmtico, pois no apenas um caso que refora a nossaavaliao de que possvel haver compatibilidade entre o regime de direito pblico e aatuao das fundaes apoio, como sinaliza para solues de desenho institucional relevantes

    para a reflexo sobre a regulao das fundaes de apoio no mbito federal. A FAI como umafundao voltada para a Universidade Federal de So Carlos capaz de cumprir com as

    potencialidades de uma fundao almeja contribuir para o desenvolvimento tecnolgico deUniversidades Pblicas Federais, uma vez que funciona como um ! outro eu " da UFSCAR,um duplo positivo, executando atividades que se fossem feitas pela Universidade no teriam amesma agilidade ou at no seriam realizadas.

    Palavras-chave: Fundao de Apoio, Instituies Federais de Ensino Superior,

    Desenvolvimento Econmico, Oramento Pblico, Lei de Inovao, CooperaoUniversidade e Empresa, Universidade Empreendedora, Empresas de Inovao eTransferncia de Tecnologia.

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    ABSTRACT

    The growing presence of legal entities under the private law regime exercising functions andactivities usually performed by legal entities under the public law regime has been presentingrelevant challenges to the study of Law. The work of the Support Foundation in the assistanceto Brazilian Federal Public Universities is an example. From a spontaneous phenomenon,

    barely regulated by Law no. 8.958/1994, they transformed into a diversified universe, inwhich their acting before Federal Institutions of Higher Education is questioned. When

    performing public functions and activities of aid to Federal Universities, they utilize budget public resources and from funding agencies. The questioning of the requirement of suchentities to undertake the prior bidding process for hiring third parties in their support activitiesto the Federal Universities, the need of compliance with the rules of return of public funds tothe National Treasury ! s Single Account, and the possibility of hiring staff without public

    tenders to work in assistance activities are part of the controversies faced by the present work.This study aimed to reflect on this phenomenon from three fronts, a proposal to analyze the phenomenon of foundations, in which support foundations are understood as intermediaryorganizations between universities and companies, a survey of the main issues ofcompatibility between the system of public law and the activities of foundations in the contextof assistance on technological development to the Federal Public Universities, and lastly, thestudy of a case where there is compatibility between a model of support foundation and thesystem of public law, the Institutional Support Foundation for Scientific and TechnologicalDevelopment (FAI), from Federal University of So Carlos (UFSCAR). We propose aspecific focus for the study of the assistance performed by support foundations, characterizingthem as intermediary organizations of cooperation between universities and companies, for

    we believe that, given the significant number of changes in the role of research universities inindustrial production, a new understanding of the form of intermediation is required forcomprehending the role and mission of Research Universities in the country's economicdevelopment. Universities, as well as forming of skilled labor and knowledge generation, are

    becoming centers of creation of technology, approximating the industry, replacing, in part, theold departments of research and development of domestic industries, while also play a part infacilitating the generation of innovative companies, creating business incubators andfacilitating the exchange between teachers and technicians and professionals of the industrialmatrix of countries. In Brazil, this transformation is faced with an important gap. The country,through its public universities acts as a producer of knowledge, with a significant number ofinternational academic publications. However, Brazil has failed to convert this knowledgeinto industrial application in technological innovation, as measured by patenting andtechnology transfer to industry. Secondly, the innovation law (Law No. 10.973/2004), as thefirst attempt to develop ways to reduce such gap, created legal instruments to authorize thecooperation between Federal Public Universities and National Companies, placing the supportfoundations as intermediating the relationship between University and Business, alongsidewith Innovation Centers. The Law on the one hand, was able to create the legal instrumentsfor the lawful cooperation between the Public University and National Company, however,failed to face significant legal issues, besides the questions about the application of public lawregime in the intermediation conducted by support foundations, also did not define the role ofsuch support foundations in the capture and management of technology projects, ormanagement of intellectual property and its relationship with the Innovation Centers, or

    participation in the formation of innovative companies through the process of businessincubation in Federal Universities. It was the National Court of Audit, as an organ of controlof the use of public funds, the principal place of debate on the legal disputes involving the

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    relationship between Support Foundations and Federal Universities. In our view, the Court inDecision No. 655/2002, began a process of reconciling the work of the support foundationsand the system of public law, by defining support foundations related to development andtechnology transfer projects from Federal Universities as intermediary organizations.

    However, it regressed in in Judgment No. 2.731/2008, by broadly defining the concept of public resources and recommend to the Ministr ies of Education and Science and Technologyto prohibit the direct transfers of resources from Funding Agencies to Support Foundations atthe federal level. The FAI example is paradigmatic of the, as not only is a case that reinforcesour assessment that there may be compatibility between the system of public law and theactivities of support foundations, but also suggests solutions of institutional design solutionsrelevant to the debate on regulation of support foundations at the federal level. FAI, as afoundation for the Federal University of Sao Carlos is able to fulfill with the potential of afoundation to contribute to the technological development of Federal Public Universities,since it functions as an "alter ego" of UFSCAR, a positive double, carrying out activities that,if performed by the University would not have been equally fast, or even would not beconducted.

    Keywords: Support Foundation, Federal Public Universities, Economic Development, PublicBudget, Innovation Act, University-Industry Partnership, Entrepreneurial University,Innovation Companies e Technology Transfer.

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    O duplo

    Sugerido ou estimulado pelos espelhos, pelas guas e pelos irmos gmeos, o conceito do duplo comum a muitas naes. verossmil supor que sentenas como Um amigo um outro eu , de Pitgoras,ou o Conhece-te a ti mesmo platnico se inspiraram nele. Na Alemanha Chamaram-no Doppelgnger , na Esccia, fetch , porquevem buscar (fetch) os homens para leva-los para a morte. Encontrar- se consigo mesmo , por conseguinte, funesto; a trgica balada

    Ticonderoga , de Robert Louis Stevenson, fala de uma lenda sobreesse tema. Recordemos tambm o estranho quadro How They MetThemselves , de Rosseti; dois amantes se encontram consigo mesmosno crepsculo de um bosque. Seria o caso de citar exemplos anlogosde Hawthorne, Dostoivski e Alfred de Musset.

    Para os judeus, contudo, o aparecimento do duplo no era pressgio de morte prxima. Era certeza de ter alcanado o estado

    proftico. Assim o explica Gershom Scholem. Uma tradio recolhida pelo Talmude narra o caso de um homem em busca de Deus que seencontrou consigo mesmo.

    No relato William Wilson , de Poe, o duplo a conscincia doheri. Este o mata e morre. Na poesia de Yeats, o duplo nossoanverso, nosso contrrio, aquele que nos complementa, aqueles queno somos nem seremos.

    Plutarco escreve que os gregos deram o nome de outro eu aorepresentante de um rei.

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    INTRODUO

    Uma imagem para reflexo: o duplo

    Jorge Lus Borges, em seu o livro dos seres imaginrios de 19571, constri umextravagante compndio de estranhos entes elaborados ao longo do tempo e do espao pelafantasia dos homens. Estes formam uma coletnea de criaes da mente humana quetranspassaram diversas obras literrias e que revelam caractersticas de nossa imaginao.

    Como o prprio autor recomenda a seus leitores no prlogo de sua obra, o livro deveser lido como quem brinca com as formas cambiantes reveladas por um caleidoscpio2.

    Nas figuras de Borges podemos nos deparar com diferentes formas de se construir entidades,revelando a pluralidade com que um mesmo elemento pode ser visto em diferentes culturas eolhares.

    Nesse universo de cento e dezesseis seres imaginrios, escolhemoso duplo como umaimagem forte para o incio de nossa reflexo. Tal personagem nos revelador, porque adepender do olhar pode ser encarado como um outro eu ou como o meu anverso . Comoum outro eu , seria a extenso do sujeito, daquilo que ele e daquilo que ele almeja ser.

    Como meu anverso , inimigo, aquele que desvia o caminho, que nos torna algo que noalmejamos ser.

    Uma imagem que consideramos til para o desenvolvimento do presente trabalho, que,em sntese, buscar compreender a figura fundaes de apoio, que da mesma forma que naimagem doduplo, a depender da posio de observao ela pode ser vista como instrumentoestratgico das universidades pblicas federais, indispensvel para a viabilizao dacooperao entre universidade e empresa ou como uma tentativa de fuga ao regime de

    direito pblico por parte das universidades federais (ou grupos de professores), capazes degerar toda sorte de problemas, dentre os quais desvios de recursos e finalidades da instituio. Nesse sentido, a imagemo duplo ilustra a oposio estrutural do trabalho, entre uma

    entidade encarada como positiva e negativa ao mesmo tempo, apresentando-se ao pesquisadorcomo um fenmeno plural e complexo, a qual se faz sentir desde a sua prpria definio jurdica, perpassando pelos desafios que a experincia cotidiana de suas aes impe quelesque pretendem se debruar sobre o tema.

    1 BORGES, Jorge Lus.O livro dos seres imaginrios. Traduo: Helosa Jahn. So Paulo: Companhia dasLetras, 2007.2 Idem, p. 10.

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    Por isso, mesmo sendo mltiplos os caminhos possveis para o seu estudo, acreditamosque a oposio proposta capaz de organizar a contribuio deste trabalho, qual seja a deexplorar um modelo capaz de reduzir essa oposio, a dizer o da Fundao de Apoio

    Institucional ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico da Universidade de So Carlos.Um fenmeno que tem ganhado mais ateno em razo do crescimento destas

    organizaes, que ao longo dos ltimos anos atingiram maior envergadura financeira einfluncia nos projetos de pesquisas e nas atividades de extenso das universidades pblicasfederais, bem como nas parcerias realizadas entre ela e o setor privado.

    Sem dvida, um campo ainda pouco explorado pela academia jurdica, repleto de possibilidades e de desafios, a comear por sua prpria definio como fundao no

    estatal , demandando dos juristas novas classificaes, respostas e construes capazes de darconta da descrio desta entidade e da regulao de sua relao com a universidade pblica ecom os setores privados.

    a. Um primeiro desafio ao estudo do tema: classificao jurdica e fundaes deapoio

    Um dos primeiros impulsos naturais de um trabalho jurdico dedicar as primeiraslinhas de sua reflexo sobre o posicionamento do tema estudado no ordenamento jurdico, em particular a partir de classificaes propostas e discutidas pela doutrina jurdica3.

    3 primeira vista chama ateno a estrutura consolidada de construo do objeto fundaes de direito privado.Em regra, as obras jurdicas sobre o tema compartilham uma estrutura especfica, com pouca diferena quanto aorganizao dos elementos de anlise e a forma como o tema posto. Para ilustrarmos essa afirmaoselecionamos quatro obras dedicadas ao estudo das fundaes de direito privado. Nestas obras o tema fundaes

    de direito privado estruturado segundo os seguintes captulos, um captulo sobre histria das fundaes, emque se observa a presena de fundaes na antiguidade, na idade mdia, na idade moderna e na atualidade. Aseguir apresentado um captulo que prope uma teoria geral das fundaes, em que se estipula um conceitogeral sobre fundaes, capaz de abarcar todas as espcies sob os mesmos elementos. Em terceiro, todas as obrasapresentam um captulo sobre as fundaes como uma pessoa jurdica de direito privado, definindo-a emoposio a figuras como as associaes e as sociedades, analisando tambm quais so os tipos de fundaes. Porfim, todas as obras criam captulos sobre os aspectos prticos do cotidiano das fundaes, como sua constituio,seu patrimnio, sua administrao, dentre outros a depender do ano em que o livro foi publicado. Uma estruturaque do ponto de vista da reflexo sobre as fundaes de apoio contribui pouco, pois busca encarar o fenmenodas fundaes de apoio como parte desta estrutura consolidada de anlise, encarando as caractersticas peculiaresdas fundaes de apoio como distores ao modelo de fundaes privadas e no como caractersticas de umanova organizao, capaz de demandar do Direito novas respostas e formas de exame. Em nosso entendimento, omalefcio da aplicao desta estrutura ao fenmeno das fundaes de apoio est no seu baixo poder de anlisecrtica sobre as transformaes que esto em progresso no ambiente universitrio. Alm disso, esta estruturacoloca o jurista em uma zona de conforto em relao ao estudo do tema, em particular por fornecer o quadrodoutrinrio cristalizado em conceitos abstratos e reflexes histricas superficiais, no demandando que ele posicione o tema segundo novas caractersticas, ou proponha novas categorias de reflexo. Para conferir esta

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    No estudo das fundaes de apoio isso no diferente. H classificaes e debatessobre termos empregados. Discutem-se dicotomias como fundao pblica em oposio sfundaes privadas, bem como fundaes estatais em oposio s fundaes no estatais.

    Debates que versam sobre os elementos e caractersticas das fundaes, em especial sobre seu patrimnio, suas finalidades e sua relao com o Pode Pblico.

    Contudo, a escolha pela anlise do tema fundaes de apoio a partir de classificaes edicotomias propostas pela doutrina jurdica no se revela como uma boa estratgia para areflexo sobre o tema. Isto porque, em nosso entendimento no h uma correspondncia entreas caractersticas do fenmeno ftico das fundaes de apoio com a leitura jurdica queclassificaes tradicionais propem sobre esta entidade.

    Parece-nos que o fenmeno fundaes de apoio guarda pouca relao de similaridadecom a tradicional doutrina sobre fundaes, sejam estas estatais ou no estatais. Em nossoentendimento, h uma incompatibilidade entre o arcabouo ftico de sua criao, organizaoe desenvolvimento que contradiz ou at descaracteriza sua definio jurdica de fundao noestatal.

    Como fenmeno ftico e espontneo, as fundaes de apoio passam a impresso deno encaixe no quadro de classificaes existentes no ordenamento jurdico vigente, em

    particular quanto delimitao de seu patrimnio, se pblico ou privado, e de sua relao coma Universidade Pblica, seja no formato de autarquia ou fundao estatal4.

    estrutura consolidada e a reflexo da doutrina jurdica sobre as fundaes de direito privado, ver: GRAZZIOLI,Airton; RAFAEL, Edson Jos. Fundaes Privadas: Doutrina e Prtica. 2 edio. So Paulo: Editora Atlas,2011. Ver tambm: PAES, Jos Eduardo Sabo. Fundaes e Entidades de Interesse Social Aspectos jurdicos,administrativos, contbeis e tributrios. 5 edio, rev., atual., ampl. Braslia: Braslia Jurdica, 2006. Ver ainda:DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundaes Privadas Teoria Geral e Exerccio de Atividades Econmicas.2 edio. Porto Alegre: Sntese, 2003. Por fim, ver: ALVES, Francisco de Assis. Fundaes, OrganizaesSociais, Agncias Executivas: Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico e outras Modalidades de Prestao de Servios Pblicos. So Paulo: LTr, 2000.4 Segundo Grazzioli e Rafael, so sete as espcies de fundaes existentes no ordenamento jurdico nacional.Segundo os autores as fundaes podem variar pela origem de seu patrimnio, personalidade jurdica, pelas suas

    finalidades e pela pessoa que a constitu. As sete espcies de fundaes so: (i) institudas pelo Poder Pblicocom personalidade jurdica de direito pblico, ou (ii) de direito privado; (iii) instituda por pessoas naturais ou jurdicas de direito privado com personalidade jurdica de direito privado, como entidade de previdncia privadaou complementar, ou (iv) de apoio s instituies pblicas de ensino superior; (v) instituda por partido poltico,com personalidade de direito privado; (vi) instituda por pessoas naturais ou jurdicas para fins de natureza desucesso patrimonial; e (vii) instituda por pessoas naturais ou pessoas jurdicas com atuao filantrpica e deassistncia social. Nesta classificao, so retomadas as definies tradicionais de civilistas da primeira metadedo sculo XX, como Caio Mario da Silva Pereira e Clvis Bevilqua, mesmo que novas espcies de fundaestenham surgido no contexto do debate. Nossa crtica no se encontra nas definies estipuladas por civilistas da primeira metade do sculo XX, que as estipularam no contexto ftico de seu tempo, mas sim na permannciadessas definies e na tentativa de agregar um novo fenmeno a classificao jurdica existente. No caso dasfundaes de apoio h a presena de patrimnio e recursos tanto privados quanto pblicos. Alm disso,desempenham muitas vezes atividades precpuas da Universidade, em particular na gesto de atividades de pesquisa e na organizao de cursos de extenso universitria. Como se pode ver, a separao entre pblico e privado, fundamental para a classificao exposta pelos autores, encontra dificuldades de compatibilizao.

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    Quando definida como pessoa jurdica de direito privado sem fins lucrativos com afinalidade de auxiliar instituies pblicas de ensino superior em suas atividades de ensino, pesquisa e extenso, a fundao de apoio passa a guardar em si a comunho entre o pblico e

    o privado. Pblico, pois atua no auxlio da efetivao das misses das Universidades Pblicas,tendo presente na sua atuao recursos e o patrimnio pblico. Privado, pois seu regime jurdico de direito privado, ou seja, segundo as regras do Cdigo Civil Brasileiro.

    Uma comunho complexa, uma vez que seu auxlio se estendeu a diversas atividadesdas universidades pblicas, envolvendo cursos de extenso universitria, gesto de hospitaisuniversitrios, organizao de concursos e a gesto da tecnologia desenvolvida pelauniversidade. Tais atividades delinearam formas de atuao e caractersticas especficas s

    fundaes de apoio, que, entre si, foram gradativamente ganhando linhas prprias. Nestes contextos, fundaes de apoio so contratadas por universidades pblicas, com

    dispensa de licitao, para que executem, ou contratem terceiros para executar, aadministrao de hospitais, de ncleos de pesquisa, cursos de especializao, concursos paraingresso e ascenso na universidade, dentre outras atividades menos comuns. Para isso,recebem recursos das universidades, de Agncias de Fomento e da iniciativa privada paraadquirir equipamentos, insumos de pesquisa, material hospitalar, contratar pessoal para

    trabalhar em projetos e hospitais, bem como pessoal para a realizao de obras.Em comum, todas elas relevam uma sensao de no pertencimento, de falta de

    encaixe entre a classificao de fundaes, o regime jurdico de direito pblico e a atuaodas fundaes de apoio. Em parte, esta sensao se origina em razo da tradicional separaoentre os ramos do direito em dois grandes grupos, o direito pblico e o direito privado, cadaum com lgicas prprias.

    Uma separao que j encontra sinais de esgotamento, Segundo alguns autores5, esta

    dicotomia j se encontraria com seus dias contados, uma vez que cada vez mais nota-se o

    Sobre a classificao apresentada, ver: GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson Jos. Fundaes Privadas: Doutrina e Prtica. 2 edio. So Paulo: Editora Atlas, 2011, pp. 54-71.5 O Direito Pblico e o Direito Privado esto sofrendo transformaes significativas quanto aos seus objetos.Brocados tradicionais das duas reas vem cada vez mais perdendo espao nos debates e na anlise sobre temasimportantes nestas reas. Leituras do Princpio da Legalidade em sentido estrito, em que o administrador pblicos pode fazer aquilo que a Lei determina, ou discusses sobre a legalidade de decretos, resolues e portariasautnomos , vem perdendo espao no direito administrativo para reflexes sobre os parmetros e os limites do

    poder normativo de entes administrativos, reconhecendo que estes possuem graus de discricionariedade, mesmono explcitos na Lei. Alm disso, h questes sobre a cada vez mais presente atuao de entidades privadas ematividades que at ento contavam com a prestao por parte do Poder Pblico, como no caso das privatizaes de servios pblicos nos setores de telecomunicaes, energia e transportes, em que novosinstrumentos foram desenvolvidos para a melhor articulao de interesses de entes privados e finalidades

    pblicas almejadas. Contudo, este movimento no ocorre apenas no mbito do Direito Pblico, tendo feiestambm no Direito Privado, em particular na lgica de brocados tradicionais, como o paradigma da autonomia

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    crescimento da participao de entes privados no dia a dia prtico do direito pblico, bemcomo a aplicao de regras de caractersticas eminentemente pblicas no direito privado.

    Parece um contrassenso defender que o direito privado seja o terreno absoluto da

    autonomia privada, quando se observa o crescimento de normas e princpios de ndolecoletivista, como o conjunto de normas do direito do consumidor ou como os princpios dafuno social da propriedade e dos contratos presentes no Cdigo Civil. Da mesma forma, aconsistncia de uma leitura estrita do princpio da legalidade no direito pblico em que oadministrador pblico fica adstrito a agir apenas e to somente quando recebe um comandolegal expresso, tendo de se abster caso contrrio, no parece encontrar resguardo em umambiente de queda da atividade legislativa e crescente exerccio do poder normativo por parte

    da Administrao Pblica.Tendo em mente os questionamentos acima mencionados, vejamos de perto estas

    incompatibilidades entre a classificao jurdica fundacional e o fenmeno das fundaes deapoio no contexto das universidades pblicas.

    Fundao de apoio espcie do gnero fundao. Como gnero, sua unidade seencontra em trs elementos: o patrimnio, a destinao deste finalidade especfica, que no pode ser lucrativa. Sendo assim, independentemente da espcie, o gnero fundao se define

    por um patrimnio destinado a uma finalidade especifica, podendo ter variaes quanto aosobjetivos a serem perseguidos e quanto origem de seus bens6.

    privada. No Direito Privado, o espao de liberdade de pessoas jurdicas e pessoas naturais para contratar e sercontratado amplo, fundado em regras que privilegiam a livre manifestao de vontades como forma devinculao jurdica. Uma lgica eminentemente individualista, em que se constroem regras sobre comoidentificar vcios de manifestao desta vontade e elementos mnimos e necessrios para validade e eficciadestes acordos. Da mesma forma que no caso do Direito Pblico, teorias e conceitos novos, como a teoria da boaf objetiva, funo social dos contratos, desconsiderao da personalidade jurdica, dentre outras, vem atribuindo

    uma perspectiva nova a estes debates, aqui aproximando o Direito Privado da lgica presente no Direito Pblico.Para aprofundamento nestes debates sugerimos no campo do Direito Pblico: BINENBOJM, Gustavo.UmaTeoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalizao. Rio de Janeiro:Renovar, 2006. Ver tambm: MARQUES NETO, Floriano Peixoto. Regulao Estatal e Interesses Pblicos SoPaulo: Malheiros Editores, 2002. Ver ainda: ARAGO, Alexandre Santos. Direito dos Servios Pblicos. Rio deJaneiro: Forense, 2007.6 No h muita controvrsia quanto ao conceito de fundao sob o regime de direito privado na doutrina jurdicanacional. Sobre a classificao de Fundaes Airton Grazzioli e Edson Jos Rafael, afirmam que As fundaes, pessoas jurdicas que tm suporte factual no patrimnio inicial, em razo de suas caractersticas especficas(modo de constituio, administrao e representao), podero pertencer ao direito pblico ou ao direito privado. Ver em: GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson Jos. Fundaes Privadas: Doutrina e Prtica. 2edio. So Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 49. No tocante as fundaes privadas, Gustavo Saad Diniz,recuperando as classificaes de Clvis Bevilqua, Caio Mario da Silva Pereira, Helita Barreia Custdio eOrlando Gomes, estipula que fundao privada organizao com patrimnio afetado por uma finalidadeespecfica determinada pelo seu instituidor, com personalidade jurdica atribuda em lei. Definio em quetambm se nota pouca controvrsia. Ver em: DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundaes Privadas TeoriaGeral e Exerccio de Atividades Econmicas. 2 edio. Porto Alegre: Sntese, 2003, p. 70.

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    Com relao a este critrio, adotamos a seguinte diviso para as fundaes: asfundaes estatais e as fundaes no estatais7.

    Fundaes estatais so aquelas institudas por meio de Lei com patrimnio pblico e

    mantidas pelo Estado, podendo, a depender da outorga dada por sua lei criadora, ter personalidade de direito privado ou personalidade de direito pblico.

    Nesse sentido, dentro da definio de fundaes estatais se encontram dois grupos, o primeiro de fundaes estatais com personalidade jurdica de direito pblico e o segundo com personalidade jurdica de direito privado.

    O que as diferencia o maior grau de autonomia fornecido pelo regime jurdicoestipulado a cada uma delas e o grau de dependncia de seu sustento em relao ao Poder

    Pblico, que, nas fundaes sob o regime de direito pblico total, e nas de direito privado, parcial.

    Dentre as fundaes estatais de personalidade jurdica de direito pblico, o exemplomais adequado para nossa discusso so as fundaes de ensino superior. Dentre elas cabeespecial meno, adequada aos fins deste trabalho, Universidade de Braslia (UnB) e Universidade Federal de So Carlos (UFSCAR).

    Institudas por Lei da esfera administrativa a qual pertencem, possuem autonomia

    administrativa e tm seu funcionamento custeado por recursos oramentrios, submetendo-seao mesmo regime jurdico das autarquias8 e, por isso, tambm chamadas de fundaesautrquicas .9

    7 Adotou-se a classificao que distingue as fundaes em estatais e no estatais em detrimento a diviso pblicae privada em razo da advertncia feita por Vera Monteiro e Carlos Ari Sundfeld, na qual afirmam: Comumentese afirma que as fundaes criadas e mantidas pelo Poder Pblico soestatais e, por isso, tm regimediferente das outras que no so. A razo de ser dessa afirmao a definio do Decreto-lei n. 200/67 para as fundaes, j transcrita. Seguem os juristas mais a frente No entanto, nem todas as fundaes criadas peloEstado precisam ser, obrigatoriamente, entes com poderes e deveres tipicamente pblicos. Nada impede que o

    Estado, institua uma fundao com personalidade jurdica de direito privado. Em cada caso concreto, a lei decriao que outorgar personalidade jurdica de direito pblico ou privado . Ver em: SCARPINELLA, Vera;SUNDFELD, Carlos Ari. Fundaes Educacionais e Licitao. In: PANTALEO, Leonardo (org.). Fundaes Educacionais. So Paulo: Atlas, 2003, pp. 249 - 250.8 A respeito de autarquias, Maral Justen Filho estipula queautarquia uma pessoa jurdica de direito pblico,instituda para desempenhar atividades administrativas sob o regime de direito pblico, criada por lei quedetermina o grau de sua autonomia em face da Administrao direta. Nesse sentido, autarquias, so pessoas jurdicas de direito pblico, podendo ser institudas pelos trs entes federativos com patrimnio pblico,dispostas na Administrao Indireta, fruto de movimentos de descentralizao administrativa, os quais buscaramcriar entidades com maior grau de autonomia para o desempenho de funes administrativas, podendo seorganizar a partir de diplomas normativos prprios (Decretos, Resolues e Portarias). Passa-se a estas entidadescompetncias que poderiam ser exercidas ou j foram exercidas pela Administrao Direta. Em regra, a dependerda sua Lei de criao, seus quadros de pessoal so compostos por servidores pblicos concursados, sob o regimeestatutrio. Segundo o autor, a depender da Lei instituidora, a autarquia poder manter vnculos mais intensos oumenos intensos com a Administrao Direta. So exemplos disso, o maior ou menor vinculao na escolha deseus dirigentes e a designao de recursos prprios para a sua gesto. H a possibilidade de que a Lei definia queos dirigentes da autarquia sejam designados pelo Chefe do Poder Executivo, como no caso de Agncias

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    Como entidades pblicas, ficam adstritas s regras gerais do regime de direito pblico,tendo de respeitar os princpios do direito administrativo, como, por exemplo, o princpio doconcurso pblico para a contratao de pessoal, e as regras especficas de contratao para

    aquisio e alienao de bens e servios: o procedimento de licitao pblica. Nas fundaes estatais privadas, o Poder Pblico abre mo de seu poder normal de

    gesto, atribuindo a estas fundaes maior autonomia e flexibilidade em comparao fundao autrquica. Diferentemente das fundaes no estatais, na qual so pessoas naturaisou jurdicas que constituem a fundao, aqui o Poder Pblico, que por meio de Lei, cria aFundao Estatal sob o regime de direito Privado.

    Um exemplo desta maior autonomia se encontra na possibilidade de contratao de

    funcionrios alternativamente ao ingresso de servidores concursados. Enquanto nas fundaesautrquicas a maioria ou at a totalidade de contratados so servidores pblicos concursadossob o regime estatutrio, no caso das fundaes estatais sob o regime de direito privado, amaior parte (seno a totalidade) dos funcionrios est sob o regime da Consolidao das Leisdo Trabalho (CLT, tambm referido como regime celetista), no tendo estabilidade, tampoucoos demais benefcios do regime estatutrio como a aposentadoria integral.

    Vale ressaltar, ainda, que mesmo tendo aberto mo de seu poder normal de gesto,

    estas fundaes ainda permanecem sujeitas a um conjunto de regras prprias do direito pblico, a depender da disciplina jurdica estabelecida por sua Lei instituidora, sendo sualeitura propcia ao ensejo de controvrsias sobre o tipo e a extenso das regras de direito pblico aplicveis. Um exemplo interessante desta espcie de fundao a Fundao PadreAnchieta em So Paulo10.

    Reguladoras, ou que o processo passe pela indicao de membros da prpria autarquia, como no caso de algumasUniversidades Pblicas. Alm disso, comum a designao de competncias privativas s autarquias em que noh possibilidade de interveno da Administrao Direta, bem como em alguns casos a estipulao de recursos prprios para o seu funcionamento. Em regra, v-se mais a estipulao de competncias do que a destinao derecursos especficos. Para maior aprofundamento sobre as autarquias e fundaes autrquicas ver: JUSTENFILHO. Maral.Curso de Direito Administrativo. 2 edio, rev., atual. So Paulo: Saraiva, 2006, pp. 126-133.9 Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao tratar do regime jurdico aplicvel as fundaes estatais de personalidade jurdica de direito pblico a jurista assevera que tero como caractersticaa presuno de veracidade eexecutoriedade dos seus atos administrativos, obrigatoriedade de sua constituio se dar por meio de lei,desobrigando-a de inscrio no Registro Civil das Pessoas jurdicas,impenhorabilidade dos seus bens e sujeio processo especial de execuo estabelecido pelo art. 100 da Constituio Federal , juzo privativo eas demais prerrogativas e privilgios que se aplicam s pessoas jurdicas de direito pblico. Ver em: DI PIETRO,Maria Sylvia. Direito Administrativo. 14 edio. So Paulo: Atlas, 2002, p. 371.10 O exemplo da Fundao Padre Anchieta foi retirado da obra de Maria Sylvia Zanella Di Pietro que sobre aexistncia de fundaes estatais e no estatais tece os seguintes comentrios:a Constituio no faz distinoquanto personalidade jurdica, tem-se que entender que todos os seus dispositivos que se referem s fundaesabrangem todas, independentemente da personalidade jurdica, pblica e privada. . Ver em: Idem, p. 379.

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    Como se observa, em comparao ao regime jurdico da administrao direta, asfundaes estatais representam uma alternativa de flexibilizao da ao estatal direta, hajavista que aqui, mesmo sob o regime de direito pblico, verifica-se maior autonomia

    administrativa. No outro espectro, no se confundindo com as fundaes estatais privadas, esto as

    fundaes no estatais, categoria na qual se inserem as fundaes de apoio, que aqui seroconstitudas por pessoas naturais ou jurdicas de direito privado e estaro necessariamente sobo regime jurdico de direito privado.

    Fundaes no estatais so aquelas que no guardam vnculo de criao, tampouco desustento com o Poder Pblico, institudas com patrimnio privado, por meio de escritura

    pblica ou testamento, conforme dispe o art. 62 do Cdigo Civil, tanto por pessoas fsicas,quanto por pessoas jurdicas11.

    Afora a vedao distribuio de resultados e a vinculao necessria sua finalidadeno lucrativa (sendo esta, no caso das fundaes de apoio, necessariamente o auxlio satividades de pesquisa, ensino e extenso de universidades), as fundaes no estataisestariam livres para celebrar contratos, contrair dvidas, contratar funcionrios sob o regimeceletista, no estando submetidas s regras e princpios do direito pblico, tampouco

    fiscalizao de rgos de controle, tais quais os Tribunais de Contas12

    .Contudo, no contexto ftico de sua relao com entidades pblicas de ensino superior,

    as fundaes de apoio se revestem de particularidades que no se limitam apenas a colocar emcheque a separao entre o direito pblico e o direito privado, mas, e sobretudo, a sua relaode pertencimento com gnero fundaes. A comear por seu objeto, o auxlio aos projetos de pesquisa, ensino e extenso da universidade. Este, por concatenar duas entidades sob regimes jurdicos distintos potencializaria os riscos de criao de situaes de conflito de interesses e

    sobreposio de atividades entre fundaes e universidades.

    11 Maria Helena Diniz em suas anotaes sobre o Cdigo Civil Brasileiro refora a definio j tradicional deClvis Bevilqua de fundao no direito privado umauniversalidade de bens personalizada, em ateno ao fim que lhe d unidade , ou como afirma mais adianteum patrimnio transfigurado pela ideia, que o pe ao servio de um fim determinado, afirmando que Fundao um acervo de bens, com destinao especfica, aque a lei atribui personalidade jurdica. Pode ser criada por negcio jurdico inter vivos (escritura pblica) oucausa mortis (testamento). negcio jurdico formal. Ver em: DINIZ, Maria Helena.Cdigo Civil anotado.12 ed. rer. e atual. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 158. Ver ainda notas 3, 4 e 6.12 O poder de fiscalizao do Tribunal de Contas da Unio est associado ao resguardo do emprego dos recursos pblicos em sentido amplo. A dico do 2 do art. 33, bem como do art. 71 da Constituio Federal de 1988,apontam para esta relao. Nesse sentido, fundaes privadas, com patrimnio privado, no estariam no escopode fiscalizao do Tribunal de Contas da Unio, que no caso fiscaliza o emprego e a gesto de recursos pblicosno mbito federal.

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    Por meio de fundaes de apoio, universidades pblicas brasileiras poderiam estarexecutando suas atividades precpuas de ensino, pesquisa e extenso sem cumprir os procedimentos obrigatrios que toda entidade sob o regime de direito pblico tem de

    observar, como por exemplo, a prvia realizao do certame licitatrio para contratar com particulares. Professores estariam complementando seus rendimentos, sendo remunerados poraulas em cursos de especializao e atividades de consultoria empresarial, ambos organizados pelas fundaes de apoio, em detrimento de suas atividades principais de ensino e pesquisa.Tcnicos e funcionrios do quadro administrativo estariam sendo contratados pelas fundaessem concurso pblico para atuarem nas atividades regulares realizadas no cotidiano dasuniversidades.

    Aes de importante relevncia jurdica que a classificao jurdica e os conceitosdoutrinrios sobre fundaes no tem sido suficientes para resolver. Na definio deFrancisco Assis Alves fica clara a proximidade peculiar entre fundao e universidade, naqual se abrem portas para a constituio de um diversificado conjunto de possibilidades deuso das fundaes de apoio13:

    [...] as fundaes de apoio so hoje reconhecidas como aquelas entidades cujaatuao serve de base para que as idias desenvolvidas na Universidade possam se

    transformar em projetos com resultados imediatos, produtivos, levando aUniversidade para alm da sua funo primordial, que, em poucas palavras, a produo de conhecimento e inteligncias.

    Nos ltimos anos, muito se discutiu no mbito do controle e da fiscalizao dasuniversidades pblicas federais sobre quais as atividades realizadas pelas fundaes de apoiose enquadrariam efetivamente como atividades de apoio, em particular segundo o regime daLei n. 8.958/1994.

    Isto porque tornou-se comum o uso de recursos pblicos por estas fundaes. Emmuitos casos, estas no dispunham de patrimnio prprio, sendo por vezes constitudas com patrimnio pblico, da prpria faculdade ao qual eram vinculadas. Alm disso, passavam areceber repasses das Universidades para o desempenho de suas atividades precpuas de pesquisa e extenso, ou se utilizavam de projetos da universidade para a captao de recursos junto a Agncias de Fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), dentreoutras, dispondo de recursos destinados a ampliao da infraestrutura administrativa,

    13 ALVES, Francisco de Assis. Fundaes, Organizaes Sociais, Agncias Executivas: Organizaes daSociedade Civil de Interesse Pblico e outras Modalidades de Prestao de Servios Pblicos. So Paulo: LTr,2000, p. 66.

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    laboratorial e para o desenvolvimento de projetos de desenvolvimento tecnolgico dainstituio.

    Segundo Jos Eduardo Sabo Paes14, esta discusso que ganhava contornos prprios,

    pois muitas vezes no passava pela anlise do fato que estas fundaes de apoiorepresentavam um hbrido no estudo do direito pblico, pois, em sua constituio eramcriadas por iniciativas de professores universitrios, podendo ser encaradas como fundaesno estatais, em outros, eram criadas por iniciativa do prprio rgo mximo dasUniversidades, podendo ser encaradas em semelhana com as fundaes estatais sob o regimede direito privado. Contudo, se no primeiro caso, pelo fato de disporem de patrimnio pblicoem sua constituio j teriam como descaracterizada a sua natureza no estatal, no segundo

    caso, a ausncia de autorizao legislativa para a sua constituio, conforme o art. 37, incisoXX da Constituio, por si s j descaracterizariam esta classificao.

    Um universo multifacetado, capaz de sofrer questionamentos desde sua constituio, passando seus acordos com as universidades pblicas, at a execuo de projetos desta, nosquais no se tm com preciso os limites da legalidade de suas aes, em particular quandoestas versam sobre a gesto de recursos pblicos.

    Principalmente por leituras de que, mesmo fazendo uso de recursos pblicos, as

    fundaes, por estarem sob o regime de direito privado, em princpio, poderiam receberrecursos pblicos fora do contexto de recolhimentos de natureza oramentria, ao mesmotempo em que no estariam submetidas realizao de licitao pblica para adquirir produtos, contratar servios, alienar bens, bem como poderiam contratar funcionrios sob oregime celetista. Alternativas atraentes no contexto rgido da gesto administrativa.

    No debate jurdico, os principais temas versaram sobre o enquadramento de suasatividades como compatveis ou no com o regime de direito pblico. De um lado, eram

    apontadas lacunas entre o regime jurdico proposto pela Lei n. 8.958/94 e as regras de direito pblico, a dizer as regras sobre o regime jurdico dos servidores pblicos (Lei n. 8.112/90),sobre licitao pblica (Lei n. 8.666/93) e as regras de direito financeiro (Lei n. 4.320/64),em particular diante da crescente atuao das fundaes na gesto administrativa e financeira

    14 A esse respeito o autor anota que:Cumpre salientar, no entanto, que ainda hoje subsiste uma diferenciaono que tange criao das fundaes de apoio, uma vez que nem todas foram constitudas do mesmo modo. Refiro-me quelas em que houve, no momento de sua constituio a participao de bens ou recursos pblicosoriundos da prpria Universidade enquanto autarquia, enquanto pessoa jurdica de direito pblico sem adevida e obrigatria autorizao legislativa na composio de seu patrimnio inicial (art. 37, incisos XIX e XX,da atual CF) . Ver em: PAES, Jos Eduardo Sabo. Fundaes, associaes e entidades de interesse social:aspectos jurdicos, administrativos, contbeis, trabalhistas e tributrios. 6 ed. Rev., atual. e ampl. Braslia:Braslia Jurdica, 2006, p. 272.

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    de projetos de pesquisa e extenso at ento realizadas pelas Universidades, aspecto que em si j causava estranhamento e manifestaes no sentido de sua ilegalidade15. Por geriremrecursos pblicos, aplica-se o regime de licitao a estas entidades privadas? De contratao

    de funcionrios? De gesto de recursos oramentrios?De outro lado, tambm causava desconforto o conjunto crescente de atividades

    desempenhadas pelas fundaes no contexto das universidades, tendo como incio aorganizao de cursos de extenso, alcanando nos anos 2000 a realizao de servioscomuns da universidade, como atividades de vigilncia, limpeza e manuteno predial16. Nesse sentido, qual o limite para a atuao destas entidades privadas? Poderiam atuar tantoem atividades meio, como em atividades fim das universidades pblicas?

    As relaes entre pblico e privado, entre os regimes jurdicos aplicveis, entre anatureza jurdica dos recursos ao sarem da universidade e ingressarem nas fundaes, todaselas foram questes jurdicas objeto de debates, mas que em nosso entendimento encontraramna classificao das fundaes de apoio como fundaes no estatais barreiras importantes reflexo.

    Barreiras que se mostram ainda mais claras quando nosso exame passa a fiscalizaoempreendida pelo Tribunal de Contas da Unio nas duas ltimas dcadas. O Tribunal tem

    procurado encontrar modos de compatibilizao entre a atuao das fundaes e o regime jurdico de direito pblico. Contudo, diferentemente da doutrina jurdica, o TCU reconheceem suas decises as peculiaridades das fundaes de apoio, em especial aquelas referentes aoseu patrimnio e s atividades que desempenha, tentando propor leituras de compatibilizao,

    15 Uma das primeiras tentativas de posicionar o tema fundaes de apoio nas decises do Tribunal de Contas daUnio foi feita por Jos Eduardo Sabo Paes. Dentre os temas apontados pelo autor, destacam-se a definio doconceito de desenvolvimento institucional na hiptese de dispensa de licitao do art. 24, inciso XIII, da Lein. 8.666/93, contratao de pessoal pelas fundaes de apoio, a participao de servidores de universidades pblicas federais em projetos executados pelas fundaes, bem como a concesso de bolsas de ensino, pesquisa e

    extenso por parte das fundaes a servidores desta. Temas que foram sendo debatidos pelo Tribunal, de modo aforma um conjunto de entendimento, em grande parte que sero discutidos no escopo deste trabalho. Ver em:PAES, Jos Eduardo Sabo. Fundaes e Entidades de Interesse Social Aspectos jurdicos, administrativos,contbeis e tributrios. 5 edio, rev., atual., ampl. Braslia: Braslia Jurdica, 2006, pp. 227-255.16 No mesmo ano da investida de Jos Eduardo Sabo Paes, A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)contratou os juristas Sacha Calmon Navarro Colho e Eduardo Junqueira Coelho para elaborao de Parecersobre as atividades realizadas pela Fundao de Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP), que atua no apoio UFMG. Em boa medida os temas apontados por Paes coincidiram com a maioria dos temas tratados por SachaCalmom e Eduardo Coelho, sendo acrescentadas questes como a cobrana em cursos de especializao, aaplicao do princpio da unicidade de tesouraria na relao entre Universidades Pblicas Federais e Fundaesde Apoio e o conceito de extenso e suas diversas acepes. A reflexo proposta pelo Parecer j sugere, noexame de diversos temas, a complexidade do estudo da compatibilidade entre a atuao das fundaes de apoio ea aplicao do regime jurdico de direito pblico, regime aplicvel as Universidades Pblicas Federais, seja naforma autarquia, seja na forma fundao estatal com personalidade de direito pblico. Ver em: COLHO, SachaCalmon Navarro; COLHO, Eduardo Junqueira. A Relao entre as Fundaes de Apoio e as Instituies Federais de Ensino Superior em face da Lei 8.958/94. Revista IOB de Direito Administrativo v. 1, n. 12,dezembro de 2006. So Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 41-83.

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    criando campos em que as fundaes poderiam atuar e campos em que sua atuao seriaconsiderada ilcita.

    Dessa forma, no de se estranhar que trabalhos jurdicos doutrinrios consistentes

    que se debruaram no tema, tenham formulado duras crticas prpria existncia dasfundaes de apoio, sintetizadas na proposio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro de que ainstituio de fundaes de apoio representam uma tentativa de fuga17 por parte dasuniversidades, ou de grupos de professores universitrios, ao regime de direito pblico ao qualesto obrigatoriamente submetidos, em particular as regras que dizem respeito a contrataode pessoal (exigncia de concurso pblico), compras pblicas (obrigatoriedade de realizaode licitao pblica) e gesto de recursos oramentrios (recolhimento obrigatrio de recursos

    ao final do exerccio a conta nica do tesouro nacional.).Todavia, mesmo que esta leitura encontre subsdios no arcabouo ftico da atuao

    das fundaes, ela suficiente para esgotar o debate sobre fundaes de apoio? Noestaramos perdendo questes relevantes sobre as transformaes sofridas nos ltimos anosnas universidades pblicas brasileiras? Obstculos que as universidades pblicas vmenfrentando para o cumprimento de suas finalidades no estariam sendo ignorados? Noestaramos tratando de uma entidade, que para alm das classificaes, carrega em si uma

    importncia e uma misso no contexto do desenvolvimento econmico do pas? Antes de sero principal problema, as fundaes no seriam uma soluo, ainda que mal formulada ou juridicamente precria?

    Nesse sentido, no deveramos dar um passo adiante e refletirmos sobre o seuconceito, no mais como uma espcie do gnero fundaes no estatais , mas como entidade

    17 Esta ideia de fuga construda pela administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro se reporta ao conceito deadministrao paralela ou parasistema jurdico-administrativo do jurista argentino Agustn A. Gordillo.

    Segundo o autor este fenmeno compreende a convivncia entre um sistema formal ao lado de um procedimentoinformal, paralelo ao regime, aprovado por processos institucionalizados entre seus operadores, estando, porconsequncia, fora da regulao prevista para as entidades no regime formal. Na concepo de Maria Sylvia auniversidade pblica sob o regime de direito pblico representaria o sistema formal, adstrito as regras de direito pblico para a realizao de suas operaes de compras, gesto de seus recursos, realizao de seus projetos egesto de seus recursos humanos. As fundaes de apoio por sua vez seriam a estrutura paralela que criaria oregime informal de atuao das universidades, em que esta ficaria desembaraada das regras rgidas do direito pblico, como por exemplo o procedimento de licitao pblica. Ver em: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administrao pblica: concesso, permisso, franquia, terceirizao, parceria pblico-privada eoutras formas. So Paulo: Atlas, 2009, pp. 287 288. A este respeito, tratando de movimentos de privatizao edas transformaes sofridas no direito administrativo portugus, cabe a meno ao trabalho de Maria JooEstorninho, que prope uma leitura pessimista sobre o ingresso de entidades privadas na prestao de servios pblicos e atividades antes realizadas pelo Estado. Ver tambm: ESTORNINHO, Maria Joo. A fuga para o Direito Privado: Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administrao Pblica. Coimbra:Almedina, 2009.

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    com caractersticas e funo prpria no contexto universitrio, em que seja possvel aconvivncia entre regras do regime jurdico de direito pblico e do direito privado? Menos preocupada com a estrutura fundacional das fundaes de apoio, mas sim com sua funo no

    contexto das universidades pblicas?Perguntas que, em conjunto com a imagem doduplo, reforam o objetivo deste

    trabalho, qual seja, propor uma leitura diferente para o fenmeno das fundaes de apoio, posicionando a sua funo de auxlio s universidades pblicas brasileiras no contexto dodesenvolvimento tecnolgico do pas, cumprindo um papel especfico de viabilizar acooperao entre universidade pblicas e empresas privadas.

    Reconhecemos que ao propormos este recorte, nossa anlise no poder se estender

    para todas as formas de atuao das fundaes de apoio, em particular para suas atividades deadministrao de hospitais universitrios. Todavia, acreditamos que este recorte pode sercapaz de fornecer um novo instrumental de exame crtico dos problemas e das propostasinterpretativas de compatibilizao entre a atuao das fundaes de apoio e o regime dedireito pblico, apontados pela doutrina jurdica e pelo Tribunal de Contas da Unio.

    A seguir, teceremos breves linhas sobre essa nova perspectiva, inserindo as fundaesde apoio no conceito de organizaes intermediadoras na cooperao entre universidade e

    empresa, apontando-o como referencial terico do trabalho, capaz de posicionar as fundaesde apoio como um tema relevante que impacta o desenvolvimento econmico do pas edemanda do sistema jurdico nacional respostas e alternativas para sua compatibilizao.

    b. Uma outra abordagem: organizaes de intermediao como instrumento decooperao entre universidade e empresa

    No contexto das relaes entre os atores que compe os setores de cincia, tecnologiae inovao nos pases, a dizer universidades, centros de pesquisa, empresa e governo, acooperao entre universidade e empresa vem ganhando maior expresso. Novas entidades einstrumentos jurdicos vm ganhando fora no intuito de aproximar centros produtores deconhecimento de locais de absoro e converso do conhecimento em novos produtos, processos produtivos e servios18.

    18 Segundo Robert E. Litan e Robert Cook-Deegan, tradicionalmente as universidades ocupam uma posiorelevante no desenvolvimento econmico dos pases. So as universidades responsveis pela criao deconhecimento e pela formao de mo de obra para a indstria, para o governo e para a cadeia de servios na

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    Atividades como a gerao e a transferncia de tecnologia passam a ganhar destaque,rearranjando o posicionamento destes atores, apontando para espaos em que a universidade,o governo e as empresas no atuavam.

    Nesse sentido, este trabalho se prope a analisar as fundaes de apoio como atoresrelevantes na gerao e na transmisso de tecnologia produzida na universidade para asempresas. Um papel necessrio a ser desempenhado, mas que ainda no encontrou respaldonas aes de nenhuma outra entidade. Um duplo para atividades de cooperao entreuniversidade e empresa, que por vezes pode cumprir um papel positivo criando as condies para a universidade pblica ingressar em arranjos cooperativos com a iniciativa privada,alternativamente, subvertendo as atividades realizadas pelas universidades, facilitando desvios

    e impedindo com que a misso da universidade seja atingida.Acreditamos que esta chave de anlise pode ser capaz de revelar aspectos no tratados

    na literatura jurdica sobre fundaes, como as razes de criao das fundaes de apoio, astransformaes de sua atuao no contexto universitrio pblico, sua relao com o setor produtivo, dentre outras questes relevantes para a reflexo sobre o tema. Vejamos de formaintrodutria no que se constitui esta nova perspectiva.

    Como primeira definio, podemos caracterizar as organizaes ou agentes de

    intermediao como entidades criadas por universidades ou pelo Estado com o intuito degarantir as condies de formao e manuteno de relaes de cooperao entre universidadee empresa, com vistas a facilitar a transferncia de tecnologia entre eles, bem como arealizao de parcerias de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e at a formao

    economia. Em linhas gerais, os autores apontam que trabalhadores com melhor formao estaro mais aptos aaprender e aplicar as habilidades adquiridas em seus estudos e suas habilidades inatas no ambiente de trabalho,adaptando-se mais rapidamente as mudanas na economia e ao progresso tcnico na indstria. Alm disso, aformao universitria tambm seria capaz de formar os empreendedores, aqueles que incorrem nos riscos de

    abrir seu prprio negcio, diversificando a economia e criando empregos, bem como os lderes do pas, aquelesque iro ocupar posies importantes no governo e na iniciativa privada. Todavia, os autores apontam para umaampliao das responsabilidades das universidades frente ao crescimento econmico dos pases. Nas ltimasdcadas, o que os autores chamaram de universidades de pesquisa (research universities) tem ampliado seuescopo de atuao para alm do ensino. Por meio de suas pesquisas, universidades tm sido capazes dedesenvolver novos conhecimentos, os quais so apropriados com maior intensidade por empresas na gerao deinovaes tecnolgicas nas empresas. Segundo os autores, esta apropriao e converso de conhecimento dasuniversidades em inovao tecnolgica nas empresas tem se constitudo em muitos pases como um vetorimportante para o crescimento econmico. Universidades em pases como os Estados Unidos, a Frana e aAlemanha passam a comercializar e produzir conhecimento em arranjos que contam com as empresas privadas,antes adstritas aos seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e servios e agoramuito prximas da universidade. Instrumentos jurdicos como as patentes, os contratos de licenciamento de uso,acordos de parceria, dentre outros, ganham maior importncia e relevo no que veio a ser chamado de cooperaouniversidade empresa, criando-se um novo campo de estudo, com impactos nas reas jurdicas, econmicas, degesto, dentre outras. Ver em: LITAN, Robert E.; COOK-DEEGAN, Robert. Universities and EconomicGrowth: The Importance of Academic Entrepreneurship. In: Rules for Growth: Promoting Innovation andGrowth Through Legal Reform. Kansas: Kauffman The Foundation of Entrepreneurship, 2011, pp. 55-57.

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    de empresas nascentes focadas na produo de inovao tecnolgica. Estas organizaesserviriam como interface do setor produtor de conhecimento em acordos celebrados com osetor de transformao destes em inovao tecnolgica. (NUNES, 2010, pp. 79 80).

    Surgem no contexto de iniciativas de universidades ou em programas de Estados, que passaram a organizar reas de produo e transferncia de tecnologia dentro dasuniversidades, buscando viabilizar o estabelecimento de relaes de parceria com asempresas. Iniciativas que buscaram ao longo do sculo XX incorporar a infraestrutura de pesquisa com a cadeia produtiva da indstria.19

    So organizaes que pressupem haver uma diferena de interesses e objetivos entreos centros produtores de conhecimento, em particular as universidades, e os destinatrios

    destes conhecimentos, as empresas, estas responsveis pela converso deste conhecimentogerado em novos produtos e processos produtivos.

    Enquanto a perspectiva dos produtores de conhecimento residiria no longo prazo, nadisseminao e apropriao destes conhecimentos pela sociedade, a perspectiva dosdestinatrios estaria na gerao de novos produtos e servios, em particular com vistas obteno de retornos financeiros de curto prazo.

    Organizaes de intermediao serviriam como um facilitador desta cooperao, pois

    teriam o potencial de, ao mesmo tempo, preservar os interesses dos produtores deconhecimento e atender os anseios de seus destinatrios. Facilitariam a aproximao de taisentidades sem comprometimento de nenhum dos interesses em jogo. (NUNES, 2010, p. 81)

    Atuariam como estruturas organizacionais catalisadoras da assimilao deconhecimentos pelo setor empresarial, traduzindo informaes do campo cientfico comooportunidades de negcio no contexto de mercado, bem como atuariam como entidades denegociao dos direitos sobre os resultados das tecnologias produzidas pelas entidades de

    19 Segundo David Mowery e Bhaven Sampat as universidades vem desempenhando um papel cada vez maisimportante no desenvolvimento industrial dos pases como fonte de produo de conhecimento cientfico e produo tecnolgica. Segundo os autores, so diversas as iniciativas de governos nacionais com intuito deaproximar as universidades do processo de inovao de produtos e servios que ocorre no mbito da produoindustrial. Dentre estas iniciativas, destacam-se a formao de parques tecnolgicos com investimentos deempresas no ambiente universitrio, em que se aglutinam empresas nascentes voltadas a produo deconhecimentos que possam ser apropriados pelas empresas investidoras. Segundo estes autores, o crescimento da pesquisa aplicada e o desenvolvimento tecnolgico em universidades em muitos pases pelo mundo apontam para transformaes da relao entre universidade e ambiente produtivo. Se anteriormente a universidade pormeio de suas atividades de ensino e pesquisa bsica cumpria o papel de fornecer mo de obra especializada paraa produo industrial, formando os gerentes, diretores e presidentes de empresas, com a ampliao de suasatividades, incorporando a intensificao da pesquisa aplicada e o desenvolvimento tecnolgico, a universidade passa a se inserir dentro da cadeia produtiva, como fornecedora e parceria de indstrias nos mais diversos setoresda economia. A este respeito conferir: MOWERY, David C.; SAMPAT, Bhaven N. Universities in NationalInnovation Systems. In: FAGERBERG, Jan; MOWERY, David C.; NELSON, Richard.The Oxford Handbookof Innovation.Oxford: Oxford University Press, 2005, pp. 209.

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    produo de conhecimento, articulando a transferncia segundo os objetivos e resultadosalmejados por estas entidades.20

    Neste sentido, a reflexo sobre a insero de organizaes de intermediao na

    cooperao entre universidade e empresa estaria no ncleo do debate sobre crescimentoeconmico dos pases, pois no apenas cuidaria das condies para o alcance de um maior progresso tcnico, como tambm est intimamente ligada ampliao e diversificao damatriz industrial destes pases.21

    Sem dvida, esta discusso tem adquirido linhas prprias, pois o tema da inovaotecnolgica apontado como central nas descries que buscam compreender o processo dedesenvolvimento dos pases desenvolvidos e os problemas de pases em desenvolvimento.

    Um debate que adquire feies jurdicas concretas a partir dos anos de 1980, quandoas primeiras leis com o objetivo expresso de aproximao entre universidade e empresa forameditadas, acompanhadas paulatinamente de uma avaliao dos resultados de sua aplicao,abrindo-se uma nova agenda de pesquisa para o tema22.

    Dentre elas, duas ganham destaque por sua influncia no Brasil, a Lei Francesa deInovao ( Loi sur l innovation et la recherchede 1999) e as Leis Norte Americanas deInovao (Stevenson-Wylder Technology Innovation Act e a Bayh Dole University and

    "# Segundo Albert N. Link, as organizaes de intermediao tem ganhado maior expresso em razo da reduo

    de departamentos internos de pesquisa e desenvolvimento de empresas em muitos setores industriais, que nosltimos anos tem apostado pela formao de parcerias com instituies de pesquisa, tendo grande destaque as parcerias realizadas com universidades e centros de pesquisa. Uma passagem que passa a exigir novasorganizaes e instrumentos para articulao entre instituies com misses e interesses distintos. Em sua obra,Link enxerga os escritrios de transferncia de tecnologia no contexto de universidades norte americanas comouma das expresses desta nova configurao de investimentos e parcerias entre empresa e universidade. Ver em:LINK, Albert. Public/Private Partnerships: Innovation Strategies and Policy Alternatives. New York: Springer,2006, p. 6. 21 Na relao entre inovao tecnolgica, pesquisa, desenvolvimento cientfico e crescimento econmico, podemos assinalar tambm a sntese elaborada por Link. Segundo o autor, as atividades de Pesquisa, divididasem bsica e aplicada, e a atividade de desenvolvimento de tecnologia, divida entre fases experimentais, o

    desenvolvimento de prottipos ou processos pilotos, e fase de testes, so etapas anteriores do que comumente sechama de inovao tecnolgica, definida de forma ampla como a introduo de novos produtos, processos produtivos ou servios na economia. So estas atividades de pesquisa e desenvolvimento que servem de base para a promoo da mudana tcnica na estrutura industrial dos pases, pois so elas geradoras de inovaotecnolgica, capaz de diversificar a produo, ampliar a competitividade das empresas e inaugurar novosmercados para empresas nacionais. A mudana tecnolgica promovida pela gerao de inovao seria uma das principais causas de crescimento econmico, elevando a importncia das instituies responsveis por atividadesde pesquisa e desenvolvimento, como as universidades e centros de pesquisa. Conferir em: Idem, p. 8.22 Apenas a ttulo exemplificativo podemos mencionar seis diplomas normativos em diferentes pases do mundocom essa inteno expressa, so eles: (i) National Research Development Corporationde 1948 (Reino Unido);(ii) Stevenson-Wylder Technology Innovation Act de 1980 (Estados Unidos); (iii) Bayh Dole University andSmall Business Patent Actde 1980 (Estados Unidos); (iv) Bundesministerium fr Bildung and Forschung Patentinitiativede 1996 (Alemanha); (v) Loi sur l innovation et la recherche de 1999 (Frana); e (vi)The Lawto Promote Technology Transfer from University to Industryde 1998 (Japo). Ver em: BARBOSA, DenisBorges. et al. Direito da inovao: comentrios Lei Federal da Inovao, Incentivos Fiscais Inovao, Legislao estadual e local, Poder de Compra do Estado (modificaes Lei de Licitaes). 2 ed. rev. eaumentada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 1

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    Small Business Patent Actambas de 1980), cada uma articulando uma forma particular suasorganizaes de intermediao.

    No caso norte-americano os chamados escritrios de transferncia de tecnologia

    (technology transfer offices) dentro das universidades e no modelo francs o Centro Nacionalde Pesquisa Cientfica (Centre National de la Recherche Scientifique CNRS ), principalarticulador da cooperao entre universidade e empresa na Frana.

    Em comum a todos os modelos legislativos, encontra-se um novo conceito deuniversidade, no mais adstrito s atividades de ensino e pesquisa bsica, mas que pretende seinserir como parte da cadeia produtiva dos mais diversos setores industriais, participandocomo agente produtor de conhecimento aplicado e tecnologia23.

    Segundo Henry Etzkowitz, um dos principais estudiosos sobre o tema, o maiordestaque da universidade nos novos arranjos com a indstria se d, pois:

    A universidade o princpio gerador de sociedades baseadas no conhecimento,assim como o governo e a indstria foram as principais instituies em sociedadesindustriais. A indstria continua a ser um ator-chave na sociedade como o lcus da produo, assim como o governo sendo fonte das relaes contratuais que garantaminteraes estveis e intercmbio [entre indstria e universidade]. A vantagemcompetitiva da universidade em relao a outras instituies produtoras deconhecimento so seus alunos. Sua entrada regular e contnua nos cursos degraduao, trazendo novas ideias, contrasta com a pesquisa e desenvolvimento (P &D) de unidades de empresas e laboratrios governamentais que tendem se ossificar,faltando um fluxo contnuo de capital humano que construdo nauniversidade. 24

    23 Segundo Robert E. Litan e Robert Cook-Deegan, o objetivo primrio e inafastvel das universidades adescoberta e disseminao de conhecimento. Pesquisas e marginalmente as atividades de ensino e extensoseriam capazes de gerar e formatar as informaes dispostas de forma bruta na sociedade. Informaes queadquirem roupagens diferentes nas faculdades, podendo ser construdas segundo teoremas e frmulasmatemticas, ou pela gerao de novos leitores eletrnicos ou pelo desenvolvimento de novas protenas e novasdescobertas sobre sequenciamento gentico. Cada uma apresenta em maior e menor grau o potencial deapropriao por parte das empresas, de modo a serem incorporadas na cadeia produtiva da indstria e dosservios na economia. Dado os graus de maior ou menor concretude e apropriabilidade destes conhecimentos, as

    universidades passaram a se enxergar como centros produtores, titulares de direitos sobre os conhecimentos mais prximos de se tornarem produtos. Titulares ao lado dos inventores, pois sem a sua infraestrutura e seu ambientede troca de informaes estes novos conhecimentos no teriam condies de serem gerados, podendo agora como retorno financeiro de sua comercializao ampliar a sua infraestrutura de pesquisa e seu nmero de pesquisadores. Esta transformao na universidade a enxerga como um novo e importante agente produtor deconhecimento, parte da cadeia de servios e da matriz industrial dos pases. Ver em: LITAN, Robert E.; COOK-DEEGAN, Robert. Universities and Economic Growth: The Importance of Academic Entrepreneurship. In: Rules for Growth: Promoting Innovation and Growth Through Legal Reform. Kansas: Kauffman TheFoundation of Entrepreneurship, 2011, pp. 58-59.24 Traduo livre do trecho: The university is the generative principle of knowledge-based societies just asgovernment and industry were the primary institutions in industrial societies. Industry remains a key actor as thelocus of production, government as the source of contractual relations that guarantee stable interactions andexchange. The competitive advantage of university, over other knowledge-producing institutions, is its students.Their regular entry and graduation continually bring in new ideas, in contrast to research and development (R &D) units of firms and government laboratories that tend to ossify, lacking the "flow-trough of human capital" thatis built into the university. Ver em: ETZKOWITZ, Henry.The Triple Helix: university-industry-governmentinnovation in action. New York: Routledge, 2008, p. 1.

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    No Brasil, a reflexo sobre cincia, tecnologia e inovao apresenta caractersticas peculiares, importantes para o posicionamento do estudo do papel de organizaes de

    intermediao no contexto nacional. O pas possui uma importante infraestrutura cientficadentro de suas universidades pblicas, porm, esta no incorporada na matriz industrialnacional, ainda associada importao de tecnologia e inovao. Nesse sentido, o pasobserva um descompasso entre a produo cientfica e gerao de inovao tecnolgica.

    Enquanto o pas cresce em importncia no cenrio econmico mundial, estando entreas dez maiores economias do mundo, ocupa apenas a 68 posio